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Política análise

Análises de nossos colaboradores sobre a conjuntura política.

Os novos golpes na América Latina

por Elaine Tavares Já não é de hoje que se observa o movimento de endireitização na América Latina. A classe dominante nunca esteve quieta, até porque os governos mais progressistas que surgiram não foram revolucionários e buscaram a via pelas instituições burguesas, apostando na democracia liberal, que nada mais é do que a ditadura do capital. Na Venezuela, onde o processo de transformação à esquerda foi mais intenso, durante todo o tempo de governo de Chávez, a elite local, patrocinada por instituições estadunidenses, nunca deu trégua e chegou a dar um golpe em 2002, rechaçado pelo povo nas ruas. Hoje, com Maduro, a batalha segue cada vez mais acirrada e com vitórias por parte da direita, uma vez que o governo bolivariano capenga entre erros. O que segura o governo é o povo, que, mesmo conhecendo os equívocos, não quer voltar ao passado, quando estava fora das decisões. Ocorre que a classe dominante latino-americana não consegue suportar sequer a perda de alguns anéis, que é o único que tem sido provocado pelos governos ditos populares. Em Honduras, no ano de 2009, quando o fazendeiro Mel Zelaya buscou apontar alguns pequenos ajustes no sentido de incluir os mais pobres através de acordos com a Venezuela, foi devidamente derrubado por um golpe judiciário. A história foi bem parecida com a que acontece hoje no Brasil. O Ministério Público de Honduras expediu uma ordem de prisão contra o presidente, alegando que era necessária uma detenção preventiva de Zelaya, para evitar que ele sumisse com alguns documentos que os procuradores consideravam relevantes num processo que corria contra o presidente, ou que o mesmo fugisse do país. Ora, não havia qualquer indício de que isso pudesse acontecer.  Zelaya foi então sequestrado pelos militares e levado para fora do país, em flagrante desrespeito à Constituição e impedindo que o mesmo tivesse direito à defesa. O que se seguiu em Honduras agora é história. O golpe foi respaldado, Zelaya foi deposto e seu único “crime” foi ter convocado o povo para decidir se queria ou não uma nova Constituição. Novas eleições foram chamadas, sem a participação da esquerda, e mesmo ilegítimas, tiveram a aprovação de toda a comunidade internacional. Era a volta dos golpes, dessa vez disfarçados na ação do Judiciário. O ano de 2012 viu novo golpe ser aplicado em um governo progressista da América Latina. Desta vez foi no Paraguai. Fernando Lugo, que avançava timidamente no debate com os camponeses buscando uma reforma agrária, foi violentamente rechaçado pela classe dominante local, que não queria ter qualquer perda de seus históricos privilégios. Acusado pelo Judiciário de ser o responsável por um massacre de camponeses no contexto de uma luta por terra, iniciou-se um processo de impedimento do presidente. O inédito é que esse processo durou menos de 24 horas.  A Câmara dos Senadores do Paraguai deu aos advogados do presidente menos de cinco horas para defesa. Foi um golpe judiciário/parlamentar rápido e violento. Numa votação apressada e marcadamente decidida sem qualquer prova de culpa do presidente, por 39 votos a 4, Fernando Lugo foi cassado. De novo, o mundo respaldou o golpe. Eleições foram marcadas e a classe dominante voltou ao poder, livre de qualquer ameaça “comunista”. Tudo foi esquecido e a vida seguiu. Mas, na verdade, o que acontecia era a consolidação de um novo tipo de golpe, já sem a presença dos canhões, mas igualmente destruidor. O Brasil Hoje o Brasil vive processo semelhante. Com base em acusações feitas por pessoas – delações premiadas – sem que tenham sido apresentadas provas reais e concretas, estão em curso duas vias do golpe. Uma delas, muito parecida com a que aconteceu com Zelaya, envolve o judiciário e a tentativa de prisão forçada de Luiz Inácio Lula da Silva, potencial candidato às eleições de 2018. A outra via é a parlamentar, com o aceite do pedido de impedimento da presidenta Dilma Roussef, também baseado em acusações testemunhais de que ela teria sido conivente com casos de corrupção na Petrobras. Nada de provas, só testemunhos vindo de delações. O processo no Congresso Nacional também é viciado. Dos 65 parlamentares escolhidos para a comissão que vai analisar o pedido de impedimento, mais de 35% deles estão acusados de corrupção, e com bases reais. O próprio presidente da casa, Eduardo Cunha, teve contas no estrangeiro descobertas. Provas reais. Mas a esses, ninguém toca. Eles representam interesses dominantes, que querem recuperar a cadeira do planalto. O mais trágico em toda essa “novela” brasileira é que o PT sequer se aproxima do que poderia ser chamado de um governo progressista. Durante todo esse tempo que está no poder governa aliado com o grande capital. O próprio Lula já disse que nunca os ricos ganharam tanto quanto no seu governo. Mas, a mídia – que é o braço armado do sistema – resolveu que esse é um governo “comunista”, coisa que reviraria os corpos de Marx e Lenin na tumba. O que o PT fez foi criar uma série de políticas que permitiram aos mais pobres entrarem na roda do consumo e aos extremamente pobres saírem da fome crônica. Um passo tão pequeno e que ainda não foi “engolido” pela classe dominante. Cotas para negros, índios e alunos de escola pública levaram milhões de empobrecidos para as universidades, 13 novas universidades foram criadas, bolsa-família, programas de pleno emprego e outra série de políticas que, apesar de usarem parte minúscula do PIB, fazem a diferença na vida de milhões de pessoas. No bloco de esquerda as opiniões se dividem nessa hora de agonia do governo petista. Parte dela não quer nem saber se está em curso um golpe ou não. É contra o PT e contra ele luta, apontando que a saída para a crise tem de ser dada pelos trabalhadores. Grita “fora todos” e pede novas eleições. Outra parte, mesmo sendo crítica do governo petista desde a primeira hora, entende que esse é um momento em que se precisa, primeiro, evitar o golpe judiciário/parlamentar/midiático em curso, pois isso enfraquece o frágil processo

