Rubem Fonseca e o silêncio que não apaga o passado

Como o escritor Rubem Fonseca sente verdadeira ojeriza por entrevistas, sempre pairou a desconfiança de que a causa dessa aversão advém da tentativa de esconder seu convívio nos anos 60 com algumas figuras de destaque da ditadura militar. Fonseca participou da direção do IPÊS (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), que organizou a base ideológica para o golpe de 64, e foi próximo do general Golbery do Couto e Silva, uma espécie de eminência parda do regime de exceção. Em entrevista a revista Bravo! em 2009, o jurista Candido Mendes declarou: “Eu me lembro do fascínio do general Golbery com o José Rubem… Ele admirava o José Rubem por sua capacidade, sua implacabilidade de raciocínio”. Através de Golbery, Fonseca conheceu seu primeiro editor, o ex-camisa verde (apelido dos integralistas), Gumercindo Rocha Dorea, diretor da Editora GRD, que publicou os dois primeiros livros de Rubem: Os Prisioneiros (1963) e Coleira do Cão (1965). Não é possível mais defender o silêncio do escritor que, sem dúvida, teve papel primordial na literatura brasileira das últimas décadas, como apenas uma característica de sua personalidade. Alguns até comparam o silêncio de Rubem ao de outro escritor que também influenciou toda uma geração de escribas, o vampiro de Curitiba Dalton Trevisan, que também rechaça qualquer investida da imprensa. No caso de Trevisan, talvez aí sim seja uma característica pessoal como até indica seu apelido. Já Rubem, nos últimos anos, tem falado e mostrado sua verve em eventos tanto no exterior como em algumas ainda raras ocasiões no país. Assista aos dois vídeos de aparições públicas do escritor no texto Zonacurva sobre seu último livro, Amálgama. Rubem Fonseca no IPÊS O IPÊS (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) surgiu em novembro de 1961, apenas dois meses após a renúncia de Jânio Quadros, pelas mãos de Golbery e Figueiredo, entre outros militares, empresários e políticos. O instituto apresentava-se como uma “agremiação apartidária com objetivos essencialmente educacionais e cívicos e orientado por dirigentes de empresas que participam com convicção democrática e como patriotas”. De acordo com o historiador uruguaio René Armand Dreifuss em seu livro 1964: a conquista do Estado, Ação Política, Poder e Golpe de Classe, Rubem Fonseca teve como sua principal função no IPÊS a de supervisionar a unificação ideológica e editorial dos materiais de divulgação do instituto. Ao seu lado, trabalhavam o poeta e jornalista Odylo Costa Filho, a escritora Raquel de Queiroz e o jornalista Wilson Figueiredo. O material produzido pelo IPÊS, em especial seus curtos filmes que eram exibidos em cinemas e na televisão, foi um dos responsáveis por criar um clima de pânico, principalmente entre a classe média, do “verdadeiro descalabro que ameaçava nossa democracia“. Em conjunto com o IPÊS, atuava o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) que também reunia em seus quadros intelectuais orgânicos que representavam os interesses do grande empresariado e, em especial, do capital norte-americano. Podemos dizer que ambos constituíram uma verdadeira organização composta por intelectuais, empresários e militares em defesa dos interesses da elite brasileira e seus aliados. Segundo o livro A ditadura envergonhada, do jornalista Elio Gaspari, o IPÊS funcionava no 27º andar do moderno edifício Avenida Central, no centro da capital fluminense. Em incrível coincidência, por lá também atuava o escritório da agência de notícias cubana Prensa Latina. O  democrático prédio ainda abrigava duas bases de operações clandestinas: uma do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e outra de radicais de direita. O documentário O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares, lançado no ano passado, coloca de forma muito clara a participação dos Estados Unidos na criação do IBAD e do IPÊS. Lincoln Gordon, embaixador norte-americano no Brasil no período pré-golpe, aconselha o presidente John Kennedy a ajudar com alguns milhões de dólares os institutos. Kennedy questiona se isso seria realmente necessário. Gordon é categórico: “nós não podemos correr riscos”. Plínio de Arruda Sampaio, deputado federal no período que precedeu o golpe, lembra no filme que foi procurado por uma pessoa ligada ao IPÊS, que lhe ofereceu certa quantia para que ele defendesse a democracia, Plínio refutou: “mas eu já defendo a democracia, para isso, não preciso de dinheiro”. Leia texto sobre o documentário O dia que durou 21 anos A jornalista Regina Coelho abordou a relação de Rubem Fonseca com o IPÊS na matéria O homem em questão publicada no jornal Correio da Manhã no final dos anos 60. O telefonema da jornalista irritou Rubem Fonseca, que se negou a responder qualquer pergunta. O papo acabou se tornando um áspero diálogo entre os dois: “Se você entrevistasse o Carlos Drummond de Andrade seria importante o que ele faz ou o que ele é”. Regina Coelho rebate: “segundo Sartre, o homem é aquilo que ele faz”. “E nós somos esta espécie de conjunto desorganizado em termos de função na vida, não tenho nada a dizer”. Silêncio. Regina pergunta: “Isto vai atrapalhar o seu trabalho?” “Claro que vai, mas profissionalmente a gente se vira, não precisa ficar com complexo de culpa, bem, você estragou o meu dia, não quero ser rude, não devia ter atendido o telefone, interprete como quiser, arranje outro entrevistado”.  Em 1994, José Rubem publicou um artigo no jornal Folha de São Paulo em que afirma que sua participação no IPÊS foi uma decorrência de sua atividade empresarial como executivo da Light e nega ter colaborado com a ditadura. Leia trecho: “No ato de fundação do IPÊS a Assembleia Geral me escolheu como um dos diretores do Instituto. Toda a direção era composta de empresários que continuavam trabalhando em suas companhias e não recebiam remuneração pela sua colaboração. À medida em que crescia a rejeição ao governo João Goulart na classe média, em setores empresariais, eclesiásticos, militares e também na mídia, no IPÊS se desenvolveram duas tendências. Uma, fiel aos princípios que haviam inspirado a fundação do Instituto, manteve-se favorável a que as reformas de base por ele defendidas fossem implantadas através de ampla discussão com a sociedade civil, o governo e o parlamento; a outra passou a julgar a derrubada do governo João Goulart como única solução para os problemas … Continue lendo Rubem Fonseca e o silêncio que não apaga o passado