Zona Curva

Escritos

Crônicas, desabafos, contos. Espaço livre para nossos colaboradores.

A face invisível dos rolezinhos

Vendo o quanto tantos ficaram na superfície do fenômeno dos rolezinhos– mobilização de jovens moradores de áreas periféricas em shopping centers do Rio e São Paulo – surfando na crista da onda sem ousar um mergulho mais profundo, vale refletir a questão sob a ótica não apenas do consumo, mas sob as faces políticas da excludente ideologia do Consumo e da crítica à Sociedade do Espetáculo. É inevitável partir da constatação de que a horda excluída também quer fazer valer o direito ao prazer do fascínio produzido em série e poder desfilar o glamour das marcas e seus mil e um acessórios “trade company” nestes templos das mercadorias ou “bunkers” do consumo. Não se dá conta de constituir-se uma espécie de subproduto da sociedade da abundância aparente (a sublimar seu viés proletarizante) – que nos transveste, excita e captura. Não há o que estranhar no dilema de setores da elite nacional frente ao mais anarquista dos atos da contemporaneidade à brasileira. Impossível de camuflar, tal “estratégia de libertação urbana” evidencia uma nova forma da luta de classes, em pura e, ao mesmo tempo, bruta discriminação econômica, social, étnica e até estética. Ao judicializar os encontros dessa juventude, orquestrados via redes sociais, sem identificar como capitalizá-los, criminaliza-se a pobreza. Não é meramente o espaço privado e supostamente público que se pretende interditar à circulação dos coletivos de jovens pobres e negros no universo refrigerado do império da moda: é o próprio território urbano de áreas nobres que se converte em locais de acesso proibido, em evidente segregação social, sob repaginado “apartheid”. Os rolezinhos, do mesmo modo, invertem a seta da gentrificação (enobrecimento) em voga. Contra a mentalidade escravocrata ainda reinante, a “nova senzala” vinda das periferias quer desfrutar o sabor da “coca-cola, subway e Mcs” na Casa Grande. As meninas sacolejam bolsas assinadas por Louis Vuitton. Os garotões trazem gravada a moda surf na camiseta Mahalo e a estampar nos bonés: “fuck you”. Desembolsam suas rendas a caminhar firmes sobre Nikes, Adidas, Asics, Olympikus, indiferentes à farta exploração da mão de obra – na Índia, Paquistão ou China – embutida na produção de tais mercadorias. “Ama teu rótulo como a ti mesmo”, sim, Joyce, diriam em paródia à estipulação cristã. MC Guime, ídolo do funk ostentação, em sua verdadeira ode ao consumo: Mas, ao levar o desejo a sobrevoar as asas da história, o que os “rolezinhos” denotam é uma desesperada e ingênua busca de visibilidade que, afinal, atenta contra a ordem e a assepsia da mentalidade burguesa pretensamente hegemônica, no equívoco de que o acesso ao shopping constitua-se em acesso à cidadania. Criados sob a segurança e a facilidade de encontrar tudo no mesmo lugar, aliando os conceitos de modernidade e progresso, os shoppings converteram-se desde meados dos anos 1980 em locais privilegiados para compras e lazer. O modelo foi importado dos Estados Unidos e implantado nas cidades brasileiras sob os mesmos critérios e contornos da origem. Seus proprietários, geralmente, são grandes grupos de investidores, construtoras ou holdings. O maior é o Aricanduva, em São Paulo, com 425 mil m². No Rio, o Center Norte tem 245.028 m². Na Bahia, o Salvador Shopping tem 82.500 m². Em 2013, as vendas do setor cresceram 10,65% e o faturamento alcançou R$ 119,5 bilhões. Em 2012 havia 495 shopping no país, quando apresentaram uma circulação média de 398 milhões de visitantes mensais. Novos 38 empreendimentos foram inaugurados em 2013, outros 40 estão previstos para 2014, segundo a Associação Brasileira de Shopping Centers. O setor contempla cerca de 900 mil empregos diretos. Sem dispor de capital cultural, acesso a espaços de lazer, oferta de empregos e serviços públicos dignos, notadamente em educação e saúde, isto é, frente à ausência do estado, essa parcela de jovens a irromper em rolés segue entorpecida pelos efeitos sedutores e ilusionistas da publicidade. Todavia, de modo inequívoco, os pobres já estão inseridos na lógica dos centros comerciais: Constituem o corpo de serviçais encarregados da faxina dos corredores, toaletes e na segurança terceirizada. Paciência, Hamlet, agora, “to be or not to be, that is the fashion”. Albenísio Fonseca é jornalista Jovens indignados de Alphaville organizam movimento

