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Cultura reportagem

Reportagens na área cultural.

Obras de Mário Cravo sob ameaça

por Albenísio Fonseca Último modernista baiano vivo, o escultor, gravador, desenhista, pintor e ex-professor, Mário Cravo Jr., 93 anos, permanece lúcido e produtivo. Sua obra, no entanto, sob abandono, está sob ameaça de ser perdida na esvaziada contemporaneidade baiana. Nas mil e uma faces da sua produção, como se diria de um verdadeiro “rei da sucata”, Cravo tem trajetória marcante pelo reaproveitamento de materiais, como as madeiras do século XIX, provenientes do incêndio que destruiu o Mercado Modelo, no final dos anos 60 – com que produziu uma “via sacra”; cerâmica, ferro e outros metais, oriundos de desmontagens do Polo Petroquímico de Camaçari, que lhe inspirariam a Fonte da Rampa do Mercado Modelo ou o Exu mola de jipe, no MAM-Museu de Arte Moderna de São Paulo, entre centenas de exemplos. O comodato firmado com o Governo da Bahia, em 1994, quando o governante era Antônio Carlos Magalhães, já se esgotou, mas envolveu a doação de 800 peças, entre esculturas expostas no Parque Metropolitano de Pituaçu, na Orla de Salvador, em cuja entrada foi criado o Parque Mário Cravo Jr, e o que ele denomina de “computações plásticas”. Há três anos, conforme o filho do artista Ivan Ferraz Cravo, 66, “a Sema-Secretaria Estadual do Meio Ambiente, responsável pela área, deixou de efetuar qualquer manutenção nas obras ou fornecer materiais, sequer a tinta para recuperação das peças”. O museu e sua reserva técnica, na entrada do Parque, onde permanecem as obras em papel, estão se deteriorando nas gavetas ou algumas esculturas, expostas às infiltrações, sem nenhum cuidado de conservação. Segundo o filho do artista, que já presidiu a Fundação Mário Cravo Jr., “estamos buscando desesperadamente apoios para salvar o acervo”. Agora, segundo ele, “parece que a montanha se moveu”. Convocado por Ferraz, o Ipac-Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia e a Dimus-Divisão de Museus da Fundação Cultural do Estado, decidiram proceder a um levantamento do acervo do modernista. A visita inicial de técnicos contou com a participação do diretor do Palacete das Artes, Murilo Ribeiro. Embora o órgão só deva iniciar o cadastro das obras após os festejos juninos e sob a perspectiva de conclusão “até o final do ano”, já se cogita de transferir as instigantes peças – impressas e esculpidas – para ambientes climatizados no Palacete das Artes (Rua da Graça), Museu de Arte Moderna (na Ladeira da Contorno) e Museu de Arte da Bahia (Corredor da Vitória). “O trabalho demanda minúcias e será procedido com todo o critério requerido por museólogos do Ipac”, sinaliza a assessoria do órgão. As condições de trabalho do artista também se defrontam com as demissões dos seis funcionários que, há 12 anos, finalizam as obras criadas pela mente inquieta de Mário. “A Sema rompeu contrato com a terceirizada Preze, no final de março, exclusivamente para o fornecimento do pessoal para a Oficina de Cravo. Também o servidor João Alberto, da Conder-Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado, precisa ser transferido para a Sema para poder permanecer cuidando da Oficina”, diz Ivan. Há dois meses e de modo informal, o escultor mantém os trabalhadores que capacitou para as atividades. Muitas das peças boiam nas águas poluídas da Lagoa de Pituaçu que já abasteceu Salvador. Outras sucumbem sob a ação do salitre, escondidas em meio à vegetação sem poda do parque metropolitano. Mário Cravo Jr, conforme o filho, se mantém com a economia de recursos provenientes da venda de suas criações. Uma de suas esculturas monumentais foi adquirida por um dos sócios da Ambev, cujo nome não recorda. Uma réplica em fibra de vidro de “Antonio Conselheiro”, permanece em meio a outras para restauração e ferramentas como tornos e soldas na Oficina. “O original está em Canudos”, enfatiza Cravo. Boa parte de sua produção dialoga com a cidade. A Sereia, em Itapuã; O Exu Mensageiro, em frente à sede central dos Correios, na Pituba; a homenagem a Clériston Andrade (na Avenida Anita Garibaldi) e a Cruz Caída, na Praça da Sé, que toma emprestado o nome do episódio da via crucis para proceder uma crítica à derrubada da Igreja de São Pedro, demolida em 1915 pelo governador José Joaquim Seabra em sua sanha higienista da cidade e no afã de criar novas avenidas na primeira capital do País. Frente a uma peça em fase conclusão – material procedente de equipamento para contração de temperatura para óleo – o artista decidiu dar nome ao trabalho. “Vai se chamar ‘dinâmica espacial’, batizou. Para Mário Cravo Jr., “não existe trabalho, mas diversão”. Ele reclama da “dificuldade para chegar até o Governador Rui Costa”. Sua última exposição “Esculturas” aconteceu durante o governo Jaques Wagner, em 2013 no Palacete das Artes – museu mais qualificado para abrigar a extensa produção do artista. O que disseram dele Jorge Amado e Carybé Sobre ele, Jorge Amado afiaria o teclado da velha máquina datilográfica para cravar a legenda: “Ferreiro coberto de fogo e aço, comido goiva e aço, os bigodes arrogantes, devasso, quase agressivos, os olhos de insônia, a boca em gargalhada, eis o guerreiro Mário Cravo em luta com o ferro bruto, a madeira pesada ilustre, a pedra morta, para sempre morta, mas de repente viva em sua mão, em seu talho, em sua forja, em seu destino deslumbrado e louco, em seu criar sem descanso (…)”. Carybé revelaria que “…a Bahia deve a Mário Cravo a recuperação do Solar do Unhão e a instalação nele dos museus de arte moderna e de arte popular. Foi por insistência dele que a arquiteta Lina Bo Bardi desistiu da construção de um prédio específico e tratou da restauração do Solar”. No refinado catálogo produzido para a sua última mostra o então secretário de cultura, Albino Rubim, salienta o quanto “o modernismo demorou a aparecer na Bahia. Terra de profundas e fundadas tradições, a Bahia resistiu longo tempo à modernidade cultural”. Lembra, ainda, que “a primeira geração, nos anos 20, inventou o modernismo no Brasil. A segunda, na década de 30, consolidou o modernismo através do regionalismo e da ampliação do seu público.

