O Ministério dos Povos Originários

A proposta do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva de criar um ministério para os assuntos indígenas pode cumprir um importante papel na politização do tema indígena no Brasil, trazendo as demandas para o centro da luta de classes, articuladas também com as exigências dos trabalhadores. O governo de Jair Bolsonaro, já nos primeiros dias de mandato em 2019, tomou para si a defesa de que era chegada a hora de “incluir” os povos originários na vida brasileira. Mas, a inclusão de que falava era a de que os indígenas deveriam deixar suas aldeias e se transformar em trabalhadores nas cidades, deixando para trás suas terras que poderiam então ser incorporadas ao agronegócio ou à mineração. Um discurso torto, como todos no seu mandato, mas que chegou a agregar algumas lideranças indígenas já cooptadas pela ideia de usar seu território para ganhar dinheiro. Por outro lado, a maioria das comunidades decidiu se posicionar contra isso e foi o movimento de luta indígena o primeiro a se levantar em luta contra o novo governo que começava. A batalha teve início já no primeiro dia quando Bolsonaro iniciou o desmonte da Funai e se seguiu pelos quatro anos afora com marchas, acampamentos e atos públicos. Ao longo desse tempo, o governo foi totalmente conivente com as invasões de terra indígena levadas a cabo por fazendeiros e mineradores e também lento nas ações envolvendo os incêndios na Amazônia e no Pantanal. Além disso, Bolsonaro foi omisso nos casos de assassinatos e violências contra os indígenas e completamente relapso durante à pandemia no que tocou aos povos originários. Todas essas não-ações estavam completamente dentro de sua proposta de extinguir as comunidades para o bem do capital. Ainda assim, mesmo com toda essa campanha contra os indígenas, o movimento articulado e organizado se manteve firme na luta e decidiu inclusive entrar de cabeça no jogo das eleições, buscando colocar representantes indígenas em todas as instâncias, tais como prefeituras, assembleias legislativas e Congresso Nacional. Obviamente, o processo foi eivado de contradições, com um grande número de indígenas disputando as eleições por partidos marcadamente de direita, portanto, completamente vinculados ao projeto de Bolsonaro. Isso coloca uma questão que deveria sulear o debate agora no próximo governo: as questões indígenas ficarão no gueto – restritas aos originários – ou vão realmente ser vistas como uma parte significativa da realidade brasileira? Ainda que os povos originários brasileiros ocupem apenas 13% do território com uma população de quase um milhão de almas, eles conformam 305 etnias diferentes falando mais de 274 línguas e com 724 áreas definidas como terras indígenas. Um universo diverso nos quais ainda se travam muitas batalhas por demarcação legal. O inédito protagonismo da luta indígena no governo Um ministério voltado às questões indígenas deverá se preocupar com as mais diversas demandas que ainda perduram na pauta de luta do movimento, desde o território até questões como saúde, educação, segurança. Mas, também precisará mergulhar na política geral, entendendo que os povos originários que aqui vivem fazem parte do chamado povo brasileiro e, como tal, precisam também estar vinculados às lutas da maioria dos trabalhadores não-indígenas pela construção de um modo de produção no qual todos possam ter vida em abundância. Afinal, no capitalismo, por mais que as comunidades indígenas conquistem autonomia, elas sempre estarão na mira da exploração, pois é da natureza do capital se expandir e isso significa se apropriar de tudo o que há, seja do território ou do modo de vida indígena como mercadoria exótica para “inglês ver”. A sociedade organizada brasileira como sindicatos, centrais, movimentos do mais diversos, costuma se aliar às causas indígenas em lutas pontuais, mas não se percebe no interior de cada um deles um acompanhamento sistemático desses temas. Do mesmo modo, o movimento indígena muito raramente se integra nas lutas mais gerais dos trabalhadores ou na defesa de outra forma de organizar a vida tal como o socialismo. Ainda assim, as demandas dos povos originários têm muitas coincidências com os da maioria dos trabalhadores. A existência de um ministério que cuide das questões indígenas pode ser um grande passo para que essa aliança entre as comunidades originárias e os trabalhadores não-indígenas se faça e se fortaleça. Vai depender muito de como o governo vai encaminhar o processo. É fato que as comunidades indígenas têm suas especificidades, mas também é fato que se estiverem junto com os demais trabalhadores na luta por outra forma de organizar a vida, pode ficar bom para toda a gente. O modo capitalista de produção é um grande sanguessuga da força dos trabalhadores e cobiça sistematicamente as terras originárias, bem como abomina o modo de vida dos indígenas que não vivem para a produção de mercadorias. Logo, essa aliança é necessária e urgente. Só fora do capitalismo, indígenas e trabalhadores podem constituir uma sociedade justa. Oportunidade de reparação É bom lembrar que os povos originários já travaram uma grande batalha contra o governo de Lula durante seus dois mandatos, quando ele decidiu construir Belo Monte no meio da Amazônia para gerar energia que seria vendida aos Estados Unidos e o tempo mostrou que os indígenas estavam certos. Foi causado um grande estrago no território, com remoção de famílias, sem real necessidade. A questão que se põe é: estará o Lula de agora realmente disposto a ouvir as comunidades? Esta é a primeira vez no Brasil que a questão indígena será tratada com esse destaque dentro de um governo, tendo inclusive um ministério. Que seja uma estrada segura para a construção de um país capaz de articular, com sabedoria e participação direta, a política geral, a luta dos trabalhadores e as especificidades indígenas. Um desafio. Os Yanomami Os trabalhadores e os indígenas   Segue o massacre aos povos indígenas Indigenista Ricardo Rao conta como escrachou Marcelo Xavier