Jovens indignados de Alphaville organizam movimento

Com peitos estufados sob camisetas Abercrombie e Hollister, jovens integrantes do movimento Alphaville em Itaquera criam polêmica. Organizado pela elite paulista, a iniciativa tem sido considerada uma reação de jovens bem nascidos aos recentes acontecimentos em shoppings. Leia texto da página do evento organizado pelo movimento em uma rede social:  “No próximo domingo, às 17h, no Shopping Itaquera, Alphaville irá invadir a periferia. Em plenas férias, não conseguimos nem almoçar com a galera no Outback. Temos que reagir! O ponto de encontro será na portaria do Clube Paulistano. Contra a invasão de nossos shoppings pelas classes C, D, E ou Z!” O mentor do Alphaville em Itaquera é P. A. M., de 17 anos, herdeiro de uma rede de franchising de lavanderias e prefere não ser identificado. Na entrevista realizada em restaurante da rua Amauri, ele conta como surgiu a ideia: “Tomava uma caipirinha de kiwi com amigos na piscina do Paulistano e o papo descambou para a situação insustentável que estamos vivendo: você acredita que eu encontrei o filho de meu motorista no corredor do Shopping JK Iguatemi. Constrangedor! Criamos a página em poucos minutos com nossos Iphones 5 .” Na página do evento, foram convidadas 3 mil pessoas e 1,5 mil confirmou presença. P.A.M afirmou que recebeu apoio de parentes, vizinhos e colegas, mas vários de seus amigos não compareceram ao protesto já que estão em viagem de férias em resorts em praias do Nordeste e Punta del Este. Procurado pelo Zonacurva, colunista de revista de circulação semanal que recentemente escreveu que “Miami é a América Latina que deu certo” declarou apoio ao movimento. E completou: “confesso que sinto um certo alívio com a revolta desses jovens idealistas, demorou, mas chegou em boa hora!” Nossa reportagem recebeu autorização para acompanhar o movimento em sua visita ao Shopping Itaquera com a promessa de não fotografarmos a mobilização: Os sapatênis nos pedais aceleravam o comboio de Mercedes, Audis e Range Rovers na avenida Radial Leste e chamava a atenção da população. Na chegada ao shopping, muitos revoltaram-se com a ausência de valet no estacionamento. Pelos corredores, ouviam-se os gritos em coro da manifestação: “AH, URRÚ, Itaquera é nossa”, “Alphaville não é Barueri, não vamos sair daqui”. Os seguranças do shopping ignoraram a manifestação e alguns lojistas declararam sua solidariedade ao movimento. O cordão dos hipócritas

