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Cultura

O jornalista e escritor Fausto Wolff escreveu: “cultura é arma de defesa pessoal”, esse é o guia dos textos aqui publicados.

SXSW 2024: evento reúne tecnologia, cultura e inovação

O South by Southwest(SXSW®) é um festival que se torna anualmente palco para as tendências de tecnologia, cinema, música, educação e cultura. É por meio da convergência de áreas do conhecimento que o evento se tornou destino desejado por profissionais interessados em discutir o futuro. De 8 a 16 de março, o “Southby” vai trazer mais de 450 sessões: showcases de música e comédia, exibições de filmes e televisão, exposições,, oportunidades de desenvolvimento profissional e networking, competições de tecnologia e cerimônias de premiação.  “Seja [para saber] como a IA mudará a maneira que criamos ou de que maneira a narrativa pode ampliar ainda mais vozes que representam plenamente nossas comunidades, no SXSW estamos constantemente discutindo como o futuro impactará nosso mundo”, diz Hugh Forrest, diretor de programação do evento. Toda essa programação é dividida em 24 grupos chamados de trilhas pelos organizadores. A Inteligência Artificial deve ser novamente um assunto transversal a muitas das sessões do evento. Se no ano passado, a discussão era sobre as suas potencialidades e possibilidades, neste ano os títulos dos 65 eventos com este tema já dão a pista de que é necessário entender, analisar e prever seus impactos. Especialistas norte-americanos das mais diversas áreas estão atentos à sua influência nas eleições presidenciais nos Estados Unidos. Por aqui, no Brasil, também há expectativa sobre qual será sua influência nas eleições de prefeitos e vereadores. Música, cinema e filmes O SXSW é composto por quatro eventos de porte: a Conferência, o Festival de Música, o Festival de Cinema e TV, além do Festival de Comédia. Serão ao menos 330 artistas da música nos seis dias de festival (11 a 16 de março), com estrelas de diversos quilates, como os norte-americanos do The Black Keys ou o brasileiro Marcelo D2, e iniciantes como a não-binária Thus Love. No festival audiovisual, haverá 115 apresentações e entre elas 89 estreias mundiais.  Confiram abaixo as entrevistas que fizemos no SXSW 2023

