Zona Curva

Política

Uma luz para você entender um pouco sobre o imbróglio político em que o país está metido.

A América Latina e os Estados Unidos

Estou fazendo o curso da Camila Vidal, no Iela  (Instituto de Estudo Latino-Americanos da UFSC)  sobre as Intervenções dos Estados Unidos na América Latina. E, confesso, ao final de cada aula, saio completamente deprimida. Não pela aula, que é sempre ótima, mas pelas informações. A proposta do curso, que começou no ano passado, é desvelar, com riqueza de detalhes, cada intervenção dos Estados Unidos nos países da Pátria Grande, desde o roubo das terras mexicanas, primeiro conflito gerado pelo famoso Destino Manifesto, até nossos dias. O que causa a profunda tristeza é observar que nesses conflitos de invasão explícita ou de geração de golpes a conversinha é sempre a mesma: levar a democracia e o desenvolvimento aos países bárbaros. É um eterno retorno. Basta que o país se desloque, mesmo que bem pouquinho, da órbita dos Estados Unidos para que comece a sofrer as consequências. As formas de ataque também são sempre as mesmas, embargos, bloqueios econômicos, campanha midiática sobre um suposto perigo de comunismo, financiamento de grupos de “oposição” (armados ou não) e invasão direta. No geral, a situação que gera o ataque dos EUA também é sempre a mesma. Um governo mais à esquerda ou um governo algo progressista que comece a mudar a lógica garantindo educação, saúde, moradia e seguranças ao povo passa a ser visto como perigoso. E, se não se aliar aos EUA nos seus interesses, já vira inimigo. Mas, se for além, buscando garantir soberania nas ações e na exploração de suas riquezas, aí vira o próprio demônio. É hora de o império agir. O começo de tudo vem pela campanha de propaganda contra o país. A mídia mundial embarca na canoa, divulgando as notícias produzidas pelas agências dos EUA, como se ali estivesse a verdade. Principia então o desenho do “monstro”. E não importa que esse monstro tenha sido amigo e formado pelos Estados Unidos, como foi o caso de Noriega, no Panamá, ou Sadam, no Iraque. Saiu um pouco da rota, está na fogueira. No geral, o problema principal detectado é uma “tendência ao comunismo”. Começou a oferecer educação, serviços públicos de qualidade, usar os recursos nacionais para desenvolver o país, pronto, virou comunista. E o comunismo aí colocado como algo ruim. Sendo que não é! Na verdade, o comunismo é quase uma sociedade perfeita, onde cada um ganha conforme o que necessita e atua na sociedade para o bem de todos. Pois isso é um perigo para os que dominam, então há que demonizar. E assim vamos indo, estudando a história de cada um dos nossos países da América Latina: O México, na parte norte, a América Central com todo o drama da violência, genocídios e da migração presente em cada país, o Caribe e sua pobreza endêmica apesar da exuberante riqueza natural que o faz paraíso dos ricos, e a nossa América do Sul, com sua história de traições, golpes militares, golpes parlamentares e golpes midiáticos. Não escapa um. Cada país abaixo do rio Bravo já sofreu a intervenção do império, seja diretamente ou fomentando traições internas. É batata. Nenhum bem pode vir para a maioria da população. Há que manter a massa no arrocho e garantir a maior taxa de lucro para o 1% que domina. Saiu disso, tá morto. Nesse universo infernal produzido pelos Estados Unidos o único país que se mantém firme é Cuba, a pequena ilha caribenha que enfrenta há mais de 60 anos o ataque ininterrupto do império. É absolutamente fantástico que consigam manter a revolução e as conquistas que vieram depois dela, apesar de tanto ataque. O povo cubano é deveras extraordinário, afinal é submetido a um bombardeio midiático diário e sofre um embargo econômico criminoso. Apesar disso o povo da ilha se reinventa e resiste, valentemente. Mas, no que diz respeito aos demais países o eterno retorno é lei. Passam anos de ditadura, de governos autoritários ou neoliberais e quando a população finalmente se propõe a mudar e elege alguém menos alinhado aos interesses estadunidenses, lá vem a máquina imperialista, a Estrela da Morte, com todo o seu arsenal ideológico e militar. Só na história contemporânea podemos citar a Venezuela e o golpe armado em 2002 contra Chávez, a deposição de Bertrand Aristide no Haiti em 2004, criando esse caos que não tem fim no país, o golpe em Honduras em 2009 que deixou um rastro de sangue, a queda do presidente Lugo no Paraguai para o retorno da velha oligarquia, a queda da Dilma em 2016 no Brasil que levou à tragédia Bolsonaro, o golpe contra Evo Morales em 2019, a queda de Pedro Castillo em 2022, as tramas na América Central para impedir que ideias mais arejadas pudessem assomar, com o sistemático assassinato de lideranças de lutas populares e ambientais, e por aí vai. É claro que numa análise mais acurada a gente vai perceber que internamente nos países há erros e equívocos praticados pelos governantes, o que torna a ação imperial ainda mais fácil de ser efetivada. Mas, o que não se pode deixar de perceber é que os EUA estão sempre ali, como uma águia assassina a esperar a hora de comer os olhos dos governantes – e da população – que ousarem sair da linha. Volto a lembrar de Cuba, cujo presidente, Fidel, chegou a sofrer mais de 600 tentativas de assassinato. Sobreviveu a todas e para azar do império, morreu velhinho, no aconchego do lar, do jeito que quis, amado pelo povo. De novo, um exemplo solitário nesse mar de podridão criado pelos Estados Unidos em toda a nossa Pátria Grande. O fato é que no capitalismo, cuja locomotiva ainda é os EUA (China e Rússia disputam o cargo), resistir a esse modelo que garante riqueza e vida boa a apenas 1% da população é uma tarefa gigantesca. As populações lutam com o que podem, que são apenas os seus corpos nus. Como enfrentar a máquina gigantesca da guerra? Lembro-me da invasão ao Panamá em 1989, quando uma força de milhares de soldados estadunidenses bombardeou a

