Zona Curva

Ditadura nunca mais

Textos sobre fatos e pessoas que marcaram a resistência durante o período da ditadura civil-militar no Brasil

#Ditaduranuncamais

E no sequestro, o embaixador suíço quase esqueceu o cigarro

Giovanni Bucher -O embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher foi sequestrado pela VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) na rua Conde de Baependi, bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, em 7 de dezembro de 1970. No comando da ação, Carlos Lamarca aponta a arma para Bucher que calmamente pede a Lamarca para buscar no Buick da embaixada seus cigarros. Também impassível, Lamarca aceita que o suíço os buscasse. O embaixador pega seus cigarros no banco traseiro do Buick e embarca no Volks dos militantes. Minutos depois, Lamarca explica para o embaixador que mudariam do Volks para outro carro e o embaixador pergunta o motivo. Lamarca responde que era uma medida de segurança para impedir que alguém tenha anotado a placa do Volks no momento da ação, o embaixador responde: “perfeito!” Antes disso, na abordagem ao carro de Bucher, seu segurança, Hélio Araújo de Carvalho, reage, é ferido e morre mais tarde no hospital. O sequestro do embaixador suíço foi o quarto e último sequestro de diplomatas estrangeiros no período da ditadura militar. Os movimentos de oposição ao regime já tinham sequestrado o cônsul japonês Nobuo Okushi, o embaixador alemão Ehrenfried Anton Theodor Ludwig Von Holleben e o embaixador norte-americano Charles Elbrick. Leia a história completa do sequestro do embaixador norte-americano, Charles Elbrick   Bucher, o ‘tio bonachão’ Em 1961, Giovanni Enrico Bucher participou das negociações secretas entre os representantes do governo francês Charles De Gaulle (1958-1969) e da Frente Nacional de Libertação (FNL) da Argélia. Em outubro de 1969, intercedeu junto ao governo brasileiro em favor do universitário Jean Marc van der Weid, então presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), quando de sua prisão pelas autoridades militares, alegando a dupla nacionalidade do detido para pedir sua expatriação para a Suíça. Nessa ocasião, criticou o governo brasileiro por não coibir a tortura de presos políticos. Bucher também foi embaixador na Nigéria e Camarões e foi transferido para o Brasil em 1966. Foram quarenta dias de cativeiro, o mais longo sequestro político da história do país. A ditadura endureceu as negociações e recusou a libertação de 13 militantes presos entre os 70 militantes exigidos em troca de Bucher. O regime também se negou a divulgar o manifesto da VPR nos jornais, rádio e televisão. O fato agitou os militantes e alguns cogitaram em matar o embaixador. Para Lamarca, a morte de Bucher seria usada de forma ostensiva contra eles e ainda não serviria para libertar os presos que sofriam as agruras da tortura, e disse: “sou o comandante da ação, decido eu, não vamos matar o embaixador”. Durante os dias em que permaneceu prisioneiro, Giovanni Bucher e os militantes contra o regime mantiveram relações cordiais, discutindo até os problemas econômicos, sociais e políticos do país em longas partidas de baralho. Um dos guerrilheiros, Alfredo Sirkis, com apenas 19 anos na época, chegou a escrever anos depois: “o “tio” era bonachão, prosador, dotado de um fino, e por vezes, ferino senso de humor. Foi de alguma maneira cativando a todos, mesmo os mais durões”. O embaixador foi liberado no dia 16 de janeiro de 1971 em troca dos 70 presos políticos que embarcaram em um avião com destino ao Chile. Ainda em 1971, Bucher foi transferido como embaixador para o Japão. Dirigido por Emilia Silveira, o documentário 70 entrevista 18 militantes libertados em troca do embaixador, assista ao trailer do filme, que está em cartaz:  Fontes usadas: livro Lamarca, o capitão da Guerrilha, de Emiliano José e CPDOC-FGV. https://urutaurpg.com.br/siteluis/acao-mais-ousada-contra-o-regime-militar/

Decisão histórica da Justiça acata denúncia contra militares envolvidos na morte de Rubens Paiva

