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Política análise

Análises de nossos colaboradores sobre a conjuntura política.

O que quer dizer populismo?

por Luiz Gonzaga Belluzzo, na Carta Maior  O filósofo italiano Bifo Berardi não deixa barato: ‘A palavra populismo, muito usada nestes tempos, é uma fraude. Não explica coisa nenhuma’ Em entrevista recente ao Estadão, o ex-presidente Fernando Henrique valeu-se da expressão “populismo” para estigmatizar os eleitores dos adversários. Meu professor de Sociologia juntou-se à turma que manda e desmanda no mundo da globalização, sempre empenhada em desqualificar a moçada que sobrevive no prejuízo. Encarapitados nos píncaros reservados ao 1% da distribuição de renda e riqueza, os homens bons lançam mensagens de menosprezo aos que labutam no vale de lágrimas. Populismo é uma palavra sem conceito que exala preconceito. Ela pretende dizer que os “esclarecidos” decidem de maneira racional, não por interesse próprio. Dizem que os desvalidos e os mais pobres atacam os orçamentos na defesa de seus interesses. Já os sábios do andar de cima e seus especialistas, esses não, eles encarnam a racionalidade, exercida do alto de seus escritórios almofadados. Sem essa e mais aquela, eliminam a contraposição de interesses e vão jogar Lego com as hipóteses ridículas sobre a economia e a sociedade, não é assim professor Fernando Henrique? O filósofo italiano Bifo Berardi não deixa barato: “A palavra populismo, muito usada nestes tempos, é uma fraude. Não explica coisa nenhuma”. Bifo vai mais fundo para diagnosticar os desencontros entre as visões dos iluminados e os desvios dos obscurantistas-populistas. “A soberania popular, enquanto faculdade de governar a vida social, está irremediavelmente perdida porque, em uma era de aceleração da hipercomplexidade, a vontade popular é impotente diante dos automatismos técnicos e linguísticos que a sociedade não pode obstar”. Continuo dialogando com Berardi, sem aspas. Concordamos. Na cena global, movem-se hoje dois atores, a abstração globalizante e os corpos aprisionados no espaço jurídico-político dos territórios nacionais. Incapaz de desfrutar da universalidade, a corporeidade da massa “populista” conflita com a abstração produzida pelo cérebro financeiro. A aceleração do tempo produz o amesquinhamento do espaço onde sobrevivem os mortais de carne e osso. A abstração dos mercados, no entanto, tem forças para adaptar seu código aos desatinos do corpo dos pobres mortais (ou dos mortais pobres?). Em suas metamorfoses camaleônicas, os mercados reagiram favoravelmente à vitória de Trump. Wall Street é perfeitamente compatível com o nazismo, como ensina a história. O modelo neoliberal continua a impor-se mediante seus automatismos, a despeito da dissolução do consenso. As camadas dominantes e rentistas, depois de lançarem a economia mundial no colapso, exigem uma aceleração histérica das políticas perversas e portadoras de mais desigualdade. As novas formas financeiras contribuíram para aumentar o poder das corporações internacionalizadas sobre grandes massas de trabalhadores, permitindo a “arbitragem” entre as regiões e nivelando por baixo a taxa de salários. As fusões e aquisições acompanharam o deslocamento das empresas que operam em múltiplos mercados. Esse movimento não só garantiu um maior controle dos mercados, como também ampliou o fosso entre o desempenho dos sistemas empresariais “globalizados” e as economias territoriais submetidas a regras jurídico-políticas dos Estados Nacionais. A abertura dos mercados e o acirramento da concorrência coexistem com a tendência ao monopólio e debilitam a força dos sindicatos e dos trabalhadores “autônomos”, fazendo periclitar a sobrevivência dos direitos sociais e econômicos, considerados um obstáculo à operação das leis de concorrência. Nesse ambiente darwinista, são cada vez mais frequentes as arengas dos economistas, sacerdotes da religião dos mercados, contra as tentativas dos simples cidadãos e cidadãs de barrar a marcha do Moloch insaciável e ávido por expandir o seu poder. A gritaria dos sábios das finanças é desferida contra os “desvios” da política, contra os surtos de “populismo”. Escabroso em sua simplicidade, tal arremedo de inteligência imagina que o debate econômico se desenvolve em um ambiente a-histórico, movendo-se eternamente entre a racionalidade dos economistas e o populismo das urnas. Essa geringonça intelectual reproduz a obsessão dos conservadores de todos os tempos e lugares com o “vício” populista dos governos que arriscam políticas sociais. Quando um sábio ou magano da finança e da economia saca do coldre a palavra populismo, meus ouvidos traduzem “é um assalto”. Levanto os braços imediatamente diante das ameaças do agente racional engomado. Publicado originalmente na Agência Carta Maior. O que é marxismo cultural?  