Reconstrução se faz com mobilização

A vi­tória elei­toral de Lula si­na­liza a der­rota das forças des­tru­tivas que se apo­de­raram da ad­mi­nis­tração fe­deral nos úl­timos quatro anos. Não sei se o lema do novo go­verno – “União e Re­cons­trução” – se trans­for­mará em fato. União na­ci­onal não é ta­refa fácil. A cul­tura bol­so­na­rista, im­preg­nada de ódio, con­ta­minou inú­meras pes­soas que se so­maram aos 58 mi­lhões de votos re­ce­bidos por Bol­so­naro no se­gundo turno. E não há pos­si­bi­li­dade de união na­ci­onal nessa so­ci­e­dade in­jus­ta­mente mar­cada por gri­tante de­si­gual­dade so­cial. Con­tudo, re­cons­trução é viável. Lula tem plena cons­ci­ência do que pre­cisa ser feito. Seus dis­cursos de posse ex­pressam o ca­ráter deste ter­ceiro man­dato, onde se des­tacam três pri­o­ri­dades: com­bater a fome e a in­se­gu­rança ali­mentar; re­duzir a de­si­gual­dade so­cial; pro­teger nossos bi­omas e for­ta­lecer as po­lí­ticas so­ci­o­am­bi­en­tais. Lula está atento ao que de­veria ter sido feito em seus pri­meiros man­datos e, por força da con­jun­tura, não acon­teceu. Sabe que, agora, é talvez sua úl­tima opor­tu­ni­dade de go­vernar o Brasil. Na con­versa pri­vada que ti­vemos no Ita­ma­raty, na noite de 1º de ja­neiro, eu disse a ele que este é o início de seu pe­núl­timo man­dato. Ele sorriu. Estou con­ven­cido de que será can­di­dato à re­e­leição em 2026, aos 81 anos. A quem alega a idade avan­çada, lembro do car­deal Ron­calli, eleito papa João XXIII com 77 anos, em 1958, e com 80 pro­moveu uma re­vo­lução na Igreja Ca­tó­lica ao con­vocar o Con­cílio Va­ti­cano II. Nos man­datos an­te­ri­ores, Lula as­se­gurou sua go­ver­na­bi­li­dade pelo mo­delo “saci-pe­rerê”, apoiada em uma só perna: o Con­gresso Na­ci­onal. Agora sabe que a perna mais im­por­tante é a da mo­bi­li­zação po­pular. Es­pero que mi­nis­tros e mi­nis­tras se deem conta de que apoio po­pular não se con­funde com os 60 mi­lhões de votos re­ce­bidos por Lula. De­pende de in­tenso tra­balho pe­da­gó­gico. Não brota do es­pon­ta­neísmo nem re­sulta au­to­ma­ti­ca­mente das po­lí­ticas de in­clusão so­cial. Feijão não muda au­to­ma­ti­ca­mente a razão. Par­ti­ci­pação ci­dadã advém de cons­ci­ência crí­tica, or­ga­ni­zação e mo­bi­li­zação. E o go­verno fe­deral dispõe de am­plos re­cursos para pro­movê-las, desde po­de­roso sis­tema de co­mu­ni­cação à se­leção de li­vros di­dá­ticos. So­bre­tudo va­lo­rizar a ca­pa­ci­tação po­lí­tica de seus re­pre­sen­tantes em con­tato di­reto com a po­pu­lação, como os 400 mil agentes co­mu­ni­tá­rios de saúde. Sem povão não há so­lução! Brasil avermelhou Meus votos a presidente Slogan do governo Lula será “União e Reconstrução”; veja      

Os Yanomami

As imagens que circulam do povo Yanomami abandonado à própria sorte na sua terra invadida por garimpeiros ilegais, causam comoção nas redes. E elas são mesmo indignantes. Mas, há que dizer, o grito indígena não é de hoje. Desde o primeiro dia de governo de Jair Bolsonaro, em 2019, ele elegeu os povos originários para inimigo principal. Um de seus primeiros atos foi tirar a Funai do Ministério da Justiça e depois, sistematicamente, foi destruindo todos os órgãos de cuidado com os indígenas. Havia prometido aos seus apoiadores, mineradores, fazendeiros, grileiros, que as terras originárias seriam exploradas e que os indígenas expulsos para formarem exército de reserva nas periferias das cidades. “Índio tem de trabalhar”, dizia o presidente. E assim foi durante quatro anos. Cada ataque, cada avanço do garimpo, dos latifundiários, dos bandidos armados, era denunciado pelas entidades indígenas. Nenhum eco nas grandes redes de TV e o tema só circulava em pequenos círculos de apoiadores. Assassinatos, estupros, desaparecimentos, violências, tudo acontecendo sem repercussão. Nem mesmo durante os dois desastrosos anos da pandemia do coronavírus, os povos originários conseguiram dar visibilidade aos seus dramas. Perdidos no meio da floresta ou nas comunidades eles resistiram como puderam. Não sem luta. Não sem luta. Quase todos os dias uma denúncia, mas nenhum meio de comunicação de massa lhes ouviu o grito. Como sempre acontece, fizeram marchas, acampamentos, atos, e nada. Então, lá foram eles para o estrangeiro, buscar apoio, porque aqui dentro era pouco e insuficiente. Viajaram para a Europa, para os Estados Unidos, tentando encontrar aliados para fazer parar a máquina de morte montada contra eles. Chegaram – ingenuamente ou não – a pedir ajuda ao presidente Joe Biden, que de certa forma também ignorou, porque Bolsonaro tampouco lhe dava bola. E assim foram caindo os indígenas nos cantões do Brasil. Agora, com o novo governo, o grito escapou da floresta. De repente, como o presidente da nação decidiu ele mesmo ir ver de perto o horror, os meios de comunicação de massa, que são concessões públicas, decidiram ver. E as imagens aparecem, mostrando crianças desnutridas, velhinhos em último estágio de magreza, e aparecem também os números dos mortos: centenas… Pessoas envenenadas pelo mercúrio do garimpo ilegal, pessoas famintas, crianças mortas. Os Yanomami são uma comunidade de mais de 30 mil almas que vivem na maior área de terra indígena do país. Uma área cobiçada, desejada, e que foi aberta para os ladrões. Invasores protegidos pelo estado, que abandonou a fiscalização deliberadamente. Então, tudo isso que se vê hoje poderia ter sido evitado. Se a imprense tivesse escutado o grito. Se os governantes tivessem escutado o grito. Se deputados e senadores tivessem escutado o grito. Se a sociedade organizada tivesse escutado o grito. Com a chegada das equipes do SUS, o estado da comunidade Yanomami veio à tona. E o governo agiu com rapidez. É fato que os mortos, caídos nos últimos quatro anos, não voltarão. Mas, os que já estavam na beira da grande travessia poderão escapar. Já chegaram os médicos, a comida, o apoio necessário. Isso é bom. Ocorre que o garimpo segue lá, em outros espaços da floresta, em outras terras indígenas, matando, estuprando, violentando. Sendo assim, há que fazer mais. Há que parar os invasores, os grileiros, assassinos e bandidos que continuam sugando a terra e a vida dos indígenas, ribeirinhos e quilombolas. Há que ir a essas comunidades todas porque lá, eles sabem o nome e o sobrenome dos algozes. E essa gente precisa ser parada. Assim como não aceitamos anistia para os governantes que permitiram esses crimes, também não pode haver condescendência para os que seguem burlando a lei e destruindo vidas. Segue o massacre aos povos indígenas O Ministério dos Povos Originários        

