Zona Curva

Tecnologia

Textos sobre os avanços tecnológicos que afetam várias áreas do conhecimento.

O futuro do jornalismo depende da sua sustentabilidade financeira

Jornalismo futuro – O jornalismo precisa escolher entre ser uma atividade sem fins lucrativos ou estar associado a uma prática comercial. É uma escolha nova diante de uma situação, também nova, vivida pela profissão desde o início da era digital. Trata-se de optar entre condicionar o exercício e a sustentabilidade financeira do jornalismo ao interesse social, ou manter a situação atual em que os objetivos econômicos e políticos dos donos de empresas jornalísticas determinam quais as notícias que serão publicadas e com que ênfase. Jornalismo “sem fins lucrativos” não é um jornalismo filantrópico e nem é um sinônimo de atividade voluntária não remunerada. É um termo usado para expressar a prioridade do social sobre o lucro resultante de comercialização da notícia, na hora de definir a agenda jornalística de um jornal, emissora de rádio ou telejornal. O jornalismo sem fins lucrativos depende de faturamento tanto quanto as empresas convencionais só que os lucros eventuais são distribuídos entre quem trabalhou e não apenas entre os acionistas. O surgimento desta modalidade de jornalismo está diretamente associado à revolução tecnológico/digital. Até agora, o exercício do jornalismo estava condicionado pelas circunstâncias econômicas que historicamente vincularam a produção de notícias à necessidade de investimentos financeiros. A herança analógica Como era inevitável, a exigência de lucratividade e as pressões pela sobrevivência num mercado altamente competitivo levaram os empreendedores a se apropriarem da mensagem social e transformadora do jornalismo para atrair leitores, ouvintes e telespectadores. Surgiu assim uma situação contraditória em que a prestação de serviços informativos à população acabou subordinada à prática comercial. A função social passou a ser condicionada pelo cotidiano da lucratividade empresarial. A associação entre jornalismo e negócios foi, portanto, a consequência de uma conjuntura tecnológico-financeira e de um contexto histórico definido. É inadequado fazer um julgamento moral, tipo bom ou mau, certo ou errado. Não se pode julgar o ecossistema informativo dos séculos XVIII e XIX com as ferramentas teóricas e práticas do século XXI, mas o jornalismo precisa perceber que a realidade mudou e muito. Ilustração Wikimedia / Creative Commons Com a chegada da era digital, a nova realidade acabou atingindo o principal alicerce do modelo de negócios que viabilizou a sobrevivência econômica do jornalismo durante quase dois séculos. As tecnologias digitais eliminaram a necessidade de investimentos significativos para a produção noticiosa em texto, áudio e vídeo. Com isto, foram criadas as condições tecnológicas e financeiras para a multiplicação de projetos jornalísticos de todos os tipos, para o surgimento das redes sociais e, principalmente, para a participação de pessoas comuns na produção colaborativa de notícias. A inovação tecnológica na área da informação e comunicação assumiu um ritmo frenético, criando angustiantes dilemas econômicos para a imprensa, principalmente depois que a publicidade migrou para a internet reduzindo em até 70% a receita da maioria absoluta das empresas jornalísticas. Mas a cultura profissional herdada do jornalismo da era pré-internet não se atualizou na mesma velocidade. A geração de profissionais com 40 anos de idade ou mais ainda convive com os hábitos e procedimentos determinados pela condição de assalariados em empresas que buscam a maximização de seus lucros. São valores, normas e rotinas entranhados profundamente no processo de produção de notícias, entrevistas e reportagens. Não é fácil e nem rápido mudar uma situação como esta. O desafio da sustentabilidade Entre todas as mudanças de valores, normas e rotinas já em curso, a mais complicada é a relativa à sustentabilidade financeira da atividade jornalística. A complexidade na abordagem desta questão resulta tanto da necessidade um novo modelo de negócios para a atividade profissional como, principalmente, da inevitável associação entre este novo modelo e a valorização da função social do jornalismo. Nas últimas décadas, surgiram várias propostas como jornalismo cidadão, jornalismo cívico, jornalismo comunitário e jornalismo social. Quase todas elas procuravam enfatizar a necessidade de a profissão reduzir sua dependência das práticas comerciais para conferir mais espaço às questões sociais na agenda da imprensa. Mas, no fundamental, estas alternativas buscavam corrigir a avassaladora predominância dos interesses corporativos e da luta pelo poder político na agenda da imprensa. Não se trata de uma alteração determinada apenas pela preocupação com questões éticas ou com o que chamamos de ‘politicamente correto’. A ênfase na função social do jornalismo tem razões estruturais determinadas pelo novo ecossistema informativo mundial. O jornalismo não pode depender mais da publicidade para sobreviver tanto financeiramente como na produção de notícias. A avalanche informativa inviabilizou o sistema vigente até agora. O jornalismo passou a depender, cada vez mais, do apoio direto do público através de diferentes modalidades de acesso pago às notícias. Isto cria a necessidade de uma reorientação na agenda informativa da imprensa para temas que envolvam a população. A agenda focada na política e nos negócios transformou o público em observador passivo dos acontecimentos, condição na qual as pessoas têm poucos estímulos para financiar o exercício do jornalismo, especialmente em momentos de crise econômica como o que estamos vivendo. As formas pelas quais o público financiará o jornalismo ainda são uma grande incógnita e um terreno que começa a ser explorado, especialmente no âmbito local e em experiências universitárias, nos Estados Unidos e Europa. Pelos resultados obtidos, já se sabe que não haverá um modelo único e que este será desenvolvido em conjunto entre as pessoas comuns e os profissionais do jornalismo, com o apoio de pesquisadores acadêmicos. Apesar das incertezas ainda existentes, já existe um quase consenso de que o futuro do jornalismo depende do seu engajamento social e que este, por sua vez, só poderá sobreviver e crescer se for sustentável financeiramente, através de sistemas onde a busca do lucro não seja a motivação principal dos empreendedores. Nota do autor O objetivo deste texto é alertar meus colegas de profissão para a necessidade do debate sobre a sustentabilidade financeira do jornalismo, seja ele exercido de forma autônoma ou em empresas. Há uma relação direta entre a produção de noticias e a base econômica que garante a sustentabilidade da profissão. Hoje temos várias opções, daí a urgência do debate. Publicado originalmente na página