Sinfônica da Bahia toca a “ópera da crise”

por Albenísio Fonseca Em busca de um novo prelúdio para a existência, a Osba-Orquestra Sinfônica da Bahia vem buscando atravessar a “ópera da crise” gerada pela grave situação que envolve sua manutenção há, pelo menos, 10 anos. Tal condição ainda tem se mostrado muito aguda. Mas a perspectiva é de que consiga superar a ameaça de um “grand finale” e alcance consagradora apoteose até o fim do ano. O maestro Carlos Prazeres e o secretário de Cultura Jorge Portugal têm audiência com o governador Rui Costa agendada para o próximo dia 4 de maio, quando apresentarão as demandas da Sinfônica. O regente garante que a questão “tem recebido grande atenção por parte do governo”; que ele “tem consciência da crise” e que “quer ser parceiro na resolução das pendências e não um entrave”. Fez questão de acentuar, ainda, o quanto “temos sentido boa vontade por parte do governo e sabemos que não dá para virar uma Osesp – Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo da noite para o dia”. Lembrou, inclusive, que “já houve, em 2014, a iniciativa da gestão estadual em publicar no Diário Oficial um edital anunciando a intenção de publicizar a Osba, mas aí entrou a crise”, lamentou. As dificuldades da Orquestra se agravaram em 2007, quando era regida pelo maestro Ricardo Castro e aventou-se a possibilidade da adoção do regime de “publicização”, uma espécie de PPP – Parceria Público Privado que consiste na  transferência  da gestão de serviços e atividades, não exclusivas do Estado, para o setor privado, assegurando à entidade autonomia administrativa e financeira. Os músicos, no entanto, não aderiram à novidade e a lenta agonia (quase em “moderato”, como diríamos de um andamento musical) continuou pairando sobre esse corpo artístico do Teatro Castro Alves. Em 2011, o maestro Carlos Prazeres assumiu a regência. O então secretário de Cultura, Albino Rubim, retomou a alternativa sobre o tema da publicização e promoveu seminários nos dois anos seguintes. Para tanto, trouxe a Salvador representantes de outras sinfônicas que haviam aderido a este tipo de gestão, como as de São Paulo, de Minas, Paraná e a da Petrobras, apontadas por Prazeres como “as maiores do País, juntamente com as de Porto Alegre e Brasília”. Os músicos da Osba acabaram convencidos de que a terceirização da gestão seria uma “tábua de salvação” no meio da oceânica tormenta, única forma capaz de proporcionar, digamos, um “allegretto” à orquestra criada em 1982, durante o primeiro governo Antônio Carlos Magalhães. Embora tenha gerado público e tornado suas apresentações bastante concorridas nesse meio tempo, a Sinfônica da Bahia, de acordo com o regente, “ainda que dispusesse de verba, carece de legislação que adeque o direcionamento para servir à música de concerto, desde as licitações em tempo hábil para aquisição de instrumentos de qualidade à disponibilidade da captação de recursos, mas a Osba não dispõe sequer de razão social própria”. Segundo Carlos Prazeres, “poderíamos até recorrer à Lei Rouanet, mas isso tende a chocar-se com outros projetos da Fceba -Fundação Cultural do Estado da Bahia, à qual a Sinfônica está subordinada”. Esse ano já promoveram a “Osba em Casa”, com o cantor e compositor Luiz Caldas e com a acordeonista Lívia Mattos, “trazendo a plateia para o palco do TCA, pois nossa capacidade sonora é similar à de um radinho de pilha”, ironiza. Aporte de recursos – Acontece que a licitação para a publicização – que levará a Orquestra a ser gerida por uma OSIP – Organização Social de Interesse Público – requer aporte de recursos estimado em R$ 8 milhões e outros R$ 6 milhões para manter a sinfônica funcionando. Prazeres reconhece que “a crise financeira tem inviabilizado tais dotações” por parte do estado, mas garante que “vem sendo estudada uma redução nesses montantes”. De todo modo, destaca que “a organização que vier a assumir a gestão do corpo artístico é que vai dar as estimativas das verbas necessárias”. Segundo o secretário de Cultura, Jorge Portugal, “a licitação será lançada ainda este ano. Já temos a Associação dos Amigos do Teatro Castro Alves como uma entidade interessada em assumir a Osba, embora isso vá depender das demais propostas a serem licitadas”. Conforme Jorge, “no atual modelo não podemos aceitar patrocínios de grandes empresas, enquanto com a publicização isso será viável, assegurará a orquestra e evitará o desembolso maior do estado”. Portugal salienta que “o Governo está sob contingência de verbas, operando no limite prudencial dos recursos no que pese a Lei de Responsabilidade Fiscal em decorrência mesmo da crise econômica e financeira em curso no Brasil”.   Orquestra permanece sem orçamento A área de Cultura vive sob certa penúria. A Osba permanece sem orçamento e a condição do Balé do TCA, outro corpo artístico do teatro e subordinado à Fceba, também é delicada, mas é certo que há ações estruturantes do governo no que tange às reformas e ampliações da Concha Acústica e da segunda etapa do TCA, além da aguardada conclusão das obras no MAM-Museu de Arte Moderna da Bahia (no Solar do Unhão).  O cenário esboçado pelo maestro Carlos Prazeres, todavia, ainda é o de que “a Osba hoje corre o risco de ter as apresentações inviabilizadas; de virar uma camerata [conjunto musical composto por poucos instrumentistas]. Dispomos de apenas 53 músicos, dos quais 10 são contratados através do Reda e já tendo que ser revalidados, pois completaram os dois anos. O mínimo é que dispusesse de 80 integrantes e o ideal, 100”. Ele demonstra que “atualmente, a estrutura da sinfônica envolve cinco flautas e quatro primeiros violinos, quando o normal, para poder tocar com cinco flautas, seria dispor de 12 a 14 violinos”. Isso significa, esclarece, que “não podemos tocar inúmeras peças. Os repertórios romântico e moderno que se toca com cinco flautas jamais pode ser feito com apenas quatro violinos”. A Sinfônica tem se mantido ativa, principalmente, com as criações de quatro cameratas, integradas por músicos da orquestra e com apresentações em diversos locais da cidade e no interior do estado até duas vezes ao mês.  