O histórico Ministério dos Povos Originários

A posse de Sônia Guajajara como ministra do Ministério dos Povos Originários foi recheada de emoção e simbolismo. Não por acaso, feita junto com a posse de Anielle Franco no Ministério da Igualdade racial. Por isso mesmo, reuniu negros, indígenas, quilombolas, ribeirinhos e toda essa gente que sempre esteve fora dos círculos de mando no país. Foi bonito de ver. No caso dos povos originários é importante lembrar que o Brasil tem o maior número de etnias. São 305 etnias e 274 diferentes línguas. Segundo os últimos números do IBGE são quase um milhão de indígenas que ocupam 13% das terras brasileiras. Observando a população geral, o número parece pequeno, mas há que observar a importância destas comunidades na proteção do ambiente. Os povos originários carregam na sua cosmovivência a ideia de que não há separação entre o homem e a natureza, daí o cuidado que têm com o espaço geográfico no qual habitam. E esta é uma prática que favorece toda a população. Foram os povos originários os primeiros a serem atingidos pelo governo de Jair Bolsonaro quando assumiu o mando em 2019. Sua proposta era acabar com a proteção das comunidades e integrar os indígenas ao mundo do trabalho, expulsando-os de suas terras e jogando-os nas cidades para engrossar o cordão de misérias. E desde o primeiro dia os povos originários lutaram contra isso, sofrendo as mais duras violências. A prática da invasão de terras por grileiros, fazendeiros, madeireiros e mineradores, incentivada pelo governo, garantiu mortes, estupros e outras violências de todo o tipo. Foram suspensas as demarcações de terras indígenas e começou uma campanha para anular as que já haviam sido feitas. Uma luta sem trégua foi travada e por isso mesmo foi extremamente simbólico ver toda aquela festa no centro do poder político. Além do Ministério dos Povos Originários dirigido por Sônia Guajajara, a Funai – desmantelada durante o último governo – também será comandada por uma indígena, a deputada Joênia Wapichana, e a partir de agora passará a se chamar Fundação Nacional dos Povos Originários, saindo do Ministério da Justiça e integrando-se ao dos Povos Originários. É a primeira vez na história que os povos indígenas formularão eles mesmos as políticas para suas comunidades. Este é um desafio importante para os povos originários que precisarão dar contas de seus dramas e problemas cotidianos – tais como as demarcações de terra, saúde, educação e outros – bem como da necessária compreensão de que o grande inimigo é o sistema capitalista de produção. É fato que foi o homem branco que aqui pisou em 1500, trazendo a violência e a opressão, mas também é fato que este invasor foi a ponta de lança para a instalação das bases do capital nas terras de Pindorama. E, hoje, é o capital aquele que avança sobre as terras, buscando mais e mais acumulação. A unidade dos povos originários com os trabalhadores que lutam por outra maneira de organizar a vida é fundamental para construir esse novo Brasil, do qual falou Sônia na sua posse. “Nunca mais o Brasil sem a gente”, ressaltou, mas também reverenciou pessoas não-indígenas, como o jornalista Dom Phillips e Bruno Pereira, assassinados na Amazônia, por fazerem parte desse grupo que luta junto com os povos originários, atentos às suas particularidades, mas sem perder a relação com o todo. Anielle Franco, irmã da vereadora Marielle Franco, assassinada por milicianos no Rio de Janeiro, que assumiu o Ministério da Igualdade Racial também fez um discurso forte sobre a situação da população negra no Brasil, sempre excluída e massacrada desde a chamada abolição, e como Sônia também convidou os não-negros a caminharem juntos na construção de um país sem racismo e bom de viver. Uma caminhada de trabalhadores e trabalhadoras capazes de mudar o sistema, e não de apenas amansá-lo. Porque o capitalismo tem seus hábitos alimentares inamovíveis, o que inclui destruir a vida daqueles que têm apenas o seu corpo e a sua força de trabalho para vender, e dos que ainda conseguem viver de maneira solidária e cooperativa. São hábitos que não mudam, ainda que o discurso pareça domesticado. Não dá para se enganar. Não há “inclusão boa” no capitalismo. Não dá para negar que esse é um momento importantíssimo para os indígenas e para os negros, historicamente apartados do centro das decisões, e é preciso celebrar. Mas, não pode ser unicamente um espetáculo cheio de emoções. Ele é um momento tático de uma estratégia maior, que é a construção do chamado mundo novo, e por isso precisa ser também o fortalecimento de uma aliança inquebrantável do povo trabalhador, dos pequenos camponeses, quilombolas, ribeirinhos, indígenas, ciganos e toda a gente que enfrenta a sanha do capital avançando sobre suas terras e sobre suas vidas. O inimigo é o capital. E é tempo de destruí-lo. O Ministério dos Povos Originários Os trabalhadores e os indígenas Terras indígenas são estratégicas contra mudanças climáticas, defende deputada Joenia Wapichana