A carapuça e a guerra psicológica

Otavio de Carvalho, renomado pesquisador e coordenador de Estudos sobre a América Latina na Universidade Nacional do Vietnã, faz seu texto de estreia no Zonacurva: Bom dia, Vietnã ! (Ho Chi Minh, dia 07 de Janeiro) Nesse ano em que o mundo inteiro está de olho no Brasil, o que não acabará em 2014, sairemos do foco só em 2016 quando as Olimpíadas serão o marco para que o planeta compreenda e renove a imagem caricata que o imperialismo ibérico, inglês e yankee construíram do Brasil. Meninos e Meninas, eu juro! É tudo manipulação, somos vistos de fora através da visão que os colonizadores registraram sobre nós, em que o padrão é enxergar o brasileiro como preguiçoso e essencialmente corrompido, seja na economia ou no estereótipo sobre nossa sexualidade. Ou você acha que ao lerem sobre o Brasil na academia o primeiro mundo mergulha em Darcy Ribeiro? Param normalmente no resumo de Casa Grande e Senzala, passam ligeiro por nossa literatura, e normalmente criam teses e mais teses, baseadas nos famosos brazilianistas. Quando qualquer executivo é convidado a trabalhar no Brasil, chega carregado dessa ideologia que nos denigre, mas, na maioria dos casos, em poucos meses caem na real, e tem que esquecer de metade dos preconceitos herdados, para descobrir um povo de verdade, com diversidade cultural, história e personalidade próprias, e que mesmo em sua singularidade, é mais similar do que se esperava, dada à força cultural europeia, visível no idioma, influência da igreja e na forma de organização do estado. Por isso mesmo, os gringos de mente aberta buscam o peculiar no Brasil e começam a procurar aquilo que nos diferencia, se apaixonando pelo sincretismo religioso, manifestações e gêneros musicais, literatura e humanidade nas relações, em especial nas cidades menores e entre as classes mais baixas.  Leia também sobre os gringos e o Brasil em “A invasão gringa” Mas por que o país interessa tanto aos centros de poder no exterior? A resposta é simples, com a crise capitalista yankee, os modelos ocidentais de sociedade tornaram-se escassos, a União Europeia mostrou que privilegia o capital e não o cidadão, nos EUA, as guerras, o controle absoluto da informação revelado por Edward Snowden e pelo Wikileaks, a ajuda irrestrita aos bancos e a falência da classe média mostram uma sociedade em declínio, onde a Rússia voltou ao cenário, mas não representa nenhum novo modelo, pois continua dependente de um déspota esclarecido ou não, enquanto a China parece um modelo somente para um pais igual a China, ou seja … para ninguém. A América Latina vem à tona com a falência do ultra liberalismo e por mostrarmos um caminho que, ao mesmo tempo, traz a carga cultural europeia, em roupagem exótica é verdade, busca equacionar os problemas sociais. Se nossos vizinhos tornaram suas sociedades mais divididas, com somente 2 lados, os contras e a favor, no Brasil, a sociedade tende a ser mais multifacetada e muitos lados acabam por coexistir. O Brasil é sim a sociedade ocidental do futuro, mas ainda não chegou lá, e aqueles em declínio não querem nossa emergência global, preferem nos sufocar a mudar a relação de forças do ocidente, mas sabem bem que no máximo conseguirão adiar seu declínio, pois qualquer previsão séria coloca o país como quinta economia do planeta já em 2025. Ao ver a mídia corporativa local demonizar a política, criminalizando seus atores, envenenando o debate, com ódio e sectarismo, nota-se uma orquestração que tenta desde a eleição de Lula, dividir a sociedade, incentivando que as pessoas não reconheçam os avanços realizados nesses anos. Dizer, por exemplo, que os anos PT foram a década perdida e convocar papagaios acéfalos a repetir isso diariamente nas mídias sociais, na base do “Copy” / “Paste” é desonestidade intelectual pura e manipulação da informação, táticas conhecidas como Guerra Psicológica, arma sutil da guerra fascista de direita, que Olavettes e Lobos Bobos repetem à exaustão. Vemos essa Guerra semanalmente nos jornais e revistas semanais vendidas, onde a Veja é realmente a mais bandida, pois qualquer notícia vale, qualquer fonte é boa, desde que enxovalhe Lula, Dilma e o PT, e quando qualquer denúncia atinge a oposição, que governa bastiões como São Paulo há décadas, seus colunistas agem primeiro com cautela exemplar e, na seqüência, defendem os poderosos, em especial tucanos, como se realmente acreditassem que entre seus pares somente existam santos que nunca se corromperiam. Já um Ptista é a priori ladrão. Essa dicotomia, vai de novo, vitimizar o PT e ajudar a eleger a Dilma, talvez até no primeiro turno, pois mesmo os desgostosos do lulopetismo, enxergam a manipulação midiática e se juntam ao povo que de carteira assinada, sabe bem o quanto a vida e perspectivas de seus filhos mudaram nos últimos 11 anos.   E justamente esse raciocínio que está levando a mídia corporativa ao desespero, e vão errar de novo ao investir na manipulação, nas “agressões de bolinhas de papel”, e factóides de qualquer mafioso de plantão, vide o espaço dado a Tumas e outros degenerados, e a incensão de Joaquim Barbosa a salvador da pátria, por aqueles que leem a Veja babando de emoção. O sonho dos reacionários é simples, um golpe pseudo democrático, mas que, no fim consiga banir o PT e seus quadros da política. Para isso topam qualquer coisa, e vão tentar usar da mentira e manipulação midiática para incutir medo e paranoias diversas na população, como vimos em 2013. Aqui no Zonacurva , serei uma trincheira de resistência e de luta para manter o diálogo político possível, e que o fascismo nunca mais prospere no Brasil. Na democracia, o povo escolhe, e quem ganha a eleição governa, e mesmo que seja nessa democracia de coalizão que temos, é bem mais transparente e aberto que qualquer aventura proposta por um salvador da pátria. Afinal, os cães do ódio ladrarão como nunca, mas a Caravana do Brasil Novo não vai parar para os fascistas embarcarem dessa vez.