Monumentos degradados viram objetos não identificados

por Albenísio Fonseca Monumentos são ‘tatuagens’ históricas no corpo das cidades. No caso de Salvador, primeira capital do Brasil, a homenagem perene a personalidades marcantes na memória da nossa urbanidade, seja em estátuas, bustos ou peças sob livre criação de artistas, tem sido alvo de degradação ou perda da sinalização identificadora, dada a falta de manutenção por parte do poder público; roubo, inclusive das placas de identificação, por viciados em crack para venda do bronze das esculturas em troca da droga e de pichadores, como se diria de um gesto de equivocado vandalismo ou estúpida rebeldia. O certo é que se poderia traçar um verdadeiro ‘tour anti-cultural’ da cidade, seguindo o roteiro de constatação do abandono da cultura visual que caracteriza a expressão dessas peças e seu extraordinário valor icônico e simbólico, que sinalizam nosso decurso histórico, convertidas em objetos não identificados. Mas, de acordo com Cássio Ribeiro, sub-gerente de Espaços Públicos e Monumentos da FGM-Fundação Gregório de Mattos, a Prefeitura lançará nova licitação, em dezembro, para o resgate de sete peças, após a licitação que privilegiou as restaurações do Relógio de São Pedro e do Barão de Rio Branco, já reentregues à paisagem urbana, no Centro da cidade, faltando a de Dom Pedro II, na Praça Conselheiro Almeida Couto, em Nazaré. Segundo Ribeiro, as restaurações envolverão monumentos como os bustos de Ludwik Lejzer Zamenhof, filólogo polonês criador do Esperanto, instalado na Praça de São Bento e retirado para restauração; do cineasta Glauber Rocha (roubado recentemente), nos Dois Leões; o Cetro da Ancestralidade, de Mestre Didi (que teve as pombas roubadas), no Rio Vermelho; a de Mestre Bimba (também roubada), em frente ao quartel de Amaralina; da yalorixá Mãe Runhó no fim de linha da Federação e retirada para restauração, e o do padre Manoel da Nóbrega, em frente à Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, no Centro, também sendo restaurado. Há, ainda, o busto de Almeida Couto (roubado já por duas vezes), na praça que leva seu nome, em Nazaré. Cássio Ribeiro revelou que as novas peças e suas placas identificadoras passarão a ser confeccionadas em fibra de vidro como uma forma de evitar a ação dos “sacizeiros” (viciados em crack) que visam o alto valor do bronze. Segundo Ribeiro, “eles roubam as peças e derretem o bronze para levantar dinheiro visando a compra da droga”. Adiantou que “o lançamento da licitação depende, ainda, da elaboração do Termo de Referência”. Ele não soube informar o valor a ser despendido na restauração do patrimônio. Quanto à proteção dos monumentos históricos pela Guarda municipal, considerou “complicado, seja pela falta de contingente ou por envolver trabalho noturno”. A propósito de ícones de Itapuã, como o busto de Dorival Caymmi (criação de Márcia Magno), que ganhará novo pedestal e da Sereia (arte de Mário Cravo Jr), a ser mantida sobre a mesma pedra, garantiu que “permanecem em fase de restauração, mas retornarão aos locais de origem quando da inauguração das obras de intervenção na Orla do bairro”. O local será contemplado por uma nova homenagem a Caymmi, em tamanho natural, elaborada pelo artista Tati Moreno. Em Piatã, foi inserido um “pórtico” de autoria de Ray Vianna, autor de outra nova escultura, a que reverencia os mortos pela ditadura militar na Bahia, instalada no Campo da Pólvora – do total de 180 peças do mobiliário urbano da capital. A propósito da escultura que homenageia os navegadores portugueses, notadamente Vasco da Gama, na Praça Wilson Lins, área do antigo Clube Português, na Pituba, da autoria de Chico Liberato, completamente abandonada e também merecedora de uma restauração, o sub-gerente da FGM, admitiu que “a instalação da peça, em ferro, naquele local em frente ao mar, foi um erro, por estar vulnerável à ação do salitre”, mas ressaltou que “o artista foi avisado de que não era um material adequado”. A emblemática obra – doada à cidade por Liberato – estiliza uma caravela, sincretizando uma Cruz de Cristo, a ressaltar o predomínio ou hegemonia católica e o Opaxorô de Oxalá, a representar a diáspora africana. A escultura traz um importante texto – já quase ilegível – que remonta ao final da Idade Média, “quando os oceanos se apresentavam como rota comercial alternativa à rota da seda, comprometida pela tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453”. Cita a saga de seis dos mais importantes navegadores envolvidos com a descoberta do Novo Mundo e promove paradigma com o “desbravamento do espaço sideral”. Outra escultura de importante simbolismo é a “Duas Palmas”, que ganhou denominação popular a renomear como “Praça da Mãozinha” à Praça Marechal Deodoro da Fonseca, na Cidade Baixa, próxima ao Mercado do Ouro. Da autoria do artista Kennedy Salles, trata-se de uma homenagem prestada no ano 2000 à AICO-Associação Ibero Americana de Câmaras de Comércio. Foi confeccionado em fibra de vidro, em forma de duas mãos entrelaçadas, com mapas da América do Sul e Central em uma mão, em baixo relevo, e da Península Ibérica, na outra mão. Moldada em placas de granito e medindo 3,90m, carece de restauração e ser identificada. Para o comerciante Antonio dos Santos, a “Duas Palmas” seria uma “homenagem aos escravos”. Segundo o vendedor Fernando Nascimento, “entendo apenas que serve para dar o nome à Praça da Mãozinha” e, conforme Robson Nascimento da Silva, camelô no local, “sei que a praça se chama Marechal Deodoro, não entendo a razão da arte ali, mas reconheço tratar-se de um patrimônio histórico da cidade que deve ser bem cuidado”.