A resiliência política das bases populares

A história da América Latina, como escreveu Eduardo Galeano, foi escrita com o sangue derramado pelas veias abertas de sua população. É uma história de resiliência, desde a resistência indígena à empresa colonizadora, passando pela rebelião dos africanos trazidos ao Continente como escravos, até as lutas por independência e soberania. Lutas de resistências e conquistas que a classe dominante insiste em ocultar, como é o caso da Revolução Haitiana (1791-1804), que terminou com a independência da antiga colônia. Muitos livros didáticos ignoram as rebeliões e revoluções, e ainda tratam a invasão colonialista, promovida por países europeus (Espanha, Portugal, Inglaterra, Holanda etc) como “descobrimento”, na tentativa de encobrir o caráter genocida da atividade colonizadora e escravagista. Em “A ideologia alemã”, Marx e Engels escrevem que “as ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias predominantes, isto é, a classe que se constitui na força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante”. Como sublinha o axioma africano, conhecemos apenas a versão do caçador, porque nunca demos ouvidos à versão do leão. A reduzida circulação da arte e da literatura produzida pelos povos oprimidos (indígenas, quilombolas, camponeses, operários, prostitutas, prisioneiros comuns etc) se deve ao elitismo de nossas universidades, que padecem do “complexo de vira-lata” frente às academias dos EUA e da Europa. Os cursos de extensão universitária raramente têm por objetivo a atitude de escuta e pesquisa junto aos segmentos subjugados, sujeitos a todo tipo de preconceitos, discriminações e ofensas. O que se sabe da política indígena, da história dos quilombos, da arte das mulheres catadoras de frutas, do sofrimento dos que padecem esquecidos nos cárceres? No entanto, essa gente resiste. E, felizmente, às vezes encontra quem lhe dá voz e vez, como tantos escritores, artistas e intelectuais, que expressam em suas obras e textos as dores dos oprimidos. A resiliência das bases populares se dá de várias formas. Ocorre de forma espontânea, como um combustível que impregna o tecido social e, súbito, um fato, um incidente, um líder, atira nele o fósforo aceso, como foi o caso de George Floyd, nos EUA. Como se dá também de forma organizada, através de movimentos, associações e partidos progressistas, de esquerda ou revolucionários. Acontece ainda pela ruptura da ordem legal, motivada pelo imperativo da sobrevivência: os saques, as ocupações de terras e de moradias, e até mesmo pela via da criminalidade, em especial o narcotráfico, cujo produto mais sofisticado gerado na América Latina, a cocaína, é amplamente consumido pelos segmentos abastados dos EUA e da Europa. Mas de que vale o operário quebrar máquinas da fábrica para se vingar do patrão?, indaga Marx nas páginas de “O capital”. A contradição, tão objetiva e sacramentada pelas estruturas do capitalismo, só pode ser superada de um modo, e por via subjetiva: a formação da consciência de classe, de identidade étnica e de gênero. Este o ponto central. Contudo, ao longo do século 20, a esquerda da América Latina, que havia despertado para a questão – graças à literatura marxista e às revoluções russa, chinesa e cubana – fez de pequenos burgueses portadores do pensamento crítico junto aos oprimidos. Daí a dificuldade de se criar processos libertadores de caráter indutivo, exceto as guerras anticolonialistas e as revoluções de Cuba e Nicarágua, que tiveram caráter antiditatorial e emancipatório do país. Não se liberta um povo. É o povo que se liberta. Esse processo indutivo de resiliência popular, impregnada de consciência de classe, encontrou em Paulo Freire seu formulador pedagógico, embora José Martí já tivesse emitido luzes nesse sentido. Mas foi com o surgimento de ferramentas de luta forjadas pelos próprios oprimidos, como o PT no Brasil, os zapatistas no México e os indígenas na Bolívia, que efetivamente o processo se deu de baixo para cima, embora não possa ser encarado de forma linear. Os oprimidos se descobriram como protagonistas políticos. Houve, entretanto, um impasse quando essas forças populares lograram eleger, segundo as regras da democracia burguesa, presidentes supostamente identificados com os anseios dos oprimidos e excluídos. Na prática, tais governos progressistas tiveram dificuldades de serem fiéis às demandas indígenas, quilombolas, sem-terras, sem-tetos etc. Não implementaram profundas reformas estruturais. Não lograram reforçar os movimentos populares. Não promoveram a educação política do povo. E deixaram de fazê-lo em nome de uma política que, atenta ao poder das elites, procurava caminhar sobre ovos sem quebrá-los… O resultado foi aprofundar o fosso entre governos progressistas e bases populares. Nenhum daqueles governos ousou confiar plenamente na resiliência dos oprimidos e reforçar seus recursos de lutas. Fracassou a tentativa de reduzir os privilégios dos ricos sem aguçar o latente ódio da classe dominante. Julgou-se que, ao limar os dentes do tigre, haveria de se lhe diminuir a natural agressividade… Agora, a história recente comprova que não há de se ter ilusão de estabelecer uma aliança de classes. A direita age por interesses; a esquerda, por princípios. São linguagens incompatíveis, antagônicas. Isso não significa ignorar o poder das elites ou tratá-la com armas de combate frontal. Não há que menosprezar a força do inimigo. Mas só haverá libertação se, nas pautas políticas da esquerda, esteja ela ou não em instâncias de governo, a prioridade recair sobre o fortalecimento da conscientização, da organização e da mobilização dos movimentos populares, identitários e socioambientais. Fora disso é ficar refém da fantasiosa lógica social-democrata, de que é possível reformar o capitalismo sem, no entanto, querer sepultá-lo. Nós erramos Autocrítica da esquerda      

