Zona Curva

Escritos

Crônicas, desabafos, contos. Espaço livre para nossos colaboradores.

As agruras e alegrias de certo pai no mundo das princesas

Crio minha filha de 5 anos praticamente sozinho, com isso, aprendo um tanto e outro tanto. Em festinhas de aniversário de amiguinhas da escola, não espero conversar sobre futebol ou MMA, mas algumas mães podiam colaborar e evitar assuntos como, por exemplo, as diferenças entre a primeira e a segunda gravidez; Não olhem para mim como se eu fosse um alien quando espero minha filha sair do balé; Algumas princesas têm nome civil e codinome nos corredores dos palácios, por exemplo,  a Pequena Sereia do conto do dinamarquês Andersen atende por Ariel; a Bela Adormecida e Aurora também habitam o mesmo corpo; “Filha, esse vestido está tão bonito mas não tem em rosa”, “pai, eu quero um vestido rosa”, o rosa ocupa a pole, o resto da paleta de cores, bem, é só o resto; A maioria das princesas são submissas e sem atitude e os príncipes totalmente controlados pelos caprichos delas, nos resta passar para as pequenas boas lições e separar o joio do trigo nessas historietas; Minha filha ama as princesas, me conformo ao constatar que é uma fase e suas amiguinhas também veneram essas moçoilas sonhadoras e manipuladoras, isso não indica que ela será consumista e fútil quando adulta, ela adora livros também, ufa!; Fuja da história do João e o Pé de Feijão. O ogro é feio e tosco, mas isso não dá o direito de João roubá-lo e fazer o diabo com ele, que moral de história é essa; Um dia vou perguntar para Maurício de Sousa como explicar tanta pancadaria e xingamentos em suas histórias,  o pior é que minha filha adora; Muitas mães vibram quando falo que crio minha filha só, em seguida, dão aquela olhada para o marido como se dissessem: “viu e você que não me ajuda nem a colocar ela para dormir”; Esqueça consultor de mídias sociais ou analista de TI, a profissão mais valorizada no momento atende pelo nome de babá; Já ouvi esses gurus da educação infantil dizerem que quando um menino bate na sua filha é porque gosta dela, sei, sei, “filha, reage e depois chama a tia, tá!” Em off: se não resolver, avisa o papai :).

Deus também usa SMS

Todos os dias pela manhã, recebo salmos da Bíblia em formato SMS em meu celular. Malaquias 2, 12; Hebreus, 3, 12; Jeremias 29, 11, e por aí vai . Catequização via operadora. Curioso, ligo para o celular que envia as mensagens e caixa postal direto: “sua mensagem será encaminhada à caixa postal e estará sujeita à cobrança após o sinal. Essa é a caixa postal de bippppp. DEUS, estou em viagem de trabalho a Cabul, Atenas e Cartum, deixe seu recado”. Ensimesmado, desliguei. Sou mesmo pessimista, sempre acreditei que as mensagens eram enviadas por pastores engravatados e um séquito de mocinhas de telemarketing com base em listas infindáveis de números de celulares de almas desgrarradas. Ledo engano, o número era dele mesmo, em carne e osso, ops! DEUS resolveu se integrar à aldeia global. Revoltou-se com Universais e Renasceres. ELE e seus assessores enviam mensagens para recuperar corações em desespero. Conta no Twitter ELE tem (@oCriador). É fake? Tenho minhas dúvidas. Algum crente ou beato pode me acusar de blasfemo. Consultoria espiritual por SMS, um mercado a ser explorado, diria o marketólogo de plantão. “Recomendo o uso do marketing de guerrilha para o cliente”, completa. Não dar esmola para o mendigo manco no sinal logo depois de ter recebido meu salário é pecado?  Xingar o motoboy que deu uma fina no meu carro que ainda nem foi quitado é pecado? Para a estratégia surtir efeito, a resposta tem que ser ágil e, de preferência, confortadora. Todos ouvimos trilhões de vezes (imagina ELE) que a tecnologia é somente ferramenta, o importante é o uso que se faz dela. Taí. Já que poucos acordam aos domingos 7 horas de manhã para ir à missa, DEUS agora usa SMS.

O paulistano

O paulistano conforma-se com quase tudo. O paulistano vota errado. O paulistano sempre reclama do trânsito. O paulistano mora aqui para ganhar dinheiro. O  paulistano sonha em abrir uma pousada na praia. O paulistano envergonha-se de sua cidade. O paulistano escuta trovão e pensa em congestionamento. O paulistano adora a avenida Paulista. O paulistano conta os minutos para tomar sua cerveja no final da tarde. O paulistano lota o parque do Ibirapuera no verão. O paulistano esquece o dia do rodízio. O paulistano está parado na Marginal e nem liga mais para o rio podre. O paulistano adora dizer: “não tenho qualidade de vida”. Os paulistanos conseguiriam melhorar sua cidade.