Quando a literatura convida para brincar

Projeto Leitura Genial transforma leitores em personagens – literalmente.   – Vamos brincar? Eis um convite que a maioria das crianças recebe todos os dias, geralmente de outras crianças. Agora imagine um livro convidando o leitor para brincar? Parece impossível, mas não é. Pelo menos não para Adelita Becker, representante em Curitiba da Genial Books, empresa paulista especializada em livros infantis personalizados. Através do projeto Leitura Genial, Adelita disponibiliza 15 títulos de literatura infantil e infantojuvenil, nos quais cada criança pode ser a protagonista. Como? Por meio da impressão de uma edição única e totalmente personalizada, onde o nome do leitor é incluído no enredo da história, e reproduzido em todas as páginas do livro. Deste modo, a criança acaba virando um dos personagens, é envolvida de modo direto na fábula, e passa, literalmente, a fazer parte da narração. Além de introduzir o leitor na história, o projeto também oferece a impressão de uma dedicatória exclusiva, e a inserção do nome de outras três crianças, ou até de seus pais e familiares. Assim, tanto você, quanto seu filho, seu irmão ou seu sobrinho, passam a dividir as atenções e os diálogos com O Rei Leão, com a Pocahontas, com o Aladin, e com dezenas de outros personagens do fantástico mundo da literatura infantil. O conteúdo é altamente educativo e interativo, e está disponível em sete idiomas: português, inglês, espanhol, alemão, francês, italiano e castelhano. O projeto Leitura Genial oferece ainda contação de histórias, oficinas e diversas atividades para eventos literários. Tive a oportunidade de ter em minhas mãos o livro Hércules (ou melhor, Jana e Hércules), e me surpreendi de diferentes maneiras. Primeiro, a qualidade da impressão: a obra possui tamanho A4, capa dura e suas 36 páginas são lindamente coloridas. A história é extremamente cativante e bem escrita, e as ilustrações são caprichadas, repletas de detalhes. No entanto, ver o seu nome integrando e interagindo com o livro é o ponto alto do projeto. Transformar-se em um dos personagens de clássicos da literatura é, para dizer o mínimo, gratificante e empolgante. Deste modo, mais do que um simples livro, a obra passa a ser uma espécie de suvenir literário exclusivo; uma lembrança carinhosa que certamente nunca será esquecida – independente de sua idade. Contudo, dentre tantas qualidades, acredito que o maior mérito do projeto Leitura Genial seja resgatar nossos jovens leitores da internet, trazendo-os de volta para perto das estantes. Em uma época de informação virtual desencontrada e frenética, em que nossas leituras se limitam a 140 caracteres, é simplesmente sensacional ver a criançada mergulhada em um livro, vivenciando e experimentando a sensação única de viajar através das entranhas de sua própria imaginação. Sabemos que, atualmente, muitas editoras estão se empenhando em devolver para a literatura a aura de diversão e entretenimento que sempre possuiu – e que parece perdida nos dias de hoje. Assim surgiram livros digitais altamente elaborados, repletos de efeitos literários especiais e recursos dos mais variados. Neste cenário, o projeto Leitura Genial vai na contramão – e indo na contramão, consegue o que muitas editoras renomadas ainda não conseguiram: atrair, encantar e prender a atenção do jovem leitor. E da maneira mais analógica possível. A grande inovação do projeto encabeçado por Adelita Becker é não inventar moda, e nem criar distrações para o que realmente importa: a história, a literatura. Uma opção educativa, lúdica e linda, pra lá de especial, para pais, para educadores, e principalmente para a meninada. Porque quando um livro convida para brincar, ninguém é louco de não aceitar. * Para saber mais, acesse  a página do projeto no Facebook (www.facebook.com/leituragenial). Dúvidas ou informações, favor entrar em contato com Adelita Becker através do e-mail atendimento.leituragenial@gmail.com