O Ministério dos Povos Originários

A proposta do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva de criar um ministério para os assuntos indígenas pode cumprir um importante papel na politização do tema indígena no Brasil, trazendo as demandas para o centro da luta de classes, articuladas também com as exigências dos trabalhadores. O governo de Jair Bolsonaro, já nos primeiros dias de mandato em 2019, tomou para si a defesa de que era chegada a hora de “incluir” os povos originários na vida brasileira. Mas, a inclusão de que falava era a de que os indígenas deveriam deixar suas aldeias e se transformar em trabalhadores nas cidades, deixando para trás suas terras que poderiam então ser incorporadas ao agronegócio ou à mineração. Um discurso torto, como todos no seu mandato, mas que chegou a agregar algumas lideranças indígenas já cooptadas pela ideia de usar seu território para ganhar dinheiro. Por outro lado, a maioria das comunidades decidiu se posicionar contra isso e foi o movimento de luta indígena o primeiro a se levantar em luta contra o novo governo que começava. A batalha teve início já no primeiro dia quando Bolsonaro iniciou o desmonte da Funai e se seguiu pelos quatro anos afora com marchas, acampamentos e atos públicos. Ao longo desse tempo, o governo foi totalmente conivente com as invasões de terra indígena levadas a cabo por fazendeiros e mineradores e também lento nas ações envolvendo os incêndios na Amazônia e no Pantanal. Além disso, Bolsonaro foi omisso nos casos de assassinatos e violências contra os indígenas e completamente relapso durante à pandemia no que tocou aos povos originários. Todas essas não-ações estavam completamente dentro de sua proposta de extinguir as comunidades para o bem do capital. Ainda assim, mesmo com toda essa campanha contra os indígenas, o movimento articulado e organizado se manteve firme na luta e decidiu inclusive entrar de cabeça no jogo das eleições, buscando colocar representantes indígenas em todas as instâncias, tais como prefeituras, assembleias legislativas e Congresso Nacional. Obviamente, o processo foi eivado de contradições, com um grande número de indígenas disputando as eleições por partidos marcadamente de direita, portanto, completamente vinculados ao projeto de Bolsonaro. Isso coloca uma questão que deveria sulear o debate agora no próximo governo: as questões indígenas ficarão no gueto – restritas aos originários – ou vão realmente ser vistas como uma parte significativa da realidade brasileira? Ainda que os povos originários brasileiros ocupem apenas 13% do território com uma população de quase um milhão de almas, eles conformam 305 etnias diferentes falando mais de 274 línguas e com 724 áreas definidas como terras indígenas. Um universo diverso nos quais ainda se travam muitas batalhas por demarcação legal. O inédito protagonismo da luta indígena no governo Um ministério voltado às questões indígenas deverá se preocupar com as mais diversas demandas que ainda perduram na pauta de luta do movimento, desde o território até questões como saúde, educação, segurança. Mas, também precisará mergulhar na política geral, entendendo que os povos originários que aqui vivem fazem parte do chamado povo brasileiro e, como tal, precisam também estar vinculados às lutas da maioria dos trabalhadores não-indígenas pela construção de um modo de produção no qual todos possam ter vida em abundância. Afinal, no capitalismo, por mais que as comunidades indígenas conquistem autonomia, elas sempre estarão na mira da exploração, pois é da natureza do capital se expandir e isso significa se apropriar de tudo o que há, seja do território ou do modo de vida indígena como mercadoria exótica para “inglês ver”. A sociedade organizada brasileira como sindicatos, centrais, movimentos do mais diversos, costuma se aliar às causas indígenas em lutas pontuais, mas não se percebe no interior de cada um deles um acompanhamento sistemático desses temas. Do mesmo modo, o movimento indígena muito raramente se integra nas lutas mais gerais dos trabalhadores ou na defesa de outra forma de organizar a vida tal como o socialismo. Ainda assim, as demandas dos povos originários têm muitas coincidências com os da maioria dos trabalhadores. A existência de um ministério que cuide das questões indígenas pode ser um grande passo para que essa aliança entre as comunidades originárias e os trabalhadores não-indígenas se faça e se fortaleça. Vai depender muito de como o governo vai encaminhar o processo. É fato que as comunidades indígenas têm suas especificidades, mas também é fato que se estiverem junto com os demais trabalhadores na luta por outra forma de organizar a vida, pode ficar bom para toda a gente. O modo capitalista de produção é um grande sanguessuga da força dos trabalhadores e cobiça sistematicamente as terras originárias, bem como abomina o modo de vida dos indígenas que não vivem para a produção de mercadorias. Logo, essa aliança é necessária e urgente. Só fora do capitalismo, indígenas e trabalhadores podem constituir uma sociedade justa. Oportunidade de reparação É bom lembrar que os povos originários já travaram uma grande batalha contra o governo de Lula durante seus dois mandatos, quando ele decidiu construir Belo Monte no meio da Amazônia para gerar energia que seria vendida aos Estados Unidos e o tempo mostrou que os indígenas estavam certos. Foi causado um grande estrago no território, com remoção de famílias, sem real necessidade. A questão que se põe é: estará o Lula de agora realmente disposto a ouvir as comunidades? Esta é a primeira vez no Brasil que a questão indígena será tratada com esse destaque dentro de um governo, tendo inclusive um ministério. Que seja uma estrada segura para a construção de um país capaz de articular, com sabedoria e participação direta, a política geral, a luta dos trabalhadores e as especificidades indígenas. Um desafio. Os Yanomami Os trabalhadores e os indígenas   Segue o massacre aos povos indígenas Indigenista Ricardo Rao conta como escrachou Marcelo Xavier