Febre amarela de volta

por Elaine Tavares Nada no mundo humano é por acaso. Então, qual o motivo do estado de São Paulo estar vivendo um surto de febre amarela, uma doença que supostamente estava sob completo controle no Brasil, sem casos urbanos desde 1942? Essa é uma pergunta que não vemos nos meios de comunicação. Os noticiários mostram o caos nos postos de saúde paulistas, com pessoas fazendo filas quilométricas para tentar garantir uma vacina que não está disponível, mas são incapazes de investigar as causas de todo esse drama que já cobrou, só em São Paulo, 21 vidas. A falta de vacinas é a aparência de um problema que é muito mais complexo: a sistemática redução do orçamento em ciência e tecnologia. Em março do ano passado, o governo golpista cortou 44% dos valores previstos para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação (MCTIC), o que se significou uma redução de mais de R$ 570 milhões nos repasses de R$ 1,3 bilhão esperados pelo CNPq. Agora em 2018 há uma previsão de mais cortes, o que significa que o ministério que cuida da ciência estará operando com menos de 25% do orçamento que tinha no início da década. Esses são dados revelados pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A Fundação Oswaldo Cruz tem denunciado sistematicamente o drama de todos esses cortes para o país, bem como o desmantelamento de programas aplicados ao ensino médio, visando formar jovens pesquisadores. Além disso, a Fiocruz e outros setores da ciência nacional e da saúde pública denunciam o progressivo desmonte do SUS que implica no desaparecimento de agentes comunitários de saúde e agentes de combate a endemias. Esses dois últimos fundamentais para o acompanhamento da saúde das gentes em casos como os da febre amarela, ou dengue, ou zika, também bastante preocupantes. A febre amarela é causada por um vírus transmitido por um mosquito silvestre. Nas áreas de mata, esses mosquitos atacam os macacos, já na cidade, o hospedeiro natural é o ser humano. E se outro mosquito pica uma pessoa infectada, a doença vai se espalhando. Espalhou-se a informação de que são os macacos que transmitem o vírus. Não é verdade. Eles são hospedeiros também e acabam sendo os guardiões dos humanos, pois ao serem acometidos do vírus, morrem. Assim, se numa área se nota a morte dos macacos, é sinal de que a febre se instalou. E o próximo hospedeiro será o ser humano. Assim que exterminar os macacos só piora as coisas. Segundo informações colhidas pela Fundação Oswaldo Cruz, os casos de febre amarela começaram no ano passado em Minas Gerais, espalhando-se depois para o Espírito Santo, Bahia, São Paulo e Tocantins.  Os primeiros casos foram comprovadamente provocados pelo mosquito silvestre (o Haemagogus e Sabethes), e a Fiocruz orientou que fosse feito um trabalho de contenção com a vacinação em massa em até 50 quilômetros no raio de abrangência. A preocupação era de que os casos chegassem à cidade, onde o vírus não passa por nenhum hospedeiro animal e infecta diretamente o humano, sendo repassado pelo já conhecido Aedes aegypt, que também transmite o vírus da dengue, zika e chikungunya. Um ciclo desses na região urbana pode ser gravíssimo, pois cada caso diagnosticado equivale a um leito na UTI. Por isso não é à toa o medo das pessoas que acorrem aos postos de saúde para garantir a vacina. Há que ter ação urgente do Estado no sentido de imunizar a população. Os casos de febre amarela terem surgido na região de Minas Gerais podem ter relação direta com o crime ambiental provocado pela Samarco, quando a barragem rompeu despejando 55 milhões de metros cúbicos de lama tóxica no Rio Doce, matando-o e espalhando a morte também para seus afluentes até o mar. Essa constatação foi feita ainda no ano passado pela bióloga da Fiocruz, Márcia Chame, quando começou a verificar o aumento dos casos suspeitos de febre amarela na região do desastre. “Mudanças bruscas no ambiente provocam impacto na saúde dos animais, incluindo macacos. Com o estresse de desastres, com a falta de alimentos, eles se tornam mais suscetíveis a doenças, incluindo a febre amarela”. Logo, o crime da Samarco, além de ter cobrado 19 vidas na época, agora, por conta da incompetência e desatenção do poder público, pode desatar mais uma tragédia. Assim que, como bem orientam os pesquisadores da Fiocruz, é fundamental a ação rápida do Estado na vacinação da população. Não é possível que o problema já tenha se espalhado de tal maneira a atingir cinco estados da federação. Considerando que a cidade de São Paulo é uma metrópole que recebe gente de todo o país, em trânsito contínuo, se não houver o cuidado devido, o surto pode se difundir por todo o país. A situação é muito mais grave do que parece. Outro problema a ser enfrentado diz respeito aos sintomas da doença, muito parecidos com os de uma gripe forte. Febre alta e amarelão devem ser observadas, a urina preta também é sintoma pois o vírus causa falência renal e sangramentos.  Por isso o alerta dos pesquisadores. Todos os casos suspeitos precisam de atendimento médico imediato e observação aguda por parte dos médicos. Como essa é uma doença pouco conhecida, já quase erradicada, muitos profissionais podem confundi-la, o que pode ser fatal para o doente. Assim que o que se vê agora em São Paulo não é uma coisa isolada, muito menos uma fatalidade. É fruto da falta de cuidado do estado que começou lá no crime da Samarco e vem se aprofundando com o desmonte das entidades e instituições de pesquisa e do próprio SUS. Aos primeiros casos surgidos em Minas Gerais, o cuidado deveria ser de alerta total. Não foi. Agora, diante dos casos na maior cidade do Brasil, locomotiva da produção no país, vê-se o despreparo dos órgãos públicos. Não por falta de profissionais competentes e pesquisadores alertas. Mas, por conta de que, como sempre, as pessoas não foram consideradas prioridade nas políticas públicas e as denúncias levantadas lá no começo,