Entre a fome e o combustível

Em meio ao anunciado fim da era do petróleo e da redenção energética através da biologia e da agricultura, o economista, engenheiro e diretor da École Supérieure d’Agriculture d’Angers, na França, Bruno Parmentier, pesquisdor sobre o futuro da alimentação, vem tirando o apetite dos estrategistas europeus, desde que lançou o livro Nourrir l’Humanité (Nutrir a Humanidade, editora La Découverte). No best-seller, ainda sem tradução em português, ele acena com uma “era da penúria” e parte do princípio de que garantir a nutrição de uma população fortemente expandida é uma novidade radical para a humanidade. Se até o século XVI, a população mundial pouco evoluíra, e apresentou crescimento suave nos séculos XVII e XVIII, seguido de outro mais acentuado no XIX, tocando mais a Europa e a Ásia, depois se espalhando para outras partes, em 1900, havia no planeta 1,8 bilhão de habitantes, 50% dos quais comiam satisfatoriamente. Mas contavam-se 800 milhões de mal nutridos. Há pouco mais de 50 anos, em 1950, éramos 2,8 bilhões e havia algo em torno de 800 milhões de pessoas com fome. Hoje, com a população mundial batendo no teto dos 6,3 bilhões, continuamos encontrando algo como 800 milhões de famintos. No viés otimista da leitura desses números, há a bela performance de que, em um século, a humanidade conseguiu dar o que comer a mais 4,5 bilhões de pessoas. Mas Parmentier nos leva a observar com certo pessimismo essa estranha “lei” fundamentada em um número persistente: qualquer que seja a população do planeta há sempre algo como 800 milhões passando fome. Leia entrevista de Bruno Parmentier, concedida em 2007 ao suplemento “Aliás”, do jornal O Estado de S. Paulo. É imperativo encontrar alternativas. Mas as reservas de terras disponíveis para agricultura são cada vez menores, boa parte por conta da urbanização. A mecanização da agricultura, a fabricação de fertilizantes e outros modos de produção dependem de energia. Com o preço mundial do petróleo sob forte tendência de alta, será extremamente sensível o impacto psicológico da cotação rompendo o patamar dos US$ 100, já iminente. Isso complicará a vida dos 28 milhões de agricultores do mundo que dependem da mecanização do setor. Em contrapartida, cerca de 250 milhões de produtores rurais trabalham com energia animal e um bilhão não tem nem animais nem tratores. Um bilhão de produtores está completamente à margem! Com cenários de números e estatísticas, ele se posiciona como defensor da produção de biocombustíveis, mas não com base em cereais, e questiona o fato de o Brasil, enquanto potência agrícola, ainda não ter solucionado a nutrição da sua população. Bruno Parmentier nos lança à reflexão frente à equação regida por uma coincidência: 800 milhões de pessoas sentem fome no planeta. Temos uma frota global de 600 milhões de automóveis e 200 milhões de caminhões. O número é o mesmo: 800 milhões querem comida, 800 milhões querem combustível. E agora? Albenísio Fonseca é jornalista. Conheça seu blog.

