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Política análise

Análises de nossos colaboradores sobre a conjuntura política.

As armadilhas políticas das fake news

A decisão do governo federal de ingressar no combate à proliferação de notícias falsas (fake news) na imprensa e nas redes sociais esconde armadilhas políticas que podem causar sérios embaraços ao presidente Lula, porque é um tema complexo sobre o qual é difícil estabelecer um controle absoluto. Na verdade, o combate às fake news está mais na esfera da comunicação social e menos no âmbito do poder executivo, já que é muito arriscado criar regras rígidas para neutralizar um problema que ganhou grandes dimensões justamente porque se aproveitou da escassa experiência de nossa sociedade com o manejo da informação digitalizada. O fenômeno das notícias falsas, incompletas, distorcidas ou descontextualizadas já é bastante antigo. Convivemos com ele há mais de um século, período em que se manifestava através de jornais, revistas, noticiários radiofônicos e telejornais. As fake news passavam, no entanto, quase desapercebidas porque a comunicação jornalística pré-internet era controlada por um reduzido grupo de grandes empresas, na maioria privadas. Com a chegada das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), no final do século XX, surgiram as redes sociais virtuais que passaram a concorrer com a imprensa convencional na produção de fluxos informativos oferecidos à população. A concorrência se transformou em batalha pela sobrevivência com a migração de anunciantes para o espaço virtual, especialmente depois que a telefonia celular facilitou o acesso às grandes redes virtuais como Facebook e Google. É neste contexto que surge a polêmica sobre o combate às fake news, basicamente um argumento manobrado pela imprensa convencional para tentar construir uma imagem de credibilidade em meio ao caos informativo criado por grupos políticos extremistas no fluxo de notícias na internet. Se a imprensa estivesse eticamente comprometida com a veracidade das informações publicadas até a chegada da internet, ela já teria feito um mea culpa de todas as notícias distorcidas, enviesadas e meias verdades veiculadas no passado como parte do jogo corporativo de interesses políticos e empresariais. A ofensiva político-publicitária contra as redes sociais ganha características de uma manobra dos grandes conglomerados midiáticos interessadas em usar a bandeira do combate às fake news como arma contra a acelerada expansão financeira de impérios tecnológicos como Facebook e Google. É uma guerra de “cachorro grande” e quem se meter nela precisa ter muito claro que se o compromisso com a confiabilidade das notícias for levado até as últimas consequências pode acabar tendo que enfrentar tanto as redes como grupos empresariais como Globo, Folha e Estadão. As redes sociais virtuais estão muito longe de serem modelos de conduta em matéria de compromisso com a veracidade. Muito pelo contrário. O fato de reunirem audiências infinitamente maiores que as da imprensa convencional, de se aproveitarem da onipresença dos telefones celulares e permitirem a instantaneidade na transmissão simultânea de milhares de mensagens, fez com que Facebook, Youtube, Twitter, Instagram e Whatsapp se tornassem as plataformas preferenciais dos terroristas e extremistas online. Casos como o da Lava Jato, bem como as campanhas eleitorais de Jair Bolsonaro e Donald Trump, acabaram se tornando paradigmas do uso de notícias falsas com fins político-eleitorais. Discurso sofisticado O esforço para combater as fake news é urgente e necessário mas ele precisa levar em conta o contexto social-econômico-político em que estamos inseridos, as especificidades tecnológicas dos fluxos virtuais de notícias e os recursos de que dispomos para alcançar o objetivo. A primeira constatação contextual é a inviabilidade de combater problemas digitais com ferramentas analógicas. Não vai funcionar ou servirá apenas para enganar a opinião pública. No espaço físico dos jornais, rádio e TVs há responsáveis, endereços e condutas localizados e identificáveis. No chamado ciberespaço, tudo isto é muito difuso, mutável e complexo. Levamos décadas para produzir leis, códigos, regulamentos e normas tentando disciplinar a atividade noticiosa da imprensa, sem eliminar completamente a incidência de notícias falsas ou distorcidas na imprensa convencional. As empresas construíram um sofisticado discurso para adequar o jornalismo ao ambiente comercial na produção e veiculação de informações. Mais do que isto, as mídias formataram audiências que, sem juízo crítico, incorporaram vários itens deste discurso aos seus valores individuais no trato com a informação. De repente, tudo isto muda com a avalanche informativa gerada pela internet e por inovações tecnológicas como telefones celulares, computadores, bancos de dados e, mais recentemente, com a robotização e inteligência artificial. Criou-se um espaço sem regras e sem valores consolidados. O lento e complexo sistema de produção de leis e regulamentos não consegue acompanhar o ritmo frenético das inovações tecnológicas. Muitas leis se tornaram obsoletas e ineficazes antes mesmo de serem aprovadas. E mais do que tudo, começa a ficar claro que a criação de normas vai depender mais das pessoas do que dos tribunais, parlamentos ou governos. Isto fica claro quando se analisa o trabalho das centenas de projetos de checagem de informações, um louvável esforço para tentar limitar a proliferação das fake news por meio da sua desconstrução. É humanamente impossível checar todas os dados e fatos publicados numa edição normal de jornais impressos. É viável detectar as mentiras mais grosseiras, mas o enviesamento, descontextualização e as meias verdades exigem muito mais tempo e conhecimento para serem identificadas. Além disso, a experiência tem mostrado que o espaço editorial dedicado à publicação do resultado de checagens é muito inferior ao dedicado à publicação de notícias gerais. O resultado é que a checagem de fatos e dados, também conhecida pelo jargão inglês fact checking, acaba servindo mais para marketing do jornal ou revista do que para tranquilizar ou orientar o leitor. Assim, o ingresso do governo no combate às fake news precisa levar em conta todo este arsenal de dificuldades capazes de criar decepções, contrariedades e acusações numa questão que, no final das contas, tem mais chances de ser resolvida pelas pessoas e comunidades do que por decretos e leis. Em vez de buscar a normatização do problema, o governo talvez tenha mais possibilidades de êxito se apostar em campanhas públicas de formação de consciências e de incentivo ao surgimento de novos valores e comportamentos no trato da notícia. Lidar com a informação e a notícia não é algo que você prática baseado em manuais ou regras. Cada informação ou notícia está relacionada