Jerusalém e a memória da dor

por Elaine Tavares Era 14 de maio de 1948 quando a Organização das Nações Unidas decidiu criar por decreto o estado de Israel, dividindo o território ocupado pelos palestinos em dois, com a participação decisiva do brasileiro Osvaldo Aranha, então representante brasileiro na ONU. Foi por conta de uma manobra feita por Aranha que a votação aconteceu e deu vitória ao sionismo. Segundo a organização haveria dois estados: um árabe e um judeu. A proposta era uma espécie de reparação pelo horror vivido pelo povo judeu na grande guerra provocada pelos nazistas. Ocorre que a terra não era um espaço vazio. Ali viviam as famílias palestinas desde há séculos, plantando suas oliveiras, criando suas cabras e conversando nas calçadas sorvendo o chá de hortelã ou maramiah. A ação da ONU, obviamente proposta pelos Estados Unidos, obedecia a um interesse menos nobre do que garantir morada a um povo que estava espalhado pelo mundo, e que havia sofrido o holocausto. Eles queriam naquele espaço garantir uma porta de entrada segura para o Oriente Médio, onde estava o petróleo. Criar um estado artificial, aliado, foi uma jogada de mestre. O país do “tio Sam” aparecia ao mundo como o grande responsável pela vitória contra os nazistas e, com essa atitude, posava de humanitário mais uma vez. Só que com a criação do estado artificial foi preciso expulsar das terras as pessoas que ali viviam: os palestinos. Assim, em poucos dias foi criado um terreno de horror e guerra, com a fuga em massa de mais de 800 mil pessoas por conta da invasão dos judeus. Outros tantos judeus foram trazidos para as propriedades palestinas, visando invadir o máximo possível de terras. Em menos de um ano, o novo estado, comandando pela religião judaica, se estabelecia, vitorioso. A partir daí, os sionistas, que desde 1897 reivindicavam um estado para os judeus, não pararam mais de matar e oprimir os palestinos, visando avançar cada vez mais sobre suas terras. O sionismo é um movimento que se baseia na lembrança de Sião, o mundo judeu que existia naquela região antes do século I, e que foi destruído pelo Império Romano.  As setes tribos de Israel, conforme conta o Velho Testamento da Bíblia cristã, eram nômades e circulavam pela região, unificando-se em torno das leis de Moisés, tendo sido depois escravizados pelos egípcios e outros povos vizinhos, sem nunca abandonar a sua fé. O fato é que depois da diáspora judaica, iniciada no século I da era cristã, muitos outros povos seguiram vivendo na região nos 1948 anos que se seguiram até a criação do estado de Israel. E, desses povos, o palestino foi o que fincou raízes. Assim, por mais de mil anos, aquela gente esteve ali, construindo sua cultura e suas moradas. Por isso, a interminável batalha que persiste até hoje. Observando bem, não tem nada a ver com a religião, como tenta convencer a mídia. O que está em questão é a propriedade da terra.   O conflito Após a criação do estado de Israel, com a promessa de haver dois estados distintos, a história que se seguiu não foi a anunciada ao mundo em 1948. Os sionistas começaram a invadir outros pontos do território, separando famílias, matando milhares de pessoas e se apossando de mais e mais terras. Uma olhada no mapa abaixo deixa bem claro como foi o processo de invasão sistemática: Hoje, os palestinos vivem segregados em pequenas partes do território, separados de pais, irmãos, amigos, cercados por muros gigantes e tratados como criminosos. Para cruzar o território de um lado a outro eles precisam de autorização e, diariamente, sofrem humilhações e violência. Na prática, os espaços palestinos são exatamente campos de concentração, submetidos a bombardeios e violências extremas. O povo palestino vive hoje algo semelhante o que viveram os judeus na Segunda Guerra. Mas, apesar de toda a violência do estado de Israel, o povo palestino resiste. Uma resistência heroica que custa a vida de crianças, jovens, adultos e velhos todos os dias. Viver nos territórios palestinos é estar de cara com a morte a cada momento, porque a proposta dos sionistas é acabar com todos os palestinos, para ficarem com todo o território.   Jerusalém Nesse terreno de guerra permanente, a cidade de Jerusalém tem um papel importante. Ela é berço das três principais religiões monoteístas do mundo: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. E por ser esse espaço sui generis no contexto da fé de milhões de pessoas havia o acordo de que ela seria uma cidade livre, com acesso livre para todos os fiéis de cada uma dessas religiões. Além disso, Jerusalém sempre foi considerada a capital política da Palestina e é reivindicada como tal pelo povo palestino. Ainda que Israel tenha tomado militarmente parte da cidade, os palestinos jamais abriram mão de sua capital. É por isso que a decisão de Donald Trump em reconhecer Jerusalém como a capital de Israel está provocando um terremoto político na região. Importante salientar que não seria da competência dele, como presidente de um país longínquo, determinar uma coisa dessas, ainda que haja uma lei, aprovada pelo Congresso dos EUA em 1995, definindo isso – outro absurdo. Mas, por outro lado, expõe de maneira clara a relação visceral que existe entre Israel e Estados Unidos. Ou seja, o estado sionista é cria dos EUA. Existe para ser o braço armado dos Estados Unidos na região do Oriente Médio e cumpre com competência essa missão.  Se, desde 1995 nenhum presidente se arvorou em tornar real a lei – por conta das negociações de paz – agora Trump se sente muito à vontade para levar ainda mais desgraça para a região. A “decisão” de Trump em tornar Jerusalém capital de Israel viola todos os acordos já firmados e é típica de um estado imperial. Com ela, as relações com a Liga Árabe das Nações ficam ainda mais tensas e torna a região ainda mais explosiva. Protegidos pelo império estadunidense, os dirigentes israelenses agora se sentem mais seguros em tomar de

