Zona Curva

Escritos

Crônicas, desabafos, contos. Espaço livre para nossos colaboradores.

A mulher-seta

A mulher desce mancando da perna direita de uma Kombi branca. Atrapalha-se com o banquinho de plástico, a placa em forma de seta de quase um metro e o guarda-chuva laranja. Demora alguns minutos para se organizar, o vento está forte e ela tem dificuldade em abrir o guarda-chuva, a calçada esburacada entorta seu banquinho, mas agora ela consegue se ajeitar ali, próxima de uma esquina de São Paulo, com a seta pendurada no pescoço. Aguardo minhas esfirras e quibes em uma lanchonete próxima e não consigo tirar os olhos dela. Acima do peso, com mais de 50 anos, mulata e com um sorriso amarelo no rosto. Não acredito, mas ela sorri. Depois de um tempo, a cerveja e as esfirras já não descem direito. Começo a me revoltar, minha cabeça dói. Xingo baixinho os marqueteiros escrotos que bolaram tamanha insanidade. Tomara que esses filhos de uma égua não consigam vender um imóvel. Tento segurar minha onda de raiva e dou mais um gole na cerveja. No vai-e-vem da lotada lanchonete e entre os pedestres, ninguém repara nela, a mulher além de seta, é invisível. O tempo está virando naquele domingo de sol forte e o vento bate na placa que informa o valor do imóvel, 365 mil reais, e a mulher tem dificuldade em segurá-la. Leio um garrafal YOU nas costas da camiseta que ela veste. “Ei, YOU, a seta é pra YOU, vai comer calmamente essa esfirra nessa tarde de domingo e também fingir que eu não existo”. Olho para os lados, famílias, casais e pessoas em pé no balcão esperando seus pacotes de esfirras e outros quitutes árabes para levar para casa. Será que encontro o criativo que bolou essa estratégia de vendas aqui ao lado? Acho que jênios do marketing não comem esfirras domingo à tarde, talvez no shopping. Fiquei com vontade de falar qualquer coisa com ela, de perguntar sobre seu “trabalho”, até me iludo se de repente o papo me revele motivo que justifique tamanha humilhação. Mas também não fiz nada (além deste texto) e fui para casa com a barriga cheia de cerveja e esfirra.

Um novo estatuto para os museus

Uma nova concepção na atuação dos museus, já há alguns anos, vem sendo implementada tanto no Brasil quanto em diversos países.  Dentre as intervenções propostas, destaque-se a que propõe “demolir” a ideia de divisão do mundo da cultura em camadas, assim como a oposição abrupta entre o tradicional e o moderno, o culto, o popular e o massivo. Os museus passam por significativo processo de transformação oriundo de diversos fatores, entre eles, a concorrência com outros equipamentos culturais. As grandes transformações em curso refletem elementos das novas demandas sociais decorrentes, dentre outras, da grande presença das tecnologias comunicacionais no cotidiano. As novas tecnologias de comunicação revolucionam nosso cotidiano e impõem aos museus a aplicação de um discurso de imagens, sons, luz e cores. A necessidade de novas posturas na concepção de museu, mais dialogadas, representa um desafio de criação e de ousadia na construção de novos espaços de aprendizagem, sejam formais, não formais ou informais. Os museus, ainda que em complementaridade aos espaços formais de ensino, promovem hoje uma aprendizagem social do conhecimento. Exatamente pelo fato de o museu não ser a sala de aula, ele requer olhares, novos ou velhos, de pesquisa sobre as práticas educativas que pode propor. Enquanto local de patrimônio, de coleções de objetos, de artefatos e instância de comunicação, os museus devem converter-se, também, em local de lazer, de prazer, de sedução, de encantamento, de reflexão, da busca de conhecimentos. Em oposição à instituição elitista e estática que se estendeu desde o século XVII, o novo museu deve abrir suas portas ao público e conquistar a rua e todos os espaços sociais de encontro e troca de conhecimento. O museu deixa de ser um “mero” local de memória e deleite estético para se tornar referência na paisagem e no convívio urbano, com oferta de atrativos que proporcionem interação e mobilidade, visando não só atrair e ampliar público, quanto fidelizar a presença desse contingente nos espaços e eventos programados. Além da educação patrimonial e suas vinculações com manifestações culturais, o novo museu deve viabilizar funções sociais, por si só interativas, em intercâmbio com outras linguagens, disponibilizando espaços para promoção de espetáculos musicais, cênicos e de dança, lançamentos literários, além da oferta de cursos, sem abdicar do caráter expositor e com um lounge para a oferta de café e lanches ou petiscos típicos da culinária brasileira. Promoverá, desse modo, o acesso e a interação na convergência de encontros e dos conhecimentos em um universo aberto para o transito do passado, do presente e do futuro. Em meio a essa nova concepção dos espaços dos museus, o projeto para essa nova era se define na valorização do multiculturalismo, das múltiplas inteligências, saberes e linguagens. O novo “estatuto” do Museu, portanto, deve passar a conferir significado aos encontros de olhares e busca de experiências sensíveis entre e para o seu público, deixando a definição do atributo singular para converter-se, em suma, em um território plural.