A Justiça Federal aceitou na segunda (dia 26 de maio) denúncia contra cinco militares reformados pela morte do deputado Rubens Beirodt Paiva pelos crimes de homicídio, ocultação de cadáver, associação criminosa armada e fraude processual. José Antonio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Jurandyr Ochsendorf e Souza, Jacy Ochsendorf e Souza e Raymundo Ronaldo Campos serão os primeiros militares a irem a julgamento por crimes cometidos durante o regime militar. A decisão cria um clima de esperança pela revogação da lei de anistia de 1979 e, com isso, militares e agentes do Estado possam responder na Justiça pelos crimes cometidos entre 1964 e 1979. Em janeiro de 1971, o engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva foi preso e torturado no Destacamento de Operações e Informações (DOI) no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, e seu corpo nunca foi encontrado. Deputado pelo PTB, Paiva teve seu mandato cassado em 1964. Um mês antes de morrer em circunstâncias até o momento ainda não esclarecidas, o coronel reformado Paulo Malhães, de 76 anos, revelou à Comissão da Verdade do Rio (CEV) que foi um dos líderes da equipe encarregada de desenterrar os restos mortais de Paiva em 1973 da praia do Recreio dos Bandeirantes, dois anos após sua morte. Ainda segundo Malhães, que trabalhou no CIE (Centro de Informações do Exército), a operação foi necessária porque alguns agentes do DOI ameaçavam divulgar a localização da ossada. A operação foi uma ordem do gabinete do ministro do Exército na época e futuro presidente, Ernesto Geisel. O coronel falou que não soube para onde foi levado o corpo, mas que acreditava que a ossada foi jogada em um rio ou no mar. Depois dessa afirmação, Malhães voltou atrás e negou a operação em depoimento à Comissão Nacional da Verdade. Malhães foi morto em sua fazenda em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense em abril. Sua esposa, Cristina afirmou que pouco antes de morrer, o coronel lhe contou que o corpo de Paiva foi mesmo jogado em um rio, provavelmente o rio Itaipava, que fica próximo à Casa da Morte, centro de torturas e assassinatos na cidade de Petrópolis (RJ). Malhães ainda revelou detalhes das torturas praticadas na Casa da Morte. Para evitar o risco de identificação, as arcadas dentárias e os dedos das mãos eram retirados. Em seguida, o corpo era embalado em saco impermeável e jogado no rio, com pedras de peso calculado para evitar que descesse ao fundo ou flutuasse. Além disso, o ventre da vítima era cortado para impedir que o corpo inchasse e emergisse. Assim, seguiria o curso do rio até desaparecer. Coronel desmonta a farsa da morte de Rubens Paiva em combate Em fevereiro, em depoimento à Comissão Estadual da Verdade do Rio, o coronel reformado Raymundo Ronaldo Campos (um dos cinco militares denunciados pelo Ministério Público Federal) admitiu que o Exército montou uma farsa para esconder a morte de Rubens Paiva. Campos revelou que ele e outros dois militares teriam recebido ordens de seus superiores para atirar na lataria de um Fusca e incendiá-lo em seguida, no Alto da Boa Vista, no Rio. A montagem era para sustentar a versão oficial de que, ao ser transportado por militares, o ex-deputado foi sequestrado por terroristas, que atearam fogo no carro. Assista ao vídeo da TV Carta de alguns trechos do depoimento de Malhães à Comissão Nacional da Verdade: Fontes usadas: Revista Carta Capital e Blog do Mário Magalhães.