Ricos pagam menos impostos

por Frei Betto O Brasil tem, hoje, 206 milhões de habitantes. Toda a estrutura do Estado, dos tribunais aos recursos para programas sociais, é mantida pelos impostos pagos por 27 milhões de brasileiros. Portanto, pouco mais de 10% da população sustenta, com seus tributos, todo a máquina pública, dos hospitais do SUS aos jantares oferecidos por Temer no Alvorada. Dos 27 milhões de contribuintes, 13,5 milhões, a metade, recebem, a cada mês, no máximo o equivalente a cinco salários mínimos (R$ 4.685). É muita gente que ganha pouco e, ainda assim, é obrigada a entregar uma fatia ao Leão. E todos os impostos pagos por essa gente correspondem a apenas 1% do que a Receita Federal arrecada por ano. Um mínimo de justiça da reforma tributária dispensaria esses 13,5 milhões de trabalhadores de pagarem impostos. E isso reverteria em mais saúde, educação, alimentação, enfim, uma vida menos apertada para todos eles. Quem mais canaliza recursos para o Leão são pouco mais de 2 milhões de pessoas que ganham, por mês, de 20 (R$ 18.740) a 40 salários mínimos (R$ 37.480). Apenas 0,5% da população economicamente ativa – pouco mais de 1 milhão de pessoas – ganha por mês de 40 a 160 salários mínimos (R$ 149.920). E acima desses milionários há ainda uma categoria mais privilegiada, segundo dados revelados pela Receita Federal: as 71.440 pessoas que têm renda média, anual, de R$ 4 milhões, e patrimônio calculado em R$ 1,2 trilhão. Graças a elas o Leão abocanha, por ano, cerca de R$ 300 bilhões – 14% da renda total das declarações de IR. Em 2013, desses super-ricos, 52 mil receberam lucros e dividendos isentos de IR. Do total de rendimentos desses bilionários, apenas 35% foram tributados pelo IR de pessoa física. Já na faixa de quem ganha de 3 a 5 salários mínimos, mais de 90% da renda foi abocanhada pelo Leão. Portanto, fica evidente que, no Brasil, o trabalhador assalariado paga imposto, o que não acontece com os lucros dos bilionários. Alguém poderia objetar: mas todos pagamos IPTU! Sim, mas os imóveis em bairros de classe alta são taxados na mesma proporção dos que se situam em bairros habitados por famílias de baixa renda. E os imóveis rurais não pagam quase nada de IR, além de obterem crédito barato. Para alcançar uma boa arrecadação sem pôr a culpa na Previdência, bastaria a Receita Federal cobrar devidamente de 100 mil dos 17 milhões de contribuintes. Uma reforma tributária deveria, para ser efetiva, isentar todos que ganham, por mês, até 10 salários mínimos (R$ 9.370); adotar o imposto progressivo e taxar mais os ricos, inclusive mudando as regras que lhes permitem isenção e desconto para lucros e dividendos; cobrar Imposto Territorial Rural das propriedades do campo; e tributar as heranças, exceto pequenos valores. O Brasil tem solução. Faltam apenas vontade política e vergonha na cara. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. Desigualdade social: Ricos ganham 36 vezes mais que os pobres no Brasil, segundo IBGE Reforma tributária: mais dos ricos, menos dos pobres  

Nada como um dia após o outro

por Guilherme Scalzilli Sumiram os paneleiros, as camisetas amarelas, as festas midiáticas da cidadania. Acabaram os grampos nas celas curitibanas e o tráfico policial de informações sigilosas. O STF não ordena mais a prisão de parlamentares, que desistiram de zelar pela idoneidade presidencial. Tampouco as tevês divulgam flagrantes com teleobjetiva das intimidades palacianas. Desapareceu o pessimismo cataclísmico dos colunistas. Até as vinhetas radiofônicas pedindo o fim da Voz do Brasil foram abandonadas. Essas práticas pertencem mesmo a um passado remoto, bons velhos tempos em que o petismo era causa e consequência das tragédias nacionais. Valia qualquer deslize pelo interesse público. Imprensa, OAB, CNJ, Judiciário, todos faziam vistas grossas para as mais flagrantes irregularidades, os mais cínicos desvios de conduta, os mais perigosos precedentes. “A sociedade tem o direito de saber” era o lema de antanho. Mas faltou mencionar outro importante símbolo daquela época, tão esquecido quanto significativo: o afã judicial de atingir o “chefe do bando”. O aperto nos delatores, a condução dos depoimentos, a chantagem com familiares, as prisões preventivas intermináveis, enfim, o esforço investigativo para construir provas contra figuras políticas que ocupavam postos de comando durante as malfeitorias. O “procedimento Lula” esgotou-se num passe de mágica. Quer dizer, permanece apenas para seu alvo original. Assim que passaram a lidar com senadores, ministros e governantes do PSDB, promotores e magistrados ficaram comedidos, respeitosos, legalistas ao extremo. Não querem saber quem foi o líder do esquema, o capo, o Manda-Chuva, o cabeça, o nome na etiqueta principal do PowerPoint. Quantas suposições constrangedoras sairiam de réus ligados a Aloysio Nunes, José Serra, Geraldo Alckmin e até FHC, caso os inquéritos tivessem o afã de atingi-los? Quantas ilações incriminadoras os depoentes fariam se os grão-tucanos figurassem nas hipóteses centrais dos interrogatórios? E as manchetes geradas pela estratégia? Os processos baseados no “domínio do fato”? As conduções coercitivas? Repito: com tais características, a Lava Jato não existiria. Ela só vingou porque previu a etapa que vemos gestar-se, na preservação do condomínio golpista, na blindagem da cúpula do PSDB, no esvaziamento das delações, enfim, no gradativo desgaste que anuncia o abandono da operação. Por isso não acho que tenha mudado o paradigma. A própria seletividade ideológica o justifica e viabiliza. As vítimas de hoje produzem a narrativa garantista que poupará os beneficiados de amanhã. O tempo gasto em certificar a condenação de uns permitirá que os crimes de outros prescrevam. E, afinal, o escudo subjetivo da hermenêutica soma um planeta de incoerências e uma galáxia de explicações cínicas. Essas metamorfoses constituem a dinâmica do espírito cruzado anticorrupção. Sempre foi assim, e de conhecimento geral, principalmente da claque intelectualizada da Lava Jato. Não há ingenuidade possível que ignore os limites, à esquerda e à direita, que emolduram a sanha moralista das instituições e os seus critérios de justiça. Resta apenas a hipocrisia. Mas recordar é viver, já dizia o samba clássico. Publicado originalmente no Blog do Guilherme Scalzilli. Independência ou golpe! O Brasil vai vivendo o golpe  

