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Política análise

Análises de nossos colaboradores sobre a conjuntura política.

Educação de balcão

por Frei Betto A aprovação da PEC 55 congelou por 20 anos os gastos públicos federais em educação. Eis a retirada progressiva do Estado como provedor educacional, cedendo espaço à iniciativa privada. Ensino dá lucro, sobretudo quando objetiva a massa de alunos que abre mão de seu protagonismo educativo e se torna mero recipiente para se injetar conteúdos padronizados. Acelera-se a privatização das instituições de ensino brasileiras em mãos de grupos estrangeiros. O fundo estadunidense Advent comprou, em março de 2016, o Centro Universitário da Serra Gaúcha, em Caxias do Sul (RS). No fim do ano passado, comprou também o Cesuca (Complexo de Ensino Superior de Cachoeirinha (RS). Reuniu os dois campi no grupo educacional FSG, com 13 mil alunos, cuja mensalidade mínima é no valor de R$ 1 mil. Já a fusão, em agosto de 2016, dos grupos Estácio de Sá e Kroton abrangeu 1,5 milhão de alunos. A Kroton, maior empresa educacional do Brasil, abarca 127 campi e 726 pólos de ensino espalhados pelo país, sob diferentes marcas: Pitágoras, Unic, Unopar, UNIME, Ceama, Unirondon, Fais, Fama e União. Associada à monopolização da educação em mãos de poucos grupos, soma-se a ofensiva para privatizar o ensino público e elitizar ainda mais o privado. Assim, multiplicam-se “consultorias” educacionais que se apresentam como ferramentas inovadoras e empunham, como estandarte, o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), que avalia 500 mil estudantes em 70 países vinculados à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Quando se quer julgar a qualidade do ensino, apela-se aos dados do PISA. A ótica do PISA é meramente mercadológica, sem levar em conta as especificidades locais. O que importa é formar mão de obra qualificada para o mercado global. E ao enaltecer as novas tecnologias como redentoras da educação, busca estandartizá-la, esvaziando o ensino de conteúdos críticos e humanitários. O PISA valoriza políticas educacionais de caráter empresarial e apoia transferir a responsabilidade da educação do Estado para a iniciativa privada. Elimina a autonomia pedagógica dos professores e os transforma em meros agentes forjadores de alunos bem sucedidos em avaliações externas. Em suma, empenha-se em erradicar a educação como direito universal a ser obrigatoriamente assegurada a toda a população pelo Estado, para transformá-la em mercadoria ou artigo de luxo. Quem pode pagar, tem acesso ao estudo. Desde 1990 se expande no Brasil a educação a distância (EAD) nos cursos de licenciatura. Após o ano de 2005, esses cursos se ampliaram com a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB) e a maior atuação da Secretaria de Ensino à Distância (SEED) do MEC. O Banco Mundial investe na formação de professores em países em desenvolvimento desde que se adotem as estratégias do EAD, que não considera a educação uma prática social essencialmente política. O ensino, agora em escala industrial, deve evitar a reflexão crítica e ater-se exclusivamente à qualificação profissional. Essa profilaxia ideológica está na origem da Escola Sem Partido. Nada de professores e alunos se encontrando em salas de aula, cafés, corredores da escola, biblioteca. Cada um que se prenda unicamente ao monitor de seu computador. Hoje, 72% dos 8 milhões de alunos de ensino superior no Brasil estão matriculados em universidades particulares, muitos financiados pelo Fies, que investe quase 20 bilhões de reais de dinheiro do governo em bolsas, quando deveria aplicar na melhoria do ensino público. No estado de São Paulo, o índice de alunos de ensino superior na rede privada chega a 84% e, na capital, 91%. Enquanto isso, a base social brasileira se afunda no poço da ignorância: 2,5 milhões de crianças sem creches; 600 mil sem pré-escola; 460 mil fora do ensino fundamental; e 1,7 milhão de jovens, de 15 a 17 anos, fora do ensino médio. Eis o sucateamento de uma nação. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. Mudar o sistema para mudar a educação  

