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Textos inspirados em citações de grandes autores

Não sirva e encontre a liberdade, ensinou La Boétie

por Fernando do Valle Étienne de La Boétie – A recusa em obedecer aos tiranos e a luta pela liberdade podem desestabilizar o poder tanto ou mais do que o uso da força, esse é o grande achado do escritor francês Étienne de La Boétie em seu breve livro do século 16, Discurso da Servidão Voluntária. Para La Boétie, os tiranos sobrevivem da servidão voluntária, se o cidadão se libertar dos grilhões, o governo se enfraquece naturalmente. A ideia da desobediência civil na briga contra a injustiça e o arbítrio, muito utilizada na luta política nos anos 60, formulada pelo pensador Henry Thoreau no século 19 sofreu forte influência também do livro de La Boétie, que destacou-se no contexto de textos panfletários, em sua maioria de escritores protestantes, contra os constantes abusos da monarquia.  “Coisa realmente admirável, porém tão comum, que deve causar mais lástima que espanto, ver um milhão de homens servir miseravelmente e dobrar a cabeça sob o jugo, não que sejam obrigados a isso por uma força que se imponha, mas porque ficam fascinados e por assim dizer enfeitiçados somente pelo nome de um, que não deveriam temer, pois ele é um só, nem amar, pois é desumano e cruel com todos” (Étienne de La Boétie).  “Os próprios povos que se deixam, ou melhor, que se fazem maltratar, pois seriam livres se parassem de servir. É o próprio povo que se escraviza e se suicida quando, podendo escolher entre ser submisso ou livre, renuncia à liberdade, e aceita o jugo; quando consente com seu sofrimento, ou melhor, o procura” (Étienne de La Boétie). A data do texto é discutida até hoje, seu grande amigo, o escritor Michel de Montaigne revelou que ele escreveu Discurso da Servidão Voluntária quando tinha apenas 18 anos.  Acredita-se que ele começou a escreveu o livro entre 1546 e 1548, ou seja, ainda adolescente, ele nasceu em 1530. A obra mais conhecida de La Boétie só foi publicada após sua morte em 1563. Montaigne bancou a publicação de Servidão e outros escritos do amigo em 1571. No livro, Boétie se mostra fascinado pelas intrigas da corte romana de onde extrai valiosas lições dos meandros da política, aborda as fraquezas da tirania e tece loas à liberdade. O inconformismo do escritor com a incongruência entre a natureza humana e o ato de obedecer, ao cúmulo de alguns rastejarem perante o governo da vez, inspira a luta democrática até hoje. “Não pode haver amizade em que se encontrem a crueldade, a deslealdade, a injustiça. Quando os maus se reúnem há uma conspiração, não uma sociedade. Não se amam, mas se temem. Não são amigos, mas cúmplices” (Étienne de La Boétie). “Não se pode entrar em entendimento de ninguém que a natureza tenha posto alguém em servidão, porque ela nos reuniu todos em companhia. Contudo, de nada adianta debater se a liberdade é natural, pois não se pode manter alguém em servidão sem prejudicá-lo: não há no mundo nada mais contrário à natureza, completamente racional, que a injustiça. A liberdade é, portanto, natural. Por isso, a meu ver, não só nascemos com ela, mas também com a paixão para defendê-la” (Étienne de La Boétie). Étienne de La Boétie nasceu em 1 de novembro de 1530 e morreu com apenas 32 anos em 18 de agosto de 1563. O escritor perdeu seu pai, Antoine, muito cedo aos 10 anos e provavelmente sua mãe (esse dado histórico não pode ser totalmente confirmado) e passou a ser criado por um tio que também era seu padrinho. O tio assegurou uma boa educação ao sobrinho que estudou autores clássicos romanos e gregos. Na Universidade de Orléans, estudou Direito e ampliou seus interesses no estudo da Filosofia, História e Poesia. Entre o grande número daqueles que se encontram próximos de reis maus, foram poucos, para não dizer nenhum, os que não experimentaram eles mesmos a crueldade do tirano, que antes estimularam contra outros” (Étienne de La Boétie). Texto inspirado pelo professor Edson Passetti da PUC-SP, entusiasta da obra de La Boétie e quem me apresentou o autor há 20 anos. Fonte usada: “Discurso da Servidão Voluntária”, Étienne de La Boétie, Editora Martin Claret. Eric Hobsbawm – A história em uma vida    