O renascimento do Jango antropofágico

Bem-vindo ao Fatos da Zona, em que adaptamos os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre. Neste vídeo, mergulhamos na vida e na trajetória política do presidente João Goulart, líder progressista que enfrentou desafios e lutou incansavelmente por justiça social no Brasil. Conheça a história desse presidente popular e suas políticas transformadoras que buscavam garantir direitos trabalhistas e combater as desigualdades.   JANGO – Em Jango uma tragedya, texto teatral de Glauber Rocha de 1974, Jango é devorado pelo povo em ritual antropofágico no carnaval depois de sua morte. O delírio de Glauber embute o desejo do renascimento de um novo Jango, de corpo fechado para enfrentar os Antonios das Mortes, jagunço icônico do cineasta, que o derrubaram nos idos de 1964, e continuam à espreita. Para entender nossa miséria, incluo por minha conta e risco a miséria cognitiva e intelectual, Glauber ia além da racionalidade e da luta de classes. A religiosidade e os meandros mágicos do inconsciente desse povo único que é o nosso eram o caminho para o entendimento de nossa mente ainda colonizada. Era como se o atávico complexo de inferioridade e a necessidade masoquista de auto-imolação pudessem ser expurgados por deuses negros e índios em rituais de libertação. “Nas crenças religiosas e nas práticas mágicas, a que o negro se apegava no esforço ingente por consolar-se do seu destino e para controlar as ameaças do mundo azaroso em que submergia“ (Darcy Ribeiro, no livro “O Povo Brasileiro”). Fascinado por Jango, Glauber escreve em suas andanças pelo mundo pedindo que o professor Darcy Ribeiro, que foi ministro da Educação e da Casa Civil de João Goulart, lhe esclarecesse os reais motivos da queda do presidente em 64. Darcy responde do Chile em 1972: “a política do governo Jango, sendo encarada pelas classes dominantes como revolucionária (porque a execução da Reforma Agrária e da Lei de Remessa de Lucros parecia inevitável se Jango se mantivesse no poder), provocou a contra-revolução, por parte dos interessados em manter a velha ordem” (trecho do livro Cartas ao Mundo, de Glauber Rocha, organizado por Ivana Bentes). Após o golpe, o general Castelo Branco revogou a lei que controlava a remessa de lucros das multinacionais para o exterior. Em pesquisa IBOPE de março de 1964, 59% da população era favorável às reformas de Jango e 45% dos brasileiros cravavam bom e ótimo na avaliação do governo João Goulart. Os dólares (agora euros também) que circulam para comprar políticos e diretores de estatais, cooptados por empresários sonegadores com expertise em maracutaias, já encheram em tempos idos o bolso do general Amaury Kruel, comandante do II Exército e militar de confiança de Jango. Kruel, um dos artífices do dispositivo militar que seguraria os avanços das forças da direita, trocou seu apoio por maletas de verdinhas, entregues pela burguesia paulista, que sempre soube proteger seus interesses. Se o jogo melar, a Suíça é logo ali. http://www.zonacurva.com.br/como-o-general-lott-garantiu-a-posse-de-jk-e-jango-em-1955/ O filho de Jango, João Vicente Goulart defende o pai e questiona por que os outros agentes da esquerda do jogo político da época também não reagiram.  “Eu acho uma grande injustiça histórica só perguntar por que Jango não resistiu, podemos perguntar também por que o Partido Comunista não resistiu, por que os sindicatos não resistiram, por que as organizações de base não resistiram e por que a Frente Nacionalista que pressionava tanto e queria as reformas de base na marra, fora da legalidade, não resistiu”. Ele próprio responde: “não havia condições de resistência… Nós teríamos um Brasil dividido em dois”. Hoje estamos divididos novamente em dois e a esquerda perplexa assiste ao avanço da direita e da extrema-direita nos protestos em que PMs são subcelebridades cultuadas em selfies. A falência cognitiva dos humanos direitos vitaminou a polícia para o espancamento de professores e “vândalos” (identificados a critério dos interesses da velha mídia). A fórmula simplória do atual discurso de muitos que pulula nas redes antissociais: professor = vagabundo = drogado. Marighella, o Che baiano, revoltou-se com a falta de reação de Jango ao golpe e desabafou com o filho que “Jango era frouxo”, conforme está escrito na ótima biografia de Marighella, do jornalista Mario Magalhães. Para o indignado Marighella, era inconcebível que Jango não lutasse contra os usurpadores de seu mandato. Imagino o guerrilheiro baiano vociferando contra a política praticada hoje em prol dos interesses do empresariado, do agronegócio e dos bancos. O guru do Méier, Millôr Fernandes dizia que “todos os países são difíceis de governar, só o Brasil é impossível”, tem horas que concordo, não quero, mas concordo.   https://urutaurpg.com.br/siteluis/jango-no-comicio-que-mudou-o-destino-do-pais/

