A ditadura brasileira e os dois demônios
Aqui, continuamos com os dois demônios no discurso da direita: “Se houve assassinatos, houve assassinatos dos dois lados”. Pior, temos continuado sob o demônio do terror de Estado, pois volta o negacionismo da ditadura Leio na SWI swissinfo.ch: “Buenos Aires, 8 dic (EFE).- El presidente argentino, Alberto Fernández, homenajeó este miércoles a las doce personas secuestradas entre el 8 y el 10 de diciembre de 1977 en la Iglesia de la Santa Cruz, uno de los episodios más recordados de la última dictadura cívico-militar argentina (1976-1983). Entre los desaparecidos se encuentran tres referentes de Madres de Plaza de Mayo (Azucena Villaflor de Vicenti -fundadora de la agrupación-, María Ponce de Bianco y Esther Ballestrino de Careaga), así como dos monjas francesas (Léonie Duquet y Alice Domon). “Acá no hubo dos demonios. Hubo un terrorismo de Estado que se llevó la vida de miles y miles de argentinos y argentinas. Este es un homenaje que la Argentina le debe a cada víctima del terrorismo de Estado”, aseguró Fernández en declaraciones recogidas por Presidencia” (1) E mais leio, em notícia da Casa Rosada: “El presidente Alberto Fernández señaló esta noche que ‘hoy lo central es la memoria, lo central es mantener en pie la exigencia de la búsqueda de la verdad y la justicia’, al participar del homenaje a las 12 personas secuestradas entre el 8 y 10 de diciembre de 1977 por la dictadura cívico militar”. (2) Que diferença para o Brasil! Aqui, continuamos com os dois demônios no discurso da direita: “Se houve assassinatos, houve assassinatos dos dois lados”, falam, enquanto omitem os prisioneiros torturados e mortos de um só lado. Pior, temos continuado sob o demônio do terror de Estado, pois volta o negacionismo da ditadura. O governo fascista chama de heróis autores de crimes contra a humanidade. Sobre nós, como um Pentecostes do terror, desce uma nova língua que zomba da civilização. Então sou obrigado a voltar à memória do que a extrema direita do Brasil quer esconder. Isto é, vou a uma página do meu romance “A mais longa duração da juventude” em um trecho que narra o ano de 1973: “Nas pessoas que vi não houve mártires. Nelas jamais existiu a dor, a morte como um estágio para a vida futura, deles próprios, indivíduos, nunca. O futuro era para todos, seria para a humanidade. É difícil, um satanás me sopra, ter mudança apoiada em ideias gerais. Espanto essa dispersão do satanás. Tenho a visão de que os militantes massacrados foram heroicos, mas o heroísmo não estava nos seus planos. Ainda que proclamassem, em panfletos e discussões acaloradas, que a repressão não passaria, que eles, os guerreiros, iriam até as últimas na defesa das suas convicções, ainda assim, uma coisa é o que se fala, outra é o momento mesmo da definição real. E para essa última realidade nunca estamos preparados. Age-se ou morre-se. Pior, agimos e morremos. Vargas estava apavorado. ‘Pavor, pavor, os olhos de Vargas eram só pavor’, registrava a advogada Gardênia no diário. E por ela, por sua palavra de verdade, registro nunca desmentido das páginas do seu diário, bem podemos vê-lo. Quando Vargas subiu no elevador daquele edifício Ouro, ele era um homem apenas desesperado. Sem a certeza dos passos que daria a partir de então. Para ele havia ficado claro que Daniel, o simpático, prestativo e corajoso Daniel, não passava de um agente infiltrado. A informação lhe fora confirmada por pessoa de confiança, o primo Marcinho. E a sua pista e confirmação era a de que o ‘bravo’ Daniel usava o carro de um coronel do Exército, militar anticomunista. Então Vargas soube que seria o próximo a cair. Mas não sabia para onde, nem a extensão precisa da altura do precipício de onde seria empurrado. Ele era o ‘terrorista’ a ser preso a seguir. ‘Preso’, era a sua esperança frágil e incerta. Ele se via no elevador como uma chama de vela soprada por vento numa noite escura. A sua vida era uma chama que se curvava, diminuía, e ele com as mãos procurava proteger. Na verdade, nem tanto a ele próprio, porque já se via mesmo jogado na bagaceira como um resto de cana moída, mas a chama que não queria apagar era a da sua companheira, a terna e indefesa Nelinha, a pequena e única Nelinha. Que os malditos, os fascistas chegassem até ele, isso era previsível. ‘Eu sou um homem’, ele se diz no íntimo, mais como um desejo do que como uma certeza. ‘Se não sou um homem, eu o serei’, ele se diz depois, antes de apertar a campa do apartamento da advogada Gardênia. Mas como as coisas, mesmo ali, possuem um acento irônico. ‘Campa’, ele aperta com as mãos trêmulas, que pode dar na outra campa, do cemitério. O que se passa com um homem quando caminha para a sua morte? Entrou no prédio quase de um salto, como quem entra no consulado em área livre da guerra civil. Subiu no elevador como as pessoas sem saída vão, e agora aperta a campa da advogada com a sua chama trêmula. Vida açoitada pelo vento em suas mãos. ‘Eu sou um homem’, e de tanto ódio pela tremedeira incontrolável, fecha os punhos, trinca a boca, pressiona os maxilares. ‘Eu sou um homem, porra. Eu não traio. Eu não trairei o que eu sou. Porra!’. E a porta se abre. À sua frente surge ela própria, a bela e ardente advogada Gardênia Vieira. Ela não é alta, nem suave ou feminina, quero dizer, naquele sentido de bailarina delicada de porcelana. Pelo contrário, em vez de amparável, porque a sua fina louça podia quebrar, de Gardênia vem uma força moral que abriga, como tem abrigado mais de uma pessoa, físico e alma torturada no Recife. Mas além da fortaleza moral, de onde vêm a sua beleza e feminilidade? Era preciso vê-la para notar o que não se revela nos retratos. Gardênia olha firme e direto, como poucas mulheres usam e ousam olhar fundo em um homem, e nem … Continue lendo A ditadura brasileira e os dois demônios
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