A TV pode ter sido decisiva no fracasso do golpe bolsonarista dia 8

O golpe de estado de extrema direita previsto para o domingo dia 8 de janeiro pode ter sido abortado por algo que não estava nos cálculos dos conspiradores: o papel das redes de televisão com a transmissão ao vivo a invasão da Praça dos Três Poderes e a posterior depredação da sede do Supremo Tribunal Federal, do Congresso e do Palácio do Planalto. Tudo indica que o ataque aos três prédios públicos mais importantes do país visava criar o caos político e com isto justificar uma intervenção militar a pretexto de restabelecer a ordem. Mas o objetivo acabou frustrado quando milhões de brasileiros testemunharam ao vivo, pela TV, a irracionalidade da ação dos bolsonaristas de extrema direita, que rapidamente perderam eventuais simpatias de quem assistia tudo à distância. A participação da televisão no desfecho dos acontecimentos ainda é um tema que merece maior detalhamento para identificar se foi algo pensado politicamente ou foi fruto do entusiasmo jornalístico em testemunhar cenas que a maioria das pessoas achavam improváveis de acontecer. O fato é que a TV Globo, por exemplo, ao interromper sua programação normal no canal aberto tomou uma decisão que além de política tinha também desdobramentos comerciais, porque os espaços publicitários foram adiados por várias horas. Outra decisão crucial foi a de formar uma rede entre o canal aberto e o fechado (Globo News) para aumentar a audiência. A emissora também convocou quase todos os seus jornalistas especializados em política para incorporar-se à cobertura, contactando fontes nos diversos níveis do aparato governamental, para explicar e complementar o que estava sendo mostrado ao vivo. Simbolismos políticos A TV Globo também tomou uma decisão carregada de simbolismo político de instruir repórteres, apresentadores e comentaristas para que eles tratassem como terroristas, golpistas e vândalos os participantes da invasão da Praça dos Três Poderes em Brasília. Este é o tipo de classificação que só pode ter sido decidida nos mais altos escalões da empresa pois as redações nunca tiveram a autonomia suficiente para acrescentar adjetivos à protagonistas de eventos políticos. Outras emissoras também adotaram o mesmo enfoque dos participantes da tentativa de golpe de estado com gradações e adjetivos diferentes, como foi o caso da CNN e da Bandeirantes. As exceções foram a SBT, Record e Jovem Pan que mantiveram sua orientação bolsonarista e rotularam a depredação como um protesto e seus autores como manifestantes, seguidores do ex-presidente, derrotado nas eleições presidenciais de outubro do ano passado. Caso estudos mais aprofundados venham a comprovar esta hipótese sobre a influência da transmissão ao vivo pela TV e do posicionamento das emissoras no tratamento dos participantes do ataque a prédios públicos em Brasília, no dia 8, estaremos diante de um caso inédito em que a comunicação e o jornalismo podem ter evitado um golpe de estado usando a informação visual como arma principal. O possível papel estratégico do audiovisual sinaliza uma mudança nos comportamentos políticos uma vez que a imagem, em tempo real, apela mais às emoções do que à reflexão. Até agora a imprensa escrita tinha um papel predominante porque os principais atores políticos priorizavam a racionalidade e a lógica nas ações de grande envergadura. Já se sabia que uma imagem apela mais para o emocional do que para o racional, mais para os impactos informativos do que para a reflexão analítica. Mas o que a cobertura televisiva dos eventos de domingo, 8 de janeiro, pode estar nos mostrando é a importância de entender como imagens impactantes sobre questões complexas podem acabar gerando mudanças de percepções individuais e coletivas em tempo curtíssima, sem o recurso a reflexão analítica. As armadilhas políticas das fake news O ecossistema informativo nacional no governo Lula Resumo da ópera golpista no Brasil

Breve crítica da democracia louvada

Com efeito, jamais tivemos sequer a forma deturpada de democracia, a saber, a democracia representativa. Digo deturpada, pois é sabido que a democracia representativa está longe de ser um regime de governo em que o povo participa das decisões mais importantes para sua boa sobrevivência. A democracia representativa mascara a dominação de poder de uma minoria, os que se auto-intitulam os melhores ou os mais capazes, sobre a grande maioria do povo desafortunado.