Bijuteria, a joia da crise

Por que num tempo de crise, o fascínio pelo supérfluo ganha tanta prioridade quanto o essencial, a vaidade sendo saciada, ainda que isso corresponda ao empobrecimento da mesa?  A crise superlotou as ruas das grandes capitais brasileiras com camelôs que vendem de tudo ou quase tudo, desde relógios digitais (o tempo descartável) a inúmeras formas de utensílios e quinquilharias, consolidando o “salve-se quem puder” da geração do trabalho precário. Tendências esteticistas, com matriz na precariedade, tendem a vicejar nos períodos de grandes depressões econômicas, num paradoxo estonteante. Há alguns anos as bijuterias vêm multiplicando-se em tipos e modelos, nas barracas ou mostruários, com incontável variedade de brincos, braceletes, berloques, numa oferta cuja resposta é dada pelas mulheres com avidez sintomática e excessiva. Como a coisa anda feia, as mulheres passaram a se enfeitar como nunca. Ruas, avenidas, praças, bancos, lojas, escritórios, corredores de instituições políticas ou culturais, tornaram-se verdadeiras passarelas saturadas de “gatas”, “tigresas”, “panteras”, realistas e sonhadoras, trabalhando, consumindo ou circulando com adornos de formas abstratas, cores apelativas e materiais – latão, cobre, chifre, alpaca, madeira, penas de aves, grafite, acrílico e mesmo o plástico – isolados ou numa orgia combinatória. Em suas mil e umas formas, as bijuterias chamam a atenção para si mesmas erigindo uma sintaxe (modo de ordenar, por em relação, combinar) autônoma que, na maioria dos casos, dispensa qualquer “diálogo” ou nexo convencional com a roupa, o calçado, ou acessórios como bolsa ou cinto. Em muitos casos, substitui até a maquiagem, num arrojo demarcado pelo exagero e pela provocação. Algo como a penúria exacerbando a estética. Vidrilhos no olhar. Vidrilhos de quinta categoria. Formas que extrapolam supostas fronteiras artísticas para ocupar um mesmo universo de abstrações entre o bárbaro, o barroco, os arranjos florais e o design ultramoderno. No território dessa moda não há nostalgia, mas é uma diluição da arte dos designers de joias o que está inscrito na morfologia das bijuterias. Submetidas à proliferação dos assaltos, as joias – primas nobres das bijuterias – têm sido, cada vez mais, proscritas do cotidiano, confinadas à noite; às situações solenes, ambientes fechados, para brilharem sob a refração de luzes artificiais e serem retiradas nas suítes ou no motel. Cordões de ouro, colares, pulseiras e anéis de prata, marfim, pérola ou diamante, ao mesmo tempo em que funcionam como algo estático, tendem a insinuar zonas de atração no corpo feminino. O que ressalta primeiro é a própria joia, sua presença maciça ou delicada, só depois a possível oposição entre a dureza do material e a maciez do corpo, a perenidade dos materiais sendo transcendida pela classe das usuárias (de ascendência aristocrática), num ritual de sedução que pede para ser violado, apela para a tatilidade, enroscando ou tornando fugidios os olhares. Para Dante, autor de A Divina Comédia, “ser percebido é mais humano que perceber”. Já a bijuteria se insere em um regime solar no palco do cotidiano. E se as mulheres adentram a noite com seus brincos de plástico, carregam também consigo o dia-a-dia. Esse ramo da ourivesaria não ostenta qualquer referência imediata com os materiais nobres, converteu-se numa simulação em estado puro, garantindo uma ordem autônoma, mas mantendo a oposição à joia, no que tange seu reduzido valor e sua banalidade. Se com a joia é a sexualidade que transita à flor da pele, com a bijuteria é uma erotização do cotidiano (ou dos corpos no cotidiano) o que se vislumbra. No flerte incessante das avenidas ou no interior dos shopping centers, olhares transeuntes eclipsam paixões fantasiosas, num jogo rápido que encena casualidades de relações amorosas. Microromances atravessam o cotidiano, ancorando apelos e respostas que se dissipam na velocidade das multidões, para renovarem-se alguns passos adiante. A bijuteria erige um teatro de seduções aleatórias. O consumo ostentatório espreita nos múltiplos espelhos do narcisismo feminino com a oferta do melhor visual.  A herança ornamental, o legado decorativo, justifica o atributo cultuado pela mulher que, segundo algumas interpretações psicanalíticas, corresponderia a uma lisonja ao reflexo narcísico do homem – cujo núcleo reside, por excelência, no falo. Como as crises precipitam o declínio da imagem fálica, ou do prestígio fálico, a sedução feminina emerge como o dado capaz de revitalizá-lo, garantir a sua reereção.