Huxley: a essência do homem dominado pelo medo é a perda de sua humanidade

Huxley – O ano é de 1948. As monstruosidades da Segunda Guerra Mundial e do nazi-fascismo ainda estão sendo contabilizadas. As barbáries do stalinismo, parcialmente conhecidas e o genocídio dos Estados Unidos em Hiroshima e Nagasaki denunciadas. Os ventos de uma nova Grande Guerra dita Fria, provavelmente a última por ser atômica, batiam às portas. O inglês Aldous Huxley, o mesmo que escrevera há vinte anos (década de 1930) a distopia de “O admirável Mundo Novo”, retoma à pena para um novo alerta ainda mais radical para o devir da humanidade: os perigos trazidos pelos avanços tecnológicos para fins bélicos, reduzindo-nos a animais bestiais. “O macaco e a essência” é uma pequena obra-prima de estilo e engenhosidade, de enorme força dramática. Afinal, despido de todos os valores civilizatórios, qual é a verdadeira essência do ser humano? A resposta de Huxley é dramática: a mesma dos macacos! Já na década de 20 do século passado, Huxley foi uma das primeiras vozes isoladas a agitar questões que hoje mobilizam conservacionistas, naturalistas, ecologistas e pacifistas! E a compreender, com notável precisão que as ondas de violência terrorista, das quais se tornou vassalo o mundo, assumem escala sem precedentes pelo culto desumanizante da tecnologia. Pessimista extremado, declara-se repetidamente incapaz de imaginar uma solução que desvie a história da humanidade de um epílogo fatal, de um verdadeiro apocalipse! No entanto, a evolução dos acontecimentos desde meados do século passado, não apenas reforçou essa convicção, como sugeriu formas para se retardar o desenlace anunciado. O livro, um roteiro cinematográfico O livro abre com dois amigos caminhando pelos estúdios de Hollywood, quando são surpreendidos por um caminhão carregado de roteiros a caminho do incinerador. Alguns desses roteiros ficam pelo chão e, entre eles, está “O Macaco e a Essência”, de um certo Tallis. Intrigados com a obra, os amigos decidem ficar com ela e começam a investigar suas origens. Mas a busca se mostra infrutífera e o roteiro nos é apresentado na íntegra. O roteiro cinematográfico de “O macaco e a sua essência” se situa em princípios do século XXII, daqui a 100 anos. Expõe a visão apocalíptica das ruínas de um mundo devastado cento e tantos anos antes por uma terceira guerra mundial que, graças ao emprego de armas atômicas e bacteriológicas, durou apenas três breves dias. Do único país pouco afetado pela devastação humana e ambiental, a Nova Zelândia, parte uma expedição de cientista em um barco à vela, que aportará nas costas da Califórnia. E lá se deparará com uma sociedade de símios ao lado de outra composta pelos descendentes dos humanos sobreviventes do extermínio. Lá encontram uma sociedade fanática e supersticiosa. Os visitantes irão se deparar com uma natureza humana onde a violência, a brutalidade, as crueldades cruas somente possuem precedentes nos campos nazistas de extermínio, de tal modo que a ironia de Huxley culmina no gênero macabro! Os californianos do século XXII consideram que a dita terceira guerra, a da destruição dos homens e do meio ambiente, tenha sido uma derrota definitiva do Deus bíblico. A vitória do Demônio (Belial) torna-se seu sacramento e culto. De tal modo que o machismo chega ao paroxismo com a misoginia explícita. Mulheres são “vasos do diabo” feitas para o prazer masculino nas “festas beliais”, orgias que somente ocorrem uma vez por ano. Ao parirem, suas “crias” serão selecionadas na próxima festa e, aquelas com muitas deformidades, passadas à faca por sacerdotes castrados. Uma clara analogia com as práticas eugênicas do nazi-fascismo. A marcha para o abismo. Para Huxley, a marcha rumo ao abismo não mais pode ser detida e os indivíduos dos dias de aquele então (1948), capazes de reunir em si os atributos de uma vida plena e harmoniosa, estão irremediavelmente condenados ao fracasso e à proscrição na sociedade pós-moderna e plutocrática, vulcanizada pelo domínio da máquina e da tecnologia. E o grande canalha é o MEDO. Conforme diria o Narrador: “O amor elimina o medo; mas reciprocamente o medo elimina o amor. E não apenas o amor. O medo elimina a inteligência, elimina a bondade, elimina todo o pensamento de beleza e verdade. Só persiste o desespero mudo ou forçadamente jovial… o medo elimina no homem a própria humanidade .” Um defensor dos valores básicos da vida Antes de se dedicar à escrita, Huxley formou-se em medicina. Uma doença oftalmológica o tirou da Primeira Guerra Mundial, experiência essa que acabou sendo fundamental para que, enquanto assistia de longe aos horrores da guerra, o autor desenvolvesse seu senso crítico político e social. Publicou sua primeira obra em 1921 e, entre contos, poesias, ensaios e romances, deu à luz a clássicos como “Contraponto” (1930) e “Admirável Mundo Novo” (1932). Foi relacionado nove vezes para o Nobel de Literatura, mas não chegou a levar o prêmio. Faleceu em 1963, depois de uma luta contra o câncer. Em sua hora fatal, pediu para que a esposa lhe injetasse uma alta dose de LSD (LEIA AQUI SOBRE ESSA EXPERIÊNCIA). Como em todas as suas obras, e apesar de tudo, ele ainda insiste na necessidade do amor e da tolerância: são as únicas forças capazes de se opor as potências do mal. “Toda vez que o mal é levado até o limite, ele se destrói a si mesmo. Depois, o que é a ordem das coisas retorna à superfície” (HUXLEY). Em “O Macaco e a Essência”, Huxley mais uma vez escancara os cânceres e suas metástases de nossa sociedade e nos convida a uma profunda reflexão sobre a condição humana e aquilo que chamamos de “progresso”. Uma distopia profunda, talvez a mais pessimista de todas elas. “Igreja e Estado, Ganância e Ódio- Duas pessoas símias, num Grande Gorila Supremo!” (HUXLEY) Uma observação: no início do roteiro cinematográfico, uma ponta de ironia do autor, quando vemos um macaco puxando por coleira um certo humano de nome “Albert Einstein”, apavorado, sendo fustigado e xingado. Provavelmente uma crítica satírica ao físico por ter sido o descobridor da Teoria da Relatividade Restrita, a da conversão da massa em energia, base teórica da criação da bomba atômica.