Resumo da ópera golpista no Brasil

Golpe Brasil – Nunca uma ação terrorista foi tão anunciada como a que aconteceu neste domingo em Brasília. Desde há semanas, as redes bolsonaristas mostravam a organização da marcha até a capital federal com o intuito de tomar o Congresso, o STF e o Planalto. Vídeos, material de propaganda, lives, tudo circulando sem qualquer pejo. Os acampamentos em frente aos quartéis serviram como incubadoras de todo o furdúncio. Foi uma grande ingenuidade pensar que ali estavam apenas os velhos e as tias do uatizapi. Quem acompanha as redes sabe que desde o resultado das eleições, a extrema direita está organizando esse povo e preparando a estrada do golpe. Não é um movimento espontâneo. Tudo muito bem articulado e financiado. Mais de 100 ônibus chegaram à Brasília em tempo recorde. Milhares de pessoas uniformizadas com a camisa da seleção foram organizadas e conduzidas pela Polícia Militar de Brasília para a Esplanada dos Ministérios no que eles chamaram de “Greve Geral”. Apesar do pedido de reforço da segurança do Congresso e do STF, que pressentiu o perigo, o governo do Distrito Federal não mobilizou as tropas para a proteção do patrimônio público e, apesar dos bolsonaristas não serem muito numerosos, em pouco tempo, eles tomaram os três principais pontos da capital numa ação rápida e sem qualquer bloqueio. Havia pouquíssimos policiais acompanhando a caminhada e as seguranças locais não tiveram como segurar a turba que quebrou as vidraças, entrou nos locais e promoveu uma destruição insana. Gente defecou sobre as mesas, obras de arte foram danificadas e até portas foram arrancadas. A invasão durou horas, sem que o governador do DF tomasse qualquer atitude, portanto, ficou absolutamente claro que a ação foi permitida. Basta lembrar que, em outros momentos da história, com muito mais gente na Esplanada, o contingente de segurança sempre foi grande e a repressão duríssima. Desta vez, não. Os bolsonaristas chegaram a atacar policiais e jogaram dentro do espelho de água os carros da segurança do Congresso. Uma festa. Bolsonaro e o Secretário de Segurança do DF acompanharam tudo de Orlando, juntos. É importante ressaltar que não houve incompetência. Foi uma inação deliberada, preparada, planejada. Por outro lado, o governo federal também foi incompetente em não definir um plano de defesa para esse dia. Deixar na mão do inimigo foi um erro. Havia quer tido um plano B. Depois de toda a destruição feita, a polícia chegou e foi dispersando os bolsonaristas. Até agora 300 pessoas foram presas. Há informes de que os financiadores do ônibus já foram identificados, mas nenhum foi preso. Há focos de atos terroristas em frente a algumas refinarias no Paraná e em outros lugares do país há trancamento de vias, inclusive a Marginal Tietê, uma das principais vias de São Paulo, sem que a polícia tome qualquer atitude. Há também um chamamento para os caminhoneiros pararem o país. A organização segue firme e sistemática, sem que os incitadores do golpe sejam cerceados. Divulgadores de mentiras e incitadores do caos seguem transmitindo sem problemas. O ministro Alexandre de Moraes ordenou o desmonte dos acampamentos bolsonaristas em todo o país. Em Brasília, os acampados estão saindo tranquilamente com suas malas e travesseiros, dando risada e sem qualquer intimidação. Os mesmos que ontem destruíram o Congresso, o STF e o Planalto. A Polícia apenas acompanha, quando não interage de maneira simpática. Algo impensável numa manifestação de trabalhadores, por exemplo. Também o Exército, em Brasília, protege os acampados com carros blindados. Agora, no rescaldo da ação terrorista é que vai ser possível ver de que material é feito o governo eleito. Vai atuar com energia contra os terroristas? Vai atacar os peixes graúdos? Sim, porque essa turba está sendo financiada e organizada por gente grande. A mão da justiça chegará neles? O que fará com relação as Forças Armadas? Continuará deixando o caso nas mãos do STF? O que aconteceu neste domingo é um entre tantos eventos que vem se repetindo desde o golpe contra a Dilma em 2016. Como Lula vai enfrentar o núcleo desta trama que são as Forças Armadas? Este é o ponto central, como alerta o professor Nildo Ouriques. Segundo ele, há que colocar na reserva todos os generais que conspiram, à luz do dia, contra o país. Movimentos sociais e partidos de esquerda foram às ruas ontem (segunda-feira) em todo o país em defesa da democracia.   O universo paralelo do fanatismo bolsonarista   A TV pode ter sido decisiva no fracasso do golpe bolsonarista dia 8   Vamos falar de golpe?    

