O que Machado de Assis falou do juiz Sérgio Moro

por Urariano Mota O maior escritor brasileiro, gênio absoluto, não deixaria de falar sobre as aparências de justiça da direita brasileira. Mas o mais impressionante é que ele, Machado de Assis, tenha já falado do juiz Sérgio Moro. Sim, daquele mesmo que faz do Paraná o centro do golpe contra a democracia no Brasil. Acompanhem, porque toda arbitrariedade da hipócrita limpeza da sociedade já foi escrita desde 1882, para tipos e gênero como Sérgio Moro, que são mais antigos do que se imagina. Com a pena da galhofa e a tinta da melancolia do mestre da literatura nacional acompanhem, porque não será difícil ver o que poderá sair desse estranho encontro separado por 134 anos. As linhas e a fala de Machado de Assis sobre Sérgio Moro estão em O Alienista, sobre o qual comento agora, livre da delação premiada. Já no começo, ele escreve: “A ciência, disse ele a Sua Majestade, é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo”. Ora, por motivos ficcionais, o Sua Majestade aí quer dizer complexo mídia e direita brasileira. Itaguaí é o novo nome da justiça federal em Curitiba. E a ciência vem a ser os meios de espionagem e montagem sobre os inimigos que se quer denunciar. Mas não nos percamos, porque Machado de Assis observa:  “Foi então que um dos recantos desta lhe chamou especialmente a atenção, – o recanto psíquico, o exame de patologia cerebral. Não havia na colônia, e ainda no reino, uma só autoridade em semelhante matéria, mal explorada, ou quase inexplorada… A saúde da alma é a ocupação mais digna do médico”. É claro que em “patologia cerebral” está uma metáfora para a “corrupção que interessa”. E por médico se deseja falar “juiz federal especializado em Harvard e no Departamento de Estado do governo dos Estados Unidos”, que não formam ninguém sem a inoculação da ideologia capitalista. E por “saúde da alma” entenda-se a limpeza Lava Jato. Mas vamos adiante, porque agora começa a verdadeira antecipação do gênio de Machado. “De todas as vilas e arraiais vizinhos afluíam loucos à Casa Verde. Eram furiosos, eram mansos, eram monomaníacos, era toda a família dos deserdados do espírito. Ao cabo de quatro meses, a Casa Verde era um povoação. Não bastaram os primeiros cubículos; mandou-se anexar uma galeria de mais trinta e sete. O padre Lopes confessou que não imaginara a existência de tantos doidos no mundo, e menos ainda o inexplicável de alguns casos”. Observem que assim disposto a pesquisar a corrupção onde interessa, não faltariam mesmo loucos ou corruptos, de toda a família dos deserdados da ética. A Casa Verde, o outro nome antecipatório da cadeia da Polícia Federal em Curitiba, virou uma povoação. Nos cubículos, nas celas já não cabem tantos corruptos, falsos corruptos ou quem o alienista Moro desejar como corrupto. E Machado de Assis esclarece:  “Uma vez desonerado da administração, o alienista procedeu a uma vasta classificação dos seus enfermos. Dividiu-os primeiramente em duas classes principais: os furiosos e os mansos; daí passou às subclasses, monomanias, delírios, alucinações diversas. Isto feito começou um estudo acurado e contínuo; analisava os hábitos de cada louco, as horas de acesso, as aversões, as simpatias, as palavras, os gestos, as tendências; inquiria na vida dos enfermos, profissão, costumes, circunstâncias da revelação mórbida, acidentes da infância e da mocidade, doenças de outra espécie, antecedentes na família, uma devassa, enfim, como a não faria o mais atilado corregedor. E cada dia notava uma observação nova, uma descoberta interessante, um fenômeno extraordinário”. Mas não é extraordinário? Está aí o método de investigação do Dr. Moro. Extraordinária é a previsão em mais de 130 anos do bruxo do Brasil. Olhem só se não é verdade: a divisão entre os loucos, os corruptos furiosos e mansos. Para os primeiros, o peso da lei que alcança todo e qualquer delinquente popular. Para os segundos, os mansos, o que vale dizer, para os que colaboram com a delação premiada, a suavidade e o melhor tratamento. Isso feito, passa-se à análise dos dossiês, dos hábitos, simpatias, palavras, gestos e tendências dos escolhidos furiosos, que loucos apoiaram os governos Lula e Dilma. Daí se vai aos antecedentes familiares, à vida pessoal, “a uma devassa, enfim, como a não faria o mais atilado corregedor”. E a cada dia, a cada semana, uma descoberta interessante. O escritor disse tudo ou não? Mas o velho Machado foi mais longe:  “Daí em diante foi uma coleta desenfreada. Um homem não podia dar nascença ou curso à mais  simples  mentira  do  mundo, ainda  daquelas  que  aproveitam  ao  inventor  ou  divulgador….” O que me dizem? Notam a previsão absoluta do princípio acanalhado da delação premiada? Na delação, ou nos chamados com pompa de “processos investigatórios”, há curso e experiência até mesmo para a mais simples mentira. Mas não nos percamos, porque o melhor virá adiante. Atentem porque assim falou Sérgio Bacamarte, ou melhor, Simão Moro, quero dizer, Simão Sérgio Bacamarte Moro:  “Trata-se, pois, de uma experiência, mas uma experiência que vai mudar a face da terra. A loucura, objeto dos meus  estudos, era  até  agora  uma  ilha  perdida  no  oceano  da  razão; começo  a  suspeitar  que  é  um  continente”. Isso quer dizer: a corrupção, que no começo deveria ser uma ocorrência isolada, como se fosse uma ilha de pecado em um mar de virtude, vê-se agora que é maior. Ou seja: em um sistema corrupto por essência, gênese, nascimento e destino, Simão Moro Bacamarte ainda vai descobrir o capitalismo, esse verdadeiro continente. Ou como escreveu e antecipou Machado de Assis: “Simão Bacamarte refletiu ainda um instante, e disse:  – Suponho o espírito humano uma vasta concha. O meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é a razão; por outros termos, demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia”. Mas onde está a razão, ou a decência, ou a pura honestidade? Devemos dizer, onde se encontra a perolazinha da … Continue lendo O que Machado de Assis falou do juiz Sérgio Moro