Política no TikTok

Ive Brussel – No dia 25 de fevereiro, o CONVERSA AO VIVO ZONACURVA contou com a convidada Ive Brussel, que é advogada e comunicadora digital. Com mais de 250 mil seguidores na rede social TikTok, Ive consegue alto engajamento com seus vídeos em que analisa assuntos políticos pelo prisma da esquerda. Participaram da entrevista o editor ZonaCurva Fernando do Valle e Luis Lopes do Portal Vishows. Ela brinca que chegou na plataforma influenciada pelos filhos e que lá “era tudo mato”. Ive explica que começou a produzir conteúdo para se divertir em cima dos trend topics (assuntos mais comentados) e dublagens (populares nessa plataforma digital). Mas, foi após ser inspirada por outras duas mulheres tiktokers como Bruna Volpi (@bruna.volpi) e Natlhalia Camarco (@nathaliacamarco) que ela decidiu adaptar o seu conteúdo e passou a desabafar sobre a conjuntura política. Ive conta que o TikTok é uma das poucas plataformas em que há a possibilidade do usuário baixar o vídeo e compartilhá-lo em outras redes sociais e pelo whatsapp e isso colabora muito no engajamento. Ela lembra que foi em julho de 2020 que ela teve o seu primeiro vídeo viralizado. No vídeo, Ive mostrava sua indignação sobre as ameaças de Bolsonaro a um jornalista, quando o político foi perguntado sobre os depósitos em dinheiro vivo de Fabrício Queiroz na conta de Michelle, sua esposa. Ao não conseguir explicar o caso de corrupção, Bolsonaro gritava como um sociopata que tinha “vontade de encher sua boca de porrada”. Os depósitos continuam sem esclarecimento. Indagada sobre como irá atuar nas eleições deste ano, Ive afirma que não pretende apoiar abertamente um determinado candidato porque um dos seus principais objetivos é furar as bolhas digitais e “virar votos” para os candidatos de esquerda. Segundo a comunicadora digital, é necessário que a esquerda pare de cair em armadilhas da direita e não polemize sobre assuntos de interesse desse campo político. Pois, com isso, os progressistas não colaboram na propagação de mentiras e notícias falsas. Mônica Iozzi discute política com humor em seu novo programa Comunicação: o uatizapi, sozinho, não muda o mundo  

Jornalismo eleitoral: mais do que só notícias

A previsível avalanche de notícias falsas e o fenômeno das “narrativas” marcam o início de uma campanha eleitoral que deve obrigar o jornalismo a uma difícil escolha e até influenciar o futuro da profissão. Trata-se da opção entre desconstruir a agenda eleitoral para que o público descubra o que não está sendo dito e mostrado; ou afogar o eleitorado num mar de notícias, impossibilitando as pessoas de identificar o que é falso, irrelevante ou fora de contexto. São duas questões complexas que vão exigir abordagens diferentes dos profissionais e não profissionais do jornalismo (1). O primeiro desafio é o volume de material a ser analisado por repórteres, editores e comentaristas. É inevitável que a quantidade de fake news espalhadas pelos diferentes candidatos e partidos supere a capacidade das organizações verificadoras existentes de checar todo o material veiculado tanto pela imprensa (2) como pelas redes sociais. O segundo desafio está ligado ao crescente uso das chamadas “narrativas”, formatos textuais ou visuais através dos quais os candidatos e políticos manipulam dados, fatos e eventos de forma a tentar dar credibilidade a suas propostas e posicionamentos eleitorais. Nas narrativas, predominam o uso de meias verdades e de conteúdos fora de contexto. As vítimas do lixo fake A impossibilidade material de checar a veracidade de todas as notícias publicadas durante a campanha eleitoral abre a possibilidade para muito lixo informativo chegar, sem verificação, até o público. As fake news são a ferramenta mais usada por ativistas e políticos de extrema direita, aqui e no resto do mundo, para confundir a opinião pública e ampliar a desconfiança das pessoas em relação à imprensa. Os grandes conglomerados midiáticos entraram na mira dos ultraconservadores por conta dos vínculos entre a grande imprensa e o establishment liberal-democrático, dominante na maior parte dos países ocidentais. Trata-se de um confronto basicamente entre duas visões de mundo, mas as grandes vítimas são a informação e as pessoas que precisam dela para sobreviver. Tudo isto ocorre num contexto em que, segundo o IVC (Instituto Verificador de Circulação), o total de assinantes dos 10 maiores jornais brasileiros caiu 57% nos últimos cinco anos (3). Ainda segundo o IVC, nenhum dos dez jornais mostrou uma tiragem média diária superior a 80 mil exemplares, o que assinala um brutal contraste com os saudáveis índices de 300 mil exemplares impressos, de publicações como a Folha de São Paulo e O Globo, há menos de 10 anos. Os dados mostram uma irreversível erosão da confiança do público no outrora influente “quarto poder”, o que aumenta a responsabilidade do jornalismo, como função social, na geração de fluxos noticiosos que preencham o vácuo que está sendo criado pela crise na grande imprensa e pela caótica agenda das redes sociais. A narrativa das urnas A realidade construída pelos candidatos para justificar seus projetos, ações e ideias é bem mais difícil de ser desmontada porque exigirá de repórteres, editores e comentaristas uma engenharia reversa dos dados mencionados na “narrativa”. Ou seja, identificar a confiabilidade e a forma como o material foi organizado pelo “narrador”. A análise vai exigir também que o profissional investigue os porquês da narrativa, seus objetivos e métodos, para que o eleitor possa perceber como estão tentando influenciar o seu voto. Nestas circunstâncias, o jornalismo provavelmente terá que recorrer a outras ferramentas além das incluídas nos manuais de redação. Terá, por exemplo, que recorrer aos instrumentos de investigação social desenvolvidos pela sociologia e a antropologia, duas disciplinas que na conjuntura atual podem ser extremamente úteis para o exercício da função social do jornalismo. Um caso exemplar de “narrativa” política é o uso da expressão “liberdade de expressão” para justificar posições de extremistas de direita contrárias à ciência e às normas institucionais do país. A liberdade de expressão é um conceito complexo, mas foi simplificado e ressignificado para embasar campanhas contra a vacinação, defesa do terraplanismo ou exclusão de homossexuais e lésbicas. Outro exemplo é a “narrativa” da desconfiança nas urnas eletrônicas, um discurso baseado em dados falsos ou inexistentes para justificar um eventual pedido de anulação das apurações. A combinação dos efeitos previsíveis das fake news e da desinformação gerada pelas “narrativas” sugere a hipótese de que talvez os profissionais do jornalismo devam se preocupar mais com os prováveis efeitos da saturação noticiosa durante a campanha do que com a frenética concorrência entre veículos para saber quem publica as manchetes mais impactantes. O jornalismo lento no tsunami eleitoral Uma alternativa possível para evitar os riscos de um tsunami informativo na campanha eleitoral deste ano é o jornalismo tentar frear a intensidade do fluxo de informação, priorizando o foco na qualidade e confiabilidade das notícias em vez de contribuir para que o acúmulo de material eleitoral aumente a desorientação do público e, consequentemente, amplie a desconfiança das pessoas nos produtores de informações. É uma alternativa que contraria a rotina e as regras tradicionais da imprensa brasileira, tradicionalmente empenhada em publicar o máximo possível de notícias. Mas a avalanche informativa acabou superando a capacidade das pessoas de processar as informações recebidas e transformá-las em conhecimento. Estamos vivendo novos tempos e, consequentemente, uma nova realidade onde os parâmetros são diferentes. Quando a informação era escassa por conta de limitações tecnológicas, era natural a preocupação em oferecer o máximo possível de notícias. Hoje, ocorre o contrário. A superoferta informativa gerada pela internet dificulta a compreensão do significado, importância e confiabilidade de notícias. E se o jornalismo tem sua razão de ser no apoio à tomada de decisões pelo público, a profissão precisa se adaptar a esta nova circunstância. — (1) Por não profissionais, entendemos pessoas sem formação técnica ou acadêmica em jornalismo, mas que produzem e publicam notícias em blogs, páginas web e redes sociais. É o caso dos influenciadores e blogueiros independentes que, junto dos profissionais, passaram a ser classificados como informadores por alguns especialistas em comunicação pública. (2) Consideramos que jornalismo e imprensa não são sinônimos. O jornalismo é a função de produzir notícias. Imprensa é o conjunto de empresas, com e sem fins lucrativos, que vendem espaços publicitários usando o interesse das pessoas por notícias. O jornalismo tem