Nelson Rodrigues, o maior craque da crônica de futebol

Ele na crônica escrevia à semelhança de Garrincha, que driblava para um só lado, e todos sabiam qual, mas ainda assim eram surpreendidos. Nelson Rodrigues foi, de longe, o maior e melhor excelso gênio da literatura de futebol no Brasil. Disse tudo? Não, disse menos. Quero dizer: o sonho de todo escritor, o de ser lido pelas massas, discutido por elas, sem cair um só milímetro da sua dignidade artística, o sonho de escrever para todos, esse possível um dia Nelson Rodrigues conseguiu. Disse tudo? Menos ainda, porque devo dizer: não conheço, na literatura mundial, alguém que tenha sido tão magnífico quanto Nelson Rodrigues na crônica esportiva.

A resistência de Gal Costa à ditadura civil-militar

Faleceu na manhã de 9 de novembro (quarta), a cantora Gal Costa aos 77 anos Nascida na Bahia, Gal Costa foi sinônimo de resistência durante a ditadura brasileira. Muito ativa nos movimentos contra o governo da época, ela lutou contra a censura e por pautas sociais como a defesa dos direitos LGBT. Após o exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil, coube à cantora manter acesa a chama da contracultura no cenário musical brasileiro. Pouco tempo após o Ato Institucional Nº 5 (AI-5), em dezembro de 68, Gil foi preso junto com Caetano. Liberados na quarta-feira de cinzas de 1969, os dois partiram em julho para o exílio em Londres. Em outubro de 1971, aos 26 anos, Gal estreava o show “Gal a Todo Vapor”, conhecido também como “Gal Fa-Tal”, no Teatro Tereza Rachel no Rio, que se tornou um tapa na cara da caretice dos generais no poder. Mais de 600 pessoas iam todos os dias assistir suas apresentações, divididas em dois atos, em um palco avermelhado, onde lia-se “FA–TAL” (palavra que nomeou o disco do show) no fundo, e “VIOLETO no chão, palavras retiradas de poema de Waly Salomão, diretor do espetáculo. No primeiro ato, ela se apresentava com o violão em tom solitário, já no segundo, Gal surgia eufórica com sua banda. Em 1972, Gal a todo vapor foi apresentado em outras capitais pelo Brasil, como São Paulo, Salvador e Recife. … Enquanto nas ruas, os brasileiros viviam uma brutal repressão política, no show de Gal, o público crítico à situação do país encontrou a oportunidade de desbundar e respirar a liberdade da revolução tropicalista em um Brasil sufocado pela censura. Após o show na capital pernambucana, Jomard Muniz de Britto publicou uma crítica poética, em setembro daquele ano, sobre o papel político da artista, no Jornal do Commercio:  “Quem não viu a pérola negra de Gal?”  “Não tenham medo de ouvir um grito (há muito tempo preso na garganta…), grito primal, grito liberado nestas águas de setembro que agora derramarei. Pela necessária impureza do terror lírico. Amor/terror.  (…) Numa só noite, em menos de duas horas, Gal reviveu sete vezes sete seu itinerário como cantora mais que cantora. Como intérprete, como gracinha, como pessoa que não se assusta consigo própria. Como alguém que vem assumindo uma posição dentro da existência e da criação cultural brasileira.  (…) Gal devorou sua plateia, que nem ao menos desconfiava que estava sendo comida, num dos maiores banquetes da música viva popular livre brasileira”. Dez dias após a volta do exílio em 1972, em seu primeiro show, Caetano fez um aceno à imagem de Gal: um batom vermelho, cabelos ondulados repartidos ao meio e um colete justo. “Um retrato vivo de Gal, pensado como uma homenagem a ela ter encarnado os tropicalistas expatriados durante aqueles anos”, comentou o cantor, em 2011. Em 1976, a artista realizou o show Doces Bárbaros, com Caetano, Gil e Maria Bethânia, pelo Brasil. Tamanho foi o sucesso que virou disco e documentário. Em sua longa carreira, Gal incorporou em sua essência tropicalista performances mais refinadas e abraçou outros ritmos brasileiros.  O longa “Meu nome é Gal”, protagonizado por Sophie Charlotte, tem lançamento previsto para 2023. A cinebiografia segue Gal desde sua ida da Bahia para o Rio de Janeiro e, em seguida, São Paulo, entre o fim dos anos 60 e início da década de 70. Gal nos deixa um legado de canções marcantes. Confira seus maiores sucessos:   Meu nome é Gal   Divino Maravilhoso   Vapor Barato   Vaca Profana   Brasil (canção de Cazuza regravada pela cantora) https://urutaurpg.com.br/siteluis/o-carnaval-da-tropicalia/ Julinho da Adelaide driblou a censura nos anos 70