Ruas bem comportadas não vencem batalhas

por Elaine Tavares A reforma da Previdência está caminhando a todo vapor nos bastidores da política, que é onde, no Brasil, as coisas se resolvem. Se até mesmo o novo ministro do STF foi sabatinado num jantar faustoso, dentro de um iate de luxo, imaginem como não está a maratona de convencimento dos deputados e senadores. Do jeitinho como sempre foi, promessas de poder e dinheiro nas contas. Cada nomezinho contabilizado. Os senadores, alguns chegam a se aposentar com 180 dias de mandato recebendo aposentadoria vitalícia, não hesitarão um segundo em votar com o governo. Aos mortais comuns, a regra será de 49 anos de contribuição. Observem bem a diferença: quem vota o projeto se aposenta com 180 dias de mandato. Uma coisa esdrúxula, porque servir a nação num cargo eletivo não deveria ser “emprego”. Será o fim dos velhos. Se não a morte, pelo menos uma velhice bem desgraçada, no último nível da dor. E aqueles que não conseguirem provar contribuição terão de esperar até os 70 anos para entrar com o pedido do benefício por idade. Enquanto tudo isso é tramado, aí andam as gentes nas ruas, em marchas e passeatas de protesto. Como já andaram gritando “não vai ter golpe”. E teve. Mas, as vozes das ruas não fazem eco nos palácios. Lá, o som da festa ofusca qualquer dor que possa querer saltar pela janela. Não há espaço para a dor do pobre ou do velho. Que se danem. Eles precisam ser oferecidos em sacrifício ao deus capital. É o que garante a riqueza de uns poucos. Assim tem sido historicamente. O trabalho é a única força que gera valor, portanto, riqueza. Por isso, os trabalhadores precisam ser espremidos até a última gota. É o trabalho não pago da maioria das gentes, a famosa mais-valia, que garante a boa vida dos amigos do “rei”. Assim que não há espaço para compaixão. No início do capitalismo, o alemão Karl Marx mostra como foi a ocupação das terras dos aldeões ingleses para a chegada das ovelhas. Eles foram expulsos sem dó ou piedade, jogados nas fábricas insalubres, sem direito a nada, transformando a família inteira em escrava da máquina. Ou o que fizeram os colonos ingleses na Índia, quando depois de ocupar o país, destruíram todo o processo milenar de tecelagem que havia, para que os indianos fossem obrigados a tecer lã, completamente fora de sua cultura. Não houve ninguém, nos palácios, que se preocupasse com as gentes agonizando nas ruas. A reforma da Previdência é a versão contemporânea da acumulação primitiva mostrada por Marx. O capital, insaciável e incontrolável, segue consumindo tudo a sua volta. Agora, avançando ainda mais sobre o corpo dos trabalhadores. Que trabalhem e paguem imposto até os 100 anos. Alguém tem de produzir a riqueza e esse alguém não será o 1% que detém os meios de produção, nem os seus lacaios de luxo. E, da mesma forma, não há ninguém entre os ricos que se compadeça dos que morrerão. Eles olharão os corpos e dirão: “era necessário”. Como disseram os escravistas ao longo dos séculos nos quais traficaram pessoas para garantir suas riquezas. Os deputados estão nesse patamar. Refestelam-se com as sobras do banquete, amealhando alguns milhões. Querem tirar vantagem da posição que estão agora e é por isso que quando chegar a hora da votação ouviremos o “sim” ser repetido 500 vezes ou mais. A reforma do Temer vai passar. Por mais que as ruas gritem e protestem. Os gritos não serão ouvidos, eles sequer fazem cócegas. A única coisa que pode realmente impedir a reforma da Previdência é a ação efetiva e radical das gentes. Há que derrubar a Bastilha. Caminhadas bem comportadas não vencem batalhas. A realidade já mostrou que o Congresso Nacional não se deterá. Tudo já está acertado. O que vem é a morte. Então, que temos a perder? É certo que as barricadas não vão aparecer do nada. Há uma longa caminhada para informar em profundidade a população. Um trabalho de base que sumiu do mapa e que ainda não se faz. É tempo de construir a luta não apenas com palavras de ordem, mas com o conhecimento. Ninguém lutará contra o que não conhece. E ainda temos muita gente boa nesse país que não sabe exatamente o que vai acontecer com a aposentadoria. A consciência ingênua, sozinha, não dá o salto revolucionário. É preciso saber com concretude sobre a exploração e conhecer as entranhas do capital para que assome a certeza de que é preciso cortar a cabeça da medusa. Decifra-me ou te devoro, dizia o monstro. E assim é!  Publicado originalmente no Blog Palavras Insurgentes. Notas sobre a velhice

Privilégios

por Guilherme Scalzilli  Há algo muito esquisito na metamorfose que vem sofrendo a percepção pública acerca do STF. Menos de um ano depois de servir como alicerce moral do golpe, a corte virou uma espécie de paraíso da delinquência política. E quem o diz é a própria claque da Lava Jato, com suporte da mídia corporativa. A demonização marqueteira do foro privilegiado, que já alcança o nível de campanha civilizatória, só pode ser tomada como afronta à idoneidade do tribunal. Caso contrário, o julgamento dos egrégios ministros, com a rapidez e o rigor que lhes cabem, seria visto como a grande arma da cruzada anticorrupção. O que teria mudado nesse curto período? Como foi possível se deteriorar tanto a imagem de uma instituição festejada há pouco pelos mesmos setores que ora a desqualificam? E ainda hoje tais interesses não continuam sendo protegidos pelo STF? As respostas estão disponíveis na lista dos personagens ameaçados pelas novas delações da Odebrecht. Ou melhor, daqueles que ocupam cargos legislativos ou de primeiro escalão governamental, isto é, que ficariam à mercê do STF em eventuais indiciamentos. Sem as prerrogativas de foro, escapariam do julgamento sumário e sorveriam as benesses protelatórias das instâncias inferiores. Como Eduardo Azeredo, por exemplo. Uma revisão do foro livraria o STF do desgaste maior de, no futuro próximo, desmontar o paradigma punitivo que vigorou com o PT no poder. A corte já não sabe direito o que fazer com os réus perigosamente tagarelas que ameaçam desmoronar o governo Temer. O acréscimo da temível nobreza tucana ao rol de indiciados não anuncia outra saída senão uma humilhante complacência garantista que, a partir desses protegidos, inviabilize parte da rede probatória da Lava Jato. Some-se a isso as pretensões de Lula, cada vez mais fortalecidas e, nestas circunstâncias, irrefreáveis. A possibilidade dele ser jogado às feras curitibanas, à parte o estrago que causa numa disputa eleitoral, exime o STF de lidar com as ações envolvendo o petista. Condenar um réu aclamado pelas urnas, em processos frágeis e talvez irregulares, demandaria certos sacrifícios que os ministros não devem estar dispostos a fazer. Também a cúpula da Lava Jato amealha benefícios na luta contra o foro privilegiado. Na pior das hipóteses, transforma a prerrogativa (e o STF) em bode expiatório para o previsível degringolar da operação. Na melhor delas, concede às cortes intermediárias o poder de selecionar as suas vítimas e de aniquilar carreiras políticas antes que a corte máxima interponha as tardias correções. De fato, nunca houve tanta gente no país preocupada com a questão da impunidade.  Publicado originalmente no Blog do Guilherme Scalzilli. Conspiração