Com o desejo na alma

As tigresas estão à solta. Com o olhar carregado da mais sutil sedução e os lábios pintados com luminosidade de néon, elas atravessam as vitrines da cidade. Cabelos esvoaçantes sob o sol do anúncio do verão, a provocação caminha com elas. Unhas de gata, sem nenhuma ameaça, o tempo parece estar sob o seu inteiro dispor. O imaginário da mulher contemporânea não envolve nenhum caráter enigmático, está exposto, mas não é tão fácil decifrá-lo. Afinal, a incógnita freudiana ainda persiste: “O que quer uma mulher?” Já não faz o tipo dona-de-casa ou guerrilheira. Antes, é uma profissional que a cada dia vem ocupando mais e mais espaços na sociedade. Assumindo posições de mando, ela surpreende em cada gesto. De macacão, botas e capacete, biquíni, capa de revista, urbanizada, tanto mais, objeto de estudo do IBGE, mães e filhas do prét-à-porter desses shopping times, 51% da população mundial, habitantes dos sonhos das metrópoles modernas, 41% da população economicamente ativa — em 1980 o índice alcançava 27% — mas ocupam apenas 24% dos cargos de gerência. A inserção da mulher no mercado de trabalho (essa bandeira eleita para a independência, para igualar-se ao homem) tem revigorado e, a um só gênero, transtornado as relações sociais. Análise comparativa feita por pesquisa acadêmica apontou que o rendimento médio real das mulheres brasileiras passou de R$ 982 para R$ 1.115, entre 2000 e 2010, obtendo crescimento de 13,5%. O salário dos homens, por sua vez, cresceu 4,1%, passando de R$ 1.450 para R$ 1.510 no mesmo período. Apesar do aumento registrado, elas ainda ganham menos que eles. Em 2010, as mulheres passaram a receber em média 73,8% do salário dos homens; em 2000, esse percentual era 67,7%. O que elas nos proporcionam é isso: a fascinação. Vertigem audiovisual. Última emoção espiritual desses pós finais de tempo. Espécie de Sílvia Pfeiffer, personagem musical do Fausto Fawcett e Marcelo de Alexandre, em que os “habitantes de um supergueto capitalista costumam concentrar o olhar no rosto da mais bela e sofisticada das manequins”. Shows de realidade patrocinada. Mundos que só existem no desejo. — Espelho, espelho meu, quem é mais bela do que eu? Bruxas malvadas, sereias, mocinhas, vilãs sedutoras. Todas delirantemente manequins. Ser modelo continua a ser a profissão mais apaixonante desde as quatro últimas décadas. Corpo sensual, gestualidade energética. To be or not to be, that is the fashion. Guerreiras do império da moda. Marionetes raptadas pelos clicks incessantes de fotógrafos, pelas exigências de mil produtores, pelos retoques inacabáveis de um batalhão de maquiadores. Negras, loiras, ruivas e morenas. Secretárias. Executivas. Juízas implacáveis. Deusas desinibidas dos anúncios de lingeries, cervejas, margarina, carros e relógios. Cabelos sedosos de todo e qualquer shampoo. Donas de mil caras e gestos que se metamorfoseiam. Em suma, uma over lap (superposição) de sentidos como é próprio desses tempos tão caleidoscópicos. A palavra modelo é de origem flamenca com função (oh doce semântica dos corpos) aperfeiçoada nos meados do século passado, quando bonitas moças cheinhas e róseas à la Renoir desfilavam delicadamente os imensos xales de arabescos cashmere para as clientes art-nouveau, nas melhores lojas de tecidos de Paris, eterno centro da moda feminina. Atravessando vitrines e lentes, com o desejo na alma, super-top-model dos melhores desfiles internacionais, sabem vender caro o fetiche de curvas volutas. Ou, lidando com tubos de ensaio, abrindo e controlando válvulas, operando equipamentos pesados, atletas imbatíveis das Olimpíadas, propondo e debatendo políticas públicas, seja no Congresso, assembleias legislativas, câmaras de vereadores, oh claro, na presidência da República, impõe-se profissionalmente com o desejo de continuar sendo vista como mulher, bonita e charmosa. Sim, adormecendo ao lado dos filhos, com ou sem o fardo de Eva, prenha do mito do amor materno, elas vão continuar sendo o máximo do mínimo divisor comum da linguagem cosmética que nos resta sobre a epiderme desses tempos em que, duvide não, o futuro já passou.

O cordão dos hipócritas

Ele adora repetir a piada que a única saída para o Brasil é o aeroporto em festinhas em bufê infantil, pior, consegue risadas da maioria. Outro dia proibiu sua empregada doméstica de comer seus queijos importados na geladeira. Ele sempre avisa Rose, esse é o nome da empregada, que se ela manchar suas camisas azuis importadas com gola branca vai descontar de seu salário. Compartilha posts de Bolsonaro com a hashtag #bolsomito. Já o outro de inglês fluente é filho do diretor de empreiteira e finge não saber que o pai controla planilha com contribuições para políticos. Ele sempre escreve comentários indignados contra a corrupção em caixa alta no facebook acompanhados de textos de escribas hidrófobos da grande mídia. Seu apelido de Boleiro não advém de seus dotes futebolísticos. Mas é assim que se referem a ele diretores e gerentes das multinacionais. Boleiro não sabe de seu apelido. Sua secretária sabe e também conhece seus macetes para liberar as verbas do governo com tanta rapidez. Boleiro mudou para Miami no final do ano passado. Toda vez que recebe um hóspede tupiniquim e o incauto se impressiona com a vista de seu apartamento, ele aproveita: “agora você entende o motivo de minha mudança pra cá, aquele país de bosta não tem jeito mesmo!” Estudou em colégio com mensalidade de 3 mil reais e entrou na Poli USP sem cursinho. Em um sábado chuvoso, gritou “Viva a PM” na Avenida Paulista. Sua mãe até sente uma ponta de orgulho pelo seu recente interesse político, ela também odeia o PT, mas se preocupa quando ele chega atrasado pro jantar no Clube Paulistano. Após o último jantar, ele chegou em casa animado e criou o grupo Fora Esquerdopatas no facebook. Este estudou em escola pública e conseguiu bolsa para estudar Economia à noite em faculdade particular. Trabalha como operador do mercado financeiro na Berrini. Durante o almoço no quilo, repete aos colegas da firma: “eu cheguei lá, mas o resto fica na merda porque não gosta de trabalhar, brasileiro é folgado”. Nesse verão foi se refrescar na praia e recebeu uma cara multa de trânsito, excedeu em 20% o limite permitido de velocidade. Ficou revoltadíssimo e sua mulher ficou assustada: “calma, Gus, assim você vai ter outro enfarte”. Desde que enviuvou de um escrivão de polícia, ela prega para quem quiser ouvir a intervenção militar. Tem noite que acorda toda suada como o recorrente pesadelo de esquerdistas que ela chama de bolivarianos (sem saber do que se trata) invadindo a casa onde vive na Lapa, seu único patrimônio. Nunca na vida deu uma mísera moeda para pedintes ou comprou um Mentos nos semáforos. Não tem conta de e-mail ou facebook e morre de medo de mexer no computador. Para conseguir o bíceps do tamanho do pescoço de mortais desbombados, ele treina 5 vezes por semana na academia. Apesar de seus 23 anos, sente saudades daquele tempo em que “as coisas no Brasil funcionavam e os vagabundos iam pro pau”. Todo dia compartilha foto a favor do impeachment de Dilma nas redes sociais. Na última eleição, como bons patriotas, todos (até o de Miami) foram votar com a camisa da seleção brasileira em defesa de NOSSO PAÍS. https://urutaurpg.com.br/siteluis/aceite-ser-manipulado-tenha-odio-de-politica/ Comunicado urgente à classe média: não há vagas na FIESP