‘Marighella’ leva oito estatuetas no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2022

O filme Marighella foi o grande vencedor do 21º Grande Prêmio de Cinema Brasileiro, evento organizado pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais nesta quarta-feira (12) no Rio de Janeiro. Das 17 categorias em que foi indicado, o longa dirigido por Wagner Moura levou o maior número de premiações da noite, conquistando oito ao todo: Melhor Longa-Metragem Ficção Melhor Primeira Direção de Longa-Metragem Melhor Ator (Seu Jorge) Melhor Roteiro Adaptado Melhor Direção de Fotografia Melhor Som Melhor Direção de Arte Melhor Figurino Enquanto recebia o prêmio de Melhor Roteiro Adaptado, Wagner Moura dedicou a estatueta a todos ex-guerrilheiros da Ação Libertadora Nacional (ALN): “Prestaram um serviço incrível, eles foram muito generosos com a gente”, declarou. Ao todo, foram 32 prêmios entregues, sendo que Dira Paes (Veneza), Rodrigo Santoro (7 Prisioneiros) e Zezé Motta (Doutor Gama) também foram premiados. A cerimônia, que não acontecia de forma presencial desde o início da pandemia do coronavírus, foi guiada por Camila Pitanga e Silvero Pereira. Além de se encarregar da apresentação da premiação, Silvero também performou as canções “Sujeito de Sorte”, “Maria Maria” e “Dias Melhores Virão”. Para assistir a premiação completa, clique aqui. Meus encontros com Marighella Filme Marighella mobiliza a esquerda na volta do cinema Marighella: a execução do inimigo número 1 da ditadura militar  