Conspiração

 por Guilherme Scalzilli É inútil esperar grandes revelações sobre o episódio que vitimou Teori Zavascki. Jamais saberemos toda a verdade, seja pelas dificuldades técnicas e materiais de qualquer apuração do tipo, seja porque a improvável descoberta de indícios criminosos dificilmente chegaria aos seus eventuais autores, menos ainda aos mandantes. Resta-nos uma espécie de disputa narrativa em torno da própria incerteza com a qual teremos de conviver. Mesmo sem esperança de sanar as suspeitas plausíveis, sugiro que as protejamos dos rótulos paranoides que elas recebem de crédulos e cínicos. Duvidar é sempre o caminho menos alienante. Isso tem relevância porque envolve a simbologia da morte de Zavascki, esfera em que a manipulação age com mais desenvoltura. Há algo estranhamente passivo no conformismo fatalista alimentado às custas da tragédia. Parece que todos se preparam para um futuro inexorável de horrores trazidos pela ira divina. Sem resistência. Por que não ocorre o contrário? O uso das notórias posições de Zavascki para pressionar o substituto a respeitá-las em seus votos? Para que os ministros do STF reconheçam e preservem esse legado? O esclarecimento da opinião pública acerca dos caminhos que os processos sob análise do falecido tomariam sem a tragédia? Não precisamos buscar estratégias conspiratórias nas causas da queda do avião. Suas consequências são graves o bastante. A simples possibilidade delas terem nascido de uma sabotagem deveria servir para interditar os desdobramentos óbvios pretendidos pelos hipotéticos assassinos. Mas sussurramos “que peninha” e seguimos adiante. Curioso esse comportamento surgir nos supostos defensores da Lava Jato. E justo naqueles mais céticos e avessos à tese do atentado hollywoodiano. Mas eles têm razão. O que importa é o desfecho ser convincente.  Publicado originalmente no Blog do Guilherme Scalzilli. Privilégios

A tortura como método de esmagar a pessoa

por Urariano Mota As notícias sobre o fascismo de Donald Trump chegam nestes dias. Ele fala em reabrir as prisões secretas da CIA no estrangeiro e a continuação do programa de interrogatórios que foi desmantelado em 2009. Palavras de Trump: “Falei com oficiais dos serviços secretos e perguntei-lhes: ‘Funciona? A tortura funciona?’ E eles responderam-me: ‘Sim, absolutamente!’ Sim, quero trazer de volta a tortura. Quero manter o nosso país a salvo. Eu sempre obedeceria à lei, mas gostaria que a lei fosse expandida. Nós devemos usar algo mais forte do que temos agora. Hoje o waterboarding (afogamento simulado) não é permitido, até onde eu sei. Eu quero que, no mínimo, ele seja permitido”. Mas alguma vez se justifica a tortura? Acompanhem por favor como se constroem as possibilidades “morais” que justificam o esmagamento de uma pessoa. O recurso da retórica lança hipóteses semelhantes a este encadeamento: – Você é capaz de matar uma criança? – Não, claro que não. – E se a criança fosse uma terrorista? – Crianças não são terroristas. – E se ela estivesse domesticada, com lavagem cerebral, que a tornasse uma terrorista? – Ainda assim, de modo algum eu a veria como uma terrorista. – E se essa criança trouxesse o corpo cheio de bombas? – Eu preferiria morrer a matá-la. – E se essa criança, com o corpo de bombas, entrasse para explodir uma creche? – Não sei. – E se nessa creche estivessem os seus filhos e as pessoas que você ama? – Bem, nesse caso… E nesse caso a tortura estaria humanizada, se me perdoam o absurdo abuso do adjetivo. Para que não vejam nisso um exagero, citemos as palavras de Kenneth Roth, da Human Rights Watch: “Os defensores da tortura sempre citam o cenário da bomba-relógio. O problema é que tal situação é infinitamente elástica. Você começa aplicando a tortura em um suspeito de terrorismo, e logo a estará aplicando em um vizinho do provável terrorista”. Sobre um torturado e morto na ditadura, no meu romance A mais longa duração da juventude, pude narrar: “O horror das mortes em 1973 é o retrato do seu último instante físico. Não é justo resumir uma vida humana assim. Sobre o animal sentimos a brutalidade: ‘O novilho continuava lutando. A cabeça ficou pelada e vermelha, com veias brancas, e se manteve na posição em que os açougueiros a deixaram. A pele pendia dos dois lados. O novilho não parou de lutar. Depois, outro açougueiro o agarrou por uma pata, quebrou-a e cortou-a. A barriga e as pernas restantes ainda estremeciam. Cortaram também as patas restantes e as jogaram onde jogavam as patas dos novilhos de um dos proprietários. Depois arrastaram a rês para o guincho e lá a crucificaram; já não havia movimento”. Penso em Vargas e seu sacrifício, o heroísmo que ninguém notou. Morto como mais um boi, gado abatido qualquer. Se não lhe comemos a carne, comemos a sua grandeza, porque o defecamos em nova brutalidade. Onde está Vargas, onde buscar Vargas? Ele está no ônibus, quando luta febril ao vislumbrar a sua última hora, da qual possui a certeza, e para ela caminha ainda assim? Desta maneira ele ficou adiante, conforme o viu a advogada Gardênia: ‘Vargas, que eu conhecia muito, estava também numa mesa, estava com uma zorba azul-clara, e tinha uma perfuração de bala na testa e outra no peito. E uma mancha profunda no pescoço, de um lado só, como se fosse corda, e com os olhos abertos e a língua fora da boca’. Vargas teria sido puxado por corda para o matadouro? Aos bois partem o rabo, rompem a cartilagem, para assim ele arremeter para o lugar onde o sangram. A homens arrastam? Nos laudos da ditadura, não há uma narração da dor. Mentirosos, chegam a ocultar a causa mortis, esconder lesões, eufemizar a barbárie”. Eufemismo da barbárie, assim como agora nas declarações de Trump. O terror de Estado está de volta. Protestos ocupam aeroportos nos Estados Unidos