O papel da imprensa no esvaziamento das bolhas extremistas

  Ao invés de apontar um vencedor consensual, o resultado das eleições presidenciais acabou por escancarar a formação de bolhas extremistas. Tais bolhas constituem um enorme desafio não apenas para o presidente eleito, mas também para a imprensa, o jornalismo e os canais de comunicação, por onde flui a maior parte das informações que alimentam a polarização político-ideológica no país. Os veículos de comunicação, profissionais autônomos e os influenciadores digitais (1) são protagonistas neste processo de fracionamento da sociedade brasileira. Cabe a eles a responsabilidade de fazer a filtragem das informações que ampliarão ou diminuirão o sectarismo político e a xenofobia social dos grupos que se recusam a aceitar a vitória do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se de uma situação inédita para a imprensa e para os profissionais, pois a realidade política que emergiu do segundo turno das eleições presidenciais aponta no sentido de uma maior preocupação social com as causas e consequências do surgimento das bolhas extremistas do que com o noticiário factual convencional. Em última análise, o jornalismo e a imprensa estão diante do agravamento do dilema entre seguir a velha regra da isenção ou assumir a necessidade de neutralizar a polarização político-ideológica. Não é uma escolha simples porque mexe com comportamentos, normas e valores vigentes há décadas na profissão. A reação extremista à vitória de Lula desorientou a maior parte dos jornais brasileiros e acelerou a necessidade da mudança de estratégias editoriais. Surgiu uma situação em que a defesa da democracia deixou de ser retórica para assumir um caráter concreto, ou seja, garantir o respeito ao resultado de uma votação popular e a crítica à formação de bolhas golpistas. Ficou também claro que as fake news não são apenas um erro pontual a ser corrigido pelos institutos de checagem, mas um instrumento político central na estratégia dos movimentos de extrema direita, pois é através delas que se consolidam a unidade interna e o voluntarismo das bolhas extremistas. A avalanche informativa e as redes sociais virtuais aumentaram de tal forma o fluxo de notícias que as pessoas acabaram confusas diante de tanta informação, ficando quase impossível eliminar as fake news. A insegurança e incerteza sobre a autenticidade das notícias levaram os extremistas de direita à formação de grupos ideologicamente homogêneos, dentro dos quais as pessoas recebem o mesmo tipo de informação, não importa se verdadeira ou falsa. Foi criado o ambiente ideal para a disseminação em massa de fake news, o que alimentou o fenômeno de radicalização descrito em detalhes pelo professor norte-americano Cass Sunstein (ex-assessor do presidente Barack Obama), no livro Going to Extremes, (publicado em 2009, sem tradução no Brasil). Estamos presenciando uma situação nova em matéria de ressaca pós-eleitoral. Tradicionalmente, os vencedores costumavam exibir orgulhosamente sua opção eleitoral em camisetas e adesivos, mas o que assistimos hoje é um protagonismo dos derrotados, principalmente através de bandeiras nacionais em carros e da profusão de roupas nas cores verde e amarela. Há claramente uma posição desafiadora e uma recusa em aceitar a derrota, mesmo que esta posição busque se auto justificar usando fatos e dados absolutamente inverídicos. Não importa a credibilidade e sim a repetição incessante da mentira, até que ela passe a ser reproduzida sem questionamentos. A radicalização e polarização ideológicas já estão transbordando o âmbito partidário para atingir as relações humanas, como mostram as multiplicações de vídeos e postagens na internet de pessoas hostilizadas ou discriminadas por integrantes dos grupos extremistas de direita. O fenômeno é mais intenso na região sul do país, especialmente em Santa Catarina e Paraná. A imprensa e o jornalismo não podem tratar estes casos de forma burocrática, porque posturas tolerantes ou supostamente isentas contribuem para incentivar ainda mais o extremismo de direita. (1) Imprensa e jornalismo são conceitos distintos. A imprensa é o negócio de disseminar e vender notícias. Jornalismo é a profissão responsável pela produção de notícias. Influenciadores são indivíduos, em sua maioria sem formação técnica jornalística, que divulgam e comentam fatos, dados e eventos pela internet. O ecossistema informativo nacional no governo Lula A imprensa ainda não sabe lidar com a mentira em campanhas eleitorais Jornalismo e imprensa não são sinônimos

A imprensa ainda não sabe lidar com a mentira em campanhas eleitorais

O episódio Damares Alves envolvendo supostas violências sexuais contra crianças na ilha de Marajó mostrou como o jornalismo e a imprensa brasileira como um todo estão desnorteados diante da normalização da mentira como ferramenta eleitoral. As declarações da ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos se mostraram tão fantasticamente inverossímeis que a maior parte do público leitor de jornais não se preocupou com a credibilidade da notícia passando a dar mais atenção às reais intenções de Damares. Ficou claro que a pastora evangélica, dublê de militante política, pretendia gerar pânico entre eleitores indecisos às vésperas do segundo turno da votação para presidente da República. A leviandade deliberada com que políticos de extrema direita passaram a incorporar mentiras ao seu discurso eleitoral coloca a imprensa diante de um complicado dilema profissional: ignorar a falsificação, distorção e omissão de informações para evitar que seus promotores atinjam os objetivos pretendidos; ou promover a checagem de todas as notícias sob suspeita, um processo lento, complexo e capaz de gerar novas polêmicas eleitorais. Infelizmente, poucos veículos de comunicação fizeram esta escolha de forma clara porque foram condicionados pela velha regra de que é preciso ouvir os dois lados para demonstrar imparcialidade. Uma isenção que perde sua razão de ser quando a mentira é transformada em ferramenta eleitoral. Nestas circunstâncias, quando o uso de fatos, dados e declarações inverídicas se torna normal em disputas políticas, o jornalismo não pode ser neutro porque isto contraria sua missão fundamental que é a de levar aos cidadãos informações que os ajudem a evitar escolhas equivocadas. A regra da imprensa de ouvir os dois lados é válida quando a divergência de opiniões e posicionamentos ocorre em questões complexas onde a diversidade de percepções é um fator importante para o esclarecimento do público. Quando a divergência envolve um fato, dado ou afirmação notoriamente falsa ou mentirosa a preocupação com a veracidade é muito mais importante do que a imparcialidade por conta de possíveis consequências irremediáveis. Logo, a imprensa não deveria dar espaço ao mentiroso, ou mentirosa, para promover algo que vai causar dano ao conjunto da sociedade. Um desafio enorme O jornalismo sempre tratou a mentira como uma exceção que deve ser recriminada e desconstruída através da verificação de confiabilidade dos dados e fatos sob suspeita. Mas quando a falsificação, distorção e descontextualização são transformados em rotina por um candidato, a checagem de todas as mentiras fica virtualmente impossível por conta do tempo e da exatidão exigidos na verificação. Tome-se o exemplo dos debates entre candidatos presidenciais. O ritmo e o volume de informações que, em tese, deveriam ser conferidas, implicaria a interrupção do debate quase a cada minuto, sem contar o tempo consumido na checagem dos dados apresentados. Mas não é só isto. A normalização da mentira em períodos eleitorais muda a natureza das narrativas políticas. O jornalismo ainda está apegado a uma abordagem analítica dos fatos, dados e eventos mencionados em pronunciamentos e entrevistas dos candidatos. Desapareceu o constrangimento de usar falsidades no discurso eleitoral porque o mais importante é como elas influem na percepção das pessoas, principalmente as menos informadas ou as mais contaminadas pelo passionalismo e xenofobia. Por isto, os candidatos de extrema direita deixaram de ter qualquer escrúpulo em mentir porque o que importa não é a confiabilidade do que é dito ou escrito, mas sim como o eleitor vai incorporar a mentira à sua visão de mundo e sua decisão de voto. Trata-se de uma realidade profissional ainda pouco explorada pelo jornalismo porque o extremismo de direita, como protagonista eleitoral significativo, também é um fenômeno novo. Pela natureza antidemocrática deste movimento político, não são aplicáveis as regras criadas pelo jornalismo condicionadas pelo modelo democrático. Os profissionais e pesquisadores do jornalismo não têm assim alternativa senão partir do estudo da realidade concreta, para descobrir como e porque a mentira consegue contaminar tanta gente. Só com estes dados será possível começar a pensar em estratégias editoriais baseadas na realidade e não em concepções herdadas de outro contexto político. (ver artigo As Vacilações do Jornalismo na cobertura das Ameaças à Democracia ) A opção pela pesquisa do fenômeno do crescimento da extrema direita em várias partes do mundo é defendida enfaticamente por Margareth Sullivan, ex-ombudsman do The New York Times e hoje colunista do The Washington Post. Ela diz que é essencial se preocupar mais com a contextualização mais ampla possível das declarações e promessas de candidatos, especialmente os de extrema direita, do que com a pressa em publicar a notícia. O papel da imprensa no esvaziamento das bolhas extremistas Eleições: por que vencem as mentiras (fake news)? Jornalismo eleitoral: mais do que só notícias Dois toques sobre a eleição no Brasil

