Zona Curva

Cultura

O jornalista e escritor Fausto Wolff escreveu: “cultura é arma de defesa pessoal”, esse é o guia dos textos aqui publicados.

Os cabelos brancos de On The road

Benzedrina – Em cena do filme On The Road, Sal Paradise, alter-ego do escritor Jack Kerouac adoece em pleno México. Dean Moriaty, seu amigo e companheiro de armas no livro e na vida (como Neal Cassady) o abandona em um muquifo mexicano. Neste momento, algo se quebra. A amizade que os une na busca de experiências e no enfrentamento de um mundo hostil ao comportamento e estilo de vida deles cai por terra. A busca desesperada por liberdade nos bordéis do México ou através do êxtase nos clubes de jazz termina ali. Era hora de ‘cair na real’, conviver com o individualismo da vida adulta e abandonar a vida gregária dentro dos carros em alta velocidade no interior norte-americano povoado de wasps e rednecks. Cena do filme “On the road” Décadas se passaram e a bíblia beat , que balançou o coreto da literatura na década de 50, tornou-se um respeitável senhor. Só assim, finalmente um diretor enfrentou a missão de adaptá-lo ao cinema. A essência do livro está presente: a aventura como fuga da vida careta, o consumo desenfreado de benzedrina, maconha e álcool, a admiração pelos escritores franceses Rimbaud, Céline e Proust, a amizade redentora e o sexo livre. O texto frenético de Kerouac sempre foi um desafio para os cineastas. Francis Ford Coppola comprou os direitos do livro para o cinema em 1979 e coube ao brasileiro Walter Salles a empreitada. Diretor de inegável talento, Salles adapta a história pelo caminho de um realismo exacerbado, as cenas sucedem-se na tela de maneira desprendida. A frágil fita adesiva usada pelo caipira de Lowell para colar as páginas do manuscrito também serviu à trama para a tela grande. Mas o filme pode emocionar tanto àqueles que embalaram seus sonhos com a literatura beat como pode levar a galera mais nova a buscar as obras de Kerouac, Ginsberg, Corso e cia.. Um dos pontos altos do filme são os momentos vividos entre a gangue de jovens escritores e o mestre do desregramento William Burroughs, interpretado brilhantemente por Viggo Mortensen. O ator reproduz com impressionante precisão o mesmo tom de voz do escritor. A bela interpretação de Old Blue Lee, codinome de Burroughs na ficção, contrasta com  o trio de atores que dá vida a Sal, Dean e Marylou. A falta de carisma da geração Crepúsculo não segura a onda. Pior: Kristen Stewart (Marylou) acreditou que trair o namorado em frente às lentes dos paparazzis era uma atitude beatnik, agora está tudo bem, ela pediu desculpas via twitter. Outros também não entenderam o espírito beatnik que embalava  Kerouac  na época da publicação de On the road.  O escritor Truman Capote o tratou com dedém: “that’s not writing, that’s typing”, ou seja, “isso não é escrita, é datilografia”. O grande mérito ainda preservado da obra de Kerouac é tornar viável a metamorfose da vida de qualquer jovem com certo talento e sensibilidade em arte sem grandes rococós literários. A inspiração do livro vem basicamente da amizade e do espírito livre que transborda aos 20 e poucos anos. Mas, infelizmente (ou não), envelhecemos, inclusive o eterno Peter Pan Neal Cassady. Tom Wolfe nos mostra no seu livro O Teste do Ácido do Refresco Elétrico como Cassady chegou à maturidade: “aqui está o mesmo cara, agora com quarenta anos… Cassady nunca pára de falar. Mas esta é a melhor maneira de dizer. Cassady é um monologuista, com a diferença de que não se importa que alguém esteja ou não ouvindo.  Simplesmente solta seu monólogo, se necessário só para si mesmo, embora qualquer um seja bem-vindo”.