Chamada a cobrar de 50 centavos para Oswald de Andrade

No início deste ano 459 do calendário antropofágico, escrevo para Oswald de Andrade aqui de sua calorenta São Paulo em que “sibaristas continuam em sua farra ora em palácio no Jardim América ora no de Campos do Jordão, e têm garantida uma poltrona no céu”. Chegamos à soma de 459 contando a partir de 1556, quando o primeiro bispo brasileiro, o Sardinha, foi deglutido pelos índios caetés junto com outras 90 pessoas. A trupe colonizadora de Sardinha, que viajava para Portugal na nau Nossa Senhora da Ajuda afundou em Alagoas, e foi capturada pelos índios, não contando com a providencial intervenção da Senhora que nomeava a nau. Os portugueses vingaram-se mais tarde e poucos caetés sobraram para contar essa história. Pouca ajuda também tiveram, na primeira semana deste ano, jovens na briga contra o aumento de 50 centavos na passagem de ônibus. Inalaram muito gás lacrimogêneo e foram presos aí perto do cemitério da Consolação, onde você tenta repousar e também casou com Pagu, Oswald. Talvez o que atropele a verdade neste verão escaldante não seja a TV ou o jornal, Oswald, e sim nossa roupa, “o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior”. Da fria Europa, em um distante 1912, você com apenas 22 anos trouxe boas novas, um Manifesto futurista, do italiano Marinetti, que nos prometia a modernidade logo ali. Hoje Paris, antigo centro das vanguardas, exporta radicalismo e hipocrisia. Oswald de Andrade nasceu há 125 anos, no dia 11 de janeiro de 1890 e morreu em 22 de outubro de 1954. Seu amigo, o poeta franco-suíço Blaise Cendrars, talvez pudesse nos explicar melhor a intricada trama que leva homens encapuzados munidos de Kalashnikovs a matar sarcásticos desenhistas. Sei não, para quem chegou a nos visitar sete vezes aqui abaixo do Equador, mais provável seria que Cendrars fizesse a oitava e derradeira viagem e se aboletasse de vez por aqui no refúgio de uma de nossas inúmeras praias. A política também fez sua cabeça, né, Oswald. Depois de abandonar os ideais anarquistas, sua empolgação com o comunismo até o levou a proferir palestras em sindicatos. Curioso sempre fiquei em ouvir seus longos papos com Prestes, o Cavaleiro da Esperança, nos cafés de Montevidéu em 1931. Preciso atualizá-lo também, Oswald, sobre as novidades dos cafés da capital uruguaia, por lá você pode fumar cigarros proibidos em sua época e ainda por aqui. Acho que você toparia. Prestes? Duvido. O sonho da justiça social o embalou naqueles anos e você escreveu que “a hora do anarquismo já tinha passado, hoje só se atinge o bem individual através do bem coletivo”. Quase duas décadas depois, o comunismo já não fazia sua cabeça como antes e resolveste partir para a prática. O povo levou Getúlio ao Catete, mas o Congresso perdeu um inusitado deputado. Você pode até culpar o pequeno Partido Republicano Trabalhista (PRT), o povo, menos o  bom slogan: “Pão – Teto – Roupa – Saúde – Instrução- liberdade”. “Os Estados Unidos não têm ainda suficiência para se estabelecer em sociologia. É o país mais primitivo do mundo. As suas experiências políticas foram iniciais e edênicas, uma independência canja, uma guerrinha entre escravagistas e Matarazzos” (trecho de crônica de Oswald de Andrade no jornal O Estado de São Paulo na década de 40) Hoje muita gente conhece a história de amor que levou Woody Allen (genial diretor de cinema judeu, não é de seu tempo, Oswald, você não conhece) a sofrer na pele parecido achincalhe quando você se apaixonou por aquela menina revolucionária e genial, a Pagu. Putz, ela era amiga de Tarsila, sua mulher, que a tratava cheia de mimos. Até o presidente Washington Luis foi seu padrinho de seu casamento com Tarsila. Allen conseguiu ainda fazer pior, trocou a mulher, uma atriz, pela enteada, uma jovem oriental. No seu caso, você recebeu o troco, como diria a minha avó: “aqui se faz, aqui se paga”.  Depois que seu romance com Pagu terminou, quem te abandonou foi a poetisa Julieta Bárbara, e ainda por um crítico, o Mario Schienberg. Deixa pra lá, né. Para terminar, roubo suas palavras aos seus admirados Machado de Assis e Euclides da Cunha para tecer loas a você: “a presença de um grande escritor impossibilita a inflação dos valores medíocres e põe sempre no julgamento crítico um ponto alto de referência e de destino”. Grande abraço. Não se fazem mais intelectuais com a verve de Emílio de Menezes Manifesto antropofágico de Oswald de Andrade Centro Cultural Fiesp recebe mostra sobre o Modernismo Brasileiro