A fábrica de ideologia

por Elaine Tavares A Globo mostrou ontem, mais uma vez, o que é ser uma fábrica de ideologia. Coloca como herói alguém que trabalha acima da lei, insufla o golpe, escancara sua posição. Nada de novo para nós que fazemos a crítica cotidiana. A mídia comercial é o braço armado do sistema. Há quem diga que não é bem assim, que não é tanto poder sobre as pessoas. Mas é. Negar isso é fechar os olhos para a realidade. A onda fascistóide que varre o país desde há tempos só cresce, e muito desse crescimento vem da atuação da mídia. Não digo que as pessoas sejam tábulas rasas, que qualquer informação passada pela televisão se encrava e domina. Não. Isso seria estúpido e equivocado. Mas, Theodor Adorno, um dos filósofos da escola de Frankfurt já deu a pista nos anos 50 sobre como essa fábrica de ideologia funciona e como acaba influindo na consciência coletiva. No seu estudo sobre a personalidade autoritária, Adorno mostra que existem na sociedade os fascistas em potencial. Essas pessoas seriam aquelas que já estariam abertas às tendências antidemocráticas da sociedade e, com a instigação sistemática, fatalmente se tornariam autoritárias e passíveis de explicitação do ódio. Esse trabalho foi feito por Adorno para tentar explicar algumas tendências autoritárias na sociedade estadunidense logo após a segunda grande guerra, e ele baseava suas conclusões na experiência vivida pelo nazismo – pouco tempo atrás, que acabou levando ao fanatismo um país inteiro. Ele mostra que as tendências fascistas não estão ligadas ao desconhecimento, à ignorância ou a falta de informação. Se fosse assim não teríamos tantos intelectuais caminhando por essas veredas. A tendência fascista, para ele, é algo que está na consciência e, se bem trabalhada, pode aflorar até mesmo nas chamadas “pessoas de bem”. O fato é que a classe dominante usa os meios de comunicação para insuflar o ódio a tudo aquilo que apareça como um entrave ao seu domínio. Mentiras e preconceitos, repetidos e repetidos, provocam a insurgência do fascista em potencial, aquele que no íntimo do seu ser precisa de um líder, um patrão, um chefe, alguém autoritário e mandão para definir os caminhos. Ele mesmo não se sente seguro em definir seu próprio rumo. E é aí que a televisão – fábrica de ideologia – entra. Como o espaço mais propício para a fermentação do ódio e para a construção de uma sociedade autoritária. Não é sem razão que os meios de comunicação comerciais estejam sempre a massacrar os negros que vivem nas favelas, os pobres, os índios, os trabalhadores que se revoltam, as gentes que se rebelam, os de “abajo”. Todas essas parcelas da sociedade são demonizadas diuturnamente. Milhares de trabalhadores públicos em greve fazendo passeata em Brasília não entram no plantão da Globo, mas meia dúzia de reacionários gritando em frente ao Palácio da Alvorada são elevados ao patamar de “heróis da pátria”. E o que é pior, tudo isso acaba sendo potencializado nas redes sociais, que reproduzem os mesmos meios, as mesmas ideias, à exaustão. Na histeria dos fascistas em potencial já não cabem mais a lei, as regras definidas para viver em sociedade, nada. Só o que vale é fala e a indicação do líder. Com ele vão ao inferno e podem até matar a própria mãe. Dura realidade. Porque um líder que se vale do ódio pode voltar-se contra os seus próprios comandados a qualquer momento, basta que apresentem uma fagulha de pensamento crítico. Registros disso podemos encontrar aos milhares na história da humanidade. Na arte, um filme que mostra bem essa construção da sociedade autoritária é “O senhor das moscas”. Vale a pena ver e pensar um pouco sobre o que vivemos agora mesmo no Brasil e na América Latina. Ontem assistimos a mais um capítulo das investidas da classe dominante para abocanhar o poder de governar de direito. Porque de fato nunca esteve fora das decisões. Apenas suportou a aliança com o Partido dos Trabalhadores porque havia uma conjuntura continental que favorecia a um avanço da ideia de socialdemocracia, de avanço de políticas públicas, de políticas compensatórias. Mas, agora que por toda a América Latina a mão dura do capital vem recuperando seu poder, já não é mais preciso esconder-se na pele de cordeiro. O lobo volta arreganhar os dentes sem vergonha de ser quem é. E, nesse processo de reagendar novas formas de ser governo, nada melhor que espalhar o germe do autoritarismo que está latente em boa parte das gentes. Para isso tem a Globo, a Record, a Band, a Folha e toda a sorte de seguidores. A mão dura, quando é para ser usada em favor dos pobres, não serve. Aí, quem a usa é acusado de louco, ditador e outros quetais, como foram alcunhados Fidel, Che, Chávez. Hoje, vimos nas ruas, a elite e a classe média – em sua maioria – babando, pedindo o regime militar. A favor de quem? Dos pobres é que não. Querem o autoritarismo para garantir privilégios. Mal sabem que quando se acorda o monstro, ele pode pisar em qualquer um. Publicado originalmente no Blog Palavras Insurgentes.