As Mulheres de Luis Buñuel

Quando a arte completa a vida Em O Bruto (El Bruto), filme de Luis Buñuel de 1953, a morena Paloma é casada com o inescrupuloso Andrés Cabrera, um proprietário que intimida seus inquilinos. Andrés contrata Pedro (o Bruto), que trabalha num matadouro protegido pela imagem da Virgem de Guadalupe, para fazer o trabalho sujo. Enquanto isso, Paloma o seduz e depois se enfurece ao descobrir que ele se apaixonou pela filha de uma das vítimas, Meche, a doce filha de don Carmelo. Paloma mente para o marido, afirmando que Pedro a estuprou, um duelo se segue e Andrés é morto. Mas Pedro não será herói por muito tempo, Paloma (pomba, em espanhol) vem com a polícia e o prendem. Sozinha, saboreia a vitória enquanto uma galinha olha para ela. Charles Tesson evidencia aqui o padrão comercial do cinema mexicano operando na obra de Buñuel: A Virgem (Meche) e a prostituta (Paloma, aquela que está longe de se comparar) (1). Um padrão já encontrado em Subida ao Céu (Subida al Cielo, 1952), com a inocente esposinha Albina e Raquel, a personificação da tentação diabólica. Outro exemplo da fase mexicana de Buñuel é Nazarin (1958), onde Andara (a prostituta) e Beatriz (que ama platonicamente) formam um triângulo cujo vértice é o padre. Buñuel conta uma história sobre os bastidores de O Bruto que seria suficientemente buñueliana para fazer parte do próprio filme. Pedro Amendáriz, que atuou no papel de Pedro, costumava dar uns tiros para o alto em pleno estúdio de gravação e recusava-se a usar camisas de mangas curtas. Ele achava que esse tipo de roupa era coisa de homossexual e se aterrorizava com a ideia de que o pudessem tomar por um. Numa cena do filme ele está fugindo de amigos de Carmelo quando encontra Meche, que o socorre sem saber quem ele é. Pedro está com uma faca enfiada nas costas e deve pedir que ela a retire. Amendáriz deve dizer: “Arranca-me esse negócio que eu tenho aí atrás” (2). Durante os ensaios, contou Buñuel, o ator gritava enraivecido que não diria a palavra “detrás”. Palavra que o cineasta suprimiu porque o ator acreditava ser fatal para sua reputação (3). É curioso notar como a insegurança em relação à própria masculinidade é tão intensa no mundo latino quanto o donjuanismo. Outra coincidência buñueliana entre a arte e a vida, agora numa chave menos sexual e mais no registro da relação amorosa, aconteceu com o filme Ensaio de um Crime (Ensayo de un Crimen, 1955). Archibaldo queimará no forno uma boneca feita à imagem e semelhança de Lavinia. Pouco tempo depois das filmagens Miroslava Stern, a atriz que interpretou Lavinia, se suicidou por mágoa de amor e havia deixado instruções para ser cremada. Voltando à chave sexual, Buñuel contou que a atriz francesa Simone Signoret não estava com a menor vontade de atuar em A Morte no Jardim (La Mort en ce Jardin, 1956), seja lá qual for o motivo, sua personagem era uma prostituta numa pequena cidade mineira, está fazendo compras numa mercearia e pede um sabonete. Ao saber que soldados estariam chegando em breve, pede cinco sabonetes. No filme anterior, Assim é Aurora (Cela s’appelle l’aurore,1956), a atriz Lucia Bosé é Clara. Buñuel disse que recebia muitos telefonemas do noivo dela na época, ele queria saber quem era o galã que contracenaria com ela. Curiosamente, esse noivo era toureiro. As Deusas de François Truffaut Tesson chama atenção para outro tipo de triângulo amoroso no último filme de Buñuel, Esse Obscuro Objeto do Desejo (Cet Obscur Objet du Désir, 1977). Ao invés de duas mulheres representando campos opostos, uma mesma personagem (Conchita) desdobrada em duas atrizes. Enquanto, em O Bruto, Paloma e Meche choram pelo mesmo homem, as duas Conchitas estão unidas pela falta de desejo por um. Aqui a rivalidade entre duas mulheres em busca do mesmo troféu se transfigura no desdobramento de uma mesma figura, mas agora para resistir contra um homem que gostaria de ser um troféu. Conchita, a última mulher de Buñuel Como bem lembrou Tesson, Conchita foi o último personagem feminino de Buñuel, ao mesmo tempo o mais enigmático e o mais claro. Seu nome é o diminutivo de concha, que por sua vez é diminutivo de Concepção – a mãe de Conchita se chama Anunciacion. A concha vive na água e simboliza a fecundidade, designando por sua forma o órgão sexual feminino. O comportamento de Conchita condensa a promessa de prazer sexual (Concepção e fecundidade) e cinto de castidade, da mesma forma que a Virgem Maria, outro milagre de uma fecundidade que se manteve casta. Na primeira vez que Faber encontra Conchita, ela está carregando um buquê de rosas vermelhas – Tesson ensina que na França diz-se de uma mulher infiel que ela está levando um buquê para seu marido. Tesson também sugere que o vaso lembra o órgão genital feminino. Uma associação que poderia ser feita em relação a Ensaio de um Crime, quando Archibaldo oferece a uma mulher (alguém que ele crê ser casta e pura) o vaso que ele mesmo fez. Em Esse Obscuro Objeto do Desejo, durante a conversa em que Conchita afirma para Faber ser ainda virgem, um corte na imagem nos leva diretamente ao frontão de uma igreja onde se lê: Nossa Senhora da Anunciação (Notre Dame de l’Annonciation); e abaixo, “Sala Joana d’Arc”. Por essa porta sai Anunciacion, a mãe de Concepcion (Conchita) (4). O suposto fim da virgindade de Conchita será representado por um vaso quebrado. Tristana, a Mulher Concha Nossa Senhora já havia feito uma aparição mais problemática em Tristana (1970), onde a personagem de Catherine Deneuve se mostra nua no balcão e logo a seguir vemos a estátua da Virgem Maria numa igreja, toda coberta com seus mantos. Estátua que abre a seqüência do casamento de Tristana e don Lope, uma união não consumada onde ela estava de preto como se estivesse num enterro. Na cena do balcão, depois de sair do quarto dela sem conseguir nada, do jardim o adolescente surdo-mudo

