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Tio Sam, ajuda aí…

Tio Sam – Precisamos falar das nossas derrotas. Estamos no chão. A esquerda brasileira se desmancha no ar, ainda que nunca tenha sido tão sólida. Ao que parece venceu a enganadora ideia de que é possível domesticar e amansar o capitalismo. Cenas como a de uma comissão de brasileiros notáveis indo pedir “ajuda” a Joe Biden para que ele defenda a democracia brasileira beira o patético. A viagem, organizada por um tal de Washington Brazil Office (WBO), levou representantes de várias ONGs e movimentos sociais brasileiros a uma reunião com o Departamento de Estado estadunidense e congressistas. O pedido feito foi para que o EUA reconheçam o resultado das eleições brasileiras. Esse tipo de coisa realmente nos coloca nocauteados. Que passa pela cabeça de alguém que acredita poder encontrar nos EUA um aliado para a liberdade, autonomia e soberania? É como se uma zebra acreditasse ser possível sentar à mesa com o leão, tendo apenas pedido inocentemente que não a coma. Ora, é da natureza do leão comer a zebra. Essa triste cena que tem capturado movimentos e organizações importantes no país revela a fraqueza dos mesmos e a incapacidade de encontrar na própria gente brasileira os aliados. Quem então deveria defender essa pretensa democracia? Os Estados Unidos? Esse mesmo país que com o discurso de “defender a democracia” tem invadido países e destruído povos inteiros. Afeganistão, Iraque, Haiti, Síria, isso não mostra a verdadeira natureza desse país “democrata”? Essas pessoas que representam movimentos e organizações realmente acreditam que Bernie Sanders agiria diferente na relação com a América Latina ou o mundo árabe? Ora, Bernie Sanders se destacou dentro do Partido Democrata por aderir às pautas particularistas que tanto têm encantado os movimentos sociais. Temas sobre o racismo, a mulher, LGBTQI+, gênero são colocados no topo da lista das demandas. Não há um questionamento radical ao capitalismo. O que está em jogo é amansá-lo cedendo algum anel aqui ou ali dentro destas particularidades. Essa proposta de fragmentar a luta dos trabalhadores nasceu lá mesmo, nos Estados Unidos, não por acaso. O centro do poder sabe quando a luta está avançando e trata de encontrar formas para arrefecê-la. O teórico equatoriano Agustin Cueva já apontava, nos anos 1980, sobre como os Estados Unidos começavam o desmantelamento da esquerda latino-americana com o financiamento dos institutos sociais democratas e organizações não-governamentais. Foi um plano. O conceito de luta de classe foi aplastado pela oposição Estado/Sociedade Civil. As demandas sociais passaram a ser bandeiras dos movimentos e não das instituições políticas, rompendo-se o vínculo que tornava cada luta particular uma parte da luta geral dos trabalhadores. Cueva alertava já que a dita “sociedade civil” dentro do capitalismo é ilusória porque não mexe nas estruturas do sistema. A ideia de tirar o Estado do poder vale apenas para os movimentos, a burguesia continua ali, mandando e decidindo e inclusive financiando a ilusão. Com essa ideia de “empoderar” os movimentos, a luta de classe se desvanece. Lá nos anos 1970/1980 o argumento para o fortalecimento de grupos de lutas particulares foi de que as organizações políticas – partidos – não tratavam das subjetividades e apenas faziam política. Bom, Frantz Fanon já mostrou no seu relato sobre a revolução argelina como a luta política leva ao enfrentamento dos temas particulares e subjetivos e como a sociedade muda – inclusive nos costumes e na cultura – quando vive uma revolução. Mas, Fanon, apesar de lido pela esquerda, parece não ser entendido. Cueva é categórico, no seu livro “As democracias restringidas na América Latina”, ao dizer que o que faz os países do sul do mundo não terem democracia não está ligado à vocação autoritária de seus governantes, mas sim ao fato de serem países dependentes. Isso significa que seja democrata o quanto for um país da América Latina não terá uma democracia participativa real enquanto for dependente. E se são dependentes por conta do império, como vamos buscar ajuda no império para fortalecermos nossa democracia? Nosso alerta a todos esses movimentos agora organizados no  Washington Brazil Office (WBO) é para que leiam Álvaro Vieira Pinto. Ele também acerta na mosca ao dizer que a nossa primeira tarefa é entender porque vivemos num “vale de lágrimas”. Esse vale de lágrimas é criação do capitalismo e só vai acabar com a destruição desta estrutura. Os problemas que vivemos não são individuais ou particulares, eles dizem respeito às relações sociais que se estabelecem nesse modo de vida. Álvaro Vieira Pinto também já falava na ilusão das lutas de grupos específicos que só mascaram a sociedade de classe. Os pequenos avanços de grupos dão a impressão de que há mobilidade no sistema, que pode haver mudança, mas é ilusão. O centro do capital não permitirá jamais que isso avance para uma mudança no sistema, a sociedade de classe seguirá intocada ainda que haja “mais” direitos para mulheres, negros, indígenas e LGBTQI+. Essas são lutas importantes que precisam estar vinculadas visceralmente à destruição do sistema. Mas, essa parece ser uma batalha perdida, pelo menos nesse momento. Qualquer discussão sobre o tema garante logo uma enxurrada de pedras em quem ousa criticar os movimentos. Lembro que quando começaram os Fóruns Sociais Mundiais lá pelo início dos anos 2000 esse era o tema central: capitalismo humanitário ou socialismo? Naqueles dias já se vislumbrava o risco que seria cair no canto da sereia. Afinal, a proposta de humanização do capitalismo trazia recursos gordos para as instituições que aceitassem essa lógica. Foi uma armadilha bem urdida e vem mostrando agora os resultados. Ver os mais importantes movimentos de luta brasileiros indo aos Estados Unidos pedir reconhecimento para as eleições brasileiras poderia ser o fim da picada, mas temo que seja apenas o começo de uma picada trágica rumo ao desastre. A guerra fria esquenta China e as eleições brasileiras – Conversa ao vivo com Elias Jabbour Como Augusto Sandino enfrentou os Estados Unidos