60 anos e o rock’n’roll fica sex

Rock anos 60 – Ora, quem diria, o eterno e atemporal rock and roll ficou sex. Sim, sexagenário. Ainda que várias incursões anteriores criassem as matrizes desse gênero musical que transformaria a cabeça e o corpo da juventude desde o final dos anos 40 – filho que é do pós-II Guerra – é a partir de 1954, com o surgimento de Elvis Presley, que o rock invade totalmente a cena e a face branca da sociedade norte-americana e chega, agora, aos 60 anos. Os anos 50 marcam um período de grande efervescência nos Estados Unidos. Os sucessos da música negra – gospel, blues, jazz, folk – identificados de modo geral como rythm’n’blues (R&B), encontravam como único meio de penetração no mercado pop (composto pelo público branco) sua expressão através do cover (regravações de originais). O interesse comercial está sempre dando as cartas e, para conquistar o mercado branco, o R&B passou a sofrer adaptações que iam desde a moderação no linguajar das letras à modulação das vocalizações, seguindo normas vocais e morais brancas. Em 1952 acontece, também, o fim do macartismo (política moralista defendida pelo senador McCarthy). É nesse contexto, no início dos anos 50, que o cover emerge e, entre seus principais expoentes, destacam-se Dorothy Collins, Pat Boone e Bill Halley. Os dois primeiros se projetariam com “ballads”, mas Bill Halley se especializaria em covers. Após muitas audições de R&B, ele decide formar sua própria banda, a The Comets. Nesse mesmo ano, Alan Freed, um Disc-Jockey (DJ) de Cleveland, cria o programa de rádio “Moondog’s Rock and Roll Party”, no qual tocava covers e alguns originais R&B. Tamanho foi o sucesso do programa que, no ano seguinte, Freed organiza uma série de shows com artistas negros, mas destinados aos jovens brancos. Em 1954 ele se instala em Nova Iorque e, junto a diversos outros DJ, passa a tocar sucessos negros aceitos pelos brancos. Era a hora e vez de Bill Halley. Através da Decca, gravadora de âmbito nacional que o havia comprado da Essex, ele se mantém com “Shake rattle & roll”, durante todo aquele ano, na parada de sucessos, as dez mais – The top ten. Foi só esperar a primavera de 1955 para estourar a parada com “Rock around the clock” que, poucos sabem, é um cover de “Let’s rock awhile”, de Amos Millburn e, pasmem, datado de 1949. Vale lembrar que na gíria dos guetos, “to rock” designava o ato de fazer amor, do mesmo modo que “to jazz”.   Nova tecnologia: o disco de vinil Havia, ainda, uma nova tecnologia invadindo o mercado e alterando os discos de gomalaca, em 78 rotações por minuto, desde 1948, para o de vinil, em 45 RPM, ampliando de forma maçiça o consumo de música nos States e mundo afora. A tecnologia – como vemos hoje – funcionara, por si só, como um novo dispositivo de marketing: oferecia-se à nova geração outra linguagem musical e dança, sob novo suporte para a audição e, incluída, várias tendências no vestuário, literatura, cinema, criando um novo tipo de consumidor. Em 1955, explode o sucesso “Tutti frutti”, de Little Richard.  Uma nova cria de Sam Phillips, da lendária Sun Records, Carl Perkins ganha o primeiro disco de ouro do rockabilly (rock+Hill+Billy – mistura de rock com folk) com “Blue suede shoes”, já em 1956. Um desastre de automóvel seria fatal para Perkins. Jerry Lee Lewis, nova descoberta de Sam e que já se apresentou no Brasil, fazia loucuras com seu piano. Até hoje Lewis é apontado como a maior performance do rock’n’roll, embora sua popularidade esteja restrita a três hits: “Whole lotta shakin’going’on”, de 57, “Great balls of fire” e “Highschool confidential”, em 1958. Dois anos antes, acontecem os esplendorosos sucessos dos rock baladas. Com os Platters, “Only you” e “The great pretender”. Dois anos depois, “Diana”, com Paul Anka, que venderia de saída nove milhões de cópias. Pintavam, ainda, no fim dos anos 50, promovida pela RCA e pela Columbia, a efervescência do calipso (oriundo da Jamaica) e do twisty, com Chubby Checker. A partir de 1964 acontece a “invasão britânica”. Os sucessos de The Beatles e The Rolling Stones – e a minissaia, criada pela estilista Mary Quant, em 1964 – sacodem o planeta.  Em 65, surge, na Califórnia, o The Doors, liderado pelo gênio alucinado de Jim Morrison. Nessa época, as drogas eram comuns no rock e Morrison, como Brian Jones, dos Stones – vorazes consumidores – acabam morrendo de overdose, aos 27 anos. Americanos também foram fundo nas drogas e morreram de overdose, com a mesma idade: o gênio da guitarra Jimi Hendrix e a cantora Janis Joplin. Se em 1967, com o “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, os Beatles revolucionam a concepção musical do rock, em 69 o Festival de Woodstock mobiliza um público de 500 mil pessoas, em três dias de paz e amor, numa espécie de apogeu do universo rock.  Mas no dia 6 de dezembro daquele ano, em Altamont, na Califórnia, a apresentação dos Rolling Stones traz de volta o clima de violência. Um hells angels – grupo de motoqueiros contratados para a segurança do show – mata um jovem da plateia que teria derrubado sua moto.   Psicodelia, glamour e punk rock Em meio à psicodelia, glamour e punk rock, a década de 70 estourou alguns movimentos que já estavam em prática nos anos 60. Um deles foi o rock progressivo, em composições que muitas vezes se aproximam da música erudita. Os músicos eram virtuoses e o som, viajante. A banda mais famosa dessa época é a Pink Floyd. “Outra vertente do rock dos anos 70 tem o heavy metal e sua quase alma gêmea: o hard rock. Com roupas de couro pretas, cheias de tachinhas, cabelos compridos e guitarristas metidos a semideuses. Muitas bandas exploravam o tema do satanismo e arregimentava uma legião de fãs adolescentes. Foi daí que surgiram o Black Sabbath, de Ozzy Osbourne, Judas Priest, Scorpions, Iron Maiden, Kiss, Alice Cooper, AC/DC e muitos outros. O Led Zeppelin também trafegava nessa praia, com um pouco mais