O filme que ninguém viu

A novela do filme Chatô do ator-diretor Guilherme Fontes teve início há 18 anos. Durante esse período, houve de tudo um pouco: condenações judiciais, promessas repetidas de estreia do filme, cifras contraditórias do orçamento do filme e, sobretudo, uma das produções mais demoradas da história do cinema. O não-filme de Fontes adapta a genial biografia Chatô, o Rei do Brasil (1994), do escritor Fernando Morais, catatau de quase 700 páginas que narra a vida do barão da mídia Assis Chateaubriand. O episódio levanta a lebre da discussão sobre as distorções do incentivo cultural no Brasil (leia abaixo Farta de curtura na Lei Rouanet). Em julho do 2012, em entrevista à revista Caras, o diretor prometeu o filme até o final do ano passado: “estou me preparando para finalmente estrear o Chatô. Pode contar uns quatro, cinco meses a partir de hoje”, afirmou. Pior: o diretor afirmou na mesma entrevista que entrou com quatro projetos de cinema no Ministério da Cultura para captação de recursos. O imbróglio do ator global e seu Chatô já contabilizam três condenações judiciais. Em setembro do ano passado, a justiça carioca o condenou ao pagamento de indenização de R$ 2,5 milhões a Petrobras Distribuidora e Petrobras S/A de quem recebeu dinheiro para realizar o filme. Em 27 de abril de 2010, o ator foi considerado culpado em processo criminal por sonegação fiscal. A pena de três anos de prisão foi transformada em prestação de serviços comunitários pelo mesmo período e mais uma multa de doze cestas básicas no valor de R$ 1 mil cada. Em 2008, sob processo instaurado pela Ancine (Agência Nacional de Cinema), Fontes foi indiciado por irregularidades na prestação de contas do filme e condenado pela Controladoria-Geral da União a devolver R$ 36,5 milhões aos cofres públicos, total do dinheiro captado para a produção do filme. Fontes contesta esse valor e afirma que gastou um terço dessa quantia, apenas R$ 12 milhões. Guilherme Fontes iniciou sua carreira pelas mãos do diretor Cacá Diegues como protagonista do filme O Trem para as estrelas (de 1987), em que interpretou um saxofonista durante os anos de chumbo. No filme, o ator interpreta Vinícius que passa por diversas experiências pelas ruas do Rio de Janeiro enquanto procura por sua namorada desaparecida após uma noite de amor. O professor bêbado, interpretado por José Wilker, é impagável. O ator chegou a participar do seriado Malhação e de novelas como Rei do Gado e Mulheres de Areia, na TV Globo. Farta de curtura na Lei Rouanet A criação da Lei Rouanet em 1991 estimulou a produção cultural brasileira mas, infelizmente, alguns casos nos levam ao debate dos critérios de aprovação de projetos pelo Ministério da Cultura. A lei permite que 6% do IRPF (Imposto de Renda para pessoas físicas) e 4% do IRPJ (Imposto de Renda para pessoas jurídicas) sejam aplicados em projetos culturais. Sem dúvida, esse dinheiro colaborou para a produção de peças, filmes e espetáculos de qualidade. Mas, ao mesmo tempo, veja algumas captações pela lei, no mínimo, questionáveis: • A cantora de axé Claudia Leitte captou R$ 6 milhões via Lei Rouanet para sua turnê pelas regiões Norte e Nordeste em 2013. • O Club A, casa noturna para playboys e socialites em São Paulo, captou R$ 5,7 milhões para a “criação de um painel artístico de difusão cultural”. A entrada da casa (sem nome na lista) sai pela bagatela de R$ 160. • Em 2011, a cantora Maria Bethânia conseguiu autorização do ministério para captar R$ 1,3 milhão para o blog “O Mundo precisa de poesia” para realizar vídeos lendo poemas sob a direção de Andrucha Waddington. • O filme “Isso é Calypso”, que contará a trajetória da banda de Joelma e Chimbinha, pode captar R$ 10,7 milhões para sua produção até dezembro de 2016. • O espetáculo teatral mais lucrativo da história do teatro americano (US$ 853,8 milhões), O Rei Leão, captou R$ 11,7 milhões em isenção fiscal.