Como Iemanjá dá à luz as estrelas, as nuvens e os orixás

por Fernando do Valle   “Iemanjá vivia sozinha no Orum (a morada dos deuses). Ali ela vivia, ali dormia, ali se alimentava. Um dia Olodumare (ser supremo) decidiu que Iemanjá precisava ter uma família, ter com quem comer, conversar, brincar, viver. Então o estômago de Iemanjá cresceu e cresceu e dele nasceram todas as estrelas. Mas estrelas foram se fixar na distante abóboda celeste. Iemanjá continuava solitária. Então de sua barriga crescida nasceram as nuvens. Mas as nuvens perambulavam pelo céu Até se precipitarem em chuva sobre a terra. Iemanjá continuava solitária. De seu estômago nasceram os orixás, Nasceram Xangô, Oiá, Ogum, Ossaim, Obaluaê e os Ibejis. Eles fizeram companhia a Iemanjá” (trecho extraído do livro “A Mitologia dos Orixás”, de Reginaldo Prandi).   Hoje (2 de fevereiro) é dia de Iemajá, orixá (divindade africana) feminina das águas doces e salgadas, cultuada nas religiões Candomblé e Umbanda. Seu nome tem origem nos termos do idioma africano yorubá “Yèyé omo ejá”, que significa “mãe cujos filhos são como peixes”. Como durante a escravidão os africanos e seus descendentes não podiam celebrar seus deuses, eles aproveitaram a festa católica de Nossa Senhora de Navegantes, celebrada pelo catolicismo no segundo dia de fevereiro, para homenagear Iemanjá, a Rainha do Mar, em sincretismo religioso que caracteriza a formação religiosa do povo brasileiro. “Janaína”, Otto: A celebração como a conhecemos hoje, que mobiliza milhares de pessoas principalmente em Salvador e Rio de Janeiro, começou a se desenhar nos anos 20 quando pescadores rezavam à deusa por fartura na lida diária no mar. Neste ano, a Prefeitura de Salvador pediu que as ofertas fossem biodegradáveis. Em faixas nos locais da festa alertando à população sobre a poluição das águas e sugerindo oferendas sustentáveis: “ofereça flores 100% naturais, em vez de jogar o frasco de perfume, o balaio; escolha pentes de madeira; use fitas e adereços de fibra natural; e prefira as bonecas de pano”. “O mar serenou”, Clara Nunes: Iemanjá também é conhecida por outros nomes como Dandalunda, Inaé, Ísis, Janaína, Marabô, Maria, Mucunã, Princesa de Aiocá, Princesa do    “Rainha do mar”, Dorival Caymmi: https://www.youtube.com/watch?v=YNwZQxsLvNM “Canto de Iemanjá”, Baden Powell: “Conto de areia”, Clara Nunes: Fontes: “Mitologia dos orixás” de Reginaldo Prandi e Agência Brasil.