Corrida, literatura e facebook

O primeiro contato que tive com o escritor Ricardo Lísias foi em fevereiro deste ano na revista Piauí ao ler um texto sobre como a corrida e a participação na corrida de São Silvestre o ajudaram a superar um divórcio tumultuado. Me identifiquei com o texto na hora, também corro há mais de um ano, me esfalfei na SS 2011 e isso também me ajudou a superar problemas pessoais. Ao comprar um livro seu, titubeei, O Livro dos Mandarins, de 2009, sobre as peripécias de um executivo na China não me interessou e me incomodei com o título de O Céu dos Suicidas, sempre tive vontade de ler O Suicídio de Durkheim mas o palavrão que nomeia o livro sempre me afastou. Arrisquei O Céu dos Suicidas, lançado em 2012. Lá, encontrei emoções escancaradas, revolta e muita ansiedade. O narrador, xará do escritor, está cheio de culpa pelo suicídio de seu grande amigo, André. Professor universitário e expert em coleções, ele luta contra a insônia e um sentimento de urgência que beira ao pânico herdado de seu amigo suicida que sofria de uma “ansiedade incontrolável” e se internou de forma voluntária em uma clínica psiquiátrica. Talvez a endorfina da corrida não tenha matado por completo o desespero que gera esse maldito estado mental no escritor. Desculpe, não devo, mas sucumbir na salada entre narrador e escritor é inevitável. A desesperança e certo niilismo recheiam o livro. Como o escritor, o narrador também é descendente de libaneses, e parte para Beirute em busca de um tio-avô terrorista, história que se revela irreal pela boca de sua mãe, que também dá um dos melhores conselhos para qualquer intelectual misantropo: “você sempre se achou melhor que os outros, nunca aceitou os próprios limites e quando é contrariado age como um moleque”. Sua mãe também exige que ele vá ao psiquiatra em troca de sua passagem de volta de Beirute. Ricardo concorda em ir mas seu inconformismo com o suicídio de André o sufoca e ele agride um padre, briga com espíritas e discute com o psiquiatra: “você não tem o direito de medir a minha dor! vai tomar no cu, seu filho da puta, psiquiatra de merda”. Resposta do psiquiatra: “não é o mundo que grita, Ricardo, é você”. Após ler o livro de Lísias, curioso, busquei seu perfil no facebook. Encontrei dezenas de fotos abertas e disponíveis. Deve ser um perfil fake, é não. Encontro desde fotos de uma corrida noturna da qual também participei (fui oito minutos mais lento que ele, preciso treinar mais, já passei dos 40, Lísias ainda não, me conformo) até fotos de um André, que morreu em 2008. Repito para mim mesmo: “o que li foi ficção, um romance!” Estranhamento. Sempre questionei sobre a real necessidade do isolamento midiático de dois escritores que admiro, Rubem Fonseca e Dalton Trevisan, mas talvez o fascínio da literatura realmente resida no fato de nunca sabermos o que o escritor viveu, criou ou imaginou.

Paixão, carimbó e desmatamento

A violência e a paixão sempre tiram os personagens dos filmes de Beto Brant do prumo. Não é diferente no novo filme do diretor, Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, nos cinemas. Desta vez, Cauby (Gustavo Machado), fotógrafo nos cafundós do Pará, encontra a loucura e uma certa epifania em Lavínia, interpretada magistralmente por Camila Pitanga, tudo regado a florestas desmatadas e carimbó. Brant nunca fez filmes insondáveis e nem ‘à la Daniel Filho’. Suas obras sempre retratam os seres humanos em situações-limite. Ao mesmo tempo, equilibrando-se no fio da navalha, eles encontram sentido ou a falta dele para suas vidas. Em Matadores (1997), o paraguaio e assassino de aluguel Múcio (Chico Diaz) perde a cabeça por Helena (Maria Padilha) em ambiente inóspito (fronteira Brasil-Paraguai), bem semelhante ao filme em cartaz. Em O Invasor (2001), a violência leva ao desespero completo o personagem Ivan, interpretado por Marco Ricca. Inspirado na obra homônima do escritor Marçal Aquino, lançada em 2005, pela Companhia das Letras, o filme consolida a parceria criativa entre ambos: dois roteiros adaptados diretamente de livros de Marçal (Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios e O Invasor) e quatro roteiros elaborados pelos dois (Cão sem dono, Crime delicado, Ação entre amigos e Os matadores). Cauby e seu amigo, o jornalista Vitor Laurence, interpretado por Gero Camilo, estão isolados em um ambiente hostil e violento. Laurence, intelectual delirante, atua como profeta do caos, e alimenta ainda mais as incertezas do fotógrafo como o próprio afirma, em primeira pessoa, no livro: “minha situação financeira era preocupante: eu levava uma vida modesta, mas quase não trabalhava… eu estava fazendo quarenta e quatro anos naquele dia. Passava da hora de pensar num rumo” (páginas 133 e 134). Mais explorado no livro, a fauna da trama, formada por policiais, garimpeiros, jagunços e índios, aparece somente nas bordas do filme. Apenas em curto momento, Brant retrata uma mobilização por causas humanitárias. O filme foge dos tons panfletários ao evitar o caldeirão político e social da região. Um dos grandes achados do filme são as cenas em que a loucura de fato de Lavínia são representadas por cenas de extermínio da exuberância natural amazônica. A doença mental da protagonista dá os primeiros sinais em sua reação ao ritual de exorcismo que seu futuro marido, o pastor Ernani (Zecarlos Machado) a submete. Resultado da ‘libertação’ de Ernani: Lavínia parte como sua esposa para o norte do país e larga a prostituição nas ruas do Rio de Janeiro. No filme, não se sabe como Lavínia encontra seu amante, Cauby, já no livro, sabemos como se dá a faísca para o que virá depois, como narra o fotógrafo: “… o famoso porta-retrato do dia em que nos conhecemos na loja de Chang. Dia em que me apaixonei por ela. Em que contraí o vírus da sua loucura. Um veneno para o qual eu ainda não havia encontrado antídoto” (página 194).