Soci@lismo 2.0 e a história do voto no Brasil

Socialismo 2.o -Mesmo sob a necessidade de continuarmos a nos debruçar sobre o velho Karl Marx, criador da mais influente análise político-econômica que moldou as relações sociais no século XX, a Internet consolida o antigo e utópico sonho marxista do socialismo em escala global. Mas trata-se do “Socialismo 2.0”. A tese, com base no colaboracionismo instaurado na rede mundial de computadores, foi criada pelo escritor norte-americano Kevin Kelly, especialista em tecnologia. Para ele, o desenvolvimento de sites colaboracionistas, como a Wikipédia e milhares de outros, instauram uma espécie de socialismo atento ao mundo conectado e de livre acesso. Sem mais Estado ou lutas sangrentas pela tomada do poder na perspectiva de replicar regimes comunistas a partir da importação de modelos como os da ex União Soviética, da própria Rússia, China, Cuba, Vietnã ou Albânia, encontra-se na Internet a grande pátria do socialismo, vinculada à cultura e à economia em versão digital. Já a história do voto no Brasil não é nada recente. “Começa logo após Cabral desembarcar por aqui. Moradores da primeira vila fundada na colônia portuguesa – São Vicente, em São Paulo – convocados pelo donatário Martim Afonso de Souza, foram às urnas eleger o Conselho Municipal, em 23 de janeiro de 1532. Em votação indireta, o povo elegeu seis representantes que escolheriam os oficiais do conselho”. Quem conta é Antonio Carlos Olivieri, da Página 3 Pedagogia & Comunicação. Em 1821 ocorre a primeira eleição brasileira nos moldes modernos. Foram eleitos 72 deputados do Brasil para as Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, após a Revolução Constitucionalista do Porto e a volta de dom João VI a Portugal, em 1820. Como se sabe, desde 1808, dom João governava o Império português a partir do Brasil, devido à invasão do país por Napoleão Bonaparte. À época Reino Unido a Portugal e Algarves, deixáramos a condição colonial. Desse processo resulta a proclamação de nossa Independência por dom Pedro I, em 1822. Com nova ordenação jurídica e política, novas regras eleitorais. A primeira Constituição brasileira, outorgada por Pedro I, em 1824, define as normas iniciais do nosso sistema eleitoral. Institui a Assembleia Geral, órgão máximo do Poder Legislativo, composto por duas casas: o Senado e a Câmara dos Deputados, a serem eleitos pelos súditos do Império. O voto era obrigatório, mas censitário: só homens com mais de 25 anos e sob renda determinada tinham capacidade eleitoral. Estavam excluídos da vida política as mulheres, assalariados em geral, soldados, índios e escravos. As votações ocorriam em quatro graus: cidadãos da província votavam em compromissários, que elegiam os votantes de paróquia. Estes, por sua vez, elegiam os eleitores da comarca, aos quais cabia eleger os deputados. Os senadores eram nomeados pelo imperador. Com o advento da República, a primeira votação direta para presidente somente ocorreria em Prudente de Morais, primeiro mandatário civil, chega ao poder com cerca de 270 mil votos, 2% dos brasileiros à época. O voto feminino, adotado em 1932 é exercido em 1935. Com o Estado Novo (1937-1945), as mulheres só tornam a votar a partir de 1946. A ditadura Vargas e a dos militares (1964-1985) privaram o eleitorado de eleger o chefe da nação por nove vezes. Em 125 anos de República, sob controversa exatidão (28 ou 35 presidentes?), apenas 17 foram eleitos por votação direta. Até 1987 o voto era um direito negado aos analfabetos, contingente significativo da população. Não há surpresa, portanto, no fato de presidentes eleitos com votação expressiva, como Jânio Quadros, em 1960, com seis milhões de votos, envolver meros 10% da população. Com a Constituição de 88 o eleitorado aumenta consideravelmente e já chegamos à casa dos 141 milhões. Hoje, o voto é obrigatório para todo brasileiro maior de 18 anos e facultativo a analfabetos e aos com 16 e 17 anos ou mais de 70 anos. Estão proibidos de votar os estrangeiros e os que prestam serviço militar obrigatório. Agora é hora de voltarmos às urnas.

