A utopia, a esperança e o jornalismo
por Elaine Tavares Se existe algo que tira totalmente a esperança de alguém é a leitura dos jornais, revistas semanais ou noticiários de TV. Vê-se de tudo, menos jornalismo. Esse é um fazer que se desintegra no universo da propaganda e do incensamento do sistema capitalista de produção. O que fazem os meios de comunicação comerciais é o falseamento da realidade, escondendo-a, ou então a invenção de um presente/futuro a partir da mentira. Quem não se lembra das “armas químicas” do Iraque, que levaram a uma guerra e à destruição completa de um país? Os meios inventam realidades que, depois, se fazem reais de verdade. Por isso não é nada fácil, nos tempos atuais, falar em esperança ou utopia. Diante do niilismo que impera no mundo, fica quase risível insistir em ideias tão dinossáuricas. Mas o ponto de vista deste ensaio é sempre o da realidade da maioria da população e é para ela que nos propomos a fazer jornalismo, o de verdade, o que já é uma utopia em si. Neste sentido, compreendendo que a vida real se tece na trama desses dois fundamentos (utopia e esperança), insistimos nos conceitos, tentando vislumbrar alguma coisa nova, que torne o jornalismo ainda uma atividade possível e necessária. Teixeira Coelho, no seu pequeno livro O que é Utopia começa com uma assertiva que julgamos capital: um dos traços que caracteriza o humano é a esperança. Ele deixa bem claro que ter esperanças não é meramente sonhar, é, isso sim, usar a imaginação utópica. “Ela não é delirante nem fantástica. Parte de fatores subjetivos, mas guia-se por fatores objetivos”. Segundo o autor, a imaginação utópica é um projeto, algo que se lança lá na frente para seguir o rumo de sua construção. Para Coelho, é necessário que se pense de forma muito carinhosa acerca dos mitos que sempre estiveram presente na história humana camuflados de religião, tais como a “terra sem males” e o “paraíso”, pois eles continham, e ainda contém elementos básicos do desejo de uma vida melhor. No plano das ideias, fora do juízo religioso, o autor diz que o primeiro projeto utópico foi A República, de Platão. Na cidade dos homens imaginada pelo filósofo, o fundamento era uma vida ideal. Depois, Thomas More, com sua ilha Utopia, falava de um lugar em que todos trabalhavam para todos e o faziam apenas por seis horas. “Naqueles tempos isso era uma ilusão (o trabalho por seis horas). Hoje é? Isso é imaginação utópica!” Teixeira Coelho também lembra que a utopia nem sempre é uma coisa boa, existem desejos que caminham para o totalitarismo, a barbárie, como o que acontece com o Admirável Mundo Novo ou 1984, na ficção, e o Nazismo e o Stalinismo, na política real. Por isso, vê a necessidade de impor dois conceitos no gênero utopia, que divide em eutopia (lugar bom) e a distopia (lugar mau). Segundo ele, os primeiros traços da utopia vieram com os movimentos messiânicos que, em nome de Deus, reivindicavam vantagens sociais muito vagas visando garantir apenas o presente. O alemão Ernst Bloch vai relatar uma dessas manifestações da utopia na história do líder religioso e revolucionário alemão Thomas Münzer, mas certamente não concordaria que seus ideais seriam “garantias sociais vagas”. Naqueles dias, no limiar de 1500, Münzer vivia numa sociedade em que os príncipes exigiam dízimos insuportáveis, os camponeses eram barrados nas cidades, havia muita miséria e opressão. Isso provocou nele o desejo de uma sociedade em que o homem não fosse mais lobo do homem. Levou ao impulso de Justiça e à vontade impaciente de entrar no paraíso, provocou a revolução. “A luta não foi só por melhores dias mas para alcançar o fim de todos os dias”, diz Bloch. A luta que estremeceu a Alemanha daqueles dias tinha sua carga de imaginação utópica. Havia o “sonho” de voltar à liberdade do mundo comunista-cristão. Havia um “lá na frente” muito bem delimitado e possível. E mesmo depois de esmagada a revolução e assassinado o seu principal mentor, Münzer, sua negação do real injusto continuou ecoando tão atual quanto em 1500. “Enquanto os sem-nome estiverem perdidos na miséria, não pode haver descanso”, dizia. Bloch lembra que, para Münzer, o homem que chegasse ao fundo do abismo, na mais absoluta descrença e desespero, esse devia subir, tornar-se livre em Cristo, a partir da imaginação utópica. “Só na mais profunda escuridão canta o rouxinol”, vaticinava. E finaliza a história da revolução utópica de Münzer dizendo que ela não foi em vão e que “por cima das ruínas e das esferas culturais arrasadas desse mundo, brilha altaneiro o espírito da indescaraterizável utopia”. Mas se até o tempo de Münzer a utopia era só um lugar mítico, a revolução francesa inaugura outro olhar e passa a ser um lugar no futuro, possível de construído pelo homem. Um lugar novo, filho da revolução. Não mais o “paraíso”, mas um espaço de justiça, como lembra Teixeira Coelho. Séculos mais tarde o programa socialista/comunista radicaliza o conceito e torna o futuro historicamente determinado pela mão dos trabalhadores, que, a partir de um processo o fariam acontecer. Teixeira Coelho acredita que o mundo caminha atualmente para a distopia (lugar ruim) e que a desilusão tende a se instalar. Ele deixa claro que o que está morrendo não é a utopia em si e sim a utopia exclusivamente política. “Mas a imaginação utópica não se limita a isso”, insiste. Vale lembrar que ele escreveu seu livro em 1981, longe das mudanças drásticas que o mundo viveu ao final da década de 80 e daí para frente, mas seu argumento continua válido. Mesmo diante das profecias de fim da história, fim das ideologias etc, há um excedente utópico que está para além da política, capaz de romper as muralhas e abrir caminhos para uma humanidade reconciliada. Aí está a esperança! Pierre Furter, no seu livro Dialética da Esperança, escrito em 1974, traz toda a argumentação do filósofo alemão Ernst Bloch sobre essa palavra tão tripudiada nos tempos pós-modernos: a esperança, que de … Continue lendo A utopia, a esperança e o jornalismo
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