As manifestações e o Brasil

por Elaine Tavares O dia 13 mobilizou mais de dois milhões de pessoas que foram às ruas protestar contra o PT, contra Dilma, contra o Lula e contra a corrupção. A maior concentração obviamente foi em São Paulo, centro financeiro e político do país. E nas ruas estavam gentes de todo tipo, ricos, classe média e pobres. A organização das atividades foi da direita brasileira, claramente identificada, mas não faltaram pessoas que sempre estiveram à esquerda e que hoje querem ver a derrubada do PT do poder, justamente porque o PT deixou de ser esquerda há muito tempo. Foi, portanto, uma gama bem grande de descontentamento que se expressou nas caminhadas realizadas em quase todo o território nacional. Alguns aspectos precisam ser ressaltados para compreender o fenômeno. Nas grandes cidades houve muita facilidade para chegar ao protesto, com a logística de grandes eventos que não existe nos domingos comuns. Transporte extra (falou-se até em gratuidade no metrô de São Paulo), proteção policial e reengenharia de trânsito. Tudo preparado para o evento. Coisa que não acontece quando a manifestação é de trabalhadores em luta, por exemplo. Também é importante ressaltar a fabricação do consenso feita pelos grandes meios de comunicação, que insuflaram as gentes durante a semana toda, oferecendo informações, muitas delas completamente mentirosas ou sem provas confirmadas. Criou-se o caldo cultural e midiático para que as pessoas fossem às ruas. Não dá para negar essa força. Não que as gentes sejam incapazes de pensar por si mesmas, mas uma informação repetida à exaustão tem seu poder. Assim, insufladas, expressaram-se as ideias mais conservadoras possíveis, como gritavam os cartazes exigindo a intervenção militar, contra a democracia, ou ainda os mais bizarros, escritos em inglês, pedindo a ajuda de Donald Trump (o candidato conservador à presidência dos Estados Unidos). Aliado a isso encontramos os tipos que se prestam à servidão voluntária, sempre colados naqueles que eles acreditam ter o controle das coisas. Muitos eram “lulistas” durante o primeiro mandato de Luís Inácio, quando a economia ia de vento em popa e, agora, na crise, mudam de lado. Mas, também foram aos protestos os mais pobres, que realmente se preocupam com a corrupção, que sofrem cotidianamente os efeitos dela, na falta de saúde, de escola ou até mesmo de comida. Os de boa fé. Possivelmente os que expulsaram Aécio e Alckmin, quando estes quiseram se aproveitar da situação. Nas pequenas cidades também acorreram gentes às ruas no grito contra a corrupção. Afinal, quem em sã consciência seria a favor? Municiadas pela mídia as famílias marcharam também contra o PT, Lula e Dilma, hoje identificados como o principal foco de corrupção do país. Jamais houve uma campanha assim, feita pela mídia, contra a corrupção, nem mesmo durante o governo de FHC quando os trabalhadores denunciavam os horrores da privatização, que entregou boa parte do patrimônio nacional em transações altamente suspeitas. A Vale do Rio Doce é um exemplo emblemático. Tradicionalmente conservadoras, as pessoas que foram se manifestar contra a corrupção são as mesmas que condenam os trabalhadores que lutam, chamando de “baderna” suas passeatas, greves, lutas ou mobilizações. Também são criaturas de boa fé, que acreditam ser possível resolver os conflitos entre o capital e o trabalho com conversa e negociação. De qualquer forma, grandes ou não, as mobilizações do dia 13 apontam que há uma parcela da população que está bastante interessada em outro tipo de governo. A direita explícita quer retomar seu poder de direito, já que de fato segue mandando, uma vez que os governos petistas nunca voltaram o leme para a esquerda. E, para isso, dentro da democracia formal, burguesa, faz o seu papel, usando as suas armas para recuperar os altos postos de mando. E, as armas da direita não são de subestimar: a polícia, o judiciário e a mídia. Poderosas armas. Do outro lado estão o PT, Dilma e Lula, acossados pela escolha que eles mesmo fizeram, que foi a de tentar servir a dois senhores. É fato que nesses 13 anos de governo petista, milhões de pessoas saíram da miséria e outras milhares conseguiram se formar no ensino superior, gente que jamais chegaria à universidade. Pode-se questionar que o ensino é ruim, que as escolas privadas foram beneficiadas e que a bolsa família não emancipa. Mas, ainda assim, essas pequenas brechas de esperança de vida digna só existiram nesses 13 anos. Antes não. É fato também que essas políticas são meramente compensatórias, não chegam à estrutura, não avançam para o socialismo, nem nada. Nunca houve por parte do governo petista a proposta de organizar as gentes para a construção de um novo modo de estar na vida. Pelo contrário, domesticaram-se os sindicatos e movimentos sociais, perdeu-se muito da força dos trabalhadores e houve uma acomodação diante de uma tentativa capenga de social-democratizar o Brasil. Afinal, não houve qualquer avanço no ataque aos problemas estruturais: nem reforma agrária, nem investimento na saúde, nem mudança na política da dívida pública, muito menos na política econômica. No frigir dos ovos, quem mais ganhou foram os ricos. Palavras do próprio Lula. Agora a serpente que foi acolhida dentro do esquema governamental está a picar o calcanhar. Tem hábitos alimentares que jamais mudam. Por isso foi equivocada a aposta de conciliação de classe. A história está aí, cheia de exemplos para comprovar que a classe dominante é voraz, insaciável. É da natureza do capital exigir até o osso. O PT, Lula e Dilma optaram por dar mais comida à elite dominante. Por isso fatalmente não contarão com uma boa parte dos trabalhadores agora nessa hora noa. Muitos até sairão às ruas para defender o governo, contra o impedimento de Dilma, em apoio a Lula. Mas, outros ficarão em casa, apontando o dedo para as alianças feitas pelo governo petista, sentindo engulhos. Essa é uma hora dramática para muitos trabalhadores. Sabem que a forma como as coisas estão sendo encaminhadas não são corretas, mas ao mesmo tempo não conseguem defender um governo que optou pelos graúdos. Alguns apostam no “que se vão