O elefante chamado Brasil, por Sérgio Porto

No tempo em que um deputado descobriu  que o grande problema do país era “ter sido descoberto por estrangeiros” e seu outro colega de plenário “tentava revogar a lei da oferta e da procura”, Sérgio Porto, nome de guerra Stanislaw Ponte Preta, publicou o conto “O Elefante”. O conto faz parte do livro 64 d.C., C de Castelo não de Cristo, editado em novembro de 1967 pela editora Tempo Brasileiro com textos também de Antônio Callado, Marques Rebelo, entre outros. Nas 32 páginas de “O Elefante”, o autor relata as (des)venturas de um elefante circense chamado Brasil, impagável, leia trechos do conto: “Na grande barraca armada por trás do circo, onde se instalavam os improvisados camarins, havia uma espécie de assembleia iluminada à vela, para não se gastar o óleo do gerador que, se ligado, faria muito barulho e prejudicaria o sono, a conversa, a paciência (…)  Depois que Matias anunciou a renda do dia explicando que praticamente não sobraria nada quando fossem pagas as despesas extras, os comentários de uns se juntaram aos protestos de outros e, não demorou muito, todos participavam de uma assembleia de classe. Só o elefante não estava ali para reivindicar nada, embora fosse o único componente do elenco capaz de atrair algum público. Era ele inclusive quem mais trabalhava, na hora de armar ou desarmar o circo. No entanto estava alheio aos debates que decidiriam o seu futuro. (…) Todos tentavam expor seus problemas pessoais, sem se importar com o Brasil. (…) Olegário, o equilibrista, ia dizer alguma coisa, mas alguém interrompeu passando-lhe uma caneca de café, com certa ironia: ‘Pelo menos temos café’. Mas Juraci completou: ‘O nosso café é pouco para sustentar todo esse povo!’ (…) Ficamos mais de uma semana sem ganhar nem para o capim do Brasil. (…) A dívida maior — lembrou Matias — é a da gasolina para os caminhões. O homem do posto falou que não pode esperar. Ele trabalha para uma firma americana e eles não fornecem mais nada se as contas não estiverem em dia (…) Então a gente vende aquilo que for preciso pra liquidar a dívida’, concluiu Chupetinha (…) O que seria vendido para pagar as dívidas? Lá fora o elefante balançou as orelhas ao ouvir seu nome. ‘Minha opinião é de que devemos vender o Brasil!’ (…) O Brasil atrapalhava. De um momento passou a ser um estorvo. ‘Podíamos levar o Brasil para outro lugar, onde fosse mais fácil fazer negócio’, palpitou o palhaço, que estava querendo ver o circo pegar fogo, a lona, as estacas, as tábuas, as cadeiras, os caminhões, tudo.(…) Juraci, o engolidor de espadas, parecia o mais apressado em vender o Brasil logo de uma vez (…) Mas vocês esquecem que vendemos o caminhão que carregava o elefante, para ajudar a pagar o enterro de Matias. ‘O Brasil está sem transporte!’ (…) Lamentando a situação do Brasil, o anão Chupetinha balançou a cabeça, pediu a palavra e propôs com a voz fininha: ‘O jeito é a gente se mandar e deixar o Brasil à própria sorte!’ (…) O Presidente, homem de hábitos rígidos e de disciplina militar, levantava-se cedo. Logo a janela se abriu e ele nela assomou, para respirar o ar fresco da manhã. Olhou para baixo e viu o Brasil. Ali estavam os dois, frente a frente. Entre ambos não era possível haver diálogo, claro. O espanto do Presidente não era menor do que o do Brasil. Era o primeiro encontro dos dois, a sós, talvez escapasse ao estadista, o estado do elefante, abatido por tantas mudanças em sua vida. Poderia aquele que o contemplava agora, do alto de sua solidão, salvá-lo?” Dois meses e meio depois que Sérgio Porto foi vitimado pelo seu problema crônico de coração com apenas 45 anos foi decretado o AI-5, em 13 de dezembro de 1968, e muitos colegas de labuta de Porto foram presos, talvez ele fosse também. Fonte usada: “Dupla Exposição, Stanislaw Sérgio Ponte Porto Preta”, de Renato Sérgio. https://www.zonacurva.com.br/o-nosso-eterno-festival-de-besteira-que-assola-o-pais/

10 máximas de La Rochefoucauld

por Fernando do Valle La Rochefoucauld -Cínico, ácido, humorista, pessimista, filósofo, o duque francês La Rochefoucauld foi sobretudo um dos maiores frasistas de que se tem notícia. Muitas delas (ele as apelidou de máximas) repetimos até hoje sem o devido crédito. Boa parte de sua verve encontra-se no livro “Reflexões ou sentenças e máximas morais”, que apareceu pela primeira vez em 1664. O nobre era frequentador assíduo dos salões literários de Paris, onde os debates acalorados sobre literatura, filosofia e política eram convocados por mulheres nobres e eruditas. Deitada, a dona do salão acompanhava as leituras e discussões.  Duque François de La Rochefoucauld nasceu em 15 de setembro de 1613 em Paris e morreu na mesma cidade em 17 de março de 1680. Conheça outro frasista impagável: o Barão de Itararé Mesmo entre os babados e a ostentação da nobreza, La Rochefoucauld não fugia de briga e participou das frondas, duros embates da guerra civil francesa nas ruas de Paris por volta da metade do século 17. Opositor ao cardeal Richelieu, eminência parda do absolutismo francês, o duque amargou algumas vezes o exílio. Os escritos de Rochefoucauld eram admirados por Freud, Nietzche e muitos outros pensadores. Vamos às máximas:  “Hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude”. “Muitas vezes praticamos o bem para podermos praticar o mal com mais impunidade”. “Não desprezamos todos aqueles que têm vícios, mas desprezamos todos aqueles que não têm nenhuma virtude”.  “Se não tivéssemos defeitos, não sentiríamos tanto prazer em reconhecê-los nos outros”. “Há pessoas tão levianas e tão frívolas que estão igualmente distantes de possuir verdadeiros defeitos e sólidas qualidades”. “A esperança, figura charlatã e evasiva, pelo menos nos conduz na vida por uma estrada melhor”. “Todos nós temos força suficiente para suportar os males do outro”. “Os velhos gostam de dar bons conselhos para se consolarem de não poder dar maus exemplos”. “Nunca somos tão felizes nem tão infelizes quanto imaginamos” “As paixões são os únicos oradores que sempre convencem. São uma arte da natureza de regras infalíveis; e o homem mais simples que tem paixão convence melhor do que o mais eloquente que não a tem”. Não sirva e encontre a liberdade, ensinou La Boétie  