O ecossistema informativo nacional no governo Lula

O governo brasileiro que assumiu há poucos dias terá pela frente um desafio inédito na política nacional, porque seu sucesso dependerá mais da forma pela qual vai se comunicar com a população do que pela realização de projetos e obras. Parece um absurdo, uma incongruência, mas é uma realidade nova que reflete as mudanças em curso no modo como a informação e a comunicação passaram a ser preponderantes na política brasileira e mundial. A principal mudança na gestão do país parece ser a de que os chefes de poderes executivos nacionais, estaduais e municipais terão que se comunicar mais com a população do que assinar papéis e negociar com políticos e empresários. É que na era digital, a sustentabilidade política de um governo passou a depender, fundamentalmente, da forma como um presidente é percebido por milhões de pessoas que frequentam as redes sociais. A percepção política integra o que os especialistas em comunicação chamam de ecossistema informativo, ou seja, o conjunto de fatores sociais, econômicos, políticos, culturais e tecnológicos que condicionam a maneira como as pessoas desenvolvem o seu conhecimento do mundo em que vivem. Até agora as percepções envolviam dois tipos de conhecimento sobre fatos, dados e eventos noticiados pela imprensa: o conhecimento de alguma coisa e o conhecimento sobre algo. No primeiro caso, temos o puro registro de uma novidade, como por exemplo, quando lemos uma manchete de jornal. Sabemos o que aconteceu, mas ignoramos porque, como, os antecedentes e as consequências de uma notícia. A opinião pública na era digital não é mais formada a partir da lógica, causalidade e reflexão. O volume, diversidade e a velocidade com que as informações são jogadas no meio social impedem as pessoas de raciocinar como antes. Estamos na era do impacto informativo, onde as percepções são formadas a partir do acúmulo de notícias, dados, fatos e eventos, ou seja, através do bombardeio informativo nas redes sociais e em veículos convencionais como os canais noticiosos em redes fechadas de TV. A estratégia informativa do impacto é a responsável pelo fato de tantas pessoas acabarem ignorando a lógica e o chamado bom senso. Bolsonaro usou esta técnica para criar percepções distorcidas em suas lives das quintas-feiras, cujo conteúdo era depois reforçado pela reprodução em massa da mesma mensagem, numa operação coordenada pelo chamado gabinete do ódio, instalado no Palacio do Planalto. Ferramenta obrigatória O uso, durante a última campanha eleitoral, da técnica de acumulação de postagens impactantes através das redes sociais, conseguiu inclusive compensar as resistências da grande imprensa nacional à campanha de reeleição do presidente Bolsonaro. No passado, o apoio de grandes jornais e redes de televisão era um elemento decisivo para a viabilidade eleitoral de candidatos e para a sustentabilidade política de presidentes, governadores e prefeitos. Agora, a grande imprensa dedica boa parte de sua agenda noticiosa a repercutir postagens impactantes, boa parte delas fake news, produzidas nas redes sociais. A comunicação com a massa de usuários de redes sociais transformou-se numa ferramenta obrigatória para quem está no poder ou aspira a ele. O presidente eleito terá que adotar uma comunicação permanente com a população para buscar apoio para seus projetos, especialmente na primeira fase do seu governo, por conta da trágica herança financeira e administrativa deixada pelo seu antecessor. Lula não terá dinheiro suficiente para cumprir várias promessas eleitorais e precisará convencer seus seguidores a serem pacientes até que os problemas mais graves sejam resolvidos. O apoio da opinião pública é a única opção disponível para o novo chefe de governo, já que ele não conta com maioria efetiva no congresso nacional, dispõe apenas de uma temporária simpatia da grande imprensa, enfrenta resistências nas Forças Armadas e no setor empresarial privado. Esta conjuntura política e as novas condições criadas pelos impactos informativos na formação da opinião pública nacional aumentaram a importância que as estratégias de comunicação passam a ter nas prioridades governamentais. As armadilhas políticas das fake news Nós, jornalistas, temos uma dívida com Bruno e Dom Jornalismo e imprensa não são sinônimos