Rubem Fonseca e o silêncio que não apaga o passado

Como o escritor Rubem Fonseca sente verdadeira ojeriza por entrevistas, sempre pairou a desconfiança de que a causa dessa aversão advém da tentativa de esconder seu convívio nos anos 60 com algumas figuras de destaque da ditadura militar. Fonseca participou da direção do IPÊS (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), que organizou a base ideológica para o golpe de 64, e foi próximo do general Golbery do Couto e Silva, uma espécie de eminência parda do regime de exceção. Em entrevista a revista Bravo! em 2009, o jurista Candido Mendes declarou: “Eu me lembro do fascínio do general Golbery com o José Rubem… Ele admirava o José Rubem por sua capacidade, sua implacabilidade de raciocínio”. Através de Golbery, Fonseca conheceu seu primeiro editor, o ex-camisa verde (apelido dos integralistas), Gumercindo Rocha Dorea, diretor da Editora GRD, que publicou os dois primeiros livros de Rubem: Os Prisioneiros (1963) e Coleira do Cão (1965). Não é possível mais defender o silêncio do escritor que, sem dúvida, teve papel primordial na literatura brasileira das últimas décadas, como apenas uma característica de sua personalidade. Alguns até comparam o silêncio de Rubem ao de outro escritor que também influenciou toda uma geração de escribas, o vampiro de Curitiba Dalton Trevisan, que também rechaça qualquer investida da imprensa. No caso de Trevisan, talvez aí sim seja uma característica pessoal como até indica seu apelido. Já Rubem, nos últimos anos, tem falado e mostrado sua verve em eventos tanto no exterior como em algumas ainda raras ocasiões no país. Assista aos dois vídeos de aparições públicas do escritor no texto Zonacurva sobre seu último livro, Amálgama. Rubem Fonseca no IPÊS O IPÊS (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) surgiu em novembro de 1961, apenas dois meses após a renúncia de Jânio Quadros, pelas mãos de Golbery e Figueiredo, entre outros militares, empresários e políticos. O instituto apresentava-se como uma “agremiação apartidária com objetivos essencialmente educacionais e cívicos e orientado por dirigentes de empresas que participam com convicção democrática e como patriotas”. De acordo com o historiador uruguaio René Armand Dreifuss em seu livro 1964: a conquista do Estado, Ação Política, Poder e Golpe de Classe, Rubem Fonseca teve como sua principal função no IPÊS a de supervisionar a unificação ideológica e editorial dos materiais de divulgação do instituto. Ao seu lado, trabalhavam o poeta e jornalista Odylo Costa Filho, a escritora Raquel de Queiroz e o jornalista Wilson Figueiredo. O material produzido pelo IPÊS, em especial seus curtos filmes que eram exibidos em cinemas e na televisão, foi um dos responsáveis por criar um clima de pânico, principalmente entre a classe média, do “verdadeiro descalabro que ameaçava nossa democracia“. Em conjunto com o IPÊS, atuava o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) que também reunia em seus quadros intelectuais orgânicos que representavam os interesses do grande empresariado e, em especial, do capital norte-americano. Podemos dizer que ambos constituíram uma verdadeira organização composta por intelectuais, empresários e militares em defesa dos interesses da elite brasileira e seus aliados. Segundo o livro A ditadura envergonhada, do jornalista Elio Gaspari, o IPÊS funcionava no 27º andar do moderno edifício Avenida Central, no centro da capital fluminense. Em incrível coincidência, por lá também atuava o escritório da agência de notícias cubana Prensa Latina. O  democrático prédio ainda abrigava duas bases de operações clandestinas: uma do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e outra de radicais de direita. O documentário O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares, lançado no ano passado, coloca de forma muito clara a participação dos Estados Unidos na criação do IBAD e do IPÊS. Lincoln Gordon, embaixador norte-americano no Brasil no período pré-golpe, aconselha o presidente John Kennedy a ajudar com alguns milhões de dólares os institutos. Kennedy questiona se isso seria realmente necessário. Gordon é categórico: “nós não podemos correr riscos”. Plínio de Arruda Sampaio, deputado federal no período que precedeu o golpe, lembra no filme que foi procurado por uma pessoa ligada ao IPÊS, que lhe ofereceu certa quantia para que ele defendesse a democracia, Plínio refutou: “mas eu já defendo a democracia, para isso, não preciso de dinheiro”. Leia texto sobre o documentário O dia que durou 21 anos A jornalista Regina Coelho abordou a relação de Rubem Fonseca com o IPÊS na matéria O homem em questão publicada no jornal Correio da Manhã no final dos anos 60. O telefonema da jornalista irritou Rubem Fonseca, que se negou a responder qualquer pergunta. O papo acabou se tornando um áspero diálogo entre os dois: “Se você entrevistasse o Carlos Drummond de Andrade seria importante o que ele faz ou o que ele é”. Regina Coelho rebate: “segundo Sartre, o homem é aquilo que ele faz”. “E nós somos esta espécie de conjunto desorganizado em termos de função na vida, não tenho nada a dizer”. Silêncio. Regina pergunta: “Isto vai atrapalhar o seu trabalho?” “Claro que vai, mas profissionalmente a gente se vira, não precisa ficar com complexo de culpa, bem, você estragou o meu dia, não quero ser rude, não devia ter atendido o telefone, interprete como quiser, arranje outro entrevistado”.  Em 1994, José Rubem publicou um artigo no jornal Folha de São Paulo em que afirma que sua participação no IPÊS foi uma decorrência de sua atividade empresarial como executivo da Light e nega ter colaborado com a ditadura. Leia trecho: “No ato de fundação do IPÊS a Assembleia Geral me escolheu como um dos diretores do Instituto. Toda a direção era composta de empresários que continuavam trabalhando em suas companhias e não recebiam remuneração pela sua colaboração. À medida em que crescia a rejeição ao governo João Goulart na classe média, em setores empresariais, eclesiásticos, militares e também na mídia, no IPÊS se desenvolveram duas tendências. Uma, fiel aos princípios que haviam inspirado a fundação do Instituto, manteve-se favorável a que as reformas de base por ele defendidas fossem implantadas através de ampla discussão com a sociedade civil, o governo e o parlamento; a outra passou a julgar a derrubada do governo João Goulart como única solução para os problemas