Quem se importa com a Rocinha?

por Elaine Tavares A lógica é a do espetáculo. Com as câmeras de televisão e os repórteres da mídia comercial subindo o morro junto com os policiais, o que vemos é uma profusão de soldados que agora vão salvar a comunidade da bestialidade dos traficantes. E durante dias, o discurso é o mesmo: bandidos estão em guerra na favela, policiais são chamados para pacificar, pessoas estão sendo protegidas e pela força das armas tudo ficará bem. A operação renderá alguns corpos de bandidos e outro “efeito colateral”, leia-se aí corpos de pessoas não envolvidas com o tráfico, muitas denúncias de abuso. O clima vai arrefecer e a comunidade voltará ao seu cotidiano. Nas redes sociais haverá gente denunciando a polícia e outros tantos defendendo. Haverá gente acusando quem denuncia a polícia de proteger os bandidos, e haverá quem ache que aquela gente toda que vive na Rocinha deveria mesmo era morrer para não incomodar tanto. Tudo se resumirá a uma disputa entre os “bons” e os “maus”, enquanto o ponto central do fato sequer é tocado. A Rocinha é uma comunidade do Rio de Janeiro que tem quase 70 mil habitantes. É um morro, como muitos dos que cercam a cidade maravilhosa. Fica na Gávea, um dos espaços mais caros do Rio de Janeiro. Começou a se formar por volta de 1930 quando as terras de duas grandes fazendas foram divididas e vendidas a imigrantes espanhóis e portugueses. Estes eram os responsáveis por abastecer o bairro com hortaliças, daí o nome “rocinha”.  Com a crescente migração para o Rio de Janeiro, então capital do Brasil, o morro foi sendo ocupado por famílias pobres, migrantes sem condições de pagar aluguel. Virou um cinturão de pobreza, cercando a vida de famílias de classe alta, tornando concreta a ideia de “desigualdade”. Assim, a “cidade” dentro da cidade virou o reduto da vida dos pobres, enquanto o asfalto agrupa os ricos. E, no espaço dos pobres, se expressa a dura batalha pela sobrevivência. Há que reproduzir a vida e os moradores da Rocinha seguem seus dias entre o subemprego, a superexploração e o difícil convívio com os agentes do tráfico de drogas, uma das possibilidades de sobrevivência da grande massa que vive na comunidade, principalmente os jovens. A violência que se vê na Rocinha não é muito diferente da que existe também no asfalto, nas rodas da alta sociedade. A diferença é que a da Rocinha sai no jornal e na TV. As guerras das gangues que peleiam pelo controle do tráfico são mostradas cotidianamente nos programas de televisão do tipo policialesco. Tudo o que há de ruim na sociedade parece que só acontece ali, em comunidades empobrecidas como a Rocinha. Enquanto nos ricos salões, os verdadeiros chefes do tráfico tramam suas bandidagens, é nas ruas das comunidades pobres que pontos mais fracos da corrente disputam as migalhas. E não faltam programas de “segurança” como as famosas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) porque é preciso “pacificar” o território, garantindo um mínimo de segurança para as famílias de trabalhadores que vivem no lugar. Mas essa pacificação é a paz do terror. Não dá para esquecer que foi na UPP da Rocinha que desapareceu o Amarildo. Em comunidades assim é comum sumirem pessoas ou amanhecerem mortas nos caminhos. Tudo se explica pela guerra de gangues. Mas que guerra de gangues é essa mesmo? Será que tudo se explica por aí? Pelo desejo de poder de uma ou outra facção do crime? Não. O que acontece na Rocinha e em outras comunidades empobrecidas de tantos lugares do Brasil é outro tipo de guerra de gangues. É a disputa entre o capital e o trabalho. Entre os ricos, que querem ficar mais ricos e a grande massa de trabalhadores que nada mais tem a não ser sua força de trabalho para vender. Há quem consiga vender essa força para algum patrão legalizado, com carteira assinada ou pelo menos com um contrato de fio de bigode. Mas há uma massa gigantesca de gente que não tem onde vender sua força. É o famoso exército de reserva. Esses ficam entregues ao destino. Não há quem se importe com eles. Mas, precisam viver, e encontram formas. Uma delas é virar gerente ou avião de grandes traficantes, os ricaços que estão protegidos nas suas mansões. E são esses corpos – no geral negros – os que vão servir de bucha de canhão para garantir a boa vida de uns poucos que nunca aparecerão no Jornal Nacional como “bandidos”. Quem já leu o texto de Marx, o “A assim chamada acumulação capitalista” vai ver como foi o início do capitalismo, quando as levas de gente tiveram de sair do campo e buscar trabalho nas cidades. Não havia trabalho para todos, é claro. Então, os governantes criaram as leis anti-vadiagem para poder prender e escravizar os corpos que não conseguissem se vender. Nada muito diferente do que acontece hoje. A vítima vira vilão. E não há saída. Quem entre os que leem esse texto não seria capaz de qualquer coisa para garantir a comida na mesa, para si e seus filhos? Diz Marx: “(os expulsos da terra)… convertem-se massivamente em mendigos, assaltantes, vagabundos… a maioria por força das circunstâncias. Isso explica o surgimento em toda a Europa ocidental, no final do século XV, e ao longo do XVI, de uma legislação sanguinária contra a vagabundagem”. Alguns virão com suas pedras moralistas a dizer que essa é uma visão romântica, que se estamos com pena que levemos para casa e tudo mais. Mas, ainda que bradem e esperneiem seus preconceitos não podem fugir da verdade. É assim. O terror criado nas periferias não é nada mais do que a criação, pelos moradores, de técnicas de sobrevivência na selva. É preciso sobreviver. E os donos do poder sabem disso, e oferecem a “saída”, no caso, a possibilidade de servirem ao grande cartel da droga. Se milhares dessas pessoas vão morrer, não importa. Elas são facilmente substituíveis. E ainda contam com toda a carga de discriminação das demais