O drama dos peruanos e de toda América Latina

Pedro Castillo – Para quem acompanha a realidade latino-americana desde há décadas, uma lição tem sido dada, recorrentemente: tentativas de mudança via eleições e conciliações não conseguem avançar de maneira significativa em nenhum lugar. Ou a própria classe dominante local/regional trata de estrangular as experiências ou o império estadunidense estende suas garras armadas para defender os seus interesses geopolíticos. É um eterno retorno, ano após ano, década após década, que só encontrou barreira até agora num único lugar: Cuba, a ilha do Caribe que decidiu fazer uma revolução radical e que, a altos custos, continua mantendo os ganhos estruturais desse processo. Nos demais países, sempre que alguma proposta mais popular avança (e nem precisa ser de esquerda), a receita é infalível: derrocada. Na história contemporânea, o continente latino-americano viveu algumas experiências alvissareiras que se seguiram ao aparecimento do furacão Hugo Chávez no final dos anos 1990. Veio a chamada revolução bolivariana na Venezuela, a revolução cultural na Bolívia e a revolução cidadã no Equador. Importante aclarar que nenhuma destas três foram de fato revoluções: Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales foram eleitos, dentro dos marcos da chamada democracia burguesa, ainda que com forte adesão popular. E ainda teve Aristide no Haiti, Nestor Kirchner na Argentina, Fernando Lugo no Paraguai, Mujica no Uruguai, Mel Zelaya em Honduras e Lula no Brasil, para citar apena os mais comentados. Esse momento que irrompeu no alvorecer do século XXI foi chamado de “onda vermelha”, embora o vermelhusco de cada um fosse bastante matizado. Pelo que se viu, apenas Chávez tentou ir mais fundo nos processo de mudança e, mesmo tendo sofrido um golpe, dado pela elite local com a assessoria dos EUA, conseguiu mobilizar a população e voltar ao poder com toda a força. Acabou morto em 2012 vítima de câncer genuíno ou provocado, isso ainda está nebuloso. A Venezuela, agora com Maduro, segue sob ataque do império e se mantém paralisada. Aristide foi retirado da presidência do Haiti e o país foi ocupado militarmente, tendo sido sistematicamente destruído até os dias de hoje. Rafael Correa teve mais um mandato e descambou para o liberalismo, deixando o Equador nas mãos de Lenin Moreno, que acabou de colocar todas as conquistas do primeiro mandato de Correa no lixo. Os Kirchners foram violentamente atacados pela mídia argentina, de mãos dadas com a classe dominante local, assessorada pelos EUA. O que levou a vitória de Maurício Macri e ao saque das riquezas. Fernando Lugo sofreu um golpe parlamentar, Lula passou o bastão a Dilma que também sofreu um golpe parlamentar, Zelaya foi arrancado da presidência de Honduras pelo serviço secreto estadunidense, Lula depois acabou preso. Mujica sobreviveu, mas ao fim o Uruguai acabou voltando para a direita. Ou seja, a onda vermelha desbotou totalmente. Para quem acompanha a história da América Latina isso não se configura novidade. Desde as guerras de independência tem sido assim. Bolívar, que sonhava com o continente unificado e forte foi traído e morreu esquecido enquanto os seus antigos generais brigavam para tomar para si fragmentos da Pátria Grande esquartejada. E por aí vai, os exemplos são intermináveis, ainda que em conjunturas diferentes. Dentro do sistema capitalista de produção que se tornou vitorioso no mundo os países centrais, hoje com os Estados Unidos na cabeça, tudo fazem para manter a periferia destroçada e dependente, sem chance de erguer a cabeça. O Peru não escapa do destino manifesto desenhado pelo império. Teve seus ditadores e gangsteres comandando os destinos do povo, sem nunca conseguir mudar as coisas. Alan Garcia, da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA), foi uma exceção, eleito em 1985, no auge dos seus 35 anos, com uma proposta de esquerda. Encerrou seu mandato e foi seguido por Fujimori, que logo deu um golpe instaurando a ditadura. Voltou à presidência em 2004, mas já não era tão vermelho, e acabou suicidando-se quando o judiciário peruano o condenou à prisão. É por isso que o presidente do IELA, Nildo Ouriques, insiste em dizer que no Peru não aconteceu nada, além do mais do mesmo. Pedro Castillo elegeu-se num momento em que o sistema político local estava completamente esfacelado, diante dos desmandos de corrupção de presidentes que se sucediam e caiam. Foi considerado um azarão. Professor, sindicalista, levou com ele algumas bandeiras da esquerda, mas não era, de forma alguma, um homem da esquerda. Ainda assim, a classe dominante local não poderia aceitar alguém completamente fora de seu comando na presidência. E foi por isso mesmo que o Congresso, tomado pela oposição, não permitiu que Castillo governasse, imputando derrota trás derrota. Castillo não convocou o povo, foi aceitando as imposições que vinham do Congresso sobre sua equipe de governo e a derrocada foi uma consequência natural. Um elemento importante pontuado pelo professor Ouriques e que tem escapado da análise tradicional – geralmente superficial – foi a reforma do judiciário comandada pelo Banco Mundial em praticamente todos os países da América Latina no começo dos anos 1990, quando também teve início a onda chamada de neoliberal. Essa reforma garantiu um caráter de classe ultraliberal ao sistema judiciário, colocou no centro do poder e deu protagonismo aos togados. “Por isso que esse ativismo judicial não é um acidente brasileiro. Ele perpassa a América Latina inteira”. E foi esse ativismo judicial que criminalizou Zelaya, Lugo, Dilma, Cristina… “Basta ver os dados. O judiciário permite avanços nos direitos civis, mulheres, LGBT, negros etc… mas, não permite que se avance um centímetro nos direitos trabalhistas”. Pelo contrário, faz é garantir a retirada de direitos. A batalha dada no Peru contra Castillo estava nesse campo. Ele era acusado de incapacidade moral, ou seja, uma invenção política que estava adquirindo potência jurídica. O Congresso ia para a terceira tentativa de derrubada. Castillo já havia se defendido de todas as formas no campo jurídico e não havia provas concretas contra ele sobre corrupção ou coisa assim. Era incapacidade moral. A direita não queria deixá-lo governar. Então, Castillo se precipitou e tentou frear o golpe que viria no Congresso. Mas, não foi

Ainda falta o terceiro turno

A campanha bolsonarista foi abertamente criminosa. Perdeu, mas ficou impune. E seguiu naturalizando esse privilégio, nos posteriores deboches à norma constitucional. Como previsto, a sucessão de golpes que pariu o governo Bolsonaro tornou-o tão ilegítimo que o deslocou para fora do regime da legalidade. Assim termina o mandato. Talvez (ainda) não haja muito a fazer na seara governamental, pois o Congresso aliou-se ao banditismo. Individualmente, porém, a história é bem outra. O caminhoneiro que expõe crianças, o policial prevaricador, o líder dos piquetes, o jurista mentiroso, a deputada pistoleira, todos podem e devem ter punição imediata. Não há controvérsias, brechas legais ou direitos a preservar. São criminosos notórios, em atividades documentadas, de ampla repercussão pública. Assim como os hábitos ilícitos durante a Campanha de Bolsonaro e todo seu governo, o vandalismo fascista aproveita a cumplicidade e a omissão das cúpulas judiciárias. A anistia é um projeto institucional. Ou acreditamos realmente que nossos heróis togados não conseguem identificar os organizadores dos ataques? Que não têm prerrogativa para meter nazistas na cadeia? Um ano atrás alertei que as autoridades atiçavam o golpismo fingindo combatê-lo. Agora fingem surpresa diante dos ataques mais previsíveis do universo. Não basta liberar estradas, recolher pistolas, abrir sindicâncias, bloquear contas digitais. Não estamos lidando com ameaças ou tentativas, e sim com delitos flagrantes. Perdoar delinquentes é o exato oposto da pacificação. É um desatino incendiário que alimenta a instabilidade social e convida o golpismo a alargar seus limites. Enquanto nos contentamos em tirar bodes da sala, os facínoras ganham adeptos e melhoram sua organização. Hoje voltam para casa. Amanhã saem armados. E depois? Sem uma ação imediata e rigorosa do Judiciário, a posse de Lula ocorrerá no meio de batalhas campais. E ele presidirá um país à beira da guerra civil. A esquerda otimista ri dos patetas, mas continua com medo de sair à rua usando roupa vermelha. Sonha com a Bolívia de Arce e periga despertar no Chile de Allende. O que falta é pressão de democratas corajosos. Menos chororô perplexo e mais atitude efetiva. As instituições precisam responder para quem, afinal, estão funcionando. Vai ter golpe? Pós-democracia La vai o Brasil descendo a ladeira