Líder estudantil, Honestino Guimarães foi morto pelo regime militar em 1973

Honestino Guimarães – O desaparecimento do líder estudantil Honestino Guimarães em 1973 comprova como o regime de exceção matou e torturou de forma indiscriminada. Honestino, eleito presidente da UNE em 1971, sempre foi contrário a qualquer tipo de ação armada e morreu após dar entrada no temido Cenimar (Centro de Informações da Marinha) no Rio de Janeiro em 1973, com apenas 26 anos. A história de Honestino (como muitas outras) cala de uma vez por todas o patético argumento dos muitos reacionários de hoje e de ontem de que a barbárie do regime militar foi “necessária como forma de defesa aos ataques da guerrilha”. Este parágrafo talvez fosse descartável se a sandice e a ignorância não estivessem presentes em inúmeros comentários que pululam nas redes sociais por ocasião dos 50 anos do golpe militar. LEIA TAMBÉM A morte de Vladimir Herzog e o Brasil que não queremos Honestino ingressou na Ação Popular (AP) com apenas 17 anos (ele nasceu em 28 de março de 1947 na pequena Itaberaí, em Goiás). Em 1965, antes de completar 18 anos, foi o primeiro colocado no vestibular, em toda a Universidade de Brasília, e começou a participar do movimento estudantil. Suas atividades contra o regime militar como pichar muros, participar de manifestações e distribuir panfletos contra o governo o levaram quatro vezes para a cadeia: a primeira em 1966 e as outras três em 1967 (na última vez, mesmo na cadeia, foi eleito presidente do Diretório Acadêmico da UNB). A Universidade de Brasília foi criada por um trio de grandes figuras: Darcy Ribeiro definiu as bases da Universidade, Anísio Teixeira planejou o método pedagógico e o projeto arquitetônico ficou a cargo de Oscar Niemeyer. A UNB foi fundada em 21 de abril de 1962 com a missão de ser modelo de pesquisa na ciência e inovação nas artes. A Universidade foi invadida pela terceira vez pela polícia em agosto de 1968 —a biblioteca destruída, alunos e professores presos ou expulsos — na manifestação contra a morte do estudante secundarista Edson Luis de Lima, no Rio de Janeiro. Sessenta pessoas foram presas, entre elas, Honestino, que foi arrastado por seus corredores até a viatura por agentes da ditadura. Em 26 de setembro de 1968, Honestino foi desligado da universidade como punição por ter liderado movimento pela expulsão de um falso professor da UnB, informante da ditadura. No começo dos anos 70, o líder estudantil mudou-se para o Rio de Janeiro, onde vivia de forma clandestina. Segundo amigos, ele deu entrada no Cenimar entre os dias 10 e 11 de outubro de 1973 e nunca mais foi visto. Em 20 de setembro de 2013, Honestino foi declarado anistiado político post mortem. Em cerimônia na UNB, o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, leu o pedido de desculpas oficial do governo brasileiro. Fontes usadas: Site Honestino e Agência Brasil. Cabo Anselmo no seu obituário Médici corrupto A ditadura brasileira e os dois demônios