A delação de Palocci e o dilema do PT

por Frei Betto Deixou-me um sentimento de profunda tristeza a delação do ex-ministro Palocci. Em Ribeirão Preto, ele iniciou sua militância na pastoral juvenil da Igreja Católica. Depois, atuou no movimento trotskista e ingressou no PT, graças ao qual fez uma carreira política meteórica: vereador e duas vezes prefeito de Ribeirão Preto (SP), deputado estadual em São Paulo, ministro da Fazenda do governo Lula e chefe da Casa Civil do governo Dilma. Formado em medicina, revelou-se exímio economista. Sua fala mansa e ponderada, a capacidade de encobrir emoções, apesar das raízes italianas, fizeram com que setores da esquerda e da direita o admirassem e o considerassem confiável. Lula teria preferido Palocci como seu sucessor, não fossem as acusações feitas no episódio envolvendo um caseiro de Brasília, em 2008, do qual foi inocentado pelo STF no ano seguinte. Delação da Odebrecht e a agonia final da Nova República Palocci é a primeira voz do núcleo duro do Planalto na gestão Lula a torpedear o seu líder. Pressionado pela reclusão carcerária, recorreu à única saída legal para tentar sair da prisão: a delação premiada. Denunciou Lula como “capo” da “cosa nostra” entre o PT e a Odebrecht. Terá ele dito a verdade? O ex-senador pelo PT Delcídio Amaral fez o mesmo e, hoje, a Justiça atesta que ele mentiu. As investigações haverão de mostrar se as acusações têm ou não fundamento. Palocci deixou o PT em uma sinuca shakespeariana. Se o partido não se posicionar diante de tão graves ofensas a seu líder e fundador, reforçará a velha sentença de quem cala consente. Se o PT realmente está convicto de que tudo é mentira e Lula merece ser defendido, só lhe resta uma atitude: a expulsão sumária de Palocci. Já passou o tempo de o PT fazer autocrítica. Quem não deve não teme. E ao fazê-la só dará munição à direita se, de fato, tiver culpa no cartório. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. O filme ruim da Lava Jato  

A urgência de ocuparmos às ruas já

por Fernando do Valle Muito se especula sobre a ausência de protestos significativos nas ruas neste momento em que a cletptocracia liderada pelo presidente Temer opera livremente em prol de interesses escusos em conluio com o Congresso, ambos sem o mínimo compromisso com os interesses da maioria dos brasileiros. As explicações pipocam: o recrudescimento da violência policial nos protestos, o interesse do PT e movimentos sociais ligados ao partido em cozinhar em fogo lento o governo impopular atual para fortalecer a candidatura de Lula em 2018, o apoio às escondidas do empresariado, dos rentistas e seus movimentos nas redes na aprovação das reformas, entre outras. Mas a explicação mais preocupante é a da impotência de colocar para fora a profunda revolta que inflama até o mais pacato cidadão com o quadro atual. O desalento surge a cada papo na esquina diante de uma democracia cada vez mais capenga e refém dos atos de um governo que vive em uma bolha em defesa dos interesses da plutocracia endinheirada. Esse silêncio amedronta e fortalece as saídas apolíticas e seus conhecidos salvadores da pátria. O fazer político é a saída e a rua seu palco principal. “Nossa ação tem por objetivo trazer uma renovação, criar, viver, apropriar-se do que temos criado, mas que nos tem sido arrancado para pôr no MERCADO. Queremos festejar, dormir, repousar, construir, fazer, edificar” (extraído do livro Urgência das Ruas, Ned Ludd) O momento pede um novo projeto político que perceba as mudanças no mercado de trabalho, abandone o velho ideário sindical e dê voz à multidão escravizada de corpos abatidos que se locomovem em trens e ônibus nas grandes cidades. Corpos submissos relegados a empregos precários na batalha inglória pela subsistência. Da união das lutas do movimento negro, LGBT, das mulheres surge a consciência da necessidade da igualdade que exige a construção de uma democracia inclusiva que se oponha a esse governo de coroas de ternos bem cortados protegidos em seus gabinetes de partidos de aluguel. A igualdade identitária desperta a consciência coletiva e já constrói, apesar das barreiras, uma democracia realmente inclusiva que dá a senha para a briga por direitos básicos a todo brasileiro. Vale aqui o paralelo com a situação da Islândia em 2009 quando o sistema bancário em conluio com a burocracia estatal sequestrou aquele país. A grave crise mundial em 2008 e a irresponsabilidade de seus gestores quebraram três dos principais bancos islandeses: Landsbanki, Kaupthing e Glitnir, deixando uma dívida de US$ 25 bilhões, superior ao PIB de US$ 17,64 bilhões do país em 2008. As perdas do sistema financeiro islandês em seu território e no estrangeiro alcançaram sete vezes o PIB daquele país. Estava dada a chance para a mobilização social e o papel da internet foi fundamental para mobilizar a população contra o governo que pretendia pagar as dívidas dos bancos com os impostos da população. Em janeiro de 2009, início do ano parlamentar, milhares de islandeses convocados pelas redes digitais fizeram muito barulho em frente ao parlamento. As eleições foram antecipadas e os dois partidos que se alternavam no poder desde 1927 foram apeados do poder. O novo governo convocou referendo para decidir se o governo deveria cobrir a dívida de US$ 5,9 bilhões dos bancos ao Reino Unido e à Holanda. 93% dos eleitores foram contrários ao pagamento. Além disso, figuras de proa do setor bancário foram presas acusadas de administração financeira ilegal. Rombo da Previdência ignora sonegadores  