O universo paralelo do fanatismo bolsonarista

Fanatismo – Quem entra num grupo de discussão bolsonarista se depara com um torvelinho de alucinações. As mensagens que chegam tratam dos temas mais esdrúxulos. Há alertas sobre alienígenas do bem que estão na terra para guiar os humanos para a luz. Existem denúncias contra o Papa Francisco, que seria pedófilo e comedor de fetos. Há denúncias contra Obama que seria responsável pelo tráfico de crianças. Tem mensagens motivacionais com o nome de Jesus. Há denúncias de satanismo praticado por gente de esquerda. Há teorias de que figuras como John Kennedy Júnior estaria vivo e pronto para assumir a presidência dos Estados Unidos, bem como estariam vivos também a Princesa Diana, Elvis Presley e Michael Jackson. Também há a teoria dos clones segundo a qual vários governantes mundiais já estariam mortos e no seu lugar estariam clones, como era o caso da Rainha Elisabeth e agora do presidente Putin. O grupo acolhe canais no Youtube de figuras absolutamente alucinadas como é o caso de um rapaz chamado Luciano Cesa. Ele, que se diz “artista musical” e discípulo do Senhor Deus, fala com tamanha propriedade sobre essas teorias todas, como se verdades absolutas fossem. E faz previsões e prognósticos verdadeiramente delirantes. A criatura tem mais de 300 mil seguidores. Durante a operação da Nasa para mudar a rota de um asteroide, ele divulgava que o asteroide iria cair sobre a terra e que havia uma luta desesperada dos Estados Unidos para impedir isso. Orientava as pessoas a fazerem estoque de alimentos e aguardarem em casa o desfecho, pois podia dar errado e o mundo ser destruído. E pasmem. As pessoas viveram aquele episódio aterrorizadas, mandando mensagens, chamando filhos e pais para perto, porque tudo podia se acabar. Então, fizeram estoques de comida. Agora, durante as eleições, anunciavam a vitória estrondosa de Bolsonaro porque deus estava no comando. Quando os números começaram a virar, as mensagens que chegavam eram de que o Exército Brasileiro estava interceptando estradas digitais que vinham dos Estados Unidos com hackers de esquerda tentando fraudar os resultados. E as mensagens vinham com gráficos e tudo mais. Também parece que estava havendo alguma interferência de alienígenas do mal. Então, vencidas as eleições pelo satanismo do PT, as mensagens que circulam são de que é preciso ir para a rua para fazer valer o artigo 142 da Constituição, que segundo eles, autoriza as Forças Armadas a tomar o poder. São milhares de mensagens chegando e circulando numa velocidade estonteante. Como os bloqueios foram desarticulados, começaram a surgir áudios dos filhos de Bolsonaro (verdadeiros ou não, não se sabe) orientando o pessoal a se reunir em frente aos quartéis. Segundo os áudios não é para falar em Bolsonaro, apenas pedir a “intervenção federal”.  Por quê? Ninguém sabe ao certo. O argumento é que o Lula é ladrão e satânico e por isso tem de ser impedido de chegar à presidência. Assim,  lá foi a turba fanática para frente dos quartéis. Em alguns lugares, o número foi expressivo, mas na maioria o grupo foi pequeno. Nos atos, as  cenas são delirantes. Alguém sobe num carro e fala ao povo: “Temos a informação de que o exército tem provas da fraude nas eleições”. Gritaria geral, palmas, rezas e lágrimas. As pessoas acreditam piamente em tudo que qualquer um diz ao microfone. Em outra manifestação, alguém anuncia que o ministro Alexandre de Moraes acabou de ser preso. De novo, a histeria, os gritos, lágrimas e palmas. São informações absolutamente mentirosas que apenas servem para manter o grupo unido e em ação. A fala do presidente Bolsonaro, que não reconhece a eleição nem a vitória de Lula, é interpretada como um apoio seguro aos atos anti-Constituição e de fanatismo. E todos seguem firmes. A segunda fala do presidente, vestido de camiseta à moda Zelenski, pedindo que eles saiam das estradas, também foi interpretada como falsa. Os gurus dos grupos dizem que aquele que falou é um clone, que Bolsonaro está preso, sendo obrigado a falar o que “eles” querem. A última agora é a chamada para matar o presidente eleito. Como nada deu certo, a única coisa que resta é eliminar o Lula para que ele não assuma. Até mesmo o famoso piloto de Fórmula 1, Nelson Piquet, esteve nos atos golpistas e declarou que quer ver Lula no cemitério. E a considerar o nível de alienação dos fanáticos que estão hipnotizadas por essa enxurrada de absurdos, é preciso ficar bem alerta. Porque certamente não faltará quem decida cumprir a tarefa. Tudo isso acontece sob o beneplácito do judiciário, bem como de parte da polícia militar. Durante os bloqueios policiais, ajudaram a romper cercas, fizeram continência para os golpistas e deram proteção. Sob o argumento da liberdade de expressão, essas figuras grotescas que disseminam mentiras seguem pregando e incitando os grupos. A incitação à violência e à morte segue firme nos grupos e nos uatizapis familiares. Mesmo que tudo siga aparentemente normal no país, os ataques fanáticos seguirão.  Um grupo de teatro infantil foi impedido de se apresentar por conta de uma ação violenta que destruiu o palco enquanto as crianças choravam em desespero. E por aí vai. Caso não haja uma ação efetiva por parte do judiciário, isso não vai parar e qualquer um que não esteja com Bolsonaro é inimigo mortal. Na hora, a pessoa vira petista, satânico, pedófilo, traficante de crianças, comedor de fetos e aliado dos alienígenas do mal. Portanto, alvos. Os tempos são turvos. Bolsonarismo em xeque Dois toques sobre a eleição no Brasil Evento debate a estratégia da extrema direita nas redes sociais