O caso El País e a reinvenção do jornalismo

Reinvenção do jornalismo – O fechamento da edição brasileira do jornal espanhol El País recoloca em evidência a inevitabilidade de uma reinvenção do jornalismo e reforça os indícios de que a revisão do modelo atual da imprensa precisa começar pela recuperação das publicações locais na maioria das cidades no Brasil e no mundo. O fim do El País brasileiro mostra como jornais enfrentam uma enorme dificuldade para lidar com um dilema criado pela internet e que poderia ser comparado a uma moeda com duas faces: apostar no leitor como sua principal sustentação financeira, após décadas de dependência da publicidade paga e, simultaneamente, conquistar a confiança deste mesmo leitor ao colocá-lo no centro de uma nova agenda noticiosa após anos de tratamento periférico. O jornal espanhol não é o primeiro e não será o último a passar por este tipo de calvário financeiro e editorial, causado pela crise do modelo de imprensa surgido no século XIX. A quase totalidade dos grandes títulos incorporados ao cemitério da imprensa mundial teve como causa mortis, problemas financeiros e gerenciais. O lado empresarial falou mais alto do que a preocupação com a diversidade informativa e com as necessidades dos leitores, ouvintes e telespectadores. A enorme dificuldade de lidar com a dicotomia finanças/notícia está debilitando gradualmente os grandes jornais no Brasil e no resto do mundo, empurrando-os para uma armadilha, geralmente fatal: demitir jornalistas para enfrentar a queda de receita. Na prática, isto empurra a empresa para os braços de investidores financeiros. Como a imprensa deixou de ser uma máquina de produzir dinheiro, os novos controladores dos grandes conglomerados promovem uma desidratação radical dos jornais controlados por eles antes de transformá-los em sucata, onde só os bens imóveis têm algum valor financeiro. O grupo El Pais foi comprado pelo conglomerado financeiro Vivendi, francês, que ao perceber que a edição brasileira do jornal espanhol não dava lucro resolveu simplesmente desfazer-se dela. A grande pergunta Sumarissimamente, este é o roteiro já enfrentado por jornais centenários, nos Estados Unidos e Europa. Os problemas financeiros que levaram e ainda estão levando os antigos donos de grandes jornais a vender suas empresas não têm solução prática à vista, salvo para casos como The New York Times, The Guardian, O Globo e mais uma dúzia de títulos hegemônicos em seus respectivos países. Para os demais jornais, o futuro é sombrio, num contexto em que a notícia jornalística se torna um serviço cada vez mais essencial a um público carente de informações confiáveis em meio ao caos da internet. Isto nos leva à pergunta: Se o jornalismo continuar dependendo dos grandes títulos, como conseguirá sobreviver à crise que só nos Estados Unidos já fechou 1.800 jornais impressos? A resposta mobiliza centenas de pesquisadores, em sua maioria autônomos, em todo mundo, cujos trabalhos apontam cada vez mais na direção de uma revitalização do jornalismo local e hiper local através de uma estratégia que logre vincular finanças e agenda cidadã numa única preocupação editorial. A nova conjuntura informativa criada pela internet torna a fidelização do leitor através da agenda de notícias um item essencial à sustentabilidade econômica de um empreendimento jornalístico. A agenda dos grandes jornais está basicamente vinculada a dois segmentos da elite político-empresarial do país: o setor financeiro e corporativo que tem o dinheiro que a imprensa precisa para tentar sobreviver à crise gerada pela digitalização; e o setor político/governamental, um velho aliado dos grandes grupos midiáticos e que garante uma estratégica participação na tomada de grandes decisões. O local como aposta na reinvenção do jornalismo É fácil perceber que o público comum tem um lugar periférico nesta agenda, porque seus interesses são outros e esta é uma das razões que causaram a migração de leitores para a internet. A multiplicação dos chamados “desertos informativos” (cidades sem nenhum jornal) cria uma demanda por notícias confiáveis que só iniciativas locais podem atender, porque os grandes jornais só pensam na sua sobrevivência. Neste contexto, ganha corpo a ideia de que o jornalismo local é a alternativa mais eficiente para restabelecer uma relação de confiança mútua com o leitor através de uma agenda de notícias baseada prioritariamente nos interesses e necessidades expressos diretamente pelo público. Este engajamento recíproco servirá também de base para que as pessoas comuns se transformem nas principais responsáveis pela sustentabilidade financeira de um empreendimento jornalístico local. Trata-se de reiniciar a relação individuo/jornalismo a partir de identidades, conhecimentos e relações locais que servirão de base para a exploração de soluções específicas de cada comunidade. A proximidade social e geográfica das pequenas e médias cidades favorece este tipo de relação, a partir da qual será possível gerar um acúmulo do experiências que servirão para reinventar o jornalismo também a nível regional e nacional. É essencialmente uma reinserção do jornalismo no cotidiano das pessoas. Mas, para que isto possa acontecer, os projetos jornalísticos locais e hiper locais (focados em bairros ou até em ruas) precisam assumir uma nova postura diante dos leitores. A velha atitude do jornalista que acredita saber o que é bom para as pessoas não tem mais sentido, porque a realidade ficou complexa demais para alguém achar que tem respostas para todos os problemas de uma cidade. A atitude adequada agora é a de uma parceria entre profissionais e o público. Uma parceria com duas caras indissociáveis: uma financeira porque a população será a responsável principal por qualquer projeto de jornalismo voltado ao atendimento desta mesma população; e outra informativa, porque o jornalista dificilmente poderá atender sozinho toda a demanda noticiosa de uma comunidade, mesmo pequena. O jornalismo atual usa rótulos velhos para uma nova realidade Facebook: uma autocracia encurralada https://urutaurpg.com.br/siteluis/o-jornalismo-vive-o-conflito-entre-novas-tecnologias-e-velhos-valores/