Rombo da Previdência ignora sonegadores

por Frei Betto A Reforma da Previdência proposta pelo governo Temer retira direitos dos trabalhadores para defender privilégios dos empregadores e do capital. Se o governo precisa de recursos, por que não pôr fim às desonerações concedidas a bancos, agronegócio e empresas? Desonerar é dispensar de pagar impostos. Por que não cobra as multas devidas por fazendeiros flagrados por adotar trabalho escravo em suas terras? E por que não divulga mais a lista com os nomes desses criminosos? Por que não cobra o que devem os grandes sonegadores do imposto de renda? Calcula-se que o montante da sonegação equivale a 13% do PIB. E a sonegação dos encargos trabalhistas ultrapassa R$ 500 bilhões! A informação é da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Ao liberar o FGTS, o governo, ao contrário da propaganda, não praticou nenhuma bondade. Quis apenas amenizar a recessão econômica que afeta o Brasil e encher ainda mais os gordos cofres dos bancos, já que grande parte de nossa população está endividada e, assim, as dívidas podem, agora, ser amortizadas. Muitos trabalhadores, ao correrem à Caixa Econômica Federal, descobriram que seus patrões não recolheram o FGTS. Mais da metade do valor total das contas do FGTS não foi paga pelas empresas. Segundo a CEF, mais de 7 milhões de trabalhadores não receberam corretamente os depósitos a que teriam direito. O valor total devido pelas empresas chega a mais de R$ 24,5 bilhões. Por que o governo não multa esses sonegadores? Por que não os obriga a depositar imediatamente o que roubaram do trabalhador? O Estado brasileiro está quebrado não por culpa da Previdência, e sim dos juros pagos para rolar a dívida pública. Metade do orçamento da União vai para a dívida pública. Se o governo sanasse sua relação com os bancos, o país entraria nos eixos. Quando o médico Adib Jatene foi convidado pelo presidente FHC para ser ministro da Saúde, ele exigiu que se garantissem recursos à pasta com a adoção da CPMF (0,38% do valor de cada cheque). O presidente concordou. Mas não cumpriu a palavra. Canalizou boa parte do dinheiro da CPMF para assegurar o superávit primário (dinheiro sagrado dos bancos). O médico Adib Jatene, em entrevista ao jornalista Josias de Souza, em agosto de 2007, ao ser indagado se pedira demissão do cargo de ministro da Saúde, no governo FHC, por causa da CPMF, respondeu: “teve relação direta. Eu disse ao presidente que precisava de recursos. Ele pediu para eu falar com o Malan, ministro da Fazenda. Malan me disse que, em dois ou três anos, daria o dinheiro que eu precisava. Eu não podia esperar tanto tempo. Propus a volta do imposto sobre o cheque, o IPMF, extinto em 1994. FHC disse: ‘Não vai conseguir aprovar isso’. ‘Posso tentar?’  Ele autorizou. Pedi o compromisso dele de que o orçamento da Saúde não seria reduzido. A CPMF entraria como adicional. Ele disse: ‘Isso eu posso te garantir’. Depois da aprovação, a Fazenda reduziu o meu orçamento. Voltei ao presidente. Disse a ele: ‘no Congresso me diziam que isso ia acontecer. Eu respondia que não, porque tinha a sua palavra. Se o senhor não consegue manter a sua palavra, entendo a sua dificuldade. Mas me faça um favor. Ponha outro no meu lugar. Foi assim que eu saí, em novembro de 1996”. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. Previdência por um fio O ataque agora é contra os trabalhadores públicos A urgência de ocuparmos às ruas já    

A união da esquerda progressista em prol de um projeto nacional de desenvolvimento