“Sem Pensar no Amanhã” mostra Alceu Valença em estado puro

“Sem Pensar no Amanhã”, dirigido por Marcos Credite, leva o nome de um dos álbuns lançados por Alceu Valença, um dos maiores nomes do MPB, e o acompanha durante a quarentena, período em que o cantor mergulhou em suas músicas. Já no início, o documentário traça um contraste entre o artista frenético, com sua rotina agitada de shows, e mais calmo em casa no início da pandemia de covid-19, quando se conhecia pouco sobre o coronavírus. Essas cenas são guiadas pela música “Solidão”, de Alceu, que perdeu muitos amigos e familiares para a doença. Alceu, acostumado a seguir sempre na estrada, criou uma nova rotina em casa na companhia de seu violão, se valendo de uma conexão que torna o instrumento uma extensão do próprio corpo. Conforme os dias passavam, o cantor buscava maneiras de reinventar seus sucessos, do frevo ao samba, dando às músicas um tom intimista carregado de originalidade, com apenas voz e violão. A princípio, gravaria apenas um simples álbum, mas este foi apenas o primeiro de uma série de quatro álbuns. Carregado de afeto, o filme contém depoimentos de sua esposa, Yanê Valença, seu filho, Rafael Valença, além do produtor Rafael Ramos e do engenheiro de som Matheus Gomes. Seu companheiro Paulinho Rafael, músico que o acompanhava no estúdio, faleceu devido ao câncer aos 66 anos, poucos meses depois das gravações, o que deu aos registros de sua relação com o cantor e aos depoimentos do amigo um tom ainda mais sensível.  Apesar do contexto político e social em que o Brasil vive, o filme retrata um artista que acredita na efemeridade das coisas, espontâneo e otimista com o futuro.  “Pode ser sonho, mas deixa o poeta sonhar” – Yanê Valença Lançada pelo coletivo Pipoca, a obra poderá ser acessada a partir do dia 15 de julho diretamente no site do Sympla por R$12, com o acesso garantido por um mês. Sérgio Sampaio botou pra gemer Taiguara livre e senhor de si

Jão e os 40 anos do Ratos de Porão

O CONVERSA AO VIVO ZONACURVA recebeu Jão, guitarrista da banda Ratos de Porão, no dia 25 de março. A conversa foi gravada no bar La Borraxteria, mantido por Jão e seus sócios., que fica no bairro de Pinheiros em São Paulo. O bate-papo contou com a presença do editor Zonacurva Fernando do Valle e Luis Lopes do portal Vishows. Após esses dois anos de pandemia, o processo de retomada das apresentações ao vivo do Ratos coincidiu com o aniversário de 40 anos da banda, o que tornou o reencontro entre banda e público ainda mais especial.  Jão conta que o tempo de isolamento social o ajudou a compor e novas músicas. Em 13 de maio, o Ratos de Porão lança seu novo álbum, Necropolítica. O último álbum da banda, Século Sinistro, foi lançado em 2014. O novo álbum do Ratos de Porão trará diversas críticas ao atual governo. “As letras são anti-bolsonarristas até o talo. Eu sei que tem gente do metal que gosta do Bolsonaro, mas não dá para defender esse verme ”, afirma o guitarrista.  A atualidade das letras compostas nos anos 80 e 90 também foi alvo da entrevista. O editor Zonacurva Fernando do Valle ironizou: “parece que aquelas letras foram escritas ontem!”. Jão, compositor de maioria delas, afirma: “músicas que escrevi no final dos anos 80 fazem mais sentido hoje porque na época ainda tinha o anseio pelas Diretas Já”. Jão relembrou o sucesso internacional da banda com shows espalhados pela Europa em países como Portugal, Espanha, França e Itália. O Ratos participou de diversos festivais de punk pelo continente de forma independente. Ele conta que “muitas vezes nós mesmos alugávamos uma van e saíamos andando com os mapas dos países em que íamos tocar”. Clemente: o movimento punk nunca há de morrer O beat William Burroughs e o rock    