Facebook: uma autocracia encurralada

O Facebook é a maior autocracia (*) do mundo, com nada menos do que quase três bilhões de membros. Mas apesar deste poder inédito na história humana, o império criado por Mark Zuckerberg virou alvo de uma coalizão heterogênea de interesses políticos, comerciais, ideológicos e culturais aglutinados de forma aleatória a partir das mudanças provocadas pela chegada da era digital. O cerco à autocracia liderada por um jovem de 37 anos é mais uma escaramuça entre duas maneiras de ver o mundo em que a principal característica é a impossibilidade de usar os parâmetros atuais para avaliar uma crise como a que envolve a maior rede social do planeta. O enquadramento do Facebook no mundo atual tornou-se um desafio a todos nós, usuários e tomadores de decisões políticas, tecnológicas e econômicas. É uma tarefa complexa porque o Facebook tanto pode ser visto como algo associado às práticas típicas de regimes medievais como a uma revolucionária utopia digital. A rede criada há menos de 18 anos virou um divisor de águas que embaralhou o contexto político-ideológico contemporâneo na medida em que posicionamentos ditos progressistas podem vir a assumir um formato conservador e vice versa, dependendo do tema em debate. Se partirmos da maneira como o Facebook usa o centralismo administrativo interno, definido como uma autocracia, estamos debatendo uma forma arcaica de poder unipessoal, de manejo antiético do sigilo dos dados cedidos gratuitamente pelos usuários e administrados por misteriosos algoritmos (robôs automáticos), bem como uma máquina de manipulação de informações com imprevisíveis consequências políticas, econômicas, sociais e culturais. Algo simplesmente assustador. Mas se olharmos a empresa de Zuckerberg de outro ângulo, o das inovações tecnológicas da era digital, o panorama é diferente. Estamos diante do protótipo mais bem sucedido, até agora, de estruturas sociais baseadas na dinâmica comunicacional criada pelas novas tecnologias digitais de informação e comunicação (TICs). Os três bilhões de usuários da rede estão espalhados pelo mundo inteiro, livres para interagir entre si e limitados apenas pelos programas e equipamentos desenvolvidos pelo Facebook e administrados por um exército de algoritmos, responsáveis pelo controle do tráfego das mensagens entre usuários. Questão de sobrevivência Até agora o cerco ao Facebook era promovido por governos nacionais preocupados com o crescente poder da rede de interferir no debate político e por conglomerados jornalísticos assustados com a acelerada migração de audiências e anunciantes para a empresa de Mark Zuckerberg. Para a grande imprensa mundial tornou-se uma questão de vida ou morte parar a expansão do Facebook . Mas desde o depoimento de Frances Haugen, ex-integrante da Equipe de Integração Cívica do Facebook, a rede social entrou também na mira das organizações de defesa da família e de proteção aos adolescentes nos Estados Unidos. A Equipe de Integração Cívica é um grupo formado por funcionários do Facebook encarregados de monitorar a relação ente a rede e seus usuários. Frances disse à imprensa norte-americana e depois em depoimento no Capitólio (Congresso dos EUA) que conteúdos divulgados pelo site Instagram (controlado pelo Facebook) provocam alterações nos hábitos alimentares, geram ansiedade, depressão e até suicídios entre meninas adolescentes. Foi um duríssimo golpe na imagem pública da empresa, que sentiu o impacto e reagiu com justificativas e desculpas quase encabuladas. A ofensiva anti-Mark Zuckerberg saiu do terreno político e moral para entrar no espaço doméstico, o que de imediato elevou a temperatura do debate em torno dos mal-feitos do Facebook. O que antes estava restrito a uma batalha entre lobistas a partir das denúncias de Frances Haugen, entrou para as conversas familiares na hora do jantar, semeando a possibilidade de uma migração de usuários rumo a redes concorrentes. O vírus da dúvida sobre a integridade cívica e moral da autocracia chefiada por Mark Zuckerberg tornou-se mais agressivo em abril de 2021 quando Sophie Zhang, uma especialista em processamento de dados e ex-funcionária do Facebook denunciou ao jornal britânico The Guardian a cumplicidade da rede com violações dos direitos humanos cometidas por governos de oito países, entre eles o Brasil. O jornal The Wall Street Journal ( WSJ) , integrante do mega conglomerado jornalístico News Corporation ampliou o cerco ao publicar, agora em setembro, uma série de reportagens com pesadas acusações ao complexo de empresas formado pelo Instagram, Whatsapp e Facebook. O bilionário australiano Rupert Murdoch é o dono da News Corporation e um obstinado desafeto de Zuckerberg a quem acusa ser o pior inimigo dos grandes jornais mundiais. O Journal mostrou, baseado em documentos internos e depoimentos de funcionários do Facebook, como a empresa de Mark conhece os problemas causados pela veiculação de mensagens falsas ou distorcidas, mas os ignora deliberadamente. Jeff Horowitrz, o autor da investigação publicada pelo WSJ afirma que o dono do Facebook tem pleno conhecimento dos problemas e compartilha a decisão de ignorá-los. Garante também que a equipe de Mark criou um sistema chamado XCheck que privilegia a veiculação de mensagens postadas por clientes preferenciais, mesmo que elas violem as regras éticas e profissionais da rede. É a brecha por onde passam mensagens difamatórias, fake news e incitação à violência física ou moral, bem como postagens eleitorais notadamente de candidatos conservadores e ultradireitistas. A exploração do usuário O cerco à maior rede social virtual do planeta depois das últimas denúncias mudou de estratégia e agora foca mais na questão moral do que nas questões financeiras e políticas. O Facebook está sendo acusado de colocar os lucros acima da preocupação com os interesses, necessidades e o bem-estar de seus usuários. A obsessão com o faturamento alimenta a estratégia de usar recursos tecnológicos, éticos ou não, para estimular os likes, compartilhamentos e a permanência de visitantes pelo maior tempo possível na rede. Para o cidadão comum, é indispensável eliminar o modelo de captura de dados de usuários que são convertidos em acervo informativo altamente valorizado e usado posteriormente para negócios bilionários. Os usuários cedem tudo gratuitamente e não participam dos lucros obtidos pelas empresas de Mark Zuckerberg, numa troca claramente desigual. Enquanto este esquema não for alterado, todas as redes sociais virtuais continuarão a faturar bilhões de dólares às custas de dados entregues de graça por seus usuários. A batalha do Facebook ainda vai durar muito tempo porque ela ocorre num terreno