O presente burocrático

Papai Noel sentado no meio da Paulista, árvore gigante no Ibirapuera, o contagiante e irritante espírito natalino aportou em Sampa. Molharam o Gizmo. A lista de caixinhas multiplica-se como gremlins, do entregador de jornal, dos funcionários do prédio, do estacionamento, dos lixeiros, algumas de origem insólita. Distribuição de renda by Santa Claus. Todos ganham um por fora. Pelos quatro cantos, a pergunta que não quer calar: “se não der presente para fulano, vai ficar chato?”. Em ato de desespero, toma-se o rumo do shopping ou da FNAC com a indefectível lista de Natal. Pensamento no fulano, nenhuma idéia à cabeça. Poupe seu dinheiro com o presente burocrático, ofertado sem o menor sinal de vontade, por pura obrigação. A vítima do presente burocrático sempre percebe, chefes entediados ou tios famintos pelo tender não contam. Muitos felizardos agradecem animados em momento teatro mambembe o presente sem graça, soa mais falso que nota de três. Existe também o presente burocrático institucionalizado. O tal do amigo secreto da firrma. Para esse, sem escapatória. Presente demonstra afeto, teoria boa, difícil de aplicar. O presenteado sente quando o regalo foi dado por amigo ou familiar que realmente o conhece. Missão complicada de completar, mas, como diz mais uma propaganda natalina entre centenas na telinha, “é época de transformar seu desejo em realidade, compre…” Se você ganhou lenços Presidente ou meias Ace de sua avó, não se entristeça ao crer que ela não lhe tem afeto. Ela se preocupa que se uma ‘corrente de ar’ o pegar desprevenido e você se gripar, irá assoar o nariz direitinho e manterá os pés bem aquecidos. Para muitos, sentimentos como inadequação e rejeição afloram no chamado período de festas. Só em imaginar a ausência de presentes, calafrios percorrem suas espinhas. Se isso infelizmente acontecer, vai ver que o pessoal só está duro mesmo.

O monstro Mercado

Mercado vive há décadas nos esgotos de Wall Street. Alimenta-se diariamente de esperança e miséria. Durante um mês por ano, passa férias no parque construído especialmente para seu descanso nas Ilhas Cayman. Dentro de seu duro coração, há espaço para saudades de aliados de primeira hora como a família Bush e Margaret Thatcher. Época em que ele escalava tranqüilo as torres do WTC e descansava a vista com o skyline da metrópole. “Bons tempos que não voltam mais”, suspira. Rei da metamorfose, Mercado aprendeu a gostar de Obama, Hollande e Merkel. Por anos, Mercado entoou seu hit Globalização, repetido ad nauseam pelos quatro cantos do planeta. Espécie de world music hipnótica, Globalização controlou o imaginário humano. “Sua pregação integracionista visava seu próprio umbigo”, protesta um de seus mais ferrenhos inimigos, a Liberdade. Em 2008, Mercado ficou gravemente doente. Nervoso em seu estado debilitado, vociferava ameaças terroristas. Políticos, economistas e executivos o medicaram com  muito dinheiro público diretamente na veia. Uniformizados de Hugo Boss ficaram exultantes com sua pronta recuperação. Poucos perderam seus empregos e, apenas, um ou outro foi preso. Mercado curou-se e, aos gritos, pulava de galho em galho. Seu amigo inseparável, Desemprego vampiriza a energia de milhões de jovens, em especial, espanhóis. No passado, Desemprego e Mercado viviam uma relação que era uma montanha russa, hoje, vivem de mãos dadas como verdadeiros amigos de infância. Há meses, insistentes e ruidosos manifestantes têm atrapalhado seu sono. A insônia de Mercado afeta as bolsas ao redor do mundo. Ao olhar para o horizonte da Big Apple, Mercado sente um vazio no peito, é como se um pedaço de seu corpo tivesse sido arrancado. Mercado teme o futuro. Durante a madrugada, perturbadores pesadelos com milhões nas ruas em protesto o assombram.

Estudante tem mais que protestar

Maconha expande sua mente. Mantra usado e abusado durante 40 anos por muitos. Após a almejada e nem sempre alcançada expansão, a mente deve  buscar objetivos senão claros, a concretude de sonhos e desejos. Ou, ao menos, trazer para o cotidiano comportamentos ou temas fora da ordem estabelecida nos campos da cultura, política ou no combate a preconceitos, hipocrisias.   Quando o objetivo esgota-se no direito individual de consumir o quê, onde e como, sinal de alerta. Tenho esperança que o buraco seja mais embaixo! Tomo café e pão na chapa na padaria e escuto o executivo afrouxando a gravata a caminho de seu trabalho das 9h às 18h: “esses estudantes maconheiros não querem nada com nada, tem que descer o pau neles”, o atendente com seu uniforme ocre e chapéu da mesma cor: “são uns vagabundos mesmo”. O movimento estudantil é uma babel. Nerds, barbichas com camisa do Che, descoladas deslocadas, projetos de futuros vereadores. No meio da fauna, gente boa e inteligente. Participei do Leão XXIII, centro acadêmico da FEA-PUC por volta de 1992. Em uma reunião que se arrastava por três horas, discutia-se se o ângulo da parede a ser levantada para não atrapalhar o jogo de sinuca da galera. Foi o meu limite, fui. A universidade não é o terreno da objetividade, lá se pode almejar que o subjetivo encontre algum sentido nos colegas, nas aulas ou no boteco mesmo. A discussão é e sempre foi: aqui podemos criar um lugar de exceção, em que a liberdade individual seja mais relevante do que em outras paragens. Em resumo, a polícia e a repressão não apitam. No Capão Redondo ou na Vila Joaniza, prende-se o primeiro que acende um beque, aqui não. Polícia não está na USP para prender estudante que fuma, concordo. Se é válida a revolta para se criar um espaço de privilegiados fumantes de maconha com pitadas de combate à violência policial, que, convenhamos, protesto infundado de estudantes que dificilmente tomam geral dos homi em seu cotidiano, não sei. Como isso vai ajudar a discussão sobre drogas e comportamento, se até FHC confunde-se com D2 hoje, também não sei. Outros temas como a precariedade educacional, os direitos individuais e a truculência da PM tucana entrarão na pauta dos protestos e suscitarão um debate mais amplo, talvez não passe de esperança e uma certa urgência do debate de temas também importantes. O sinal é amarelo porém promissor. Estudantes em confronto com a polícia, executivo revoltado na padaria, celeuma na mídia conservadora, todos querendo palpitar nas mídias sociais, coisa boa pode sair disso tudo!