Antonio Callado vislumbrou um país mais justo com as Ligas Camponesas antes do golpe de 64

Bem-vindo ao Fatos da Zona, onde adaptamos os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre para o audiovisual. Neste vídeo, falamos das Ligas Camponesas, movimento em prol da reforma agrária e contou com a ajuda da Igreja Católica e do Partido Comunista Brasileiro e de lideranças como Francisco Julião e João Pedro Teixeira.   por Fernando do Valle Antonio Callado – No início dos anos 60, uma revolução social se desenhava em Pernambuco com a luta por justiça social pelas Ligas Camponesas. Milhares de camponeses se organizaram em prol da reforma agrária com a ajuda da Igreja Católica e do Partido Comunista Brasileiro e de lideranças como Francisco Julião e João Pedro Teixeira (cuja história foi contada com maestria por Eduardo Coutinho no documentário Cabra Marcado para Morrer). Entre 7 de dezembro de 1963 e 19 de janeiro de 1964, o jornalista e escritor Antonio Callado publicou uma série de reportagens no Jornal do Brasil sobre o movimento reunidas no livro Tempo de Arraes – padres e comunistas na revolução sem violência. Poucos meses antes, Miguel Arraes havia sido eleito governador de Pernambuco e deu suporte às Ligas. Callado já tinha realizado reportagens para o Correio da Manhã em 1959 em Pernambuco sobre o movimento camponês que combatia os desmandos dos coronéis e latifundiários. Animado com o que viu por lá, Callado vaticinou meses antes do golpe: “sob a liderança de Miguel Arraes, Pernambuco se dedicara a mais escassa das atividades deste país: a de fazer História”. Em 1967, Callado publicou Quarup, livro genial que desvenda o Brasil real através das agruras de Nando, um padre idealista, que se dedica à defesa de índios e camponeses. Entre as medidas que contaram com o apoio de Arraes e favoreceram os trabalhadores no campo, houve a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural, que entre outras medidas, aumentava em 150% a diária paga aos camponeses da zona canavieira de Pernambuco, que passaram também a ter direito ao 13º salário. O governador Arraes também modificou o trabalho policial, uma das principais engrenagens que mantinha tudo sempre igual há muito, muito tempo. Se antes, a polícia funcionava praticamente como uma tropa exclusiva em defesa dos interesses dos latifundiários e donos de engenhos, agora seus integrantes agiam em defesa do Estado de Direito, respeitando todos, principalmente os mais pobres. “Quem quiser matar camponeses, tem de fazê-lo por conta própria”, sentenciava Callado, denunciando os crimes cometidos pela polícia pernambucana. O convívio com os camponeses das Ligas e o caráter pacífico do movimento enchiam o jornalista Callado de esperança. Ele rechaça o quadro de caos e violência propagado pelos setores conservadores, segundo ele, a situação em Pernambuco “não parece em absoluto encaminhar-se para a guerra civil e sim para uma extrema democratização do Estado”. Óbvio ululante que os latifundiários não embarcaram no entusiasmo de Callado e a reação foi na base da bala para a manutenção do status quo vigente. Entre os resistentes, encontramos Alarico Bezerra, “espécie de latifundiário de literatura de cordel”, que não se conformava com os novos direitos dos trabalhadores como o salário mínimo, 13º salário e indenização pra quem abandonasse suas terras. Com a debandada dos trabalhadores, seu genro sugeriu que ele arrendasse o engenho para outro, Alarico Bezerra revidou: “seu comunista!”. O dono do engenho foi embora para Recife sem pagar os trabalhadores. “O Brasil é um país tão tímido que até hoje não tem História nenhuma. Só temos golpes, a História feita às pressas, envergonhadamente… Pernambuco tomou nojo do Brasil, da injustiça social que a gente procura esconder” (Antonio Callado). A primeira Liga Camponesa surgiu no engenho Galileia, em Vitória de Santo Antão, a 53 quilômetros da capital pernambucana, em 1955. A propriedade congregava 140 famílias de foreiros (trabalhadores que pagam uma taxa para o dono da terra) que não conseguiam mais pagar o valor cobrado pelo proprietário. Aqui vale lembrar o estado de abandono que vivia a população nordestina na época. Só para citar um exemplo, dez anos antes, em 1945, um em quatro bebês morria em Salvador antes de completar um ano. Se em uma das cidades mais importantes da região, a situação era essa, no interior a extrema pobreza, a fome e o analfabetismo eram a rotina de um cenário social dramático. Diante da difícil situação, os trabalhadores rurais fundaram a Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco (SAPPP), a elite local passou a chamá-la de liga de forma pejorativa, pois assim eram chamadas algumas tentativas de organização camponesa que não vigaram na década de 40. O nome vingou e a SAPP passou a ser conhecida como Liga Camponesa, e outras semelhantes começaram a surgir em Pernambuco e na Paraíba. O advogado Francisco Julião, que já atuava desde a década de 40 em defesa dos direitos de camponeses, foi chamado para assessorar a formação da Liga Camponesa da Galileia e o nome de Julião passou a ser identificado ao movimento das Ligas. Muitos até hoje ainda acreditam que foi Julião o fundador da Liga da Galileia, o próprio Julião esclarece que foi procurado por um grupo de camponeses com certa militância política. Segundo ele, uma comissão foi à sua casa e propôs que ele assessorasse o grupo, Julião aceitou de pronto. Como em 1954, Julião havia sido eleito deputado estadual pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro), seus discursos na Assembleia Legislativa em defesa de justiça no campo o tornaram símbolo do movimento. Em 1958, Julião foi reeleito com consagradora votação e em 1959, venceu o processo judicial que garantiu a posse das terras do engenho da Galileia para seus moradores, baseando-se em uma lei recém-promulgada que determinava a desapropriação da propriedade com pagamento de indenização ao antigo dono. “Já foi há quatro anos que procuraram Julião no Recife. Sua revolução modesta é hoje uma realidade nacional. Mil pessoas e um bacharel fizeram uma Revolução Francesa em algumas centenas de hectares de terra de cana no Brasil. Julião registrou como sociedade de fins beneficentes a associação dos lavradores (Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco, que … Continue lendo Antonio Callado vislumbrou um país mais justo com as Ligas Camponesas antes do golpe de 64