Vamos falar de corrupção?

por Guilherme Scalzilli Incapaz de enfrentar comparações entre os governos petistas e seus antecessores, a direita procura deturpá-las com o estigma da corrupção. Numa apropriação muito sugestiva do slogan lulista, nasce a ladainha do “nunca antes houve tanta safadeza no país”. Afinal, as ilegalidades hoje repudiadas pela sociedade não apenas foram criadas pelo PT, mas atingiram níveis inéditos sob seu comando. Para desqualificar tamanha bobagem, podemos até excluir os famigerados José Sarney e Fernando Collor do retrospecto. Mesmo restrito aos oito anos de FHC, o precedente escandaloso ultrapassa todos os padrões atuais. Foi sob administração tucana, por exemplo, que Nestor Cerveró, Delcídio Amaral (então filiado ao PSDB) e outros réus da Lava Jato iniciaram suas articulações diretivas na Petrobras. Uma única transação suspeita, de 2002, teria rendido US$ 100 milhões em propinas. Esse aporte parece modesto, porém, diante da dinheirama que lubrificou as verdadeiras ladroagens da época. O viciado contrato do Sistema de Vigilância da Amazônia custou US$ 1,4 bilhão ao erário. O socorro a bancos falimentares, que envolveu aliados de ACM e subornos a deputados da base (citados na “pasta rosa”), levou mais de R$ 13 bilhões (o dobro do caso Petrobrás atual). As fraudes na Sudam e na Sudene atingiram R$ 17 bilhões. A quadrilha dos precatórios do Departamento de Estradas de Rodagem desviou cerca de R$ 130 milhões. Mas nenhum desses absurdos bilionários se equipara ao dano financeiro causado pelas privatizações do período: Companhia Vale do Rio Doce, Embratel, Companhia Siderúrgica Nacional, Sistema Telebrás, Embraer, etc. As jogadas para viabilizar os esquemas (injeção prévia de recursos, financiamentos com verbas públicas e moedas “podres”, valores deixados em caixa, dívidas perdoadas) chegaram a R$ 88 bilhões. Quase todos os casos foram ignorados pelo então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, com uma regularidade e um despudor que lhe renderam a carinhosa alcunha de “engavetador-geral”. Basta saber que mais de 450 inquéritos foram engavetados ou arquivados pela PGR até 2001, inclusive contra 11 ministros e o próprio FHC. Hoje parece absurdo, não é mesmo? Eis a diferença entre os escândalos de FHC e de Lula-Dilma: até 2003, o Judiciário nunca ousou averiguar, menos ainda punir, as falcatruas envolvendo o PSDB. E continuou seletivo depois, no seu surto de moralismo antipetista. Portanto, os desvios não eram menores no passado; eles apenas gozavam da tolerância das cortes e do silêncio da mídia corporativa. E são essas as fontes atuais da narrativa ultracorrupta dos governos petistas. Publicado originalmente no Blog do Guilherme Scalzilli. É necessário resistir à Cruzada anticorrupção  