Como anda a entrega do petróleo brasileiro aos estrangeiros

por Mauro Santayana – da Carta Maior O governo Dilma caiu, a economia está cada vez pior, mas a manipulação midiática continua canalha, mendaz, descarada e imparável. Não bastasse a manipulação de dados e prazos em recentes mensagens publicitárias – sem contestação, principalmente jurídica, da oposição, que prova que, no quesito estratégico, é tão incompetente fora como dentro do poder – a última manobra de alguns jornais e emissoras particularmente hipócritas está voltada para convencer os desinformados que compõem seu público que a recuperação do preço das ações da Petrobras neste ano se deu por causa da mudança de diretoria e da “venda” de 13.6 bilhões de dólares em ativos e não graças à recuperação da cotação do petróleo nos mercados internacionais, além da compra de bilhões de reais em ações quando elas estavam no fundo do poço, por parte de “investidores” estrangeiros, que nunca deram bola para o discurso catastrófico e derrotista dos inimigos da empresa. Os últimos três “negócios”, feitos na derradeira semana de 2016, foram a transferência de uma usina de biocombustíveis para os franceses e de duas empresas (petroquímica e têxtil) para mexicanos. Como há que dar uma no cravo e outra na ferradura e água mole em pedra dura tanto bate até que fura, os mesmos meios de comunicação lembram que, apesar da valorização de suas ações em mais de 100% neste ano, a Petrobras deve, ainda, quatro centenas de bilhões de reais. Ora, independentemente da questão do endividamento da Petrobras, constantemente exagerada para justificar seu desmonte, se uma empresa deve 400 bilhões, 13.6 bilhões de dólares, que não chegam a 10% desse montante pela cotação atual da moeda, arrecadados com a apressada venda de ativos estratégicos, longe de serem decisivos, são praticamente irrisórios em termos contábeis. Sendo assim, nesse contexto, sua citação triunfal a todo momento só pode ser compreendida como mais um esforço – patético – de enganação da opinião pública, para justificar a entrega, nos próximos meses e anos, de uma fatia ainda maior do patrimônio de nossa maior empresa a concorrentes estrangeiros, sem nenhum critério estratégico e a preço de banana. O discurso entreguista é tão contraditório, que, por um lado critica-se a “incompetência estatizante” da Petrobras, a mais premiada empresa do mundo no desenvolvimento de tecnologia para a exploração de petróleo em águas profundas, e, por outro, se transfere seus poços e empresas a estatais estrangeiras como a Statoil e para fundos de pensão também estatais como o da província de British Columbia, no Canadá, um dos novos donos dos Gasodutos do Sudeste. A “imprensa” cita como objetivo, nesse quesito, para 2017, a “negociação”, pela Petrobras, de pouco mais de 23 bilhões de dólares em ativos. Uma quantia que equivale a cerca de 7% das reservas internacionais brasileiras, que poderiam perfeitamente ser usados pelo governo para capitalizar a empresa sem depená-la, como a uma ave natalina, para servi-la, a preço de restaurante popular, para as multinacionais, como está sendo feito agora. Não é por outra razão, apesar de o ano de 2016 ter sido o mais fraco das últimas décadas em exploração – a descoberta de novos poços caiu, segundo a Agência Nacional do Petróleo, em mais de 70% no ano passado, para apenas dois,  devido, principalmente, à retração de atividades da Petrobras, diuturnamente atacada, vilipendiada e sabotada em várias frentes – que a parcela estrangeira na produção de petróleo no Brasil, devido, entre outras  razões, à transferência de campos como Carcará a empresas multinacionais – cresceu em 14% no último ano, para 457.000 barris diários, e deve atingir em 2017, perto de 900.000 barris, ou quase a metade do que a Petrobras produz em território nacional. Isso ocorrerá não apenas pela continuação da venda – se não houver contestação jurídica – de ativos da Petróleo Brasileiro S.A a estrangeiros, mas também pela queda intencional e programada de investimentos em exploração por parte da empresa, cuja produção crescerá – segundo prevê o “mercado” – em apenas 2% este ano. Enquanto isso, graças à tentativa suicida – para não dizer imbecil – de repassar, imediatamente, as cotações internacionais para o consumidor brasileiro, o preço dos combustíveis continua subindo nos postos, a quase toda semana, mesmo quando o custo do barril desce no exterior. Ou alguém já viu – sem tabelamento, eventual promoção, “batismo” ou falsificação – gasolina baixar de preço nas bombas, no Brasil? Publicado originalmente na Agência Carta Maior. A guerra  