A ação mais ousada contra o regime militar

#ditaduranuncamais -O rapto do embaixador norte-americano Charles Elbrick foi, sem dúvida, a ação mais ousada dos opositores ao regime militar. Entre os muitos atos contra a ditadura, o sequestro do principal representante do país que deu suporte ao golpe surpreendeu os militares e repercutiu em todo o mundo. O sequestro foi executado por integrantes da Ação Libertadora Nacional (ALN)  e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) no dia 4 de setembro de 1969, na cidade do Rio de Janeiro. Em troca, os militantes exigiram a libertação de 15 presos políticos e a leitura de manifesto em rede de TV e rádio contra o governo. O militante Cid Benjamin, que participou do sequestro, recorda, em seu livro recém-lançado Gracias a la vida, memórias de um militante, que a ideia veio por acaso: “eu estava com Franklin Martins [também militante e ex-ministro da Comunicação Social no governo Lula] na rua Marques quando passou o carro do embaixador, devidamente ornamentado com uma bandeirinha dos Estados Unidos de cada lado do capô.  A falta de cuidado nos chamou a atenção. Meses antes, o embaixador norte-americano na Guatemala fora metralhado por guerrilheiros urbanos. Ao ver seu colega no Brasil circular de forma tão despreocupada, não passou pela nossa cabeça um atentado contra sua vida, mas capturá-lo como moeda de troca por Vladimir Palmeira [que estava preso há 11 meses]” (trecho do livro de Cid Benjamin). Os movimentos armados contra a ditadura militar atravessavam um momento difícil: a edição do AI-5, em dezembro de 1968, que endureceu a repressão, e uma série de prisões haviam desestruturado a guerrilha contra o regime. As lideranças do MR-8 e alguns dirigentes da ALN (parte da direção não apoiou o sequestro) acreditavam que a libertação dos presos demonstraria à opinião pública a força da oposição. O carro diplomático (um Cadilac preto) que transportava Elbrick foi rendido pelos militantes que usaram uma Kombi na ação. O motorista do embaixador foi deixado nas proximidades e Elbrick foi levado para uma casa no bairro de Santa Teresa. “O cativeiro do embaixador norte-americano foi descoberto ainda durante o sequestro e muitos dos que entravam ou saíam da casa tinham sido fotografados. Como vários de nós éramos fichados na polícia, por termos sido presos no Congresso da UNE de Ibiúna, em outubro de 1968, ou por termos tido papel de destaque nas manifestações estudantis contra a ditadura, não foi difícil nossa identificação” (trecho do livro de Cid Benjamin). Segundo Cid Benjamin, o embaixador falava português pois já tinha servido em Portugal e não era um defensor da política do governo norte-americano, que apoiava ditaduras de direita na América Latina. “Sem que Elbrick percebesse, chegamos a gravar conversas nas quais ele elogiava o trabalho de dom Helder Câmara e se dizia contrário à censura à imprensa e à tortura de presos políticos” (trecho do livro de Cid Benjamin).   Exigências atendidas e a reação dos militares linha-dura  O sequestro durou quatro dias e entre os presos políticos que foram libertados e embarcaram rumo ao México estavam o lendário comunista Gregório Bezerra (PCB), o líder sindical José Ibrahim, Onofre Pinto da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), os líderes estudantis Luís Travassos e José Dirceu, o jornalista Flávio Tavares, dentre outros. Após sua libertação, Elbrick chegou a declarar ao jornal Última Hora de 8 de setembro, de 1969: “fui muito bem tratado. Eles até me deram charutos e lavaram a minha camisa”. Os militares não gostaram da entrevista do embaixador e ele foi substituído pelos Estados Unidos poucas semanas depois. Flávio Tavares lançou o livro Memórias do Esquecimento em 1999 (uma edição ampliada saiu em 2005 pela Editora Record), em que ele narra o sequestro e sua trajetória de luta contra o regime. Tavares declarou em 2005 ao Estadão: “o livro foi a minha catarse ou minha salvação e libertação interior… só enfrentando a memória pude vencer os fantasmas e viver em paz”. O filho de Flávio, Camilo Tavares, dirigiu o documentário ‘O dia que durou 21 anos’ sobre o golpe militar. Leia texto sobre o filme.   No início da década de 60, Tavares trabalhou como comentarista político do jornal Última Hora, de Samuel Wainer, quando cobriu eventos como a Conferência da Organização dos Estados Americanos, em Punta del Leste, Uruguai, em 1961. Lá, ele conheceu Ernesto Che Guevara  que era o delegado de Cuba. Sobre essa experiência, Tavares escreveu Meus 13 dias com Che Guevara, lançado no ano passado. Há cerca de um mês, Tavares também lançou O Golpe de 64, em que foca a participação dos Estados Unidos no golpe contra o presidente João Goulart. O jornalista retrata em seu livro Memórias do Esquecimento como, por muito pouco, a troca dos prisioneiros políticos pelo embaixador foi impedida pelos paraquedistas ultradireitistas do Exército: “na tarde de nossa partida, uns 40 oficiais paraquedistas da Brigada Aeroterrestre saíram da Vila Militar, em três caminhões, para impedir que os prisioneiros entrassem na Base Aérea ou, se fosse o caso, para nos retirar de lá à força e, de imediato, executar todo o grupo. Os oficiais planejavam nos raptar, levando-nos ao centro do Rio para nos enforcar de um a um na Cinelândia, defronte ao Theatro Municipal, naquele mesmo sábado. Havia apenas uma dúvida — alguns queriam nos “metralhar”, mas a ideia da forca era dominante”. (trecho do livro de Flávio Tavares) Felizmente, os paraquedistas enfrentaram um congestionamento devido a um jogo no Maracanã que os reteve por mais de meia hora na avenida Brasil. Os militares identificados como de linha-dura (que não aceitavam qualquer negociação com a guerrilha) chegaram à Base Aérea 20 minutos após a decolagem do avião que transportou os presos políticos ao México. A guerrilha contra o regime realizou mais três sequestros de diplomatas estrangeiros em 1970: o cônsul japonês Nobuo Okushi, o embaixador alemão Ehrenfried Anton Theodor Ludwig Von Holleben e o embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher também foram capturados como método de pressão ao regime militar. O documentário Hércules 56  e a história de Jonas Realizado em 2006 pelo diretor Sílvio Da-Rin, o documentário Hércules 56 relata o sequestro do embaixador. Para isso,