De Chirico e a melancolia nas cidades

Se a melancolia do cineasta dinamarquês Lars von Trier materializa-se em um planeta que se chocará com a Terra, a  melancolia de De Chirico penetra na arquitetura das cidades. O pintor de origem grega desconstrói a cidade, lugar de inadequação do homem, em busca desesperada de solidão e silêncio. Mais caótica e criativa do que nunca, São Paulo e o seu MASP são o cenário adequado para abrigar a exposição De Chirico: O Sentimento da Arquitetura. A exposição já fez escala em Porto Alegre e irá também desembarcar em Belo Horizonte. A busca do onírico pelos seus manequins sem rosto que carregam no colo componentes da paisagem das metrópoles como verdadeiras quinquilharias nos indicam seu trabalho como precursor do surrealismo. As pinturas de De Chirico nos revelam em cores a cidade como o não-lugar e nos lembra de pensamento de André Breton, que publicou em um de seus manifestos surrealistas: “viver e deixar viver é que são soluções imaginárias. A existência está em outro lugar”. No início do século 20, época em que viveu em Paris, De Chirico foi grande amigo dos surrealistas, como o poeta francês Apollinaire, que apelidou o trabalho do grego de pintura metafísica. Durante a primeira guerra mundial, De Chirico funda, ao lado do pintor Carlos Carrà, a Escola Metafísica. Mais tarde, o artista grego renega o surrealismo afirmando que o movimento era formado pelos “líderes da imbecilidade moderna”. Nascido na Grécia, De Chirico viveu em Florença, Turim, Munique, Nova York, Ferrara e Paris, até fixar-se em Roma, em 1944. A exposição de De Chirico (1888-1978) abriga 45 pinturas, 11 esculturas e 66 litografias, produzidas entre as décadas de 1920 e 1970. “Orgulho de ser paulistano” É de encher os olhos ver meninos de 9 e 10 anos na exposição sob orientação dos animados  monitores do MASP. Dá até para acreditar que Sampa tem realmente jeito! Ainda dá tempo: De Chirico: O Sentimento da Arquitetura Local:  Masp – Museu de Arte de São Paulo. Endereço:  Avenida Paulista, 1578. Data: de 22 de março a 20 de maio. Horário: de terça a domingo e feriados, das 11h às 18h, às quintas, das 11h às 20h, entrada: R$ 15,00; às terças feiras: acesso gratuito. Estudantes, professores e aposentados com comprovantes:  R$ 7; até 10 anos e acima de 60: entrada franca.