#vemprarua invade a Flip 2013

Com corruptela de Diderot*, o filósofo Vladimir Safatle empolgou o público: “nós queremos que o último mensaleiro petista seja enforcado nas tripas do último mensaleiro tucano”. Em mesa da Flip 2013, Safatle lembra que a luta contra a corrupção não se encaixa como bandeira conservadora e que vivemos crise de representação, tanto na política como na imprensa. O debate atrasou e foi iniciado com o comunicado de que mais uma estrela da Flip, o poeta palestino-egípcio Tamim Al-Barghouti não viria para participar do evento no domingo (dia 7). Apesar do furacão político que seu país atravessa, Barghouti, conhecido como o poeta da primavera árabe, conseguiu chegar a Londres mas perdeu seu passaporte e ficou impossibilitado de comparecer à festa de Paraty. A mesa Da arquibancada à passeata, espetáculo e utopia na noite de sábado (dia 6 de julho) na 11ª Flip (Festa Literária de Paraty) foi criada nos últimos dias após o cancelamento da palestra de outra estrela da Flip, o escritor francês Michel Houellebecq. O evento reuniu o filósofo Vladimir Safatle, o psicanalista Tales Ab’Saber e o escritor inglês T.J. Clark e foi mediado pelo jornalista Mario Sergio Conti. Ab’Saber lembrou do ‘começo de tudo’, os integrantes do MPL, o Movimento do Passe Livre. “Eu passava na Doutor Arnaldo (avenida paulistana) e aqueles meninos sempre estavam lá protestando contra os aumentos de ônibus, desde 2005”. Segundo ele, o MPL trabalha no “presente absoluto e não respondem nem ao PSTU e ao PSOL e, muito menos, ao lulismo-petismo”. Com dois metros de altura e pinta de Zizek paulistano, Ab’Saber encara temas espinhosos. Escreveu dois livros ousados: o primeiro analisa a cultura clubber, A música do tempo infinito, e o segundo, Lulismo, carisma pop e cultura anticrítica (Editora Hedra), em que investiga aspectos da construção da persona carismática do ex-presidente Lula. “O lulismo tem um componente de erotismo primitivo”, disse. O crítico e historiador britânico T.J. Clark iniciou sua participação ressaltando que não estava preparado para analisar a situação brasileira. “Foi o tempo em que intelectuais como Negri e Sartre sentiam-se no direito de avaliar a situação de outros países”. Para ele, o Estado alimenta-se desses momentos falsos de unidade nacional como a Copa do Mundo. “As catedrais do futebol estão cada vez maiores mas algo está acontecendo e nem o Pelé conseguirá espantar essa raiva”. * Citação original do filósofo francês Diderot : “O mundo somente será livre no dia em que o último padre for enforcado nas tripas do último general”. Acorda, Paraty na Flip 2013

Acorda, Paraty na Flip 2013

No dia 6 de julho (sábado), penúltimo dia da Flip (Festa Literária de Paraty), o povo da pequena cidade fluminense acordou. O movimento Acorda, Paraty mobilizou cerca de 200 moradores e interditou a ponte sobre o rio Perequê-açu, que liga a festa ao centro histórico, por 30 minutos. Os paratyenses aproveitaram a presença da mídia grande por lá como os jornalões O Globo e a Folha de São Paulo, e a TV Globo, além de milhares de turistas que lotam a cidade, para mostrar sua indignação contra a precariedade dos serviços públicos. As faixas do protesto pediam melhorias, principalmente, na segurança, educação e transporte público. Segundo os moradores, somente nesse ano, foram 31 assassinatos na cidade de 35 mil habitantes. Durante a manifestação, foi lida uma pauta com diversas reivindicações como a efetivação de professores aprovados em concurso e a preservação de áreas de mangue. Segundo moradores da cidade entrevistados pelo Zonacurva, há constantes faltas de luz e água na cidade e o saneamento básico é precário. “Após trabalhar nos restaurantes e pousadas, voltamos para a Ilha das Cobras e o Campinho (bairros periféricos da cidade) em que a realidade é outra, por lá, só tem violência e tristeza”, afirmou manifestante que não quis se identificar. Mais fotos do protesto:

Rapapé burguês na Flip 2013

O escritor e professor Dênis de Moraes deu o tom da mesa Graciliano Ramos: ficha política, na 11ª Flip, na sexta. Ao imaginar o que diria o velho Graça sobre toda a pompa e circunstância oferecida a ele nessa edição da principal festa literária do país, Moraes disparou: “Graciliano diria que isso aqui não passa de um rapapé burguês”. A mesa contou também com o sociólogo da USP, Sérgio Miceli, o brasilianista Randal Johnson da Universidade da Califórnia (UCLA) e a mediação de José Luiz Passos. Autor da biografia O Velho Graça, além de livros sobre o teatrólogo Oduvaldo Vianna Filho, o Vianninha (Cúmplice da Paixão) e do cartunista Henfil (Rebelde do Traço), Moraes lembrou da insubordinação e do ativismo do romancista alagoano. “Graciliano nos mostrou a importância da militância intelectual, com certeza, apoiaria as atuais manifestações populares”. Johnson recordou do impacto e da dificuldade ao ler o romance Vidas Secas aos 20 anos. “Foi o primeiro livro em português que li, somente na primeira página, já tinha recorrido ao dicionário umas 30 vezes”. O professor norte-americano afirmou que, ao término da leitura, sentiu-se recompensado pelo esforço. Ele disse que conta o episódio aos seus alunos para exemplificar o tortuoso porém gratificante caminho pela obra do escritor. As falas mais burocráticas de Johnson e Miceli foram entremeadas pela paixão de Moraes pela obra de Graciliano. Moraes ressaltou a pequena revolução que Graça realizou na pequena cidade de Palmeira dos Índios, no interior de Alagoas, quando prefeito. “Graciliano nos chama para a coerência ética e na luta contra o clientelismo da política brasileira”, arrancando aplausos do público.

O brechó do indie fashion

Na fila do segundo dia do Lollapalooza 2013, camisetas pretas e de bandas, tradicionais no público de show de rock, eram raras. A maioria tinha passado no brechó do indie fashion. Talvez com Slayer ou Sepultura no lineup, a galera fosse outra. Munido de paciência depois de ler reclamações sobre a desorganização do primeiro dia, não precisei dela e consegui sentir o primeiro cheiro de cocô de cavalo (presente em todos os cantos do Jóquei) em apenas 15 minutos. Entrada super tranquila. Faltando pouco para às 16h, acelero para assistir o Tomahawk, uma das dezenas de bandas de Mike Patton, o lendário vocalista do Faith No More. Som pesado e distorcido sob um sol ardido, Patton ensandecido tenta animar os tais dos hipsters com uns dois: “vamos lá, carrrralho” e nada. Ponto para ele que nunca se acomodou com o sucesso e sempre se arrisca. Dez minutos foram mais do que suficientes para suportar o sonzinho paumolescente do Two Door Cinema Club, tentei também o eletrônico do Zeds Dead na tenda Perry. Invejei uma fã que pulava em poça de água feliz da vida, haja ecstasy na cabeça. Fiquei na dúvida entre Alabama Shakes e Franz Ferdinand, que tocavam no mesmo horário. Decidi pelo fifty, fifty. O vocalista Alex Kapranos do FF sente-se em casa em Sampa que adora seus hits de pop rock compostos sob medida para as arenas de grandes festivais. Boa receita da banda: diversão, gringo se enrolando no português e corinho nos refrões. Corro ao palco alternativo para o Alabama Shakes. O vozeirão da vocalista, Brittany Howard, acompanhada pelo som de um antigo órgão e banda impressionam logo de cara. Grande show, um dos melhores do dia. Pena que o som do baixo estourou várias vezes, dava vontade de desligá-lo. Ficou o desejo de vê-los em local menor e com som redondo. Hora da principal atração da noite, o Queens of Stone Age. Não entendi até agora como não foram escalados para fechar a noite. A banda é ótima e enfilerou hits como “Little Sister” e “No One Knows”. O novo baterista, Jon Theodore, ex-Mars Volta, simplesmente detonou. O que incomoda, por vezes, no QOSA, é o som meio marcial e a total ausência de qualquer tipo de swing. Chegou a hora e a vez de Criolo, o orgulho do Grajaú, zona sul da capital, e sua jaqueta da Gaviões. Sua mistura de rap-samba-rock embalada por sua dancinha de umbanda recebem constantes petardos de críticos nerds que adoram incensar aquela banda do interior da Islândia. De outro lado, Criolo foi eleito o ídolo da vez de muitos descolados de plantão. Com certeza, ele chegou até aqui por mérito e não pelas mãos de descolados baba-ovo, muitos deles já o substituíram por qualquer banda “que está bombando em Nova Iorque”. Criolo tem talento e trouxe tempero brasuca no meio de dezenas de atrações gringas. A área do palco alternativo foi acanhada para o público que escolheu assistir o show. A boa banda com Daniel Ganjaman, que já tocou com boa parte da cena alternativa paulistana e naipe de metais, e músicas como “Bogotá” e “Não existe amor em SP” cantadas pela galera provam que Criolo veio para ficar. No final, recado: “paz para todos e para os irmãos que não puderam colar”. Translation: os ‘ irmãos’ não ‘descolaram’ 350 paus. O competente blues rock do Black Keys fechou a noite. Já cansado, fiquei mais no fundo da galera e vi muitos não darem a menor bola ao show conversando de costas para o palco. Perdi ‘Lonely Boy’ e o finzinho do show para fugir da muvuca da saída. Fiquei com vontade de voltar em 2014, o que, no frigir dos ovos, é bom sinal.