Iara Iavelberg e sua luta contra a ditadura militar

Os destinos de muitas mulheres foram determinados pelos arbítrios do regime militar. Várias foram assassinadas, outras torturadas, muitas perderam seus filhos, maridos, parentes e amigos. Um dos símbolos dessa resistência nos anos de chumbo foi a militante Iara Iavelberg, vítima da ditadura militar aos 27 anos, em agosto de 1971. De uma rica família judia do Ipiranga, Iara abandonou aos 19 anos seu casamento de três anos com Samuel Halberkon, médico da comunidade judaica paulistana, ingressou no curso de Psicologia da USP em 1963 e iniciou sua militância política. O Centro Acadêmico do curso leva o seu nome. Iara militou em várias organizações que combatiam o regime militar: Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop), Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Na VPR, ela conheceu Carlos Lamarca em abril de 1969. Fazia dois meses que Lamarca havia desertado do Exército em posse de um verdadeiro arsenal de armas e munição para a guerrilha. Leia texto sobre a morte do companheiro de Iara, Carlos Lamarca Os dois apaixonaram-se e Lamarca separou-se de sua mulher na época: ele era casado e tinha dois filhos. Da VPR, Iara e Lamarca foram juntos para o MR-8. Clandestinos, estavam entre os mais procurados pela repressão política, com cartazes espalhados em diversos lugares.   O documentário ‘Em busca de Iara’ A sobrinha de Iara, Mariana Pamplona, ao lado de Flavio Frederico, resolveu contar a história da tia no documentário Em busca de Iara. O Exército sempre sustentou que Iara suicidou-se após o cerco policial em um apartamento no bairro da Pituba, em Salvador, no dia 20 de agosto de 1971. Hoje há provas suficientes de que foi mais uma mentira do regime militar e de que a militante foi assassinada por agentes do governo. Segundo o site da Comissão da Verdade Rubens Paiva da Assembleia Legislativa de São Paulo, o legista que assinou o atestado de óbito colocou uma interrogação ao lado da palavra suicídio. A família teve que aceitar que a filha fosse enterrada na ala dos suicidas no Cemitério Israelita do Butantã, o que significava grande humilhação na comunidade judaica (as pessoas que morrem nessas condições são enterradas de costas e em locais isolados do cemitério). Com denúncias reunidas e grande esforço dos familiares e amigos, a Justiça autorizou a exumação do corpo de Iara em 2003 e finalmente o laudo sobre sua morte confirmou seu assassinato. Assista ao trailer do filme:   As cartas de amor entre Lamarca e Iara Em 1970, Iara e Lamarca começaram treinamento militar no Vale do Ribeira e neste ano, em 7 de dezembro, Lamarca liderou o sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, no Rio de Janeiro, em troca da libertação de 70 presos políticos. Em matéria da revista Istoé de 2007 sobre a troca de cartas entre Iara e Lamarca, o capitão da guerrilha mostra adoração pela sua mulher. Lamarca foi assassinado em 17 de setembro de 1971, menos de um mês depois da morte de Iara. Ambos conviveram pouco, já que passaram 10 meses do curto relacionamento vivendo separados em aparelhos (locais usados como refúgio pela guerrilha), mas a paixão entre eles era arrebatadora. Uma das testemunhas da intensidade do romance foi a guerrilheira Vanda, codinome da presidenta Dilma Rousseff. Ela declarou à revista Istoé: “eu e Lamarca lavamos muitos pratos juntos e era nessas horas que ele me fazia inconfidências sobre sua paixão por Iara.” Leia dois trechos das cartas de Lamarca, no primeiro, ele demonstra paixão, no segundo, ciúmes:   “Quando estou longe de você, tudo muda. É outro mundo, falta aquele calor que só emana de você mesma – fico imaginando e me delicio com tua lembrança, toda viva, junto de mim.”  “Falei em abertura pelo seu lado (do meu não admito, nem existirá nunca condições) do nosso relacionamento – que é observado – e como última hipótese; pode ser um puta ciúme meu de existir alguém cumprindo a minha função.”   Outros detalhes da vida de Iara podem ser encontrados no livro Iara: uma reportagem biográfica, escrito pela jornalista Judith Patarra, lançado em 1992. O livro pode ser encontrado no site Estante Virtual. A trajetória de Iara revela também outra história bem menos conhecida, a de Nilda Carvalho Cunha, de apenas 17 anos. Estudante secundarista, aderiu à organização clandestina MR-8 e foi viver com o namorado num apartamento na praia da Pituba, em Salvador. Nilda recebeu ordens de abrigar a guerrilheira Iara Iavelberg e caiu no cerco a Iara. Levada para um quartel, foi brutalmente torturada durante dois meses. Assim que foi libertada, sentia tonturas, sofria com a perda de visão e dificuldades para respirar. Internada num hospital, passou a enfrentar depressões constantes. Às vezes, soltava risos inesperados. No seu prontuário, consta que não comia, via soldados dentro do quarto e repetia que iria morrer. Foram dez dias definhando. Em seu atestado de óbito, consta: “Edema cerebral a esclarecer.” A sobrinha de Iara, Mariana Pamplona, explica o projeto do filme: Vídeo da Comissão da Verdade sobre Iara: Fontes: perfil de Iara Iavelberg no site da Comissão da Verdade Rubens Paiva e revista Istoé.