Depois do entreguismo subterrâneo do Pré-sal, só resta a terceira via

por João Vicente Goulart*, da Agência Carta Maior O que vimos na votação do PLS 131 da Petrobras foi vergonhoso, rasteiro, inoportuno com nossa história de lutas à mercê da traição governamental da qual tínhamos esperança de resistência. Estamos, todos aqueles que amamos o Brasil e nossa nacionalidade, iludidos, magoados e com muita falta de esperança, roubada no mais indigno e subterrâneo ocaso oportunista da subtração de nossos princípios de luta, com a atitude do governo ao negociar por debaixo do tatame a entrega do Pré-Sal, e a retirada da Petrobras do controle dos investimentos de nossas riquezas petrolíferas. A negociação espúria, ao apagar das luzes, deixou os próprios parlamentares da base a ver navios. Navios negreiros, navios dos anjos negros, navios das sete irmãs petroleiras internacionais que naquele momento zarpavam e começavam a navegar a partir de nossas costas, transportando nossas esperanças como fizeram portugueses e espanhóis na nossa América Latina colônia. O ouro mudou de cor, mas não mudou de dono. Sentimo-nos traídos e pior, desamparados por quem acreditávamos estar confiando e defendendo o patrimônio público de nossa Pátria. A surpresa após a votação no Senado com o placar de 40 a 26, com duas abstenções, negociados dentro do Planalto com a oposição na parte da tarde, retirando da Petrobras a primazia do direito de exploração do Pré-Sal, foi um ato de covardia, pois, não precisava tanto, bastava então, entregar o governo aos grandes bancos, aos interesses multinacionais, ao mercado ou, se quisessem aos perdedores da eleição de 2014, para que capitaneassem essas naves junto aos entreguistas e outros mercadores do destino nacional, terminando de privatizar o Brasil, ou melhor, continuar a vendê-lo como fez  o príncipe guru das privatizações, FHC, lesando a Pátria, seus filhos e descendentes, como um verdadeiro Pizarro, sangrando as “veias abertas” de nosso povo. Está na hora de repensar nosso destino, nossos caminhos, reaver nossas esperanças e mergulharmos na história do trabalhismo; reagrupar as forças, extrair de nossas raízes os exemplos de lutas e de propostas da resistência nacional.  E, para tanto, temos direito de chão adquiridos ao longo de nossa trajetória. Temos história de sobra para isto. O trabalhismo propôs ao país o salário mínimo, a CLT, o voto feminino, a organização sindical, a reforma agrária, a reforma tributária, taxando o patrimônio das empresas, não os assalariados. Propusemos a reforma educacional, a lei do controle das remessas de lucros, a reforma urbana, a reforma bancaria que nenhum outro governo se animou a tocar; já desapropriamos empresas estrangeiras que exploravam e sugavam os trabalhadores brasileiros, já encampamos refinarias e outorgamos o monopólio a Petrobras, tanto da extração quanto do refino e já mostramos do que somos capazes, sem temer as reações dos prepotentes das baionetas e dos donos do capital. Já é hora de lembrar isto ao povo brasileiro: nossas riquezas são nossas e não de quem tenha mais. A democracia é a arte política da maioria de conquistar novos objetivos e não pode ser traída por interesses pessoais imaginando a eventualidade da ruptura institucional, arquitetada por manipulações subterrâneas em tribunais não representativos ou eleitos. Já sofremos golpes contra nossas propostas, já amargamos exílio por não trair as conquistas sociais e políticas do nosso povo. Mas continuamos a almejar a libertação de nossos trabalhadores, donos reais de todas as riquezas desta terra miscigenada e brasileira. A eleição de 2018 está próxima e nós temos história, nela temos propostas e no caminho desafios. Falta botar a coragem na rua, “nas praças que são do povo e só ao povo pertencem”, e como disse também Jango, alertando os falsos democratas:  “Desgraçada a democracia se tiver que ser defendida por tais democratas. Democracia para esses democratas não é o regime da liberdade de reunião para o povo: o que eles querem é uma democracia de povo emudecido, amordaçado nos seus anseios e sufocado nas suas reinvindicações. A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia anti-povo, do anti-sindicato, da anti-reforma, ou seja, aquela que melhor atende aos interesses dos grupos a que eles servem ou representam. A democracia que eles querem é a democracia para liquidar com a Petrobrás; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício.” Nossa proposta deve ser clara, objetiva e transformista, na legalidade constitucional, na doutrina que nos orienta do positivismo, mas além de tudo ampla e nacionalista. Vamos propor a nossa luta sem dissimulo, vamos propor a retomada e reestatização da Vale, da Embratel, Telesp, Telemar, CEEE, CSN, BEG, BEA, etc., etc. e de tantas outras privatarias que não caberiam neste artigo. A terceira via está em curso. É o trabalhismo nacionalista. Tem cara e tem coragem, tem história e realizações suficientes para a retomada da Pátria, para a retomada da soberania, da dignidade, da educação e das oportunidades iguais para todos. Basta de conversinhas meritocratas em um país tremendamente injusto e sem igualdade de oportunidades. Basta de discursar pelos pobres outorgando privilégios para os barões da mídia e para banqueiros. Fazendo concessões espúrias no apagar das luzes. O bipartidarismo entre oposição e governo está no fim, está nas mãos do povo brasileiro em 2018, construir a terceira via. A terceira via é a via trabalhista e nacionalista, vamos abraçar esta luta, vamos abraçar o Brasil. Com liberdade não ofenderemos, não temeremos e muito menos compactuaremos com os direitos de nossos trabalhadores. * João Vicente Goulart é diretor do Instituto Presidente João Goulart e filho do ex-presidente Jango.

Moro e o MPF comprovam a força de Lula

por Guilherme Scalzilli Alguns comentaristas torceram narizes diante de minha avaliação sobre a vantagem de Lula na campanha de 2018. Talvez, com certa razão, achem cedo para tecer prognósticos, especialmente os favoráveis ao PT. Mas será tão difícil reconhecer que a perseguição a Lula reflete o poder propagandístico do seu legado administrativo? Até a direita parece admiti-lo. Se Lula será candidato ou, caso afirmativo, se conseguirá vencer, permanecem questões esotéricas, para as quais cada facção adapta suas respostas preferidas. As lucubrações em torno da tentativa de destruir o “mito lulista” não me parecem equivocadas, mas resultam simbólicas demais num combate aberto. E, no final das contas, apenas corroboram aquele raciocínio, sem traduzi-lo nas poucas e boas palavras que a situação pede. O que Machado de Assis falou do juiz Sérgio Moro Sérgio Moro, orgulhosamente pragmático, não se dedicaria a desconstruções imaginárias sem uma finalidade muito precisa. Conforme aponto desde o início da Lava Jato,  seu alvo principal sempre foi Lula, e não Dilma Rousseff, porque é nele que reside o projeto de continuidade do PT no poder. Isso não tem nada a ver com mitologias, sonhos, esperanças ou mesmo programas de governo. O objetivo do Ministério Público é destruir o petista com maiores chances de vencer as eleições presidenciais de 2018. Se Lula não as tivesse, jamais estaria sendo atacado por motivos tão frágeis e risíveis. Quanto mais desesperada e apelativa for a sanha punitiva contra Lula, mais evidente fica o temor que ele inspira no antipetismo judiciário. A militância progressista deveria usar isso como estímulo, em vez de ignorar a natureza eleitoral dos ataques. Seus adversários não cometem o mesmo equívoco. Publicado originalmente no Blog do Guilherme Scalzilli. Por que tanto esforço para incriminar Lula?  