CPI da Covid explode a bolha de silêncio criada pelo governo

Bolhas na internet -O relatório final da CPI da Covid ainda não foi concluído, mas um resultado já é visível por todos: a bolha de silêncio que nos impedia de ver o que estava sendo tramado pelos negacionistas da pandemia simplesmente explodiu. Conhecemos agora os detalhes de como o Kit Covid encobriu um vasto plano envolvendo ministros, altos funcionários públicos, políticos, empresários, hospitais e associações de médicos e profissionais da medicina para impedir que a economia nacional parasse por causa da doença e garantisse a sobrevivência política do presidente Bolsonaro. Os depoimentos e dados divulgados pela Comissão Parlamentar de Inquérito mostraram também algo capaz de tirar o sono de nós, jornalistas. Ficou claro que fomos incapazes de identificar, divulgar e promover o debate público sobre um plano global que o governo pretendia impor ao país usando uma suposta cura do coronavírus para consolidar uma estratégia política ultraconservadora. A imprensa não fez aquilo que os manuais jornalísticos colocam com um dos pilares da profissão: investigar dados, fatos e eventos que ameacem o bem-estar público (**) . É claro que o governo usou o sigilo para ocultar seu plano, mas a CPI mostrou agora uma farta coleção de mensagens, vídeos e conversas entre os membros do gabinete paralelo que já permitiam levantar suspeitas sólidas sobre um projeto bem mais amplo e complexo do que o noticiário periférico e superficial da imprensa desde o início da pandemia. Os grandes conglomerados midiáticos do país chegaram a formar um consórcio para produzir estatísticas sobre o número de casos e mortes causadas pelo vírus visando contornar a bolha de silêncio imposta pelo Ministério da Saúde. O consórcio poderia ter servido de base para um esforço conjunto de investigações sobre o que ocorria nos bastidores do governo. Uma união de ferramentas investigativas dos principais órgãos de imprensa poderia ter antecipado em vários meses o fim da bolha de silêncio e dado aos brasileiros as ferramentas para diminuir o saldo de 600 mil mortes causadas pela doença. O medo da transparência A pandemia já tem um ano e nove meses. Sabemos agora que o plano foi transformar o coquetel da hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, colchicina, vitamina D, e outras drogas, na principal ferramenta para criar a chamada imunidade de rebanho. Mas desde março de 2020, a grande imprensa nacional baseou o seu trabalho no chamado jornalismo declaratório, ou seja, publicar apenas afirmações dos vários atores envolvidos no jogo de interesses da Covid. Os dados divulgados pela CPI permitem concluir que a grande bolha de silêncio começou a se inflada quando o ministro Luiz Henrique Mandetta deixou o Ministério da Saúde. Várias justificativas foram apresentadas na época, mas uma explicação só ficou evidente agora: Mandetta usou a transparência informativa para tranquilizar a população, diante do pânico e insegurança gerados pelo aumento das mortes por Covid. Só que a transparência era incompatível com o plano bolsonarista de oferecer um remédio para a doença, buscando com isto que as pessoas trabalhassem e consumissem normalmente, o que era fundamental para o fortalecimento da coalização de extrema direita instalada no Palácio do Planalto, em Brasília. Os depoimentos na CPI permitiram descobrir como interesses empresariais e financeiros ligados ao governo Bolsonaro estimularam o presidente a formar um gabinete paralelo composto por empresários, políticos, militares e médicos para desenvolver um remédio ou kit de remédios capaz de ser apresentado ao público como a solução para a pandemia e assim garantir que a economia não fosse atingida pela mortandade causada pela Covid. Claro que tudo isto tinha que ser feito na sombra e à margem das instituições oficiais, porque o governo tinha pressa em produzir resultados de impacto perante a opinião pública. Agora se sabe também que os negacionistas do gabinete paralelo apostaram no kit como a bala mágica contra a pandemia e encontraram no grupo hospitalar Prevent Senior o parceiro médico para realizar experimentos com pacientes e dar caráter científico ao projeto. Zona de conforto A imprensa foi uma coadjuvante importante no trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado para esvaziar a bolha de silêncio montada pelo governo. Sem a transmissão ao vivo das sessões, os desmandos do governo e de seus apoiadores ultraconservadores não teriam entrado para a agenda pública de debates. Mas o jornalismo poderia ter ido mais fundo do que os parlamentares, limitados por questões legais e jurídicas como o repetitivo recurso de vários depoentes ao direito de ficar em silêncio. A investigação jornalística tem muito mais liberdade para ir à origem dos fatos e mostrar o seu contexto do que os procedimentos parlamentares. O caso Prevent Senior, por exemplo, poderia ter sido investigado de forma muito mais rápida, ampla e detalhada do que a coleta de documentos promovida pelos senadores da comissão e seus assessores. Os jornais impressos e os telejornais da Rede Globo têm em suas equipes repórteres dotados de grande experiência em trabalhos investigativos. Teria sido de extrema relevância para todos os brasileiros que os jornais e telejornais tivessem publicado diariamente fatos, dados e eventos inéditos envolvendo os desmandos do governo e de empresas, em vez de reproduzir declarações de políticos, acusados e testemunhas. Mesmo numa situação crítica, a imprensa preferiu não sair de sua zona de conforto, optando pelos procedimentos convencionais na cobertura de uma crise sanitária inédita na história do país e do mundo. A imprensa poderia ter ditado a agenda informativa e, consequentemente, condicionado os temas em debate na opinião pública. Na zona de conforto, é mais fácil e cômodo reproduzir e repercutir o que os grandes atores políticos decidem dizer ou fazer. A imprensa perdeu uma grande oportunidade de mostrar que é uma protagonista chave na defesa do real interesse público, num momento em que as autoridades optam por bolhas de silêncio para proteger seus próprios objetivos. (*) Publicado originalmente no Observatório da Imprensa. (**) Gostaria de acrescentar uma ressalva ao texto original. O repórter Guilherme Balza e o comentarista Octavio Guedes, ambos da GloboNews, produziram investigações muito importantes e objetivas a partir dos dados colhidos pela CPI da Covid. O trabalho de ambos é uma honrosa exceção que necessita