Autocrítica da esquerda  

por Frei Betto A esquerda latino-americana não anda com boa saúde. Perdemos Fidel; o PT está encalacrado na Lava Jato; a Venezuela é, hoje, uma terra em transe. A Revolução Bolivariana não logrou criar raízes como a cubana. Em Cuba, a revolução foi obra de um povo. O que explica o fato de os EUA jamais agredirem belicamente a ilha, após o fracasso da invasão da Baía dos Porcos, em 1961. Os ianques aprenderam, com a derrota no Vietnã, que governos (como Iraque, Líbia e Afeganistão) se derrubam; um povo, jamais. Os governos progressistas da América Latina estão ameaçados pelo avanço da ofensiva neoliberal. Sofreram golpes parlamentares Honduras (2009), Paraguai (2012) e Brasil (2016). Na Argentina, a direita elegeu Macri. No Equador, Rafael Correa fez Lenin Moreno seu sucessor por pequena margem de votos. Na Bolívia, Evo Morales se depara com o desgaste de sua base de apoio. No Chile, Bachelet tem baixíssimo índice de popularidade e a direita se assanha para retomar o poder nas próximas eleições. Na Nicarágua, a esquerda se divide entre os que apoiam e os que se opõem ao governo de Daniel Ortega. Salvam-se El Salvador e Uruguai, onde a esquerda moderada não enfrenta grandes dificuldades. Não existe hoje, na América Latina, uma correlação de forças que assegure, em curto prazo, a superação do modelo desenvolvimentista neoliberal por um novo modelo de sociedade centrado nos direitos dos trabalhadores, na inclusão social dos setores marginalizados e excluídos, e na preservação ambiental. Alguns governos progressistas adotaram verdadeira esquizofrenia ao proferir um discurso político de esquerda e, ao mesmo tempo, abraçar uma política econômica regida pelo capital internacional, dependente da exportação de commodities, sem criar bases de sustentabilidade para o desenvolvimento do país. No Brasil, no governo do PT adotou-se a emulação do crescimento (PAC – Política de Aceleração do Crescimento), visando a, em primeiro lugar, anabolizar o PIB. E a dependência da exportação de matérias-primas, hoje elegantemente denominadas commodities, agravou o processo de desindustrialização. Sobre a união das esquerdas A corrupção se entranhou nas estruturas governamentais, cooptou líderes políticos como agentes de interesses privados de grandes corporações e corroeu a credibilidade ética da esquerda. Abandonou-se o horizonte socialista e acreditou-se na política de inclusão assistencialista dos mais pobres, sem alterar minimamente as estruturas sociais e os direitos de propriedade. Cedeu-se à falácia de que o capitalismo é passível de humanização. Priorizou-se o acesso da população a bens pessoais (celular, computador, eletrodomésticos etc.) e não a bens sociais (alimentação, saúde, educação etc.). Não houve empenho em preparar as bases de uma democracia participativa. Movimentos populares foram alijados como interlocutores preferenciais ou cooptados para atuarem como correia de transmissão entre governo e bases sociais. É hora de fazer autocrítica e corrigir rotas, antes que seja demasiadamente tarde. Pena que, em seu congresso nacional, na primeira semana de junho, o PT tenha declinado desse dever político sob o pretexto de não dar munição aos adversários. Quem se cala, consente. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. Meu fio de esperança  

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