A Estetyka do Sonho de Glauber Rocha

por Fernando do Valle “A pobreza é a carga autodestrutiva máxima de cada homem e repercute psiquicamente de tal forma que este pobre se converte num animal de duas cabeças: uma é fatalista e submissa à razão que o explora como escravo. A outra, na medida em que o pobre não pode explicar o absurdo de sua própria pobreza, é naturalmente mística. A razão dominadora classifica o misticismo de irracionalista e o reprime à bala. Para ela tudo que é irracional deve ser destruído, seja a mística religiosa, seja a mística política. A revolução, como possessão do homem que lança sua vida rumo à ideia, é o mais alto astral do misticismo. As revoluções fracassam quando esta possessão não é total (…), quando, ainda acionado pela razão burguesa, método e ideologia se confundem a tal ponto que paralisam as transações da luta. …. As raízes índias e negras do povo latino-americano devem ser compreendidas como única força desenvolvida deste continente. Nossas classes médias e burguesias são caricaturas decadentes das sociedades colonizadoras. A cultura popular não é o que se chama tecnicamente de folclore, mas a linguagem popular de permanente rebelião histórica. O encontro dos revolucionários desligados da razão burguesa com as estruturas mais significativas desta cultura popular será a primeira configuração de um novo significado revolucionário. O sonho é o único direito que não se pode proibir” (Eztetyka do Sonho, 1971, Glauber Rocha). O manifesto Estetyka do Sonho de Glauber mostra o caminho revolucionário em que o transe do misticismo popular (usado com torpeza por pastores picaretas nos dias de hoje) é o meio para a utopia na política. Estetyka do Sonho foi apresentado aos alunos da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, após a realização de filmes icônicos pelo diretor como Terra em Transe (1967) e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerrreiro (1968). Comissão da Verdade suspeita de plano da ditadura para matar Glauber Rocha Para além da luta de classes, Glauber rechaça o pensamento tacanho da classe média e confia na mitologia transformadora de nossas raízes índias e negras. O novo Brasil só pode ser construído através da força da cultura desses povos presentes em nossa formação como nação mestiça. Se estivesse vivo, Glauber chutaria para escanteio a mediocridade reinante no debate político. Em altos brados, retumbantes ou não, proporia uma nova estetyka para esses anos 10 deste novo século, longe da ética televisiva (ou de Netflix) reinante, esse “King Kong eletrônico que sistematiza o discurso opressivo sobre o Terceiro Mundo”, segundo o próprio. A Estetyka do Sonho sucedeu outro manifesto glauberiano, Estetyka da Fome (1965). No último, “a estética da violência poderia integrar um significado revolucionário em nossas lutas de liberação… [já que] nossa pobreza era compreendida, mas nunca sentida pelos observadores coloniais”. O “paternalismo do europeu” e “a linguagem de lágrimas” do humanismo nos enfraquecem e se faz necessário combatê-las através da arte. O público não aguentaria as imagens de sua miséria e modificaria o status quo. Nessa rebelião cheia de canto, dança e fé, o transe e a celebração são a base da nova política. É como se o jogo perdido agora para pastores fundamentalistas que usam a fé popular para conformar e disseminar o ódio aos ritos afro-brasileiros pudesse ser virado em uma apoteótica festa revolucionária que nos integra. Oxalá! Glauber morreu em 22 de agosto de 1981 com apenas 42 anos. Assista ao arrepiante discurso de Darcy Ribeiro em seu enterro: Fonte usada: “Terra de Fome e Sonho: o paraíso material de Glauber Rocha” de Ivana Bentes.