O Rio Grande, os trabalhadores e o capital

por Elaine Tavares O que aconteceu anteontem no Rio Grande do Sul é uma prévia do que virá em todos os estados da Federação. Deputados votando leis que retiram direitos, trabalhadores agredidos pelas polícias militares, governadores impassíveis e insensíveis às dores das gentes. O argumento para a barbárie contra os trabalhadores é o de que o estado está endividado e há que cortar na carne para equilibrar as contas. Só que esse cortar na carne, não se refere a qualquer carne. É a carne de quem produz a riqueza: o trabalhador. A carne de quem se apropria do lucro gerado por esse trabalho não sofrerá sequer um risquinho. Não bastasse isso, as pessoas que sofrem os ataques sequer sabem como a dívida foi contraída, em que bases e para onde foi o dinheiro. Isso não é nenhuma novidade para quem estuda o modo de ser do capitalismo. Nesse sistema, que Mészáros considera “incontrolável”, o Estado existe justamente para proteger os meios de produção (que são de propriedade dos capitalistas) e a propriedade privada. Tudo é feito para garantir a expansão do capital e a maior extração do trabalho excedente. Logo, quando há uma crise mais profunda, como agora, cabe ao Estado proteger as condições gerais da extração da mais valia do trabalho excedente. O que isso significa? Que novas normas e leis são criadas para garantir que a taxa de lucro dos capitalistas não caia. Logo, a outra face dessa verdade é o chicote no lombo dos trabalhadores. Assim, cortam-se direitos e diminui-se a intervenção do Estado na vida das gentes, com cortes nos setores públicos. O que acontece hoje no Rio Grande do Sul é a expressão do que já começou a acontecer em nível nacional com a aprovação da PEC 55. Nesse sistema, que Mészáros chama de “sistema metabólico do capital”, o tripé Capital x Trabalho x Estado é como uma entidade única de três cabeças, sendo que a cabeça Trabalho é a que vive sob a subordinação. E ela está sob o tacão da força porque, sem ela, as outras duas cabeças deixariam de existir. Ainda assim, mesmo dependendo da força dos trabalhadores para se fazer real, o capital não faz qualquer concessão. Diante de qualquer possibilidade de perder lucro, o sistema se reorganiza sem levar em conta, no mais mínimo, os interesses das pessoas. Todas as decisões são tomadas para manter rodando a roda viva da produção do lucro. É o “sistema” que precisa se manter. Danem-se os trabalhadores. Existem tantos no mundo que o capital pode permitir que muitos deles venham a perecer diante das medidas de austeridade tomadas. Assim que não há qualquer eficácia em apelar para os “bons sentimentos” dos governantes. Eles não estão subordinados a qualquer compaixão. Sua subordinação é a um sistema que se configura incontrolável, exigindo sempre mais. Uma espécie de deus sanguinário. Quanto mais sangue se lhe é sacrificado, mais ele quer. Mészáros diz que o capital tem um controle sem sujeitos. E o que quer dizer com isso? Que não há no quadro de mando do sistema alguém que possa olhar para o sofrimento dos trabalhadores e se compadecer. Não. O sistema exige mais e mais e os seus supostos controladores – na verdade controlados pelo sistema – só o que podem fazer é aplicar receitas que permitam a insaciável expansão do capital. Por isso que o governador Ivo Sartori pode ser visto dando risadas no aeroporto enquanto sua polícia desce o cacete nas gentes em frente à Assembleia Legislativa. Aquele que comanda o estado sabe que sua função ali será a de garantir o controle de qualquer rebelião que venha a ameaçar o perfeito rotacionar do sistema. Por isso ele está em paz. Não é comandado pela moral. Na cabeça dele, a função para a qual foi eleito está sendo cumprida à risca. Não enxerga pessoas. Vê pequenos cânceres que com sua ação rebelde querem pôr fim ao sistema metabólico do capital. O mesmo acontece com aqueles que, enquanto os trabalhadores apanhavam em frente ao Congresso nacional, se coqueteavam com champanhe e salgadinhos. O quadro que se desenrolava lá fora era só um borrão, tapado pela fumaça das bombas. A única visão possível era a dos policias, bem armados, protegendo a “bastilha”. E só. Diante dessa constatação não cabe aos trabalhadores clamar por piedade ou misericórdia. O único que lhes cabe é a luta. A luta renhida. Mas não pode ser uma luta pontual, para resolver a questão da previdência ou a da dívida, como se solucionado esses pequenos pontos, a vida pudesse seguir seu curso em direção ao paraíso. Isso não vai acontecer. Ainda que o sistema – em temos de crescimento – possa conceder um ou outro ganho aos trabalhadores, seus hábitos alimentares não mudam. Segue se alimentando da mais valia dos trabalhadores. Não pode viver sem isso. É como o vampiro que diante da moça assustada, dá um suspiro de pena, mas imediatamente finca-lhe os dentes. Não pode existir se sentir compaixão. Cabe, portanto, desmontar esse “sistema metabólico do capital”. Avançar para uma forma de organizar a sociedade na qual as aspirações legítimas das pessoas por vida plena, digna e de riquezas repartidas conforme as necessidades, sejam levas em consideração em vez dos imperativos fetichistas da ordem. Enquanto existir o modo capitalista de produção, essas aspirações não terão lugar. Logo, é tempo de decidir. Não que as lutas pontuais não devam ser travadas. Isso não só é justo como necessário. Mas, elas precisam avançar para a destruição desse sistema que nos suga todo o sangue e a alegria de viver. Ninguém entre nós que tenha começado a trabalhar aos quatro, cinco anos, cortando cana, carregando pedra, amassando massa quer trabalhar até os 100 anos. Esses desejos só sentem aqueles que não produzem riquezas, os que se refestelam em salas acarpetadas com ar-condicionado. https://urutaurpg.com.br/siteluis/ate-a-onu-alertou-mas-a-pec-do-fim-do-mundo-foi-aprovada/  

