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A guerra fria esquenta

Guerra fria – Os EUA, o mais poderoso império da história, são como o deus asteca Tezcatlipoca, alimenta-se de vítimas humanas. Um dos principais motores de sua possante economia é a indústria bélica. É preciso que haja guerras para que Wall Street obtenha altos dividendos. Ao longo do século 20, o inimigo permanente era o comunismo. Combatê-lo justificava gastos bilionários, e até mesmo golpes de Estado na América Latina para implantar ditaduras sanguinárias. Derrubado o Muro de Berlim e desaparecida a União Soviética, a Casa Branca precisava ter novo alvo para evitar a ociosidade da máquina bélica. E não tardou em encontrá-lo: o terrorismo. Com a vantagem de não ser um inimigo geograficamente localizável nem a ser vencido, como em uma guerra entre países. É um inimigo a ser permanentemente combatido, o que assegura perenidade ao apetite insaciável de Tezcatlipoca. Na segunda semana de seu mandato, Trump declarou: “Estou assinando uma ação executiva para iniciar uma grande reconstrução dos serviços militares dos EUA”. Seu secretário de Defesa, James “Mad Dog” Mattis, disse ao Washigton Post ser preciso “examinar como realizar operações contra concorrentes próximos não identificados” . Óbvio, não se referia a OVNIs, e sim à Rússia e à China. Em 19 de janeiro de 2018 foi mais explícito: “Apesar de continuarmos a promover a campanha contra os terroristas, na qual estamos engajados hoje, a competição entre grandes potências, não o terrorismo, é agora o foco principal da segurança nacional dos EUA”. Segundo o Departamento de Defesa, em relatório de 2018, os EUA mantêm 625 bases militares oficiais em países estrangeiros. O pesquisador político David Vine revelou, em 2021, que, contabilizadas as bases clandestinas, haveria cerca de 750 bases militares estadunidenses. Rafael Correa, quando presidente do Equador, solicitou à Casa Branca permissão para abrir uma base militar equatoriana em Miami, caso os EUA quisessem continuar a manter a base aérea de Manta, na costa do Pacífico. Manta foi fechada. O orçamento militar dos EUA (2023) é de US$ 858 bilhões, 35% do total mundial. Qual o objetivo de tanto dinheiro jogado fora em um mundo que abriga 3 bilhões de pessoas na pobreza, das quais 821 milhões padecem fome crônica? Proteger o modelo made in USA de democracia, leia-se, a apropriação privada do capital. Segundo Chomsky, “sempre que houve conflito entre democracia e ordem, definida como proteção das elites na acumulação do capital, os EUA ficaram do lado desta” . Essa perversa ideologia deita raízes no século 19, quando James Madison, um dos “pais fundadores da nação”, declarou: “Nas democracias, os ricos devem ser poupados; não apenas sua propriedade não deve ser dividida, mas também suas rendas devem ser protegidas.” A defesa da propriedade privada (de uns poucos, evidentemente) e da acumulação privada do capital exige também proteção interna. Daí a principal arma ideológica do sistema: o medo! Medo do negro, medo do imigrante, medo dos que não são cristãos ou judeus, medo dos pobres. Hoje, o que a Casa Branca mais teme é que a China ultrapasse os EUA em inovação tecnológica e seja o polo hegemônico do planeta. Isso porque o gigante asiático tem dinheiro suficiente para investir em pesquisas, já que não mantém nenhuma base militar fora de suas fronteiras e gasta apenas US$ 230 bilhões no setor bélico. Por isso, o imperialismo provoca a China de todas as maneiras, visando a forçá-la a entrar na corrida armamentista, da qual a Rússia participa. Para os EUA, é desesperador perder a hegemonia mundial adquirida após a Segunda Grande Guerra. Hoje, no mundo multipolar, a China desponta como a mais forte economia do planeta. E o arsenal nuclear da Rússia supera o dos EUA. A Casa Branca se mostra indignada com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Alega que não houve consentimento da ONU. Haja cinismo! Os EUA invadiram a Rússia em 1918, sem sucesso. E, sem consentimento do Conselho de Segurança da ONU, invadiram Santo Domingo, em 1965; invadiram e bombardearam os territórios do Vietnã e do Camboja durante toda a década de 1960; invadiram o território da Somália em 1993 (300 mil mortos); do Afeganistão em 2001 (180 mil mortos); do Iraque em 2003 (300 mil mortos), da Líbia em 2011 (40 mil mortos); da Síria, em 2015 (600 mil mortos); e finalmente, do Iêmen, onde já morreram aproximadamente 240 mil pessoas (Fiori, 2023). Quem protesta pela ocupação usamericana de Porto Rico desde 1898, e de Guantánamo, em Cuba, desde 1903? E do bloqueio a Cuba, que dura mais de 60 anos? Será amarga, para a Casa Branca, a provável derrota da Ucrânia pela Rússia. Biden terá de engolir a seco, consciente de que isso afetará sua reeleição no próximo ano. Sabe que sua única reação “à altura” seria catastrófica para a humanidade: o confronto nuclear. Os países da União Europeia, monitorados pelos EUA via Otan, sabem também que a guerra da Rússia contra a Ucrânia é um atoleiro no qual se meteram. Só não sabem como sair dele. E o mais grave: todas as sanções impostas à Rússia em nada afetaram o país. Pelo contrário, o rublo se fortalece. E vários países europeus, a começar pela Alemanha, já estavam irritados com as explosões que, em setembro de 2022, destruíram os gasodutos Nord Stream 1 e 2 no Mar Báltico, que os abastecia de gás natural. Agora a irritação deu lugar à fúria: não foram os russos que interromperam o fornecimento; a responsável pelas sabotagens foi a CIA. Ora, aqui no Ocidente conhecemos a narrativa do caçador, não a da lebre. Nossa cabeça é feita por Hollywood e pelas fantasias de Walt Disney, que nos impingem a convicção de que, para a Casa Branca, a liberdade é mais que o nome de uma estátua na divisa entre Nova York e New Jersey. E multidões acreditam no discurso fake de Tio Sam. Até porque, neste lado ocidental do mundo, pouco sabemos da versão do lado oriental.