Murilo Ribeiro – um contador de histórias

Murilo Ribeiro – Estive no Museu de Arte da Bahia (MAB) em uma noite agradabilíssima deste mês para apreciar e prestigiar a abertura da exposição “Murilo Ribeiro – Um contador de histórias”, que apresenta a série “Eu nasci há dez mil anos atrás”, composta por 60 quadros a óleo do artista. Murilo tem uma trajetória extensa nas artes, que se inicia ainda aos 13 anos nas Alagoas. Hoje radicado na Bahia, onde o artista aperfeiçoou sua técnica no curso de Belas Artes na UFBA (Universidade Federal da Bahia) pelo idos de 1975. Ele atualmente também é o diretor do Palacete das Artes – Museu Rodin Bahia. O nome escolhido para a série traz no seu âmago a genialidade e picardia de um dos baianos mais notáveis da música contemporânea do Brasil – Raul Seixas, narrando experiências “retrofuturistas”  a partir de visão privilegiada do passado. Murilo e Raul criaram a sinergia perfeita para contar histórias – não obstante que a pintura durante longos séculos foi esse fio condutor, interlocutor e expositivo para retratar a vida, a sociedade, e a passagem do tempo com todas as suas nuances – o que nos proporcionou uma imersão fabulosa, esbanjando sensibilidade, e um traço muito peculiar das suas obras, “modernamente” expressionista.  A exposição de Murilo em si é pura sinestesia, permitindo ao espectador passear por vários momentos de sua expressão. Seus quadros estão todos preenchidos, não há vazio. São cores vibrantes em contraste com o preto, que é o elemento de convergência em toda a série. Me permiti ver, em muitos dos seus quadros, passagens de “A Morte e a Morte de Quincas Berro D’agua”, certamente pela influência amadiana, mas as referências são muitas, de fato, vemos a obra e lá estamos frente à história. Outro aspecto da exposição foi o projeto expográfico, tautócrono, permitiu que a experiência museal fosse completa. Deixei a exposição desejoso de vê-la num catálogo pra rememorá-la outras tantas vezes. E curioso para ver a mediação do projeto educativo, principalmente a impressão dos mais novos, ao se depararem com uma tela “inanimada”. A sala de exposições do MAB estava repleta de artistas, amigos e familiares, todos inebriados por seus traços e contornos e a verdade de suas obras.  Para quem desejar apreciar essa belíssima exposição (e eu sugiro que coloque realmente na agenda) a mostra ficará à disposição dos visitantes até o dia 17 de abril.  SERVIÇO: O Museu de Arte da Bahia é um equipamento vinculado ao Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC)/Secretaria de Cultura/Estado da Bahia. e funciona de terça a sexta das 13h às 18h e, aos sábados, das 13h às 17h. Entrada franca. Exposição do iconoclasta León Ferrari no MASP  

“O grande recado da Leila era o amor”, afirma Ana Maria Magalhães

Colaborou Isabela Gama O CONVERSA AO VIVO ZONACURVA recebeu no dia 27 de janeiro a atriz e diretora Ana Maria Magalhães, que acaba de lançar seu longa-metragem “Já que ninguém me tira para dançar” sobre a vida e obra de Leila Diniz. Ana Maria conversou sobre a amizade das duas, a importância da discussão sobre a liberdade feminina, e a necessidade do amor nesses tempos de ódio e outros assuntos. O bate-papo contou com a presença do editor Zonacurva Fernando do Valle e da estudante de jornalismo Isabela Gama.  A diretora revelou que iniciou a filmagem do filme em 1982 após 10 anos de morte de Leila para avivar a memória da amiga, entretanto o filme não foi finalizado pela retirada do apoio financeiro que contava na época. Durante um longo período, o projeto ficou parado e o relato de atores, diretores e familiares de Leila sobre a icônica artista permaneceu inédito até hoje. Em 2015, Ana Maria recebeu o  apoio de um restaurador experiente para que ela retomasse o projeto do  documentário, então ela começou a reorganizar o material e a digitalizar as imagens, mas ainda enfrentava o mesmo problema: a falta de grana, como em 1982. Somente em 2020, após uma entrevista da diretora ao Itaú Cultural, é que o filme ganhou o apoio da instituição e a coprodução do jornal Metrópoles o que proporcionou a finalização do filme. Ana Maria conta que uma das motivações para retomar o filme foi a necessidade de apresentar Leila Diniz para as novas gerações. A atriz, que foi o símbolo da liberdade feminina e do amor livre, abriu as portas para diversas discussões que perduram na vida das mulheres até hoje, principalmente em tempos de retrocessos engendrados pelo governo da vez. O filme poderá ser assistido GRATUITAMENTE no Itaú Cultural Play  a partir do dia 25 de março, dia em que Leila completaria 77 anos.  Bem-vindo ao Fatos da Zona, em que adaptamos os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre para o audiovisual. Neste vídeo, visitamos emocionados a memória da grandiosa Leila Diniz. Abordamos a história dessa figura icônica que enfrentou os costumes impostos pela ditadura e reformulou o que era esperado das mulheres de sua época.       Toda mulher é meio Leila Diniz* Documentário sobre Leila Diniz apresenta atriz para os jovens