Ginsberg e os esqueletos

Um ano antes de morrer (1996), o poeta norte-americano Allen Ginsberg reuniu Paul Mc Cartney na guitarra e bateria, Philip Glass nos teclados e o baixista da banda de Patti Smith, Leny Kaye, para gravar a adaptação musical de seu poema A balada dos esqueletos. Allen Ginsberg nasceu em 3 de junho de 1926 em Newark, Nova Jersey e morreu em 5 de abril de 1997. O poema A balada dos esqueletos foi escrito em 1995 e a ideia de gravá-lo veio do ex-beatle quando Ginsberg o leu em sua casa na Inglaterra. O poeta inspirou-se na celebração mexicana do Dia dos Mortos de 2 de novembro. O poema de Jack Kerouac para Charlie Parker Aí vai a letra do poema musicado: Ballad of the skeletons Said the Presidential Skeleton I won’t sign the bill Said the Speaker skeleton Yes you will Said the Representative Skeleton I object Said the Supreme Court skeleton Whaddya expect   Said the Miltary skeleton Buy Star Bombs Said the Upperclass Skeleton Starve unmarried moms Said the Yahoo Skeleton Stop dirty art Said the Right Wing skeleton Forget about yr heart Said the Gnostic Skeleton The Human Form’s divine Said the Moral Majority skeleton No it’s not it’s mine Said the Buddha Skeleton Compassion is wealth Said the Corporate skeleton It’s bad for your health Said the Old Christ skeleton Care for the Poor Said the Son of God skeleton AIDS needs cure Said the Homophobe skeleton Gay folk suck Said the Heritage Policy skeleton Blacks’re outa luck Said the Macho skeleton Women in their place Said the Fundamentalist skeleton Increase human race Said the Right-to-Life skeleton Foetus has a soul Said Pro Choice skeleton Shove it up your hole Said the Downsized skeleton Robots got my job Said the Tough-on-Crime skeleton Tear gas the mob Said the Governor skeleton Cut school lunch Said the Mayor skeleton Eat the budget crunch Said the Neo Conservative skeleton Homeless off the street! Said the Free Market skeleton Use ’em up for meat Said the Think Tank skeleton Free Market’s the way Said the Saving & Loan skeleton Make the State pay Said the Chrysler skeleton Pay for you & me Said the Nuke Power skeleton & me & me & me Said the Ecologic skeleton Keep Skies blue Said the Multinational skeleton What’s it worth to you? Said the NAFTA skeleton Get rich, Free Trade, Said the Maquiladora skeleton Sweat shops, low paid Said the rich GATT skeleton One world, high tech Said the Underclass skeleton Get it in the neck Said the World Bank skeleton Cut down your trees Said the I.M.F. skeleton Buy American cheese Said the Underdeveloped skeleton We want rice Said Developed Nations’ skeleton Sell your bones for dice Said the Ayatollah skeleton Die writer die Said Joe Stalin’s skeleton That’s no lie Said the Middle Kingdom skeleton We swallowed Tibet Said the Dalai Lama skeleton Indigestion’s whatcha get Said the World Chorus skeleton That’s their fate Said the U.S.A. skeleton Gotta save Kuwait Said the Petrochemical skeleton Roar Bombers roar! Said the Psychedelic skeleton Smoke a dinosaur Said Nancy’s skeleton Just say No Said the Rasta skeleton Blow Nancy Blow Said Demagogue skeleton Don’t smoke Pot Said Alcoholic skeleton Let your liver rot Said the Junkie skeleton Can’t we get a fix? Said the Big Brother skeleton Jail the dirty pricks Said the Mirror skeleton Hey good looking Said the Electric Chair skeleton Hey what’s cooking? Said the Talkshow skeleton Fuck you in the face Said the Family Values skeleton My family values mace Said the NY Times skeleton That’s not fit to print Said the CIA skeleton Cantcha take a hint? Said the Network skeleton Believe my lies Said the Advertising skeleton Don’t get wise! Said the Media skeleton Believe you me Said the Couch-potato skeleton What me worry? Said the TV skeleton Eat sound bites Said the Newscast skeleton That’s all Goodnight. (texto atualizado em 3 de junho de 2014)