“Nós vamos juntar os diferentes para vencer os antagônicos”, diz Lula

Na tarde desta quarta-feira (dia 7 de outubro), o ex-presidente Lula reuniu-se com 16 senadores de 19 Estados e 12 governadores que o estão apoiando no segundo turno das eleições presidenciais contra Jair Bolsonaro. No encontro, que aconteceu em um hotel no centro da cidade de São Paulo, eles falaram sobre os desafios para a vitória do petista no segundo turno. Estavam presentes o governador reeleito do Pará Helder Barbalho (MDB),  a governadora reeleita do Rio Grande do Norte Fátima Bezerra (PT), o governador eleito do Piauí Rafael Fonteles (PT), o governador eleito do Amapá Clécio Luís (Solidariedade), o atual governador de Pernambuco Paulo Câmara (PSB), a atual governadora do Piauí Regina Sousa (PT), o atual governador de Alagoas Paulo Dantas (MDB), o governador reeleito do Maranhão Carlos Brandão (PSB), o governador eleito do Ceará Elmano Freitas (PT) e o atual governador da Paraíba João Azevedo (PSB). Além destes, compareceram à reunião 16 senadores em exercício e outros três que assumirão o cargo no próximo ano.   Apoio do PDT e promessa de diálogo com a população Minutos antes do evento, Carlos Lupi, presidente do PDT, esteve em uma breve coletiva de imprensa com o ex-presidente, onde afirmou considerar uma “honra” e obrigação dos membros de seu partido conceder apoio a Lula.  “Não é só eleger Lula, é impedir o mal que abate a sociedade brasileira. Bolsonaro representa tudo que o a gente lutou contra a vida inteira. Então, estar ao seu lado é estar ao lado da democracia. (…) Ao lado da esperança e ao lado de um trabalhador. Como Brizola gostava de dizer, Lula representa um trabalhador”, discursou. Lula fez um aceno a Ciro Gomes, relembrando a trajetória dos dois juntos, quando o pedetista fez parte de seu governo, e afirmando que ele é diferente quando não está na presença da imprensa. “Eu conheço bem o Ciro Gomes”. Ele também relembrou da aliança com Leonel Brizola e afirmou que a legenda vale mais que os 3,5% obtidos no primeiro turno. Por fim, enfatizou: “nós vamos juntar os diferentes para vencer os antagônicos”, destacou o ex-presidente. Mais tarde, durante seu discurso entre os senadores e governadores, o ex-presidente afirmou que a luta pela democracia deve se ampliar também para a qualidade de vida da parte mais sofrida da população. “Quando a gente defende a democracia, estamos defendendo liberdade política, mas também o direito desse cara comer, desse cara estudar e de morar. Ele tem o direito, não basta estar na Constituição, mas sem regulamentação”, disse. Além disso, chamou atenção para a falta de reajuste do salário mínimo. “Qual a lógica?”, criticou. “Você faz teto de gastos para quê? Para garantir que os banqueiros recebam o que lhes é devido? E vai cortar o benefício do povo, é isso?” questionou Lula. De acordo com o ex-presidente, Jair Bolsonaro (PL) não dialoga com os prefeitos e governadores. Então, se comprometeu, caso seja eleito, a se reunir com todos os governadores para juntos arquitetarem um plano de crescimento econômico.  “Quando você se torna presidente, você não ganha um mandato de dono do Brasil. Você ganha, na verdade, quase que o papel de síndico. Tem que administrar não os seus interesses, mas os interesses da sociedade”, discursou Lula. Por último, o petista também afirmou que pretende focar sua campanha nas ruas para o segundo turno. Em seguida, disse que deve ir a apenas dois debates até 30 de outubro.   Abstenção dominou discurso de governadores e senadores A alta taxa de abstenção no primeiro turno, que chegou a 20,95% (equivalente a 32,7 milhões de eleitores), e a importância de incentivar os eleitores a irem às urnas fez parte da fala de diversos apoiadores do presidenciável Lula.  “Essa eleição teve a maior taxa de abstenção. Superou 2018. Temos que ir atrás desse voto”, disse o senador Jaques Wagner (PT), um dos coordenadores da campanha. “Temos que insistir com a Justiça Eleitoral para a colocação de ônibus, disponibilizar, se possível, tarifa zero no domingo, 30 de outubro, para todos poderem votar”. “Não vamos virar voto do Bolsonaro. Agora, é ir atrás dos nossos que ficaram na abstenção”, disse a governadora do Piauí Regina Sousa (PT). A fala de Helder Barbalho (MDB), governador reeleito do Pará com maior votação do Brasil (69,39%), foi centrada na necessidade da distribuição de renda e no desenvolvimento sustentável da Amazônia. Fátima Bezerra (PT), reeleita para o governo do Rio Grande do Norte, ressaltou a importância de “uma frente cada vez mais ampla pela democracia”. “O nordeste nunca lhe faltou nem lhe faltará, de maneira nenhuma”, disse, se comprometendo com o candidato do PT. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) destacou a necessidade de Lula ter avanços dentro do eleitorado evangélico onde o atual presidente lidera com boa vantagem. “Esse ato precisa ser repetido novamente antes do segundo turno e temos que convidarmos também os religiosos, tanto evangélicos como católicos, além de representantes da economia, de modo a fazer um movimento, ciscando para o centro, em que possamos ampliar o espectro da candidatura”, afirmou. Em uma crítica a Bolsonaro, o senador Fabiano Contarato (PT) parafraseou Ulysses Guimarães:   “A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria a confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria.” Reconstrução se faz com mobilização Brasil avermelhou https://urutaurpg.com.br/siteluis/lula-no-covil-do-pato/ Lula promete investimentos na educação em evento na USP Lula se compromete com melhorias no SUS em conferência  