Sob o manto do marketing político

A sociedade do espetáculo, mesmo na era do capitalismo cognitivo, vive sob o imperativo da mercadoria. Um fascinante universo em que tudo tende a se converter em produto. Quem opera na área de marketing sabe o quanto a eficácia de um produto está diretamente relacionada, mais que à sua utilidade ou ao seu conteúdo (porque existem diversos similares concorrendo entre si), à forma com que é apresentado. Por isso expande-se, a cada dia, o mercado produtor de embalagens. Elas se tornaram determinante para o sucesso dos produtos em todos os setores da economia e, também, na esfera de campanhas eleitorais como a em que transitamos, via rádio e TV, desde 19 de agosto e até 2 de outubro. Convenhamos que, no marketing político, o ato de “estampar” os candidatos junto ao eleitorado potencial possui a mesma função, para efeito da publicidade, que a dos bens industrializados. Isto é, produtos indiferenciados, políticos com as mesmas ideias e propostas, são apresentados como se diferentes fossem. Do mesmo modo, candidatos divergentes são convertidos em similares. Transformados em marcas, o objetivo é que 141,8 milhões de eleitores-consumidores, expropriados de sua real cidadania e injetados pelo recall (lembrança), votem (ou comprem) de acordo com a marca de sua predileção. Tais ferramentas de sedução mobilizam sorrisos photoshop, emoções lacrimejantes, promessas irrealizáveis. Esbravejam denúncias, acenam novos compromissos sob a fiança de programas de governo, a assegurar a realização de direitos sociais, qualificação dos serviços públicos e expansão da gratuidade, nos casos dos cargos executivos, ou a defesa de demandas sociais sempre gritantes, no caso dos candidatos aos parlamentos, frente à sociedade exaurida a alimentar a esperança de um novo porvir. Mas, afinal, de qual modo as campanhas políticas contribuem para a educação política dos cidadãos, para a compreensão das diferentes posturas ideológicas predominantes e que correspondem à existência de interesses sociais contraditórios? A tendência da política como espetáculo consolidou-se no Brasil desde a campanha presidencial de 1989, case recorrente, com a eleição de Fernando Collor, levada a efeito pelo papel decisivo desempenhado pela Rede Globo e pela própria campanha do candidato valorizando a imagem de juventude, a alegada condição de não comprometido com os vícios (as corrupções) da política e para dar no que deu: o histórico impeachment. A propaganda eleitoral de Lula da Silva, por seu turno e à época, parodiava programas da mesma Globo – a assegurar propostas de ruptura com o FMI (afinal realizada) e em defesa da reforma agrária (permanentemente adiada). Derrotada, a estratégia do PT passou a seguir caminho oposto, com adesão à ideologia neoliberal, conforme se verificaria no início do seu primeiro governo, em 2003. Contrariando o filósofo Antonio Gramsci, há teóricos no espectro partidário da esquerda que acreditam ser possível, no marketing político, subordinar a “transmissão de conteúdos políticos transformadores da realidade social”, desde que as técnicas de marketing estejam sob controle das instâncias partidárias. Supõem poder separar forma e conteúdo. Ou seja, uma forma burguesa (o marketing) serviria para divulgação de conteúdos revolucionários (o socialismo). Conforme o poeta Vladimir Maiakóvski, “não há forma revolucionária sem conteúdo revolucionário”. Para Gramsci, a ideologia da classe trabalhadora não difere da ideologia burguesa apenas no conteúdo, mas na forma como deve ser construída, com a “participação ativa dos trabalhadores”. Contudo, o que seria a construção de uma concepção de mundo oposta à visão burguesa, afastou-se numa representação. O espetáculo “é o momento em que a mercadoria chega à ocupação total da vida social” (Guy Débord), submetendo o homem depois que a economia já o arrasou inteiramente. E assim, nessa tênue democracia representativa, com 31 partidos em disputa, seguimos embrulhados, devidamente alienados dos nossos reais interesses, em favor de propósitos governantes a nos surrupiar a alma sob o manto do capitalismo. Até quando, Oscar Wilde?

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