Por que tanto esforço para incriminar Lula?

por Guilherme Scalzilli A resposta simplificada: porque é, desde já, o candidato mais forte na eleição de 2018. Seus governos são imbatíveis comparativamente. Não há estatística do período 2003-2010 que perca para outra similar no recorte histórico disponível. Isso ocorre tanto para os índices abrangentes da macroeconomia quanto para minúcias setorizadas e regionais, passando pelo acesso a bens de consumo, à cultura, à educação, à cidadania. E, acima de tudo, pela redução de desigualdade. O lulismo é, de longe, a maior força isolada no cenário político nacional, exatamente porque não exige simpatia programática pelo PT. O voto antipetista se divide, à esquerda e à direita, em afinidades partidárias e pessoais amiúde incompatíveis no jogo de alianças. O lulismo agrega filiações diversas. Moro e o MPF comprovam a força de Lula Nenhuma liderança chegará à próxima disputa com a vantagem inicial de Lula. É bobagem omitir esse fato nas análises conjunturais, pois ele se manifesta em dados precisos e aferíveis. Ignorá-los não revela prudência ou isenção do observador, mas uma tendência infantil para o auto-engano. É atitude típica dos comentaristas de direita, que sempre subestimaram as chances do PT nas eleições presidenciais e sempre erraram. Mas existem grupos no campo oposicionista que não se satisfazem com narrativas confortáveis. Eles aprenderam a respeitar a dimensão político-eleitoral de Lula e vêm lutando arduamente para tirá-lo do páreo. Não se trata mais de abalar sua imagem pública. O fracasso eleitoreiro do julgamento do “mensalão” mostrou que o prestígio de Lula sobrevive mesmo sob implacável campanha negativa. A própria estratégia golpista refluiu, entre outros motivos, por causa da incerteza quanto aos efeitos negativos sobre o ex-presidente. A questão, portanto, é impedir a candidatura de Lula, suspendendo seus direitos políticos no TSE ou no STF, sob os convenientes auspícios da Ficha Limpa. Matar o projeto no estado embrionário, com o torniquete inapelável da legalidade. Eis o motivo da afoiteza com que procuradores e juízes tratam as “suspeitas” contra Lula e sua família. A rapidez garante que um eventual processo transcorra, ou pelo menos seja iniciado, antes que a Lava Jato se desmoralize de vez. E assim chegamos a uma resposta mais abrangente para a questão do título: a ofensiva contra Lula ocorre porque o Judiciário brasileiro se transformou num mecanismo capaz de atropelar a democracia para satisfazer interesses político-partidários. Publicado originalmente no Blog do Guilherme Scalzilli.