Reféns do GLOBAL ou vítimas da bolha assassina

Tv aberta – As notícias pululam fragmentadas e a imprensa olha de um jeito vesgo. Dezenas de artistas da Rede Globo – maior empresa de comunicação do país  – estão sendo demitidos ou se demitindo. Alguns analistas de televisão falam em crise na emissora, outros falam de falta de coração, afinal, está se desfazendo de gente que deu sua vida ali na telinha. Nessa semana, Lázaro Ramos deu adeus aos 18 anos de Globo e Ingrid Guimaraes sai da emissora depois de 30 anos. Saem fazendo discursos emocionados enquanto abraçam as novas gigantes mundiais da comunicação. Pois o que se configura por trás de tudo isso é justamente a acomodação das forças comunicacionais mundiais. As novas tecnologias anunciam outras formas de se comunicar e as empresas locais terão dois caminhos: ou começam a se adequar ou morrem. No Brasil, a televisão aberta ainda tem um grande espaço na vida das pessoas. Os números dizem que a Rede Globo segue liderando o mercado, apesar de ter perdido audiência. A média de audiência é de 15 pontos enquanto a segunda rede, a Record, tem 5 pontos, a diferença é grande. Não bastasse isso, a Globo é a empresa de comunicação de massa brasileira que está mais à frente no âmbito da tendência mundial, tanto que já tem um canal de streaming (transmissão direta por internet), o Globoplay, e tem produzido exclusivamente para esse nicho. Há quem diga que estamos vivendo o fim da era da TV aberta. A tendência agora é a transmissão por demanda. E, como temos visto, essa é uma área completamente dominada por empresas internacionais gigantes como a Amazon, a Netflix, a Disney, etc… A Globo quer surfar nessa onda e está testando se vai nessa sozinha ou se precisará se aliar a algumas dessas gigantes. Essa nova configuração das contratações também faz parte dos novos tempos. Foi-se a era da fidelidade dos atores a determinados canais. Agora eles também trabalharão por demanda. Podem fazer produções para a Netflix, para a Amazon ou para o Globoplay, sem um lugar realmente fixo, um emprego seguro. Terão de amargar a eterna busca de espaço num mundo sem regras. Até agora, ser ator ou atriz é uma profissão regulamentada, a pessoa precisa fazer curso, ter registro. Mas, pode ser que isso também se esboroe. Quem acompanha o mundo televisivo está por dentro da tentativa da Globo em levar a celebridade instantânea do BBB, Juliette (32 milhões de seguidores no Instagram), para a novela Pantanal. Por enquanto, o sindicato dos atores está segurando, visto que ela não é atriz. Mas até quando? Emprego, registro profissional, estabilidade, são palavras que vão perdendo o sentido no mundo do trabalho. Inclusive no serviço público, vide a PEC 32 que quer a volta do “quem indica”. Os tempos são sombrios para os trabalhadores e também para as empresas nacionais, porque as gigantes estrangeiras estão abocanhando tudo. Muito em breve estaremos completamente reféns dessas empresas, vítimas das informações falsas, do pensamento único e da estética única. O Facebook está planejando até permitir a realização de transações bancárias dentro da plataforma, ou seja, a pessoa entra ali e não precisa mais sair para quase nada. O mundo distópico do grande irmão está cada dia mais presente. O capitalismo aprofunda seu processo de dominação. Enquanto isso, a TV aberta – esta que chega a 97% dos lares – segue sendo a única opção de quem não têm condições de comprar os pacotes das diversas empresas de transmissão direta por demanda. Por isso, seguramente que ela não vai se acabar. Pode encolher, mas seguirá existindo. A Record, com seu nicho evangélico e suas novelas bíblicas, tentando levar o rebanho para os tempos fundamentalistas do velho testamento, e a Globo emburrecendo as gentes cada dia mais, com a profusão de programas idiotizados, como os de danças dos famosos, famosos mascarados, programas de calouros cheios de sadismo e de gente autocentrada, joguinhos entre artistas e dramas de humilhação dos pobres. Um show de horrores que segue o modelo dos shows europeus e estadunidenses com apresentadores engraçadinhos e sem cabeça. Um desafio imenso para quem quer um mundo onde o pensamento crítico seja soberano. Cada dia que passa vamos assistindo ao crescimento da “bolha assassina” das grandes empresas de transmissão por demanda, tal qual a gosma vermelha do filme de terror protagonizado e dirigido por  Steve McQueen, em 1958. No filme, a gosma não é destruída, é congelada e levada para o Ártico. E a fala final do “mocinho” prenuncia o nosso tempo. “Até que o ártico também siga congelado”. Pois parece que o Ártico descongelou e a bolha está aí outra vez. Facebook: uma autocracia encurralada  

Taxação das plataformas digitais já!