Brasil avermelhou

Lula eleito – Depois de uma semana tensa, na qual um apoiador de Jair Bolsonaro feriu policiais com tiros e granada e uma deputada bolsonarista perseguiu um homem negro pela rua afora, armada de pistola, a população brasileira deu sua resposta. Era chegada a hora de colocar fim a um dos governos mais destrutivos da história do Brasil. Derrotar Bolsonaro e sua política de morte passou a ser ponto de honra, inclusive com a formação de alianças jamais vistas. Foi uma campanha bastante despolitizada, sem o debate dos grandes temas nacionais, justamente porque Bolsonaro conseguiu impor uma agenda recheada de mentiras. Assim, era preciso um grande esforço para tentar desfazer a trama toda. Nisso, a pauta econômica e política ia ficando de lado. O clima de guerra religiosa e moral deu o tom em todo o processo e a violência generalizada se espalhou. O último ato foi o do ex-deputado Roberto Jefferson, que tentou se transformar num mártir, buscando reconstituir o clima da famosa “facada” ocorrida na eleição de 2018. Ao atacar a Polícia Federal, esperava um revide, que não veio. O balão murchou e fez estragos na campanha bolsonarista. No campo da oposição ao governo, as comportas iam se fechando e velhos adversários se uniram a Lula para derrotar Bolsonaro. E a derrota veio. Apertada, mas veio. É importante salientar que o governo brasileiro usou de toda a máquina para impedir a vitória de Lula. O Nordeste, região brasileira com mais votos para o petista, foi o campo de batalha. A Polícia Rodoviária Federal foi acionada para impedir as pessoas de chegarem aos locais de votação. Ônibus, carros, motos, tudo era parado e os passageiros sofriam humilhações. Ainda assim, não foi suficiente. A resposta do Nordeste foi a esperada: vitória acachapante de Lula. Minas Gerais, um estado que sempre é baliza, também surpreendeu e Lula ficou com mais de 50% dos votos. E na região Norte, os estados do Amazonas e Pará igualmente responderam bem contra Bolsonaro. Restou ao Sul, Centro-Oeste e parte do Sudeste manter a preferência com Bolsonaro, com o Rio Grande do Sul também surpreendendo e impedindo a vitória do candidato a governador bolsonarista, apesar de ainda dar vitória a Bolsonaro na eleição principal. Por fim, depois de uma apuração bastante sofrida o resultado veio: 50,90% para Lula e 49,10% para Bolsonaro, uma diferença de pouco mais de dois milhões de votos. Olhando para o mapa do Brasil é fácil ver que foi a população mais sofrida quem decidiu aplicar a derrota a Bolsonaro. Afinal, foram quatro anos nos quais os trabalhadores perderam direitos e ainda sofreram de maneira visceral os efeitos da ação governamental durante a pandemia. Bolsonaro não atuou no combate à doença, fez campanha contra o uso de máscaras e pelo uso de medicações ineficazes. Além disso, fez campanha contra a vacina e só comprou o imunizante depois de muita batalha por parte da população. O resultado foram quase 700 mil mortos. Não bastasse isso, abriu caminho para as empresas de armamento, fez vistas grossas para fazendeiros e mineradores invasores de terra indígena, não atuou nas queimadas da Amazônia e do Pantanal, deixou a gasolina chegar a sete reais o litro e provocou a disparada dos preços dos alimentos. No campo da moral, Bolsonaro, sua mulher e filhos abriram caminho para uma série de mentiras: que o comunismo estava chegando, que o PT iria fechar igrejas, que Lula era um satanista, que iria obrigar as crianças nas escolas a usar o mesmo banheiro, que iria ensinar as crianças a serem gays e mais um sem número de absurdos que foram cimentando um exército de fanáticos. Diante de uma economia em colapso, avanço da fome e da miséria, esses temas criaram cortinas de fumaça que inebriaram muita gente. Por isso, não é de estranhar que Bolsonaro tenha conseguido 58 milhões de almas para seu projeto. O medo foi decisivo para uma camada grande da população. Mas, apesar disso, Bolsonaro foi derrotado nas urnas. E agora, espera-se que venha um novo tempo. Não há ilusões sobre o governo de Lula. Será um governo social-ldemocrata, com muitas concessões aos aliados de última hora. Mas, sem lugar a dúvidas, haverá uma retomada da racionalidade, visto que a pauta do mandatário da nação não será mais dominada por mentiras e absurdos moralistas.  Aos trabalhadores restará ficar atentos e organizados, porque, no Brasil, muitas lutas ainda deverão ser travadas. Ainda falta o terceiro turno Dois toques sobre a eleição no Brasil “Nós vamos juntar os diferentes para vencer os antagônicos”, diz Lula Por que tanto medo?