Perdemos o bonde da história

Capitalismo humanizado – Quando no começo dos anos 2000 surgiu o Fórum Social Mundial, em contraponto ao Fórum de Davos, já nas primeiras edições, uma coisa ficou bem clara: estavam em disputa ali duas concepções de luta. Uma, que apontava a possibilidade da convivência pacífica com o sistema capitalista (o capitalismo humanizado) e outra que negava veementemente isso, mostrando que é impossível um mundo melhor dentro do capitalismo. Com o andar da história, o que se viu foi a vitória da primeira visão. A recusa ao poder, o democratismo, as lutas segmentadas e particularistas, a proposta de inclusão, o ecologismo sem dentes. Isso foi se impregnando nos movimentos sociais e acabou sendo o mote para a ascensão dos  chamados “governos progressistas” que se seguiram. Novos nomes para uma velha receita: o liberalismo. E no campo político a socialdemocracia. Essa falácia de mais isso e mais aquilo, como se fosse possível vencer o sistema apenas com uma pitada de “mais”. Ora, um sistema tem de ser rompido, destruído, demolido, para que surja o novo. As pautas radicais sumiram do mapa. Apenas a Venezuela de Chávez ousou um pouco mais, aproximando-se da proposta cubana de autonomia e socialismo. Mas  o Chávez morreu e o que se seguiu foi a mesma velha tentativa de caminhar na corda bamba acendendo vela para deus e para o diabo ao mesmo tempo. Romper com o sistema não está nos planos. Cuba segue solitária, capengando. Aqui no Brasil tivemos a experiência dos 14 anos de PT no governo federal. E por ali tampouco tivemos propostas de mudança das estruturas. Apenas a ideia liberal de mais isso e mais aquilo para os pobres. Mais isso e mais aquilo para os grupos particulares. O sistema incólume. Banqueiros lucrando, fazendeiros ganhando, aposta na inovação, reformas contra os trabalhadores, recusa da auditoria da dívida, frouxidão com as igrejas caça-níqueis. Nada de novo no front. Aí veio o bode na sala. A experiência bolsonara, fruto do cansaço dos trabalhadores, do avanço das pautas morais e da desinibição da direita. A política dominada por temas tangenciais enquanto que as grandes questões nacionais ficaram de lado. E, enquanto os bandos se digladiavam nas redes sociais, o governo ultraliberal foi passando tudo o que era de interesse da classe dominante local e internacional, com o apoio seguro do legislativo federal. As centrais sindicais se apagaram e restou a uns poucos sindicatos combativos a luta pontual e singular. Os trabalhadores foram se adequando à ideologia dos “novos tempos” e das “novas formas de emprego”, sem organização e sem luta. As perdas foram grandes e continuam anestesiando a maioria. Agora vêm aí as eleições outra vez. E na população vai crescendo a ideia de que é preciso tirar o bode da sala, o que é óbvio. Sacar do governo aquele que personifica o mal. A proposta é singela: sair do ultraliberalismo e voltar para o liberalismo. Apenas isso. Nada mais profundo ou radical a ponto de não importar que se façam alianças de conciliação de classe. Chegamos ao absurdo de ver lideranças populares irem aos Estados Unidos pedir ajuda a Biden para garantir a democracia tupiniquim. Essa mesmo foi de cair os butiás do bolso. Nada de falar em recuperação do Banco Central ou de auditoria da dívida, ou de revogação das reformas que aniquilaram com os trabalhadores e os velhos. Não importa que haja acordos com banqueiros, fazendeiros e até com o embaixador dos Estados Unidos. Tudo vale para tirar o bode da sala. “Depois a gente vê”. Bom, já vimos esse filme. Assim que o dia dois de outubro não reserva surpresas. Pelo menos não para os trabalhadores. Ao que parece os brasileiros simplesmente tirarão o bode da sala, entregando um cheque em branco para os liberais. Há uma longa estrada de reconstrução das lutas para os trabalhadores e o primeiro passo talvez seja reconhecer que a ideia do “capitalismo humanizado” venceu, e que ela não é boa. Mas não é mesmo. Ideologias como a do empreendedorismo e a do faça-se a ti mesmo pelo mérito estão aí mostrando suas chagas, suas rachaduras. Não há saídas dentro do capitalismo. É da natureza do sistema se expandir e ir destruindo tudo ao seu redor. Não há como humanizá-lo. Não há. Essa compreensão é fundamental para que as lutas voltem a se fazer por propostas definitivamente radicais, que mudam a vida, para melhor. A vida de todos e não só de alguns. A eleição poderá tirar o bode, mas, será suficiente? Um dia na Ocupação Manoel Aleixo, em Mauá Dois toques sobre a eleição no Brasil No capitalismo, o governo é dos ricos Não há direito à comunicação e à informação veraz no capitalismo

Rolar para cima