Previdência é fichinha, o inimigo é o capitalismo

por Elaine Tavares O sistema capitalista de produção, diz Mészáros, é uma totalidade incontrolável. Sua função é buscar lucro a todo custo e, por isso, nem mesmo os capitalistas conseguem colocar freio a essa sede desenfreada. Assim que, como no clássico filme de terror do grande Boris Karloff, ele funciona como uma bolha assassina, se expandindo sempre mais e engolindo tudo no caminho por onde passa, insaciável. Sua fonte de riqueza é o trabalho dos trabalhadores. Daí é extraída a mais-valia, que é o valor a mais, criado pelo trabalhador, e não pago pelo patrão. Marx já desvendou esse mistério e mostra, com dados concretos, como não existe outra forma de o capitalista garantir sua riqueza se não for explorando o trabalhador. No geral a exploração se dá assim: a pessoa é contratada e recebe um salário por oito horas. Esse salário serve apenas para garantir que o trabalhador não morra. Garante a comida, a roupa, algum serviço de saúde e ponto. Mas a riqueza que a pessoa produz nessas oito horas de trabalho é bem maior do que o salário que ela recebe. O que sobra dessa subtração é o lucro do patrão. A mais-valia. Com o passar do tempo, o sistema capitalista foi encontrando formas de extrair ainda mais valor da pessoa. A invenção das máquinas tem ajudado bastante os ricos a enriquecerem mais. Pois, com a máquina, a pessoa trabalha as mesmas oito horas, mas produz infinitamente mais. O salário segue achatado. Mais valor para os patrões. Muito mais. Agora, não satisfeitos com a possibilidade de extrair mais e mais valor da pessoa que trabalha, o sistema busca esticar e esticar a vida dessa “peça” inestimável. Como a medicina e a farmacêutica tem conseguido aumentar a expectativa de vida, as pessoas tendem a viver mais. Então, qual o passo mais lógico para o sistema capitalista? Não permitir que essa peça de produzir riqueza fique gozando a vida, em uma aposentadoria que pode se estender por 30 e até 40 anos. O roubo do corpo É exclusivamente por isso que aí está a mudança na Previdência, anunciada pelo governo Temer. Não tem nada que ver com rombo ou déficit. Quem tem acesso aos números sabe que não há problemas com as contas. A questão única que orienta essa decisão é a ganância dos capitalistas. Por isso que essas mudanças não acontecem só no Brasil, elas estão por todo o mundo, inclusive nos países centrais que, até bem pouco tempo, gozavam do famoso “bem-estar social”. Não gozam mais, vejam as lutas que acontecem por lá. É da natureza do capitalismo se expandir. Ele precisa fazer o dinheiro gerar dinheiro, sem parar. Foi assim que a produção saiu dos países centrais e ocupou os países dependentes e subdesenvolvidos. Os capitalistas ocuparam a América Latina, o continente africano, a Ásia, sempre em busca de mão-de-obra barata, as quais pudessem sugar até a última gota de sangue. Por isso que nesses lugares periféricos o que existe é a superexploração dos trabalhadores, ou seja, jornada maior que oito horas, e maior produção no espaço de tempo da jornada. Com isso o lucro aumenta de maneira abissal. Agora, todos os espaços da terra já foram ocupados com essa sanha destruidora da produção de mercadorias que as pessoas nem precisam. Também já criaram as técnicas de obsolescência programada para que essas mercadorias tenham que ser trocadas a cada tanto. Só que os capitalistas sabem que é só o trabalhador que cria o mais valor. Esse lucro que garante a riqueza de 1% das pessoas no mundo, só pode existir se for roubado de seres humanos que trabalham. Não há outra forma de produzir riqueza. Por isso a necessidade agora de avançar ainda mais sobre o corpo. Se antes a pessoa trabalhava até os 50 anos, precisa ir mais adiante. A vida dura mais, então há que explorar por mais tempo a pessoa. O que fazem então os donos do capital? Tiram os direitos. Nada de aposentadoria para que uma grande massa de gente fique por aí, sem gerar valor. E ainda mais se são empobrecidos. “Ficam por aí incomodando”, é o que devem imaginar. Então, acaba com a previdência. Mas, como fazer os trabalhadores acreditarem que eles estão mesmo atrapalhando o desenvolvimento do país por estarem ficando velhos? Simples. Cria uma campanha sistemática através dos velhos parceiros do capital – os meios de comunicação. Envolve jornalistas, formadores de opinião, apresentadores de programas de entretenimento, ídolos nacionais, todo mundo falando a mesma coisa. “A previdência tá quebrada, a previdência tá quebrada”. “A culpa é dos velhos, a culpa é dos velhos”. Cria-se um consenso e, num átimo, até os velhos começam a achar que são mesmo um atrapalho e que o melhor mesmo é, pelo menos seguir trabalhando e contribuindo para o desenvolvimento do país. Até que venha a morte. Ora, isso é uma mentira. Não acreditem! Rebelem-se! Bom debate: No mundo, 99% da população é formada por esses criadores de valor, os trabalhadores. Somos a maioria. A riqueza que existe, toda ela, é produzida por esses 99%. Os que usufruem dela são os ladrões. Essa é a verdade. A bomba que hoje é chamada de “reforma da previdência” não está a reformar nada. Está a destruir a vida das pessoas, com mais voracidade do que já vem fazendo desde que o sistema capitalista existe. Contribuir por 49 anos para garantir um salário igual ao que a pessoa tenha quando se aposentar, isso é uma afronta à vida. Jogar para 65 anos a idade mínima para parar de trabalhar é um crime. Mas, em verdade, esse não é problema mesmo. É só a aparência da coisa. A essência mesmo é o modo de produção, o capitalismo. Esse é o monstro que precisa ser detido. A boa notícia é que isso é possível. Se são os trabalhadores os que geram a riqueza e se eles são 99% da população, então estamos com a faca e o queijo na mão. O que precisa ser feito, então? Fazer