Haiti: povo em luta, governo títere

Haiti – Desde há semanas que a população do Haiti, principalmente a das grandes cidades, promove protestos, marchas e atos contra a inoperância do governo local, incapaz de organizar a vida e de dar resposta para a situação de violência extrema que se espalha pelo país com a ação de grupos armados. Há denúncias de violação de mulheres, falta de comida, transporte, novos surtos de cólera, falta de água potável e muito mais. Quem acompanha as notícias sobre o pequeno país do Caribe sabe que o Haiti, ocupado por forças da ONU a mando dos Estados Unidos em 2004, não tem conseguido superar esse momento histórico que retirou do país um presidente democraticamente eleito e colocou nas ruas tropas de diversos países para o que cinicamente chamam de “ajuda humanitária”. Portanto, todo esse processo de destruição e violência não é obra do acaso ou da incapacidade dos haitianos. É ação deliberada dos Estados Unidos que não quer ver surgir no Caribe outro país soberano e livre de sua influência. As tropas da ONU no Haiti, enviadas para “garantir a paz”, além de gerarem mais revolta na população, instalaram um processo de corrupção na classe dirigente de proporções gigantescas. Afinal, durante os anos de ocupação que ainda teve o trágico terremoto de 2010, o número de doações em materiais, víveres e dinheiro tem sido enorme e sistemático. Só que praticamente nada chega ao povo. Tudo o que se vê é a sucessão de governantes – marionetes dos EUA – que, ou enchem os bolsos eles mesmos, ou permitem que uma parcela dos mais ricos o faça, sem qualquer controle. O resultado dessa ação criminosa contra o país é a revolta popular. Além disso, como o governo não dá respostas para as demandas, surgem as bandas armadas nas comunidades que passam a ser outro problema para a população. É um carrossel sem fim de desgraças que tem sido enfrentado com valentia pelos haitianos. Agora, nas últimas semanas intensificaram-se os protestos exigindo a renúncia do primeiro-ministro Ariel Henry. E qual é a resposta que o governo dá para a população? Chamar os ianques com seus tanques, homens e armas para conter a violência do povo em luta, Recentemente foi confirmada a chegada de blindados e armas vindos dos EUA e do Canadá. Segundo o informe governamental: “isso ajudará no combate aos criminosos”. Os criminosos ao qual Ariel Henry se refere é uma federação de grupos armados conhecida como G9 que está bloqueando a distribuição de combustíveis há mais um mês, exigindo a saída do primeiro-ministro. Esse bloqueio tem gerado inúmeros problemas ao país, mas também conta com o apoio de parte da população que quer ver o governo atuando em seu favor. É fato que as pessoas  sofrem com o assédio das gangues que controlam comunidades, mas sabem igualmente que se elas são uma tragédia cotidiana, o governo também é. Afinal, as gangues do colarinho branco também atuam. A situação é, portanto, dramática, mas é necessário ir além da aparência. O processo de violência, miséria e criminalidade é fruto de anos e anos de invasão por forças estrangeiras e destruição sistemática do tecido social. Ou seja, os Estados Unidos invadiram o Haiti em 2004 – quando o país tinha um governo mais progressista – para levar a sua democracia e a sua liberdade. Que, para qualquer outro país que não seja os Estados Unidos, significa morte, fome, miséria e destruição. Foi assim no Afeganistão, no Iraque, na Líbia… Enfim, qualquer lugar que os Estados Unidos tocam com sua conversinha de “democracia e liberdade” tem esse triste desfecho. Assim que não aceitem essa versão de que o povo haitiano é violento e que o país está agora dominado por criminosos. Esse é um movimento que vem de muito longe, desde que a população negra – maioria no Haiti – se levantou contra a escravidão, queimou fazendas, matou proprietários brancos e venceu o exército francês garantindo a independência em 1804. Foi uma vitória acachapante sobre os exploradores e ainda garantiu o apoio a Bolívar para que iniciasse o vitorioso caminho de libertação sobre a coroa espanhola. Esse é o “crime” que cometeu o povo haitiano, pelo qual paga até hoje. Mas, a despeito de tanta destruição, os trabalhadores haitianos seguem na luta por um país soberano e livre. E, enquanto não garantirem um governo que mande obedecendo, a revolta não tem fim. Haiti, esse desconhecido O maior condomínio de luxo do mundo Tio Sam, ajuda aí…

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