Easy Rider às avessas

Pelas estradas, a geração beatnik buscava liberdade. Nos road movies, é na velocidade da viagem que os protagonistas encontram novas perspectivas para a solução dos dilemas de suas vidas. Nas estradas paulistas no último feriado, milhões vivenciaram o inverso dessas experiências: a paralisia total em gigantescos e caóticos estacionamentos, principalmente, no caminho da almejada praia. Em piada conhecida, diz que o paulistano gosta tanto de trânsito que sempre o leva para onde vai. Foi o que aconteceu na enésima potência. A saída de Sampa na quinta (dia 14) à tarde, que levou o tráfego da capital a novo recorde (309 quilômetros), indicava mais uma vez como o sistema de transporte baseado em carros entrou em total colapso. Nas estradas, a situação foi ainda pior. A demora de 13 horas entre São Paulo e Caraguatatuba (mais que o tempo do voo São Paulo-Paris, de 12 horas) levou à revolta alguns motoristas na estrada Oswaldo Cruz, que liga Taubaté a Ubatuba. Eles tomaram a pista no sentido contrário, inclusive o acostamento, na desesperada tentativa de desafogar o trânsito. Na Baixada Santista, alguns motoristas demoraram 8 horas para percorrer os 77 quilômetros que separam São Paulo de Santos. A cobertura da TV, invariavelmente, supera o patético. Entrevista motoristas conformados e transforma tudo em frases do tipo: “no final, vale o esforço”. Lembro sempre de repórter descerebrada da TV Tribuna, retransmissora da TV Globo na Baixada Santista, que sempre perguntava para os banhistas que enfrentaram séculos na estrada: “mas esse congestionamento aqui na areia você gosta, né?” Surreal. Na capital paulista, ainda existem insuficientes e lentos esforços para melhorar o transporte coletivo como a construção do monotrilho, de novas estações de metrô e de mais corredores de ônibus. Já no caminho para as praias, não há nem projetos de iniciativas semelhantes. A opção de transporte coletivo resume-se ao ônibus, que mistura-se aos milhares de veículos particulares. Um pequeno e seleto grupo permanece imune ao caos. Do alto, em reluzentes helicópteros, enxerga a serpente de luzes vermelhas dos carros financiados envolvendo a serra do Mar. Ao seu lado, o político que pegou uma carona (de última hora) brinda com um bom uísque importado já que ninguém é de ferro.