As atrocidades da tortura na ditadura militar

O realismo do documentário Brazil: A Report on Torture (1971) nos relembra dos atos de barbárie cometidos pela ditadura. Os métodos violentos utilizados pela tortura na ditadura militar não tinham limites. Realizado pelo jornalista americano Saul Landau em parceria com o diretor de fotografia Haskell Wexler, o filme é composto de uma sequência de relatos e simulações das sessões de tortura realizadas pelas próprias vítimas, exilados políticos que viviam no Chile. O grupo de prisioneiros do regime de exceção libertado em troca do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher havia chegado a Santiago do Chile quando conheceram Landau, que aguardava na cidade sua entrevista com o presidente Salvador Allende. Entre outros, o documentário entrevista Frei Tito, na época com 25 anos. O religioso da ordem dominicana foi sequestrado em 1969 no convento em que vivia e levado ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), onde foi torturado por 3 dias seguidos. Tito suicidou-se em 1974 na França. Outra protagonista do documentário, que também suicidou-se, em 1976 na Alemanha, é a estudante de medicina Maria Auxiliadora Lara Barcelos, que descreve em meio a risos nervosos os intensos choques que sofreu nos seios e na vagina. A brutalidade da tortura do regime militar não tinha limites. O advogado de defesa de alguns militantes de esquerda, Antonio Expedito Pereira, de 40 anos, um dos mais velhos do grupo, narra que sua filha apanhou de torturadores. Sua mulher também foi seviciada para forçar a quebra de sigilo de Pereira sobre os depoimentos de seus clientes. As vítimas citam vários nomes dos covardes agentes da ditadura. Por onde andam esses sádicos? Garanto que muitos vivem como cidadãos comuns tranquilamente gozando suas aposentadorias. https://www.zonacurva.com.br/em-1970-os-tupamaros-de-mujica-contra-dan-mitrione-o-mestre-da-tortura/  

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