Tiradentes, por Darcy Ribeiro

“A sedição [Inconfidência Mineira] surge, porém, na própria classe alta, de que se destaca uma elite letrada que propõe formular e pôr em execução um projeto alternativo ao colonial de reordenação de sua sociedade. Trata-se do mais ousado dos projetos libertários da história colonial brasileira, uma vez que previa estruturar uma república de molde norte-americano que aboliria a escravidão, decretaria a liberdade de comércio e promoveria a industrialização. A eclosão insurrecional deveria ter lugar em 1789, aproveitando a revolta dos “mineiros” contra a espoliação colonial, aumentada por novas taxações já anunciadas sobre uma riqueza minguante. Foi a mal chamada Inconfidência Mineira que, apesar de fracassada por uma delação, nos revela o vigor do sentimento nativista nascente e também o amadurecimento de uma ideologia capacitada para reordenar a sociedade em novas bases. Tiradentes, a figura principal da conspiração, um militar de ofício, tinha sempre em mãos um exemplar da constituição norte-americana para mostrar como se devia e se podia reorganizar a vida social e econômica depois da emancipação do jugo português. Presos por denúncia, todos os inconfidentes foram desterrados para a África, onde morreram. Exceto o próprio Tiradentes, enforcado após três anos de cárcere e, depois, esquartejado e exposto nos lugares onde antes conspirara, para escarmento da população”.  (trecho extraído das páginas 342 e 343 livro O Povo Brasileiro (1995), Companhia das Letras). O único réu confesso entre os conspiradores mineiros contra a Coroa portuguesa no final do século XVIII, Tiradentes foi morto aos 45 anos em 21 de abril de 1792. O governo central português transformou sua morte em um aviso aos opositores, o enforcou e esquartejou. No ano passado, o jornalista Pedro Dória publicou o livro 1789 – História de Tiradentes – Contrabandistas, assassinos e poetas que sonharam a independência do Brasil, que rechaça a imagem tradicional de Tiradentes, muito semelhante a de Jesus. Segundo Dória, Joaquim da Silva Xavier era alto, de feição dura, sem barba e sempre andava com seus instrumentos de extração de dentes. Tiradentes nasceu entre as cidades de São João del-Rei e Tiradentes e ficou órfão de pai e mãe muito cedo, foi alfabetizado e aprendeu noções de medicina com seu padrinho. Para a média da população do final do século XVIII, ele pode ser enquadrado em certa elite intelectual. Tiradentes foi tropeiro, minerador e boticário (a profissão de dentista não existia à época). Como militar, o alferes (o que corresponde hoje a um sub-oficial) Joaquim da Silva Xavier combateu os roubos de cargas de ouro na estrada que ligava Vila Rica ao Rio de Janeiro. Ao lado de Tiradentes, os inconfidentes de destaque foram o padre Carlos Correia de Toledo e Melo, os militares Domingos de Abreu Vieira e Joaquim Silvério dos Reis (um dos delatores do levante) e os poetas Cláudio Manoel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga. Em linhas gerais, eles propunham o fim da monarquia e a instalação de uma República, a industrialização do País e a mudança da capital para São João del-Rei. Ironia: a República teria rei nomeando seu centro de poder. Os chamados inconfidentes contavam com a revolta da população com a derrama, cobrança forçada do imposto conhecido como o quinto (20% sobre a extração de ouro na região extrativista mineira) e outros impostos devidos à Coroa portuguesa. Curiosamente, o visconde De Barbacena, governador da Capitania local, recuou da cobrança, o que enfraqueceu o movimento. O processo contra os revoltosos durou três anos. Uns foram condenados à morte e outros ao degredo. Entretanto a rainha Maria I escreveu carta de clemência aos chefes da Inconfidência Mineira e os condena ao degredo, com exceção de Tiradentes. Em 1972, o diretor Joaquim Pedro de Andrade lançou “Os Inconfidentes” em que aborda o movimento pela ótica dos intelectuais que engendraram o movimento. No filme, Tiradentes é interpretado por José Wilker. Assista na íntegra: Emiliano Zapata cumpriu a promessa que fez ao pai