Os mistérios da madame Blavatsky

Blavatsky – Reza a lenda que a maga Blavatsky possuía vários amigos invisíveis e se irritava com sua família e os criados quando eles não davam atenção a eles. Filha de nobres, a ucraniana Helena Blavatsky, fundadora da Sociedade Teosófica, apresentou dons psíquicos desde criança. Escritora, teóloga e filósofa, Elena Petrovna von Hahn (30 de julho 1831 – 8 de maio 1891) teve educação refinada e desde muito cedo mostrou-se rebelde e independente. Em espisódio que demonstra seu temperamento, a governanta da família a desafiou a encontrar um homem que tivesse coragem de casar com ela. Em tom de brincadeira, Helena sugeriu ao já idoso Nikifor V. Blavatsky que casasse com ela. O general topou, ela não se fez de rogada e passou à condição de senhora Blavatsky. O casamento durou pouco. Aos 17 anos, Helena saiu pelo mundo. Conheceu a Índia, Leste Europeu, África, Tibete e Ámerica do Sul. Na Índia, Helena conheceu dois mahatmas (mestres) que a iniciaram no esoterismo. Mas foi em Nova Iorque, em 1875, que Helena fundou ao lado do coronel Henry Steel Olcott a Sociedade Teosófica. Em carta a um amigo russo, Blavatsky explica o ideário da organização: “A Sociedade Teosófica será composta de ocultistas e cabalistas eruditos, de filósofos herméticos do século XIX e egiptologistas em geral. Queremos fazer uma comparação experimental entre o Espiritismo e a Magia dos antigos seguindo literalmente as instruções dos antigos cabalistas, tanto judeus como egípcios. Ao longo de muitos anos tenho estudado a filosofia hermética em teoria e prática, e a cada dia me convenço mais de que o Espiritismo em suas manifestações físicas não é nada mais do que a Píton de Paracelso, ou seja, o éter intangível que Reichenbach chama de Od. As pitonisas dos antigos costumavam magnetizar a si mesmas – leia Plutarco e seu relato sobre as correntes oraculares, leia Cornelius Agrippa, a Magia Adamica de Eugenius Philalethes, e outros. Você vai ver sempre melhor, e poderá se comunicar com os espíritos por este meio, o auto-magnetismo”. No livro A chave da Teosofia, Blavatsky discorre sobre os métodos usados para a obtenção do “conhecimento sobre-humano”. Segundo ela, “os antigos teósofos, assim como os modernos, sustentam que o infinito não pode ser conhecido pelo finito, isto é, percebido pelo finito; mas que a essência divina pode ser comunicada ao Ego Espiritual em estado de êxtase.”  A Teosofia se tornou, ainda que muito contestada, um dos mais bem sucedidos sistemas de pensamento eclético da história recente, unindo formas antigas e novas e provendo pontes entre vários mundos diferentes como sabedoria antiga e pragmatismo moderno, Oriente e Ocidente, sociedade tradicional e reformas sociais.  A Sociedade Teosófica existe em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil, conheça seu site. As principais obras de madame Blavatsky são Ísis sem Véu – obra em quatro volumes (1877), A doutrina secreta – obra em seis volumes (1888), Glossário Teosófico (1890) e a Chave da Teosofia (1891).   Krishnamurti, por Henry Miller A perseguição e sua influência no pensamento de Einstein Blavatsky foi contestada e acusada como um embuste algumas vezes. O casal Coulomb fez um relatório com acusações contra ela que foi publicado pela Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres. Nos Estados Unidos, ela também foi denunciada como agente do governo russo. Alguns escritos de Blavatsky também foram acusados de racistas por criticar comportamentos do povo árabe. Quando viveu na Índia, Blavastky foi perseguida em várias frentes: pelo governo inglês, pela polícia do vice-rei da Índia e por missionários protestantes e jesuítas. Segundo o site da Sociedade Teosófica,” uma das sobrinhas de Albert Einstein revelou, alguns anos após a sua morte, que seu livro de cabeceira era A Doutrina Secreta, de Blavatsky”. Ainda segundo o mesmo site, “intelectuais do mundo inteiro estudaram a Doutrina e descobriram lá as fontes de algumas das teorias do conhecido físico”. O livro de cabeceira de Einstein não é para iniciantes. A Doutrina Secreta foi definida assim por Mario Roso de Luna, biógrafo de Blavatsky: “esse edifício ciclópico do saber arcaico é um monumento prodigioso, mas ao mesmo tempo, desordenado e confuso. Não vamos entrar na controvérsia de que assim tenha sido feito deliberadamente, como parece deduzir-se até das frases de certos tópicos, e com o objetivo de estimular o estudante sincero, afastando outrossim, os leitores possuídos de mera frivolidade científica.”  Fontes: Blavatksy, A chave da Teosofia (Biblioteca Planeta, 1973), Wikipedia, site da Sociedade Teosófica no Brasil.  Huxley em sua última viagem