Capitalismo x comunismo, por Nixon e Kruschev

Era 24 de julho de 1959, Nikita Kruschev, primeiro-ministro soviético, visita a Exposição Nacional Norte-Americana em Moscou em companhia do vice-presidente norte-americano Richard Nixon em plena guerra fria. A exposição, que foi organizada para a aproximação das superpotências, foi o palco de uma discussão que mostrou o clima polarizado à época. Um mês antes, os soviéticos tinham inaugurado sua exposição em Nova Iorque. A ríspida discussão entre os dois aconteceu em uma típica cozinha norte-americana e foi apelidada pela imprensa, que explorou como nunca o ocorrido, como Debate da Cozinha. Antes da cozinha, o clima já havia esquentado em frente a um aparelho de televisão, que segundo Nixon, era a prova da superioridade tecnológica de seu país. Na chegada de ambos à exposição, Kruschev discursou sobre a superioridade do comunismo com firmeza e humor para um atônito Nixon. O norte-americano partiu para o contra-ataque durante o passeio na feira. Kruschev estava irritado com a aprovação da Resolução das Nações Cativas pelo Congresso norte-americano e assinada pelo presidente Eisenhower que considerava primordial aos Estados Unidos “a libertação de países como Ucrânia, Lituânia, Hungria e outros das políticas imperialistas soviéticas”. Durante uma conversa, Kruschev abraçou um trabalhador russo próximo aos dois e perguntou: “Será que este homem se parece com um trabalhador escravo?” Assista a trecho de programa da History Channel que conta parte do episódio: Nixon tentou colocar panos quentes e disse que os trabalhadores dos dois países se uniram na montagem da exposição e que ambos estavam ali para uma troca de experiências e que “Kruschev não sabia de tudo”. Kruschev não se fez de rogado e respondeu: “se eu não sei tudo, você não sabe nada sobre o comunismo, além de temê-lo”. A diplomacia entre os dois líderes já tinha ido definitivamente para o brejo, como podemos constatar nesta conversa: Nixon: “Quero te mostrar essa cozinha. É como as das casas da Califórnia”. Kruschev: “Nós também temos por aqui”. Nixon: “Queremos tornar a vida da dona-de-casa mais prática”. Kruschev: “Nós não temos essa atitude capitalista perante a mulher”. A competição sobre a superioridade das máquinas de lavar era o pano de fundo para a discussão que realmente acirrava os ânimos dos dois, a superioridade militar: Nixon: “Não seria melhor se competíssemos em máquinas de lavar do que sobre a força dos mísseis?” Kruschev: “Sim, mas seus generais dizem que devemos competir nos mísseis. Nós somos fortes e podemos ganhar de vocês”. Nixon: “Espero que o primeiro-ministro compreenda as implicações do que eu acabei de dizer… Se você colocar nações poderosas em uma posição em que elas não tenham escolhas… então você está brincando com o maior poder destrutivo no mundo”. Kruschev: “Nosso país nunca foi guiado por ultimatos… Isso me parece uma ameaça”. NIXON CONSIDERAVA TIMOTHY LEARY O HOMEM MAIS PERIGOSO DA AMÉRICA, LEIA TEXTO A discussão aconteceu em tempos da acirrada corrida espacial entre os dois países, as viagens pra fora da Terra eram usadas para mostrar a superioridade tecnológica. Em 1957, a União Soviética foi pioneira em colocar um satélite no espaço. Dois anos depois da discussão, em 1961, enquanto os norte-americanos fracassaram com sua invasão na baía dos Porcos com a intenção de derrubar o governo revolucionário cubano, os soviéticos mandavam o primeiro homem em órbita, Yuri Gagarin, o que enfureceu o presidente Kennedy, que sucedeu Dwight Eisenhower. O troco norte-americano veio em 1969, quando Neil Armstrong, comandante da missão Apolo 11, foi o primeiro ser humano a pisar na lua. A guerra fria esquenta

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