Povos indígenas em luta contra as mudanças na Constituição

por Elaine Tavares  O golpe parlamentar/judicial e midiático vivido pelo Brasil em 31 de agosto desse ano colocou para os povos originários mais uma barreira. Não que o governo de Dilma Rousseff tenha sido muito favorável às demandas indígenas, mas a presença de Michel Temer na presidência acrescenta nova energia à bancada legislativa que representa o agronegócio e o latifúndio. Essa bancada – de corte conservador, quase fascista – é a que quer mudar a Constituição, tirando do executivo a decisão de demarcar terras indígenas e passando essa função para o Congresso. E, além de definir as novas demarcações, os deputados também poderão questionar e revogar as demarcações já realizadas. Isso significa um retrocesso sem precedentes para a dura luta dos povos indígenas. O movimento dos povos indígenas no Brasil tem crescido consideravelmente na última década, inclusive saindo da tutela política das organizações religiosas e das controvertidas ONGs. Nos estados da federação onde há mais comunidades ou povos indígenas eles já conseguiram criar suas próprias organizações, bem como consolidar as organizações nacionais que articulam as lutas de forma unificada. Hoje, existem 305 etnias vivas, lutando por território, por direito à autonomia e pelo direito de vivenciar sua cultura. A população – que na década de 90 tinha apenas 300 mil almas – atinge quase um milhão de pessoas, o que pode parecer pouco em um país de mais de 200 milhões de almas. Mas, considerando a história do extermínio e a tentativa de apagamento das culturas, isso é um grande feito para os povos originários. Não se pode deixar de reconhecer que a era petista, ainda que tenha sido tremendamente omissa com os assassinatos e ataques sistemáticos dos ruralistas contra os povos indígenas, conseguiu promover algumas alterações na vida cotidiana que acabaram colaborando para o crescimento do movimento. A decisão de garantir cotas para indígenas nas universidades levou milhares de jovens ao ensino superior. Conforme dados do Ministério da Educação, hoje são mais de oito mil indígenas nas universidades. Isso, de certa forma permite que a juventude se aproprie do saber do não-indígena e com isso possa enfrentar com muito mais eficácia os ataques institucionais, que são incontáveis.  Além do mais, essa presença nas universidades igualmente ajuda os não-indígenas a se acercarem da cultura e da sabedoria dos povos originários. De alguma maneira – ainda que siga existindo muito preconceito – o diálogo vai se fazendo.  Aliado a isso, a organização autônoma das comunidades, a criação de entidades unicamente indígenas, também permite que os povos encontrem caminhos para dizer sua própria palavra, sem necessitar mediações. Claro que isso ainda não é suficiente, porque o poder do agronegócio – também potencializado no governo do PT – segue sendo desproporcional. Basta que se veja a conformação do próprio Congresso Nacional, no qual os representantes do latifúndio são muitos e contam com aliados de peso. Não é sem razão que os deputados querem fazer as mudanças na Constituição com a famigerada PEC 215, que é uma proposta de emenda constitucional que entrega ao Congresso as decisões sobre as demarcações de terra. Isso é fundamental para os fazendeiros, pretensos donos de terras, porque eles querem se apoderar dos territórios onde estão hoje os indígenas. Espaços de muita riqueza, não apenas como espaço de plantação, mas também como mananciais de água e fontes de minérios. No estado do Mato Grosso do Sul, por exemplo, onde estão as terras mais férteis do país, os ataques aos indígenas são ferozes e sistemáticos. A etnia dos Guarani-Kaiowá inclusive chegou a lançar um documento no qual anunciava sua decisão de resistir até a última alma, em luta aberta, caso o governo não definisse de vez a demarcação das terras. Verdadeiros donos das terras, eles hoje vivem nas margens das estradas, sem poder ocupar seu território original e violentamente atacados pelos fazendeiros e seus jagunços, quando não pela própria “justiça”.  Pessoas são assassinadas, mulheres são brutalizadas, crianças violadas no seu direito de viver e muitos jovens chegam a cometer suicídio por se recusarem a viver sem lugar. Inclusive o Judiciário aponta que eles – os indígenas – são um entrave ao “progresso” da região. Ou seja, toda a estrutura de poder instituído faz parceria com os interesses dos pretensos proprietários das terras. Também na região norte do país, na Amazônia, as obras de construção de hidrelétricas – mais de 40, incluindo a gigante Belo Monte – levantaram os povos em rebeliões e lutas. Muitas têm sido as batalhas contra a destruição dos rios e dos territórios sagrados, mas o governo federal – de Lula e Dilma – fez-se surdo aos gritos dos indígenas e dos ribeirinhos, garantindo que as máquinas seguissem seu trabalho. Essa já é uma batalha praticamente perdida. E agora, com essa proposta de mudança na Constituição (PEC-215), as coisas podem ficar ainda mais duras, porque além de deixar nas mãos dos interesses do capital a decisão sobre as novas demarcações de terras, as que já foram definidas também poderão ser revistas e revogadas. Isso significa que territórios já demarcados, onde vivem os povos, podem ser tomados de volta com o respaldo da lei. Isso será feito pelos deputados que representam – na sua maioria – os interesses de expansão agrícola (agronegócio) e das mineradoras. Sempre é importante lembrar que na nova estruturação do sistema capitalista – em mais uma de suas crises buscando expansão – os espaços de exploração de matéria prima já estão determinados, e o Brasil é o lugar onde se pretende ampliar a produção de grãos e a exploração de minérios. Daí essa proposta no Congresso. Afinal, lá, o que menos se pensa é no interesse da maioria da população. Assim que a luta contra a PEC 215 tem sido a luta mais importante no momento para os povos indígenas. Porque houve um golpe e os grupos que querem a mudança na Constituição para proteger os interesses transnacionais estão fortalecidos, cheios de poder. Em um universo de 503 deputados, os indígenas talvez possam contar com uns 50. Por isso eles seguem em Brasília, em