Dilma veta auditoria da dívida

por Elaine Tavares No livro do argentino Alejandro Olmos Gaona, “A dívida odiosa”, vários são os casos de negativa de pagamento de dívidas por conta de contratos ilegais ou porque tenham sido fechados em condições de exceção, com regras abusivas demais. Um dos primeiros exemplos disso é o da Liga Ática, na antiga Grécia, que no ano 454 a.C decidiu não pagar uma dívida por um empréstimo tomado ao Templo de Delfos, justamente por causa das regras exorbitantes. Também durante toda a Idade Média se contam exemplos de casos assim. Eduardo III, da Inglaterra, foi um que em 1345 recusou-se a pagar uma dívida com os banqueiros de Florença, coisa que os levou a bancarrota. Os reis da França, Carlos V e Francisco I, negaram dívidas, bem como vários reis da Espanha nos anos de 1500 e 1600 tiveram grandes embates com prestamistas. Portugal tem um caso que é bastante conhecido no Direito, que envolve o reinado de Miguel I, que usurpou o trono de sua sobrinha Maria e acabou fazendo vários empréstimos com bancos franceses. Quando Maria retomou o trono com a ajuda de seu pai, Dom Pedro II, do Brasil, a primeira coisa que fez foi suspender o pagamento da dívida, considerada ilegal, por ter sido feita por um usurpador. Ela teve ganho de causa. Logo, o debate sobre a legalidade das dívidas contraídas pelos Estados não é coisa nova no mundo. No geral, os questionamentos se referem a questões absolutamente legais e que encontram amparo nas regras do Direito. Um caso contemporâneo é o da dívida externa do Equador, que foi auditada no primeiro mandato de Rafael Correa. Um estudo minucioso dos contratos firmados pelos governantes com bancos internacionais provou claramente a ilegalidade de pelo menos 70% dos mesmos. Seja por conta de regras abusivas ou por não terem qualquer amparo jurídico, ou por terem os empréstimos sido feitos em regimes de exceção, como ditaduras. Na América Latina, desde o surgimento dos primeiros estados, logo após as guerras de independência que resultaram na derrota do sonho de Bolívar, as dívidas começaram a ser contraídas – principalmente com a Inglaterra – para alavancar o crescimento econômico dos países nascentes. Algumas delas efetivamente legais e justas, outras fruto de negociatas e contratos leoninos que sempre foram questionadas. Durante a proliferação das ditaduras militares nos anos 60 e 70, resultado da ação imperialista dos Estados Unidos, essas dívidas cresceram demais, consolidando a lógica de um capitalismo dependente. Governos impostos pela força mandaram e desmandaram, sem que a população pudesse decidir sobre os empréstimos e as obras. Com a retomada da democracia a partir dos anos 80, os movimentos sociais passaram a pressionar os governos para que realizassem uma auditoria dessas dívidas, para conferir a legalidade das mesmas. Ninguém topou, os governos que foram sucedendo aos militares preferiram fazer ouvidos moucos a essas reivindicações e seguiram pagando os juros exorbitantes das dívidas contraídas ilegalmente. Com o discurso moralista de “quem deve, paga”, todos se negaram a conferir as regras com as quais se fecharam os acordos. Só agora, já no século XXI que o governo de Rafael Correa, numa América Latina reconfigurada e com um ascenso das lutas sociais, decidiu enfrentar esse “monstro”. Como já foi dito, a auditoria do estado equatoriano nos contratos das dívidas mostrou que pelo menos 70% delas eram ilegais. Reconheceu apenas 30% e informou aos credores que só pagaria as que a auditoria havia determinado como sem problemas. E, apesar de um pequeno protesto no início por parte dos bancos credores, a coisa ficou por isso mesmo. Os credores não fizeram alarde, e o Equador simplesmente não pagou as dívidas ilegais. Nem quebrou o estado equatoriano, nem quebraram os bancos credores, até porque a dívida mesmo já tinha sido paga por anos e anos a fio. No Brasil, desde há pelos menos 30 anos há uma luta sistemática para a realização de uma auditoria da dívida, que hoje passa dos inimagináveis 2,5 trilhões de reais, tanto dinheiro que quase nem se pode contar. Já foram feitos até plebiscitos populares que mostraram o quanto a população deseja ver as contas colocadas em cima da mesa, bem como as regras com as quais essas dívidas foram contraídas. Ninguém quer dar o calote, como dizem alguns, o que se quer é ver o que foi feito de forma legal e o que foi feito de forma ilegal. O que estiver tudo certinho será pago, mas o que for engano, golpe ou ilegalidade não deve ser pago. É o justo! A dívida brasileira toma conta hoje de quase metade do orçamento da nação (45,11%) e os gastos com juros e amortizações chegaram em 2015 (apenas até 1/12/2015) a um valor de R$ 958 bilhões. Repetindo: só de juros. O principal da dívida segue crescendo. E como diz Maria Lúcia Fatorelli, uma das mais importantes estudiosas da dívida brasileira, ela nada mais é do que um grande esquema de corrupção que precisa ser enfrentado. Por conta disso, causou profundo estupor o veto da presidenta Dilma Roussef à realização da auditoria da dívida pública, divulgado no Diário Oficial da União no dia 14 de janeiro desse ano. O processo de auditagem foi garantido, depois de uma luta gigantesca dos movimentos sociais, a partir de uma emenda do deputado Edmilson Rodrigues, do PSOL/PA, incluída no Plano Plurianual (2016-2019). Surpreendentemente a emenda foi acatada pela Comissão de Finanças e Tributação, que é principal Órgão Colegiado da Câmara dos Deputados sobre o orçamento público. Assim, numa das conformações mais conservadoras do Congresso Nacional, finalmente a auditoria estava aprovada e poucos poderiam supor que quem iria barrar o processo fosse justamente a presidenta. Mas, aconteceu. Como argumento para o veto, o governo salienta: “o conceito de dívida pública abrange obrigações do conjunto do setor público não financeiro, incluindo União, Estados, Distrito Federal e Municípios e suas respectivas estatais. Assim, a forma abrangente prevista na iniciativa poderia resultar em confronto com o pacto federativo garantido pela Constituição. Além disso, a gestão da dívida pública federal é realizada pela Secretaria