Taxação das plataformas – Após 10 anos de prática diária de jornalismo nas redes digitais, nós, do Zonacurva, encampamos o manifesto da FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas) sobre a urgência da taxação das grandes plataformas digitais em prol da prática de jornalismo de qualidade na web. A taxação tem como objetivo compor um “Fundo de Apoio e Fomento ao Jornalismo e aos Jornalistas”. As plataformas citadas pelo manifesto são Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft, que formam um verdadeiro oligopólio que controla a comunicação digital. Essas empresas bilionárias faturam em cima do trabalho jornalístico e dominam boa parte do mercado publicitário digital. No Brasil, as grandes plataformas dominam totalmente o fluxo da informação e, pela legislação, não são consideradas empresas de comunicação, mas de tecnologia. Só a Alphabet, dona do Google, obteve um lucro líquido de U$6,8 bilhões no primeiro trimestre da pandemia de Covid-19, um aumento de 13%. Conforme o relatório Monopólios digitais: concentração e diversidade na Internet, publicado em 2018 pelo coletivo Brasil de Comunicação Social INTERVOZES, o Facebook mais que quintuplicou suas receitas anuais, saindo de US$5 bilhões para US$27 bilhões entre 2012 e 2016. Em 2016, o lucro da companhia ficou em mais de US$10 bilhões, sendo que 90% das suas receitas são advindas da publicidade. A empresa também controla a segunda e a terceira colocadas no ranking global de plataformas digitais: WhatsApp (1,3 bilhão de usuários) e Facebook Messenger (1,3 bilhão de usuários), além do Instagram, que ocupa a sexta colocação (800 milhões de usuários), ainda segundo o relatório. O Facebook e essas outras gigantes corporações digitais usam o trabalho feito por jornalistas para aumentar a audiência e alcançar maiores lucros. Ao mesmo tempo, elas não valorizam o jornalismo profissional e dificultam o investimento da área em profissionais. A FENAJ também está se unindo à FIJ (Federação Internacional de Jornalistas) e a mais de 140 organizações nacionais para apresentar a “Plataforma Mundial por um Jornalismo de Qualidade”. Eles visam cobrar do poder público medidas de combate à desinformação e a favor da valorização do jornalismo. Para isso, haverá a destinação do capital requerido pela taxação de faturamento das grandes empresas ao setor de comunicação. Em seu manifesto, a FENAJ alerta que acompanha com muita preocupação os recentes debates sobre o poder e a influência das grandes plataformas digitais na destruição da democracia e na apropriação indevida e, às vezes criminosa, dos dados pessoais de milhões de pessoas ao redor do mundo. A FENAJ (Federação Nacional dos Jornalistas) está promovendo, junto ao SJPMRJ (Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro), o 39º Congresso da Federação, que ocorreu nos dias 17 e 18, e ainda ocorrerá entre os dias 24 e 25 de setembro. Além disso, o Congresso reforça a importância de refletir sobre iniciativas a favor da liberdade de imprensa e da demonstração do jornalismo como exercício fundamental à democracia. Colaborou Carolina Raciunas Com informações da FENAJ. O caso El País e a reinvenção do jornalismo Facebook: uma autocracia encurralada Grandes redes sociais acabam com o sonho idílico de uma internet livre O binômio fake news/redes sociais nos impõe novos comportamentos políticos   O lado retrógrado da avalancha informativa digital A nova função da notícia na guerra por corações e mentes   O apocalipse informativo Era da pós-civilidade Bem-vindo à era da telemática   A Internet não pode ser um jardim murado

Era pós Trump põe a imprensa diante de novos desafios editoriais

Ressaca informativa – A surpreendente derrubada dos índices de audiência dos telejornais norte-americanos depois da derrota do ultraconservador Donald Trump, nas eleições do ano passado, revelou uma espécie de ressaca informativa que está sendo interpretada como sintoma de um divórcio entre o público e a imprensa sobre o noticiário político. O colunista Ben Smith, do jornal The New York Times, chegou a anunciar bombasticamente que os canais de notícias na TV paga norte-americana como CNN, Fox e MSNBC “entraram em fase terminal”, depois de perderem entre 10% (caso da Fox) e 51% (CNN) da audiência nos noticiários políticos. Nos jornais impressos, há informações de que houve um declínio de aproximadamente 22% nas vendas e no acesso às versões online. O fato levou Alice Hutton, analista política do jornal britânico The Guardian, a afirmar que “a derrota de Trump desorientou a imprensa norte-americana, ao colocá-la diante da escolha entre continuar apostando na linha do espetáculo político/eleitoral ou voltar ao tradicional discurso do compromisso com a objetividade jornalística”. O extremismo político/ideológico de Trump aparentemente afetou a imprensa muito mais do que ela própria imaginava. Segundo o respeitado Nieman Lab, citado num texto de Plinio Góes Filho, na Folha de São Paulo, enquanto a maioria das redações jornalísticas acreditam estar ajudando o público a tomar decisões por meio de notícias sérias, os leitores, ouvintes e telespectadores parecem estar mais interessados no bate-boca entre políticos. As audiências estariam preferindo o espetáculo à reflexão. Outros pesquisadores, como Mike Ananny, da Universidade da California, afirmam que o populismo ultraconservador de Trump (e também o de Bolsonaro aqui no Brasil), desestabilizou as estratégias de cobertura política da grande imprensa, que se mostrou despreparada para enfrentar a frenética sucessão de factoides, fatos de veracidade duvidosa lançados para a opinião pública com o objetivo de gerar dúvidas e insegurança. Mike acha que Trump conseguiu manter a imprensa refém de suas postagens pelo Twitter. A metralhadora de factoides A produção de factoides passou a ser uma estratégia de comunicação dos extremistas de direita, com o objetivo de ocupar a agenda de notícias da mídia e condicionar a formação de opiniões a partir do fato de que a maioria das pessoas só tem tempo para ler manchetes de jornais, telejornais e postagens na internet. Esta é a razão pela qual Trump, no seu tempo, e Bolsonaro, agora, transformaram as redes sociais em verdadeiras metralhadoras de factoides. Para justificar a falta de lógica, veracidade e relevância da maioria dos factoides, Trump lançou a teoria dos “fatos alternativos”, cujo principal objetivo é dar uma aparência de coerência à profusão de dados, ideias e fatos jogados nas redes sociais. A teoria não tem base cientifica, embora possa ser associada longinquamente à ideia da diversidade de percepções da realidade (a famosa imagem do copo meio cheio ou meio vazio), mas foi usada para confundir os adversários do agora ex-presidente norte-americano. A reação da imprensa liberal liderada pela rede CNN e pelos jornais The New York Times e The Washington Post foi apostar na checagem de fatos e dados, com o objetivo de denunciar mentiras disseminadas por Donald Trump. A batalha midiática em torno da credibilidade dos “fatos alternativos” deixou evidente dois tipos diferentes de reação pública. Para os adeptos de Trump, não há mentiras, e sim uma visão diferente garantida pela liberdade de expressão, enquanto a imprensa liberal, tanto nos EUA como aqui, enfrenta dificuldades para conferir a autenticidade da frenética produção de factoides ultradireitistas. Emoção X Reflexão Quem melhor interpretou esta situação foi o professor Daniel Kreiss, da Universidade da Carolina do Norte, autor do capítulo The Media Are About Identity, not Information (As Mídias Tratam de Identidades e não de Informação), no livro Trump and the Media (*). A tese de Kreiss parece ilógica, mas quando interpretada a partir de realidades políticas como a norte-americana e a brasileira, ela mostra que a ultradireita usa informações (em sua maioria falsas) para identificar-se com as emoções das pessoas, enquanto a grande imprensa tenta convencer seu público da veracidade de suas notícias. É mais fácil lidar com emoções como a idealização de uma volta à segurança do passado, do que propor alternativas complexas e incertas, explica o professor norte-americano. Aqui no Brasil, os absurdos disseminados pelo clã Bolsonaro são aceitos como propostas sérias pelos segmentos sociais contaminados pelo antipetismo e pela ideia de que o presidente combate a corrupção. Mas a imagem de líder honesto já foi severamente abalada e a estratégia bolsonarista se resume, agora, a manipular dois fantasmas políticos: o de um golpe militar e o da volta de Lula ao poder. Os fatos parecem indicar que, tanto nos Estados Unidos como aqui no Brasil, a grande imprensa terá que rever suas estratégias de cobertura política, diante de uma fadiga da opinião pública em relação à batalha midiática entre ultradireitistas e liberais. A atenção despertada pela agressividade de políticos como Trump e Bolsonaro já não é mais a mesma nas medições de audiências. Com isto, os conglomerados jornalísticos terão que encontrar novas estratégias para lidar com a ressaca informativa de leitores, ouvintes e telespectadores. (*) O livro Trump and the Media reúne contribuições de vários pesquisadores, editados por Pablo J. Boczkowski e Zizi Papacharissi . Jornalismo e imprensa não são sinônimos Ainda é possível acreditar na isenção do jornalismo? https://urutaurpg.com.br/siteluis/o-jornalismo-vive-o-conflito-entre-novas-tecnologias-e-velhos-valores/ O discurso jornalístico e as fake news As armadilhas ocultas na narrativa jornalística online O jornalismo, a mentira e as redes sociais Os muitos dilemas da imprensa no governo Bolsonaro A batalha pelo controle do fluxo de notícias Como as novas tecnologias e as notícias falsas impactam o jornalismo O jornalismo no salve-se quem puder da desinformação em escala planetária Em busca do jornalismo perdido