Disneylândia para intelectuais na Flip 2013

O exemplar de Eduardo Galeano descansa solitário na pilha errada na Livraria da Travessa da Flip, a mais cheia que conheci na vida. Duas de óculos o encontram e o disputam. Risadinhas amarelas. “Nossa, aqui é a nossa Disneylândia”. O Galeano volta para a prateleira. Ao contrário dos personagens de Disney, a lista daqui é multifacetada: artistas de rua, intelectuais de barba, hare krishnas em cantoria, séquito para leitora de poesia em barco no rio Perequê-açu (segundo o aviso, o passeio dura 50 minutos), descolados de plantão, vendedores de cordel caracterizados, e mais, como diz o outro, o público em geral. Na 11ª Flip (Festa Literaria de Paraty), engana-se quem acredita que os escritores e professores de blasers escuros são os protagonistas. A professora de português anônima está em todas as partes. A intelectual caminha cambaleante em dupla ou em pequenos grupos com sede por novidades pelas pedras de Paraty. A idealizadora da Flip, a inglesa Liz Calder foi ‘gênia’ ao bolar a festa. Não existe cenário melhor para o deleite intelectual do que Paraty. Em devaneio, imagino dois dos melhores escritores brasucas vivos, Rubem Fonseca e Dalton Trevisan, abandonando a toca e circulando tranquilamente pelas mesas do evento. Devaneio ainda mais: ambos papeando por horas com a longa fila de jornalistas. Muita coisa acontece por aqui ao mesmo tempo. Ao entrar para ver as fotos do fotógrafo americano apaixonado pelo Brasil, David Drew Zingg, dos bambas da MPB, fui surpreendido com as divagações certeiras do escritor Bráulio Tavares sobre Lugar Público, obra de 1965 do maldito José Agrippino de Paula para a Rádio Batuta do IMS (Instituto Moreira Salles). Lembrei do lançamento pela Editora Papagaio há mais de 10 anos do livro mais conhecido de Agrippino, Panamérica, publicado originalmente em 1967, e que fez a cabeça da galera da Tropicália. Para arrematar o primeiro dia, vi cena que seria inspiradora para as trips literárias de Agrippino: cercado por duas dezenas de ‘fãs’, o popstar Gilberto Gil incólume em seu carro com insufilm nos vidros fechados, guiado por motorista-segurança em terno preto. A menina de uniforme escolar e bloquinho na mão vibrou: “eu vi ele, eu vi ele”.

A primavera

O poeta Marco Piantan (http://www.piantan.blogspot.com.br/) publica pela primeira vez no Zonacurva. Leia poema inspirado pelas manifestações nas ruas de Sampa: A Primavera nasce no coração da terra No fundo escuro dos maiores desejos e surpreende até os mais céticos com o desabrochar de suas flores desperta os corações mais cansados com a delicadeza de seus sonhos acorda do sono profundo todo um povo com o canto dos pássaros encantados pelas flores que crescem com a fumaça das bombas desarmando com seu perfume os preconceitos aprofundando em cada um sua raíz até tomar cada rua das cidades do meu país A primavera se espraia em levantes de alegria e contagia com sua poesia nossas vidas colorindo o solo de nossa terra amada com novas esperanças de mudanças com novos futuros para nossas crianças quem poderá calar o clamor que se eleva das ruas? quem poderá deter o desabrochar das rosas que atacam o inverno de nossos corações? Aos poucos não haverá nenhuma rua nenhuma sala nenhum coração nenhuma janela que se mantenha fechada ao apelo da beleza da vida que nos convida à canção canção de amor e paz numa terra castigada pela fome, miséria e opressão canção de luta e de libertação em plena rua de braços dados com nossos irmãos.