O encontro entre Anais Nin e Henry Miller

 “Ele pede para me ver novamente. Quando espero na poltrona de seu quarto, e ele se ajoelha para me beijar, é mais estranho do que todos os meus pensamentos. Com sua experiência ele me domina. Domina com sua mente, também, e fico calada. Sussurra para mim o que meu corpo deve fazer. Eu obedeço, e novos instintos são despertados em mim. Ele me tomou… …Um homem tão humano; e eu, súbita e desavergonhadamente natural. Fico assombrada de ficar ali deitada na cama de ferro dele, com a minha roupa de baixo preta arrancada e pisada. E minha intimidade apertada quebrada por um momento, por um homem que se diz ser “o último homem na terra”. Escrever não é, para nós, uma arte, mas respirar. Depois de nosso primeiro encontro respirei alguns bilhetes, acentos de reconhecimento, admissão humana. Henry ainda estava atordoado, e eu exalava a alegria insuportável. Mas da segunda vez, não houve palavras. Meu prazer era intocável e aterrador. Inflava dentro de mim ao caminhar pelas ruas. Ele transpira, ele fulgura. Não consigo escondê-lo. Sou mulher. Um homem me submeteu. Ah, que prazer quando uma mulher encontra um homem a quem consegue se submeter, o prazer de sua feminilidade expandindo em braços fortes”. (trecho do livro Henry, June eu – delírios eróticos, de Anais Nin, editora Círculo do Livro) A escritora francesa Anais Nin morreu em 14 de janeiro de 1977, aos 73 anos, em Los Angeles, nos Estados Unidos. O livro Henry, June e eu – delírios eróticos relata o período em que Nin conhece Henry Miller e sua mulher à época, June. Depois que se conheceram, Nin e Miller tornaram-se confidentes e trocaram correspondência entre 1931 e 1946. O livro foi adaptado ao cinema em 1990 pelo cineasta Philip Kaufman. Nin escreveu ficção, ensaios e críticas, mas ficou conhecida pelo seu extenso diário que começou a escrever com apenas 11 anos. Os escritores se conheceram quando Anais convidou o advogado Richard Osborn para almoçar em sua casa e Osborn levou seu amigo Miller, então com 40 anos, conhecido fila-bóia e sempre com pouca grana. Na época, Nin trabalhava em seu primeiro livro, um ensaio crítico sobre o escritor inglês D. H. Lawrence, cujo livro O Amante de Lady Chatterley, publicado em 1928, foi proibido na Inglaterra e causou enorme rebuliço. Nin era grande admiradora de Lawrence. Os dois escritores formaram um dos mais fascinantes casais da literatura. De um lado, o escritor mundano ou escritor-gangster (como alguns amigos chamavam Miller quando queriam provocá-lo), biscateiro e outsider. Do outro, uma sofisticada intelectual parisiense de educação refinada. Nin era filha de um pianista espanhol e de uma cantora dinamarquesa que se conheceram em Cuba. O que os uniu foi a imensa curiosidade pelo novo, um certo desespero existencial e a busca por novas formas de expressão mais adequadas à realidade da época. Ambos acabaram conhecidos pelo viés autobiográfico de suas obras. Krishnamurti, por Henry Miller E Santos fez Lawrence Durrell lembrar de Rimbaud

Graciliano Ramos resume a Proclamação da República

“Deposto o ministério, Deodoro andou na cidade, obteve adesões e no Arsenal de Marinha foi bem recebido pelo chefe de divisão Eduardo Wandenkolk e pelo barão de Santa Marta, ajudante-general da Armada. Na Câmara Municipal José do Patrocínio fez um discurso. D. Pedro II veio de Petrópolis e tentou organizar um novo ministério, o que não foi possível. No dia 16 SM [Sua Majestade] recebeu uma dolorosa homenagem: nela o marechal Deodoro, em nome do governo provisório, lhe pedia o sacrifício de, com a sua família, no prazo de vinte e quatro horas, deixar o território nacional. O monarca deposto respondeu que embarcaria, forçado pelas circunstâncias. Afirmou que guardaria do Brasil muita saudade e fez votos ardentes pela sua grandeza. Uma resposta digna, como se vê: o Imperador gostava da palavra escrita. Falando, porém, deixou algumas frases de menos efeito. Na noite de 17 desceu as escadas do palácio bastante contrariado, resmungando para o tenente-coronel Mallet, que o ia buscar: — Estão todos malucos. Não embarco, não embarco, a esta hora, como negro fugido. Embarcou. No dia 18, com todos os seus, a bordo do Alagoas, seguiu para a Europa. A 28 de dezembro enviuvou, a 5 de dezembro de 1891, morreu.” (trecho extraído de “Pequena História da República”, de Graciliano Ramos, publicado na coletânea da revista Senhor, da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo) O humor do Barão de Itararé como antídoto contra a barra pesada https://urutaurpg.com.br/siteluis/a-escravidao-brasileira-na-holanda-e-em-pernambuco/  