De impedimentos, atrasos e lutas

por Elaine Tavares  A política brasileira vem se revirando desde há meses. Com um Congresso Nacional altamente conservador, as pautas que interessam aos poderosos de sempre vão sendo vencidas sem maiores tropeços. Questões relacionadas às chamadas bancadas da bala, da bíblia e do boi, não encontram obstáculos. Os conservadores são maioria e tudo que lhes convêm passa. Assim, um atrás do outro, os temas de interesse dos trabalhadores ou dos movimentos sociais vão sendo patrolados, levando muita gente para protestos e passeatas. O presidente da casa, Eduardo Cunha (PMDB), protagonizou cenas típicas de uma casa grande, na qual o sinhozinho, magoado porque lhe tiraram o doce, se vinga, perversamente. Ao não conseguir o apoio do PT – partido da presidenta – para evitar a sua queda, por conta de participação em casos de corrupção, decidiu pedir o impedimento de Dilma. Tudo isso foi o ápice de um processo de intrigas e barganhas que já vinha se desenrolando nos bastidores da política, no âmbito de um governo que escolheu essas figuras como aliados, apesar de toda a crítica recebida por parte de partidários e analistas. A coisa chegou a tal nível de grotesco que o próprio vice-presidente, que caminha com Dilma desde o primeiro mandato, mandou uma carta – imediatamente vazada para a mídia – que poderia ser considerada risível se não fosse, na verdade, mais um passo vil dessa forma de fazer política. Assanhado pela possibilidade de um impedimento, que o colocaria na cadeira presidencial, Michel Temer desandou em lavação de roupa suja, falando de mágoas e ressentimentos com uma presidenta que – segundo ele – o colocava com um adereço decorativo sem importância.  Sentimento que, incrivelmente já vinha sentindo desde o primeiro mandato, mas que só agora decidiu expressar. A comédia palaciana de vinganças e mágoas poderia servir a um bom roteiro de novela da Televisa, mas, na verdade, acabou promovendo nova onda de ocupação das ruas por dois tipos de movimentos. Um deles, já conhecido desde 2013, dos anti-PT. Sob a bandeira de “impedimento já”, tentaram fomentar passeatas e atos públicos pelo país. E, tal qual as ações dos já citados Eduardo e Temer, foi um verdadeiro fracasso. Tendo como “menino-propaganda” desta vez o ator Alexandre Frota, as manifestações não conseguiram decolar, juntando pouca gente, inclusive em São Paulo, onde sempre foram mais expressivas. Mesmo assim tiveram ampla cobertura da mídia. Por outro lado, os partidários da presidenta e os preocupados com a não ruptura do processo democrático também chamaram atos – que foram bem mais massivos – em todo o país. Pelas ruas, se levantaram cartazes de “fora Cunha” e o grito de “não vai ter golpe”. A militância petista, que andava bem sumida, voltou às ruas, tentando mobilizar a população para o apoio à presidenta. Assim, o que se viu foi o mesmo velho paradoxo, que já vinha se expressando há meses: o apoio à Dilma, contra o golpe, mas ao mesmo tempo também o protesto contra o ajuste fiscal e a perda de direitos promovidos pela mesma presidenta que estavam a defender. O fato é que o impedimento da presidenta não mudaria nada substancialmente no Brasil. Assumindo Temer, o governo seguiria sua caminhada conservadora tal e qual agora. Mas, ao que parece, o movimento que grita contra Dilma pouco se importa com as políticas que estão sendo implementadas. O foco é unicamente o PT, partido que eles identificam como “de esquerda” ou “comunista” embora não exista quase nenhum traço de esquerda nas ações do governo petista. O que a classe dominante brasileira não tolera, bem como aqueles que a seguem no melhor estilo da servidão voluntária – e que não é um número desprezível – é a atenção aos mais empobrecidos que o governo vem dando desde o mandato de Lula, com os programas Fome Zero e o Bolsa Família, que tirou da pobreza extrema mais de 40 milhões de pessoas. Esses também não são dados desprezíveis, embora o volume de recursos que tenha sido dirigido para isso seja ínfimo, pouco mais de 25 bilhões. Pensem num orçamento que ultrapassa um trilhão e que manda 45% para pagamento de juros da dívida. Mas, ainda assim, há quem ache um absurdo o governo ter aumentado os gastos com as políticas sociais – dirigidas aos pobres – que pularam de 3,2% em 2004 para 9,2% em 2012. As políticas sociais mal dão conta de manter as gentes em um patamar mínimo de sobrevivência e ainda assim incomodam demais. Por outro lado não se vê essa turba que grita “fora PT” protestar contra o envio de mais de 900 bilhões de reais para os bancos, no pagamento de uma dívida que certamente é ilegal. Esse grito – paradoxalmente – está no lado do grupo que sai às ruas defendendo o governo. Já para a classe dominante – aliada dos grandes capitalistas internacionais – tudo o que recebe de benesses do governo não é suficiente. E quanto mais o governo concede, mais insaciáveis ela fica. Ao longo do governo petista o setor agrário, o latifúndio, bem dito, tem sido um dos mais beneficiados. A ministra da agricultura é a representante mor desse grupo. Têm sido investidos muitos bilhões em infraestrutura de estradas, irrigação, hidrelétricas. Já para os pequenos produtores o que há são migalhas. A reforma agrária parou totalmente. No campo da demarcação de terras indígenas o que se vê é o descaso. Os indígenas estão sendo assassinados por todos os cantos sem que o governo se mexa. Silêncio total no planalto. Já para os trabalhadores há perda de direitos. Ou seja. Todo o receituário neoliberal segue sendo aplicado sem dó nem piedade. Nos últimos meses, o ajuste fiscal apertou o cinto de milhões e os que protestaram gritavam “fora Levy” – que era o ministro da fazenda – como se ele não tivesse sido nomeado por Dilma. Por fim, as ruas pediram a cabeça de Levy e a presidenta acenou com sua demissão. Jogada de mestre. Atende os apoiadores, mas mantém tudo como está. O novo ministro

A mensagem das ruas

por Guilherme Scalzilli O êxito das manifestações antigolpistas faz contraponto inevitável com as minguantes passeatas da direita. A diferença é óbvia, tanto na quantidade quanto na pluralidade da adesão. O projeto do impeachment perdeu de vez o argumento da força representativa. Pouco importa a previsível manipulação do noticiário, em seu desespero infantil para esconder os fatos. A desmoralização da imprensa corporativa só alimenta o belo espírito inconformista das ondas vermelhas. Elas não precisaram de investimento empresarial nem de propaganda midiática para aflorar. Antecipadas meses atrás, as curvas de comparecimento das mobilizações de esquerda e direita seguem tendências contrárias, de efeitos muito perigosos nas futuras disputas eleitorais. Cientes disso, os midiotas logo começarão a denunciar o “confronto” que os malditos petistas estariam promovendo nas ruas. Com essa narrativa de conflagração social o golpismo buscará unanimidades em torno de um pacificador que substitua Dilma Rousseff. Mas o clima de embate só assustará ainda mais os já reticentes candidatos a assumir tarefa tão ingrata. De qualquer forma, é impossível não creditar parte do impacto das passeatas legalistas à própria atuação dos defensores do impeachment. Apostaram tanto no peso das ruas que elas acabaram ganhando papel central, quiçá decisivo, nas disputas sobre o tema. Publicado originalmente no blog de Guilherme Scalzilli.

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