Cinco flashes do gigante que acordou

Flash 1 Na semana passada, a morena de legging colorido e polainas pretas vivia em pânico. Passou a ouvir a CBN e a Jovem Pan AM no caminho para a academia. Se tivesse protesto, perderia a aula de spinning. Nada podia atrapalhar a rotina de exercícios e o regime que já a tinha feito perder três quilos nos últimos dois meses. Flash 2 Ontem ele ligou o dia inteiro em seu Iphone 5 e nada. Irritado, o diretor da empreiteira finalmente consegue encontrar o assessor do Secretário de Obras: – Tá difícil te achar, hein. E aí, alguma novidade? – Xiii, o pessoal por aqui anda paranóico, tá tudo de cabeça pro ar, a secretária do Cleison me disse que pararam de liberar as verbas, pelo menos até a poeira abaixar. – Sacanagem, o dinheiro já tá na conta faz três meses. – Calma, calma, o negócio vai virar… Flash 3 Anderson não foi trabalhar três dias nas últimas duas semanas. Anda feliz da vida. Nas folgas, faz visitas rápidas à casa de Clotilde pela porta dos fundos. Clotilde, loirinha e magrinha, largou seu emprego de atendente de papelaria para cuidar de seu segundo filho, Manoel Júnior. Manoel sai cedo para o trabalho, vai de bicicleta. Anderson acha que “essa molecada tá certa, eles tão mudando o Brasil”, falou para colega no boteco do bairro. Flash 4 O policial aposentado entra no elevador e vocifera contra o estudante de Ciências Sociais com cartolina embaixo do braço: – Isso aqui tá uma baderna, tem que descer o pau nessa molecada folgada! – O senhor está me provocando? – Nem te conheço mas, pra mim, vagabundo que quebra tudo tem é que levar bala! – Santa ignorância, nem sabe o que fala! O elevador chega ao térreo. Flash 5 A professora universitária chorou muito ao lado de seu gato preto na sala do apartamento de um quarto ao ver as imagens das manifestações na tv a cabo. Lembrou dos anos 60, lembrou de como tinha um corpão e de que nunca mais sentiu-se tão livre como naquela época, mesmo sob a ditadura militar.

Procuram-se domésticas

Com casa e filha para cuidar e faxineira apenas uma vez por semana como ajuda, aceitei após dois meses dica de amiga e apelei para agência de serviços domésticos. Encontro com a primeira candidata agendado. A executiva fez escala na Sephora, calçou salto alto e com vestido de grife chegou acompanhada da senhora negra constrangida com meias-calças grossas de malha e uniforme surrado. A aspirante a socialite começou a falar com o linguajar de vendedora de carro sobre a experiência da candidata de olho na taxa equivalente ao primeiro salário da doméstica. Parei a prosa e puxei papo com a entrevistada até então calada, tentando ignorar a presença da mercadora de mão de obra. Lembro de seu sorriso sincero quando perguntei sobre crianças e falou sobre seu filho adolescente. Não a contratei, pena, talvez tivesse trabalhando em casa até hoje. A convivência diária com domésticas e babás é de aprendizado constante. Algumas já me ajudaram muito enquanto outras simplesmente, do nada (mesmo!), me deixaram na mão. Os direitos prestes a serem aprovados no Senado são justos e necessários, mas, sem dúvida, ficará mais caro contar com ajuda em casa. Experientes e novatas empregadas domésticas abandonam a profissão a cada dia, realizam cursos de aprimoramento profissional e migram para o trabalho ‘em empresa’. Muitas fogem do abuso e desrespeito de certas patroas. Para aqueles de classe média que evitam conviver a todo custo com a realidade da maioria dos brasileiros, nessa hora não tem como fugir, não se pode recorrer ao insufilm ou ao segurança de terno e walkie-talkie. Por esses dias, no elevador de serviço, ouvi papo entre duas trabalhadoras sobre a perspectiva da nova lei: “se o patrão for bom, ele vai conversar com a gente!”. A outra não respondeu, acho que o patrão dela não é. De novo no elevador de serviço (mais uma invenção segregacionista brasuca), pirralho de uns 4 anos soca a babá em seu uniforme branco. Ela repete: “se continuar, vai para o cantinho do pensamento”. É duro criar o filho dos outros. Outros falam de boca cheia que o fim das babás e domésticas reflete o atual desenvolvimento do país e que caminhamos para a realidade de escassez dessa profissional como nos Estados Unidos e Europa. Será que, em vez de empregadas mexicanas e da América Central como nos EUA, teremos, por aqui, babás bolivianas e paraguaias? Em cenário desesperador para mães e pais de classe média, imagino outra inovação de nossa pujante economia: greve de babás e domésticas. Imaginem três meses de greve, a classe teria nas mãos a maior margem de negociação da história sindical. Talvez só semelhante a de garçons e motoristas de ônibus.

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