Dois médicos loucos e a histérica

Para Cronenberg, o ser humano constitui-se basicamente de secreções e vísceras sob o comando de um cérebro perturbado. Esse todo esquisito sempre busca o sexo. Em seu mergulho nas origens da psicanálise, a personagem principal do novo filme do cineasta canadense, Um Método Perigoso, sofre de graves problemas sexuais e se contorce em caras e bocas em busca de ajuda. A histérica aspirante à médica Sabina Spielrein, em ótima interpretação de Keira Knightley, sofreu abusos na infância e sente-se culpada porque gosta de apanhar. Jung, ariano, careta e pai de três filhos inicia ‘aquele tratamento da conversa’ (conforme explica a esposa burguesa do médico suíço) com Sabina. O tempo passa e Jung passa do papo para rituais sado-masô com a paciente. Nessas cenas, impossível não lembrar da conhecida e provocativa frase de Nelson Rodrigues: “nem todas as mulheres gostam de apanhar, só as normais, as neuróticas reagem”. Cronenberg volta ao tema de um de seus primeiros filmes, Calafrios, que retrata o sexo como fonte de sofrimento e loucura. No filme de 1975, uma estranha doença mimetizada em um bicho asqueroso é transmitida pelo beijo ou na relação sexual em um labirtíntico condomínio. Escatológico, Cronenberg sempre foi. Quem não se lembra de Jeff Goldblum desmantelando-se na Mosca. E ainda cabeças que explodem em Scanners, sua mente pode destruir e Holly Hunter em pedaços em Crash. O tratamento de Sabina faz Jung procurar Freud e sua maior experiência, que vive se queixando do aperto de seu apartamento em Viena e é cercado por intelectuais judeus puxa-saco. Viggo Mortensen dá vida a um Freud bem-humorado e sempre de charuto na boca. Contemporânea a sua criativa interpretação de Freud, é a sua versão de William Burroughs em On the Road, de Walter Salles. Leia crítica sobre o filme. A discordância intelectual e de método dos dois aparece somente como pano de fundo da narrativa. Ou quando discordam em uma conversa sobre vaginas e taras sexuais enquanto Jung serve-se de generosa porção de rosbife na mesa de jantar sob o olhar espantado das etéreas filhas de Freud. Ou no instante em que Freud sofre estranho ataque quando polemiza com Jung sobre mitologia. Em determinado momento, Freud interrompe a prosa dos dois porque ela já dura 13 horas. O teor da conversa vai da imaginação e do conhecimento de cada um sobre a obra dos dois. Para relaxar depois de tantas conjecturas, os dois bem que podiam acompanhar Renato Russo em Conexão Amazônica (1980): “estou cansado de ouvir falar em Freud, Jung, Engels, Marx. Intrigas intelectuais. Rodando em mesa de bar, yeah, yeah, yeah”. O filme ainda aborda rapidamente como Freud acreditava que os problemas psíquicos sempre tinham origem sexual e Jung e sua obsessão pelos próprios sonhos. Outro flagrante curioso é o preconceito de Freud aos não-judeus, ele afirma para Sabina, também judia, que Jung não é confiável pelo simples fato de não ser judeu. A fala talvez sugira a falibilidade do caráter de Jung que chegou a demonstrar simpatia pelo nazismo.   Doença mental sob o desgoverno Bolsonaro