De santos e de juízes

por Mauro Santayana (da Agência Carta Maior) A estúpida invasão do Parlamento, com a tomada do plenário da Câmara dos Deputados por um bando de imbecis – que davam vivas ao Juiz Sérgio Moro e pediam uma “intervenção” militar – não é um absurdo isolado no crescente cerco à Democracia e às instituições nacionais. A cerrada pressão corporativa do Judiciário e do Ministério Público sobre deputados e senadores para consolidar o controle de um grupo de plutocratas sobre a República, o Legislativo e o Executivo, e, direta e indiretamente, sobre o eleitorado e os cidadãos comuns, representa uma outra face da ascensão de um fenômeno perverso, antidemocrático e fascista – a Antipolítica. Não interessa se o legislativo que aí está aprovou,  majoritariamente, um golpe que tirou do poder um governo que, venhamos e convenhamos, havia se tornado de certa forma insustentável, por sua própria incapacidade em recusar uma agenda neoliberal recessiva – criada também para facilitar a sua derrocada – e de resistir a uma campanha tenaz, mentirosa e fascista que se desenvolvia claramente desde 2013 e que iria – só os imbecis e os ingênuos não acreditavam nisso – chegar, inexoravelmente, à derrubada da Presidente da República. O Congresso Nacional – e nele há também aqueles que tentaram resistir bravamente a essa farsa – não é perfeito. Mas ninguém chega ali sem voto. E o voto reflete em boa parte a essência, a opinião, a qualidade e o que determina a população brasileira. Tão ou mais responsáveis pela queda de Dilma, do que os deputados e senadores que votaram pelo seu impeachment, foram certos grupos do Ministério Público e do Judiciário, oriundos majoritariamente de uma classe média reacionária e conservadora, que investiram tenazmente na fabricação de uma longa série de factoides, arbitrariedades e escândalos, destinados a dizimar o PT nos tribunais e – em cumplicidade com uma mídia mendaz, parcial e seletiva – junto à opinião pública. Ou alguém acredita que, se não existisse a Operação Lava Jato, e seu deletério exemplo, com o evidente antipetismo do Juiz e de vários procuradores envolvidos com sua “força-tarefa” – mesmo com a coleção de equívocos táticos e políticos do governo anterior e de seu partido – teria se conseguido derrubar a Presidente da República? A “Lava Jato” não apenas destruiu o país, provocando 140 bilhões de reais de prejuízo e aprofundando os efeitos da política recessiva e da crise internacional – arrebentando com as maiores empresas brasileiras e seus milhares de trabalhadores, acionistas e fornecedores – para recolher menos de dois bilhões, na verdade, apenas algumas dezenas de milhões de reais, se formos considerar dinheiro efetivamente desviado e não de “leniência”, “multas” e “bloqueios” bilionários. Ela também representou a consolidação de uma Jurisprudência da Destruição que já vinha de antes, partidária e sabotadora, com a sucessiva paralisação, por centenas de vezes, de dezenas de grandes obras de infraestrutura e de projetos estratégicos de governos petistas, nos últimos anos, como as hidrelétricas de Jirau e Belo Monte, a Refinaria Abreu e Lima e a Transposição do São Francisco, por exemplo, que tiveram entre outras consequências diretas um extraordinário aumento no preço das obras hoje atribuído quase que exclusivamente a supostos casos de corrupção. E se apoiou no descrédito da democracia, por meio da manipulação da opinião pública,  estratégia essa que é a cabeça de ponte de um movimento que pretende, de fato, diminuir o poder de representantes eleitos, para entregá-lo a um estrato privilegiado de funcionários concursados que se veêm como impolutos Cavaleiros da Justiça, e que consideram, temerariamente, que devem tutelar a República, por meio de sucessivas manobras políticas, quando  não têm um reles voto e  estão proibidos, por lei, de meter-se nesse contexto. Se houvesse um mínimo de respeito à Constituição, o Movimento das 10 Medidas Contra a Corrupção teria sido coibido dede o início. Juízes, procuradores, desembargadores devem fazer cumprir as leis e não criar movimentos de massa, slogans e marcas e sair colhendo assinaturas para reformulá-las partidariamente – mesmo que não se trate de partido legalmente constituído – em seu próprio benefício profissional ou pessoal. A não ser que queiram abandonar suas togas e seus confortáveis gabinetes e se candidatar ao Legislativo, disputando, no próximo pleito, com os deputados e senadores aos quais pretendem dar lições éticas, o voto e a preferência do eleitorado. Se não fosse assim, os constituintes de 1988 teriam lhes franqueado o acesso à atividade política, quando o que fizeram, explicitamente, foi exatamente o contrário, como ocorre, aliás, na maioria dos países do mundo. Já imaginaram se as Forças Armadas fizessem um movimento em defesa de seus próprios interesses e do aumento de quinhão de poder, de facto, no conjunto da sociedade brasileira, através de um conjunto de “10 Medidas Pró-defesa”, com soldados da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, colhendo assinaturas em bares e restaurantes? Ou os bombeiros, ou os médicos, ou os fiscais, não interessando qual fosse o motivo, até mesmo porque de discursos demagógicos e de “boas” intenções o inferno está cheio? Poderíamos, tranquilamente, fechar o Congresso, as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, e mudar o nome deste país para República Corporativista Brasileira. É por isso que, tanto do ponto de vista político, quanto do jurídico, os magistrados e procuradores brasileiros deveriam evitar o perigoso caminho – que estão trilhando com a cumplicidade de parte da mídia, que também aposta na judicialização e na criminalização da política e no enfraquecimento da Democracia – de tentar aumentar de forma incessante o seu poder, o seu ego e sua arrogância, no trato com a população de modo geral e, especificamente, com outras instituições da República. Uma auditoria do Tribunal Superior do Trabalho acaba de constatar que todos os tribunais regionais descumpriram normas legais em relação a férias de juízes e desembargadores entre 2010 e 2014. Nos casos mais graves, segundo a Folha de São Paulo, cinco TRTs pagaram a 335 magistrados o total de R$ 23,7 milhões a título de indenização, ou seja, da “venda” teoricamente ilegal –  a Lei Orgânica da Magistratura Nacional não prevê a possibilidade

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