O agravamento da crise política demanda a aliança entre PDT, PT PCdoB e PPL em busca de saídas reais para o imbróglio em que o país está afundado por Cássio Moreira Os golpes, sejam eles civis, militares ou parlamentares tem o efeito de tornar evidente o embate entre projetos. Os de 1964 e o de 2016 serviram para mostrar como projetos radicalmente antipopulares só podem ser implantados de forma não democrática. O de 1964 foi um marco para visualizar de forma clara dois projetos para o país que divergem centralmente em torno da questão da independência econômica do Brasil. O nacional desenvolvimentismo foi a estratégia adotada pelos governos de Vargas (1951-1954) e João Goulart (1961-1964). Nacional por que via na dependência econômica (comercial, tecnológica e financeira) os principais entraves ao desenvolvimento. Para isso seria necessário o desenvolvimento do capital nacional de forma a romper com a dominação estrangeira e promover uma forte indústria nacional.   “As nações expansionistas viram que o domínio sobre os povos de outra raça, outra língua, outra religião e outros costumes, é odioso e desperta o orgulho pela pátria, gera nacionalismo e incita os ânimos à revolta e às reivindicações da liberdade. A experiência ensina assim aos povos fortes outros caminhos que os leva, sem aqueles inconvenientes, à mesma finalidade: é o caminho da dominação econômica, que prescinde do ataque frente à soberania política. Esse o perigo que nos cumpre evitar. Os fortes passaram então a apossar-se das riquezas econômicas dos povos fracos, reduzindo-os à impotência e, pois, à submissão política” (Artur Bernardes). Como forma de reação ao nacional-desenvolvimentismo surgiu um modelo híbrido chamado de dependente-associado, que não negava a participação ativa do Estado, porém atribuía outro papel ao capital estrangeiro. Papel esse, fundamental, de parceria e promoção dos investimentos em setores mais intensivos em capital. O fortalecimento dessa corrente se deu com a criação da Instrução 113 da Sumoc (Superintendência da Moeda e do Crédito) pelos economistas Eugênio Gudin (diretor da empresa multinacional norte-americana Amforp – American Foreign Power) e Otávio G. Bulhões, dirigente da Sumoc. A instrução não foi revogada pelo governo JK e sim, apenas, pelo de João Goulart com a Instrução 242. O modelo dependente-associado de certa forma “cooptou” o capital nacional associando-o com os interesses do capital estrangeiro, sob a tutela e parceria do Estado Nacional. Essa aliança propiciaria a atração de capitais e a modernização do parque industrial por meio de aporte tecnológico. De fato, no governo JK e, em especial, pós-golpe de 1964 houve uma modernização da economia, porém as velhas estruturas sociais e a dependência externa não foram alteradas.  O resultado seria um aumento da dependência tecnológica e estrutural, dada a importância crescente das empresas multinacionais no fornecimento de componentes industriais e bens e serviços, e uma dependência financeira com o brutal endividamento externo, acirrado com a elevação da taxa de juro norte-americana em 1979. A ideologia trabalhista em prol do desenvolvimento nacional O golpe parlamentar de 2016 foi outro marco para visualizar de forma clara novamente dois projetos em disputa: o social-desenvolvimentismo e o projeto neoliberal. Novamente, o fator mais divergente é a independência econômica do Brasil. Em 2002, com a eleição de Luiz Inácio “Lula” da Silva, o Brasil, após um experimento de manutenção da política econômica (tripé macroeconômico) anterior nos primeiros anos do governo Lula (2003-2005), passou a reordenar a atuação do Estado na coordenação dessa política econômica em prol de uma espécie de um novo desenvolvimentismo marcado pelo social, o que foi chamado de social-desenvolvimentismo por alguns autores. Este seria a manutenção do crescimento da renda e do emprego com a adoção de uma política social ativa de inclusão social. Essa nova tentativa de desenvolvimentismo, entretanto, pecou em não deixar como variável principal, para sua sustentação ao longo prazo, a fomentação de uma ideologia nacional do desenvolvimento. A falta desse caráter nacional na implementação no projeto de inclusão social dos governos Lula (PT) ficou visível na utilização das cores da bandeira do Brasil nos protestos contra o governo Dilma.  Esse governo, mesmo usando os dois pilares do projeto Varguista (nacional-desenvolvimentista) – a Petrobras (política de compra nacional) e o BNDES (desenvolvimento de grandes multinacionais brasileiras) – acabou não deixando claro para a população a existência de um projeto nacional para o país. Embora, tenha criado uma estatal do Pré-Sal, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), os programas Luz para Todos e Minha Casa Minha Vida, a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, a Política de Desenvolvimento Produtivo, entre outros, não foram suficientes para caracterizar um projeto nacional integrado, no máximo um projeto de inclusão social. Que de certa forma retoma, apenas em parte, o projeto nacional-desenvolvimentista dos governos trabalhistas de Vargas e Goulart num contexto de globalização. Mas não atacou a raiz do problema que é a dependência econômica (comercial, produtiva, financeira e tecnológica) por meio de reformas estruturais (as chamadas Reformas de Base do governo Goulart). Esse esboço de projeto social (com um pequeno viés nacional) entretanto, foi interrompido com a mudança da política econômica do segundo governo Dilma e a ascensão ao poder do seu vice, Michel Temer, que adotou as bases do programa econômico da oposição manifestado no documento “Uma Ponte para o Futuro”. Atualmente, vemos a volta da ideologia neoliberal sendo implementada numa alta velocidade, talvez em virtude da pouca legitimidade e durabilidade de um governo cujo projeto não foi legitimado nas urnas. Sua ilegitimidade e impopularidade explica a pressa em implementá-lo. Contudo, desde a desconstrução do governo Dilma (a partir das manifestações de junho de 2013), a população tem absorvido, por meio de uma campanha de propaganda sistemática do oligopólio dos meios de comunicação, alguns valores neoliberais, derrotando, no senso comum da população, as ideias trabalhistas (designadas pejorativamente de “comunistas”). Portanto, a única alternativa de esquerda viável nesse contexto no Brasil é o ideário trabalhista como resposta ao neoliberalismo. O trabalhismo, enquanto doutrina política, não é um conceito estático, e sim adaptado ao seu contexto histórico. Geralmente é por meio das ideologias políticas e econômicas que nos é

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