Jornalismo e imprensa não são sinônimos

Para a maioria dos jornalistas, uma afirmação como esta soa como um paradoxo ou, no mínimo, uma heresia. Mas agora, na era do jornalismo digitalizado, ela corresponde a uma realidade que aos poucos começa a se tornar mais clara. A principal consequência da diferenciação entre jornalismo e imprensa está na separação entre produção de notícias (uma profissão) e a comercialização da notícia (um negócio chamado imprensa), duas atividades com natureza e objetivos distintos. Até agora, a produção e o negócio se confundiam porque a veiculação de notícias dependia de estruturas, tecnologias e organizações cuja existência e desenvolvimento apoiava-se em investimentos financeiros. As empresas se apropriaram do conceito de jornalismo logrando com isto minimizar o lado comercial da sua atividade. Com isto surgiu um discurso corporativo que usa valores jornalísticos como objetividade, independência, imparcialidade, isenção e liberdade de informação para encobrir a elitização informativa e o atrelamento do noticiário aos interesses empresariais. O direito à liberdade de informação acabou se confundindo com o conceito de liberdade empresarial, embora ambos sejam conceitualmente distintos. O jornalismo na era digital deu aos profissionais e praticantes de atos jornalísticos (também conhecidos como jornalistas amadores) a possibilidade de publicar notícias sem necessidade de grandes investimentos, como mostram fenômenos como blogs pessoais, redes sociais virtuais e mais recentemente as newsletters independentes disponibilizadas através de assinaturas pagas. É uma revolução editorial ainda em desenvolvimento e que tem um pé no passado e outro no futuro da produção noticiosa. Mas seu principal mérito atual é o de permitir clarear a confusão entre o que é produzir notícias e o que é comercializá-las. A produção de notícias jornalísticas tem como objetivo primário fornecer às pessoas dados, fatos, eventos e ideias devidamente contextualizados por meio da agregação de significados como relevância, pertinência, exatidão, confiabilidade e atualidade, visando contribuir para o desenvolvimento integral de pessoas e comunidades de pessoas. O jornalismo, obviamente, necessita de meios para materializar este objetivo como imprimir em papel, transmitir por áudio ou imagens, ou ainda por meio da digitalização. A mimetização jornalismo/imprensa As empresas jornalísticas têm como objetivo gerar receitas financeiras capazes de cobrir as despesas operacionais, pagamento de salários e remuneração de investidores através de um sistema de produção industrial que usa como matéria prima as notícias produzidas por jornalistas profissionais e amadores. Fica claro, portanto, que jornalistas e empresários dependem um do outro para atingir seus objetivos específicos. Mas o que se perdeu com o tempo, é a diferença fundamental entre ambos. O jornalismo tem um objetivo social, enquanto as empresas visam um lucro repartido individualmente. Os jornalistas precisam resgatar a caracterização fundamental de sua atividade para evitar que ela seja contaminada pela crise no modelo de negócios das empresas Os jornalistas precisam estabelecer uma clara diferenciação entre a produção de notícias socialmente relevantes e a função empresarial para evitar serem atropelados pela crise que afeta o modelo de negócios das corporações jornalísticas. Os jornais, por exemplo, sofreram uma forte perda de publicidade para a internet, o que gerou enormes desequilíbrios na receita empresarial. Já o exercício do jornalismo enfrenta um dilema diferente, o desenvolvimento de uma nova monetização da produção de noticias, algo totalmente diferente a queda da lucratividade nas organizações da imprensa. A crise das empresas é estrutural, ou seja, elas terão que achar outro modelo de negócios para sobreviver, enquanto a crise do jornalismo é conjuntural, pois trata-se da adaptação de um modo analógico de produzir notícias para um modo digital. O jornalismo continua o mesmo, só com novos procedimentos, regras e valores. Na medida em que ambas as partes logrem resolver os problemas criados pela digitalização informativa, surgirá um novo tipo de relacionamento que inevitavelmente terá como norma básica o o fim do mimetismo entre o jornalismo e a imprensa. Publicado originalmente no Medium de Carlos Castilho. Era pós Trump põe a imprensa diante de novos desafios editoriais Ainda é possível acreditar na isenção do jornalismo? https://urutaurpg.com.br/siteluis/o-jornalismo-vive-o-conflito-entre-novas-tecnologias-e-velhos-valores/ O discurso jornalístico e as fake news Jornalismo para ou com o leitor? As armadilhas ocultas na narrativa jornalística online O jornalismo, a mentira e as redes sociais Os muitos dilemas da imprensa no governo Bolsonaro A batalha pelo controle do fluxo de notícias Como as novas tecnologias e as notícias falsas impactam o jornalismo O jornalismo no salve-se quem puder da desinformação em escala planetária Em busca do jornalismo perdido

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