Há um século, o modernismo atropelou o conservadorismo e abriu as portas ao progresso

Semana de Arte Moderna – O modernismo europeu antecedera em mais de uma década o nosso pensar moderno. Na verdade, o princípio do século XX coincidira com o colapso da cultura europeia tradicional. Tal qual nos dias sombrios em que vivemos, a palavra também parecia desraigada da verdade, as imagens perdiam sua coerência e os símbolos sua transcendência. O modernismo europeu, entretanto, havia criado para si próprio a negação e o questionamento permanente, substituindo-se o que já fora um dia trocado por algo sempre mais novo e surpreendente. De tal forma que aquilo que se denominou de “o tempo moderno” tinha uma mola mestra central: as formas “tradicionais” das artes, a organização social e a vida cotidiana haviam se tornadas ultrapassadas! Logo, o reexame de cada aspecto da existência humana se tornou um desafio permanente e o encontro das “marcas antigas” para substituí-las por novas formas assinalavam o caminho para o progresso. Na perspectiva europeia do princípio do século, o modernismo significava por um lado, desencanto e desestruturação do homem, por outro, a necessidade de sua reestruturação espiritual. O moderno chega ao Brasil com o atraso de quase duas décadas. Aqui ele expressa tanto um projeto estético de renovação e ruptura com a linguagem tradicional, como aporta certa visão benevolente de uma natureza divinamente revestida e repleta de nossas diversidades regionais, o que redundava numa perspectiva ufanista de um Brasil idealizado pela intelectualidade urbana. Enquanto a Europa, já ultrapassada sua primeira fase modernista, chafurdava na Primeira Grande Guerra com milhões de mortos, fome e destruição, o Brasil e, principalmente São Paulo, atravessavam uma enorme transformação socioeconômica resultante da industrialização acelerada. E a chegada massiva de imigrantes aportava vivências e exigências de um mundo diferente do paternalismo, do coronelismo de compadrio, do escravagismo e de seus preconceitos, tão entranhados em nossa cultura. O modernismo aqui, portanto, estará inscrito num longo processo histórico e social, que extravasa largamente os limites do estético. Interessantíssimo, dizia Mario de Andrade, que ao chegar por nossas terras o movimento modernista não encontrará apoio algum junto aos capitães da indústria. Será uma pequena fração de refinada burguesia de base rural, mais culta e com forte influência francesa, que estimulará tanto político quanto financeiramente os jovens artistas da primeira geração modernista, cujo marco inicial será a Semana de Arte Moderna. A Semana de Arte Moderna de 1922 “Era uma vez um homem chamado Jacinto Silva que, em 1921, tinha uma livraria na Rua 15 de Novembro, em São Paulo, a casa Editora ‘O Livro’. Todas as tardes lá se reuniam um poeta, um romancista e um pintor. Guilherme de Almeida, Oswald de Andrade e Di Cavalcanti”. Uma tarde o poeta leu na sala aos fundos da livraria, seu livro daquele ano. Depois outros autores leram outros livros e mais e mais gente foi chegando. Pintores e escultores, inclusive Brecheret, fizeram exposições. Músicos tocaram. Foi quando nasceu a ideia de se fazer, nesse mesmo lugar, uma grande exposição de arte moderna, ilustrada com concertos de música e recitativos