Fonseca romântico

Garoto idiossincrático esse José. Do mundo dos livros tira o alimento para sua realidade. A Paris de vielas estreitas transforma-se no mundo ‘real’ em que vive seus primeiros oito anos de vida, a lembrança da rotina na pequena e ‘irreal’ cidade mineira é nebulosa e episódica. Em tenra idade, lá pelos 9, já no Rio de Janeiro, José começa a deliciar-se com o footing das elegantes ladies da confeitaria Colombo e das mulheres de vida fácil da Lapa. Sem UPPs e capitão Nascimento, José delicia-se com a atmosfera dos cafés, os encantos das ruas de João do Rio e seus carnavais ingênuos. Mesmo assim, vaticina, ao contrário de muitos escritores inspirados na observação cotidiana: “a melhor inspiração do escritor é sempre encontrada nos livros.” Cafetões munidos de navalhas e o assustador Madame Satã, que peitava a polícia em míticas brigas, compunham o lado B da cidade. Talvez aí o único momento em que Fonseca visita a fauna de desajustados que povoa seus outros livros. Em José, o livro, não há espaço para violência e revolta, nele encontramos um Fonseca romântico e passadista do alto de seus 86 anos. Já em Axilas e outras histórias indecorosas, livro lançado em 2011 junto com José, personagens característicos de Fonseca dão vida a contos curtos e diretos. Em um misto de autobiografia velada (“todo relato autobiográfico é um amontoado de mentiras”) e Bildungsroman, Fonseca amolece e canta o Rio de Janeiro como um Tom Jobim. Outras épocas em que as drogas praticamente inexistiam. O único cocainômano era uma lenda apontada nas ruas. Mais, a cocaína e a maconha não eram proibidas. Sem luxos, José trabalhou a partir dos 12 anos, refrigerante era água com pasta de dente diluída. A imaginação do menino o leva a ser escritor quando adulto. Apesar que José prefere ser entregador, “entre as muitas ocupações que José teve em sua vida essa de entregador foi a mais agradável de todas, certamente mais prazerosa que a de escritor”. Rubem Fonseca e o silêncio que não apaga o passado Vizinho da Biblioteca Nacional, José lia e lia e os pockets books policiais que a tia Natália comprava nos sebos podem ter levado o José escritor a escrever seus contos repletos de crimes e figuras detetivescas como Mandrake. Se é Rubem Fonseca inteiro ou em partes o que lemos nas páginas de José, não saberemos já que o autor recluso não tolera entrevistas. O que surpreende é o autor de contos crus e perversos como O Cobrador desnudar-se em sua porção leve e poética. Relatos sobre o amor extremo e seus avessos  

O movimento punk nunca há de morrer

Com edição nervosa, o documentário Botinada, a origem do punk no Brasil, com direção da ex-cara roqueira da MTV, Gastão Moreira, relembra as histórias e tretas do punk no final dos anos 70 e início dos 80 O início já surpreende. Abrem-se as cortinas com frase de Chico Buarque (isso mesmo!), o ícone da MPB soltou na época: “se o punk é o lixo, a miséria e a violência, então não precisamos importá-lo da Europa, pois já somos a vanguarda do punk em todo o mundo”. Para quem acompanhou a cena roqueira no início dos anos 80, vai lembrar de figuras como Wander Wildner (Os Replicantes), Redson (Cólera) e Mao (Garotos Podres), que relatam os primórdios do movimento punk tupiniquim. No meio da fauna punqueira, o depoimento de uma mãe de punk é impagável: “eu achava meio ridículo, ele passava a noite colocando tachas nas roupas, saindo com aquele cabelão arrepiado, muita gente achando bonito, tirando as minhas razões, será que eu que estou errada”, mãe é mãe. Algumas discussões estão presentes no documentário: se a origem do punk brasileiro foi em São Paulo ou Brasília, os ‘verdadeiros’ punks moravam no ABC ou na capital paulista,  a violência atrapalhou o movimento. Enquanto isso, Clemente só gargalha. Figura essencial do punk brazuca, o líder do Inocentes rememora: “se o punk não tivesse sido inventado em Nova Iorque, teríamos inventado aqui” e mais uma vez cai na gargalhada. Em quatro anos de pesquisa, Gastão realizou 77 entrevistas e lançou Botinada em 2006 (disponível no Youtube) . O ex-VJ Gastão Moreira atualmente participa do Programa H, no canal Glitz (canal 95 da NET) e durante cinco anos comandou o programa de rock Gasômetro na rádio Atlântida, no sul do país. O confronto da atitude punk com a sociedade da época fica escancarada no relato da invasão punk do Gallery, boate da alta classe na época. Proprietário do Gallery, José Victor Oliva, inventou o show das bandas Verminose e Inocentes na casa e quis barrar a entrada dos punks. A saia justa fez Oliva liberar a entrada de 40 punks. A falta de sintonia entre plateia habitué, punks e as bandas mostram o abismo que separava os dois mundos e é narrada por Kid Vinil, jornalista e ex-vocalista do Magazine. A força do documentário consiste em mostrar como a energia e a juventude de uma geração escreveu uma das páginas mais interessantes e engraçadas (com mais uma gargalhada de Clemente) da história do rock brasileiro. https://urutaurpg.com.br/siteluis/clemente-o-movimento-punk-nunca-ha-de-morrer/   60 anos e o rock’n’roll fica sex Leandro Franco aposta em rock e charges para resistir contra o governo O desabafo de um paulistano

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