Tudo como dantes no quartel de Abrantes (e da imprensa)

“— Você exagera, objetou Leiva. O jornal já prestou serviços. — Decerto.. não nego… mas quando era manifestação individual, quando não era cousa que desse lucro; hoje é a mais tirânica manifestação do capitalismo e a mais terrível também… É um poder vago, sutil, impessoal, que só poucas inteligências podem colher-lhe a força e a essencial ausência da mais elementar moralidade, dos mais rudimentares sentimentos de justiça e honestidade! São grandes empresas, propriedades de venturosos donos, destinada a lhes dar o domínio sobre as massas, em cuja linguagem falam, e a cuja inferioridade mental vão ao encontro, conduzindo os governos, os caracteres para os seus desejos inferiores, para os seus atrozes lucros burgueses… Não é fácil a um indivíduo qualquer, pobre, cheio de grandes ideias, fundar um que os combata… Há necessidade de dinheiro; são precisos, portanto, capitalistas que determinem e imponham o que se deve fazer num jornal…” (trecho do livro Recordações do Escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto, em que o personagem Plínio de Andrade descreve para Isaías e Leiva a imprensa da época)         O primeiro romance de Lima Barreto, Recordações do Escrivão Isaías Caminha foi lançado em 1909, dois anos antes de seu livro mais conhecido, Triste Fim de Policarpo Quaresma. Filho de uma escrava liberta e um tipógrafo, Lima Barreto retratou de maneira impiedosa em Recordações o jornalismo praticado na época. Além disso, mostrava as dificuldades enfrentadas por um intelectual mulato e pobre em busca de sobrevivência. Após a publicação da obra, sua situação piorou ainda mais e ele foi praticamente banido dos meios jornalísticos. A atualidade da crítica à imprensa pelo escritor ainda carrega um tom de ironia, o jornal que Isaías trabalha no livro chama-se O Globo. Respeitadas as fronteiras entre ficção e realidade, Lima Barreto escreveu seu livro após experiência como repórter no jornal Correio da Manhã em 1905. Alguns de seus textos publicados nesse jornal podem ser considerados marcos do início do jornalismo literário no Brasil. O crítico Francisco de Assis Barbosa, autor da biografia do escritor, A Vida de Lima Barreto (1952) resume o espírito do livro: “Engana-se, quem quiser ver no livro apenas uma explosão de recalques ou um ataque desabrido de mulato despeitado a certos figurões das letras, do jornalismo e da política. A intenção do romancista foi mais alta. E, muito mais importante que uma caricatura virulenta e impiedosa, é, na verdade, mensagem humana que se encerra no bojo da novela”.   A revolta do escritor Lima Barreto contra o racismo

10 frases de Che Guevara

Che Guevara – No dia 9 de outubro de 1967, o ditador boliviano René Barrientos, seguindo ordens da CIA, ordenou a execução de Che Guevara no pequeno povoado de La Higueira, a 150 quilômetros de Santa Cruz de la Sierra. Após várias horas de combate, Guevara, com 39 anos e ferido em uma perna, tinha sido capturado pelo Exército no dia anterior. Separamos 10 frases do guerrilheiro de origem argentina:  “Os poderosos podem matar uma, duas, até três rosas, mas nunca deterão a primavera”. “Não me esperem para a colheita, estarei sempre a semear”. “Quando o extraordinário se torna cotidiano, é a revolução”. “Se você é capaz de tremer cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros”. “É preciso endurecer, sem perder a ternura, jamais”.  “No momento em que for necessário, estarei disposto a entregar minha vida pela liberdade de qualquer um dos países da América Latina, sem pedir nada a ninguém”. “Vale milhões de vezes mais a vida de um único ser humano do que todas as propriedades do homem mais rico da terra”. “Lutam melhor os que têm belos sonhos”. “Muitos dirão que sou aventureiro, e sou mesmo, só que de um tipo diferente, daqueles que entregam a própria pele para demonstrar suas verdades”. “Deixe o mundo mudar você e você poderá mudar o mundo”. https://www.zonacurva.com.br/cuba-fome-e-liberdade-imprensa/

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