de poesias modernas. Tudo moderno, para valer! ” (Carminha de Almeida, 1939). Di Cavalcanti em “Viagens da minha vida” sustentou que ele sugerira a Paulo Prado, o mecenas filho da riquíssima aristocracia cafeeira de São Paulo, “nossa semana, que seria uma semana de escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulistana”. Paulo Prado e, posteriormente, Graça Aranha não somente apoiaram, mas alargaram a ideia, este último achando preferível realizá-la em São Paulo do que no Rio, sobretudo porque “na Paulicéia tem um grupo forte de modernistas, não só escritores, mas poetas e artistas plásticos. ”Referindo-se à Academia Brasileira de Letras, da qual era o Presidente, e aos acadêmicos”, disse Graça Aranha: “É preciso reformar tudo aquilo, dar vida àquele cemitério. Vocês são moços, são estudantes, agitem a escola. Façam alguma coisa de novo, façam loucuras. Mas procurem espanar os reacionários com aquelas teias de aranha.” E, de repente, a sala de leituras da pequena editora foi, surpreendentemente, substituída pelo Teatro Municipal. René Thiollier, um dos modernistas foi ao Palácio dos Campos Elíseos para falar diretamente com Washington Luís, que imediatamente cedeu o belíssimo teatro ao evento. Formou-se também um comitê com o apoio do escol financeiro e mundano de São Paulo, formado por Alfredo Pujol, Armando Penteado, René Thiollier e Antônio Prado Junior; outros ainda começaram a coleta de dinheiro para a realização do evento, principiando pelos sócios do seleto Automóvel Club. Quer nos boca a bocas, nos murais, nos panfletos ou na imprensa, a propaganda da Semana de Arte Moderna foi feita com um enorme estardalhaço. O “Correio Paulistano”, sob o comando de Menotti del Picchia, acolhe os “avanguardistas” e foi o jornal que melhor cobertura deu ao evento. Já o conservador “O Estado de S. Paulo” publicou a seguinte nota em janeiro: “As colunas da secção livre estão à disposição de todos aqueles que, atacando a Semana de Arte Moderna, defendam o nosso patrimônio artístico”. Entretanto, dobrando-se à enorme tempestade desencadeada, no dia 3 de fevereiro curvou-se e publicou a programação dedicada aos dias 13, 15 e 17: No primeiro dia, “Pintura e Escultura”; no segundo, “Literatura e Poesia” e no terceiro, “Festival da Música”. E A SEMANA aconteceu durante aqueles dias de fevereiro de 1922, tempo de chuvas tormentosas em São Paulo, o que não impediu que multidões disputassem cada canto do Teatro Municipal na “Semana de Arte Moderna de 22”. Quadros, esculturas, desenhos pelos saguões e corredores; conferências, declamações, concertos, danças no palco. Ivone Daumier realizando dança moderna vestida de borboleta; Guiomar Novaes esquecendo em casa Chopin e tocando magistralmente Villa Lobos, Blanchet e Debussy… Para uma assistência animada, que tanto aplaudia quanto vaiava sem parar. Nada do vetusto teatro lembrava aquele momento histórico! Mário de Andrade, Graça Aranha, Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade, Afonso Schmidt, Plínio Salgado, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Villa Lobos, Sérgio Millier, John Grass, Zina Aita, Brecheret, todos agradeciam as palmas e as vaias com sorrisos de prazer. Ronald de Carvalho e Renato de Almeida protestavam

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