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Política análise

Análises de nossos colaboradores sobre a conjuntura política.

Alerta à classe média

por Frei Betto A classe média é a salsicha do sanduíche da desigualdade social. Ela sobe uma rampa ensaboada: quanto mais se esforça para atingir o topo, mais escorrega para baixo. Trata-se de uma classe híbrida, com variados perfis. Há quem já tenha nascido na classe média, filho de profissionais liberais. Há os que vieram da classe assalariada ou da zona rural e ascenderam socialmente graças à escolaridade que seus pais não tiveram. Há ainda quem se refira nostalgicamente à fazenda ou à casa espaçosa dos avós, gente outrora abastada, cujos netos agora moram em apartamentos e ganham menos do que gostariam. A classe média ascendente é mais conservadora. Sonha atingir o cume da pirâmide social. Regozija-se por haver trocado a carteira de trabalho assinada pelo negócio próprio e a periferia sem saneamento pela rua asfaltada.  Para esse setor da classe média, a solução para a criminalidade se resume em mais polícias e mais cadeias. Não duvida de que o noticiário da TV fala sempre a verdade. E se sente confortável por possuir carro, celular e computador, ainda que more de aluguel e viva endividada. A classe média descendente é filha ou neta de uma estirpe que, no passado, teve baixelas de prata, taças de cristal e empregadas dia e noite. É sofrido para quem já foi rei perder a majestade. Por ter meia dúzia de amigos ricos e boa escolaridade, esse setor vive a ilusão de estar muito próximo de ser aceito no seleto clube da elite, embora tenha consciência de que lhe falta o essencial – capital. Já a classe média-média oscila entre o conservadorismo e o progressismo. Os avós são conservadores, cultivam o “American way of life”, enquanto os netos exibem camisetas com a estampa de Che Guevara e votam em candidatos de esquerda. Entre todos os segmentos da classe média há algo em comum: ai dos filhos jovens se os pais não os socorressem com periódicas ajudas financeiras! Se os avós tiveram empregos bem remunerados e os filhos alcançaram a época em que ainda era viável fazer poupança, agora os netos estão longe de poder alçar voo próprio. São dependentes familiares. Se não estão desempregados, ganham muito menos do que a geração anterior ao desempenhar as mesmas funções. E sabem que o futuro não é nada alentador… Não é mesmo. O avanço técnico-científico engole, cada vez mais, os postos de trabalho. A maioria dos candidatos a um deles não preenche os requisitos mínimos: não é capaz de redigir uma carta, não tem leitura, não domina um idioma estrangeiro, tem baixo nível de cultura geral. Qual o futuro dessa nova geração? No atual modelo de sociedade consumista, nenhum, exceto para um em cada mil. O sistema vigente é intrinsecamente seletivo e excludente.  A saída seria um modelo pós-capitalista baseado na redução da desigualdade social e na preservação do meio ambiente, ancorado na sustentabilidade, como propõem Thomas Piketty (“O capitalismo no século 21”), e Glen Weyl e Eric Posner (“Desenraizando o capitalismo e a democracia para uma sociedade justa”). Ou uma sociedade socialista capaz de compatibilizar liberdade individual e justiça social, propriedade estatal e capital privado. Enquanto não se alcança o ideal, a única solução em curto prazo são políticas sociais centradas na seguridade e na inclusão, e o Estado como indutor do desenvolvimento que prioriza o trabalho, não o capital. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. O futuro neste ano que se inicia  

As eleições e as opções dos trabalhadores

por Elaine TavaresLutas ainda são pontuais, mas tendem a crescerVivo na política desde bem pequena. A ditadura militar foi vivida na pele. Meu pai era trabalhador na rádio do João Goulart em São Borja. A política, então, sempre correu no sangue. A grande política. O debate dos projetos. A certeza de que tinha de ficar sempre do lado dos trabalhadores. A consciência de classe. Tudo isso fui construindo ao longo dos anos dessa vida louca. Sei de onde venho, sei quem sou e sei onde quero chegar. Sou trabalhadora e quero um mundo de justiça, de riquezas repartidas, na prática do comum. Essas são minhas certezas.É por isso que me entristeço quando preciso responder sobre a conjuntura política aos amigos que me perguntam: o que está acontecendo? Quem afinal é a esquerda hoje no Brasil? Podemos confiar no PT? Vejo nos olhos deles o desconcerto, a confusão, o embaralhamento das ideias. Como votar no PT se eles estão se aliando aos inimigos em vários estados do Brasil? Como entender um povo que foi às ruas chamando determinados políticos de golpistas, e agora estão aí, abraçados? Como votar no PSOL se o candidato é só uma cópia mal acabada do Lula? E o PSTU que não entende a conjuntura internacional e ataca as propostas progressistas na América Latina? E PCB que se aliou ao PSOL? O que fazer? O que fazer? Sim, a conjuntura é confusa demais. Os fatos se sucedem e nos confundem. Ou não. O professor Nildo Ouriques, que foi pré-candidato à presidência pelo PSOL, desde há muito tempo vem falando de um “consórcio petucano” na política brasileira. E o que seria isso? Ele quer dizer que tanto o PT quanto o PSDB tem projetos de poder bem parecidos, que se juntam nas questões estratégicas como a questão agrária, o agronegócio, a energia, as leis trabalhistas e só divergem em questões muito pontuais. Funcionam assim como os dois grandes partidos dos Estados Unidos: republicanos e democratas. No fundo, são a mesma coisa, com diferenças muito sutis. No caso do PT, esse tem mais sensibilidade social que o PSDB. Coisa pouca, mas que num país continental pode fazer a diferença, como fez o bolsa-família, fome zero e outros políticas sociais que, de fato, tiraram milhões da pobreza.Mas, o fato é que nas questões estruturais, nada de novo apareceu com os governos petistas. A aliança com o capital estrangeiro, com alguns grupos da burguesia nacional, com o agronegócio, com os bancos, tudo isso aconteceu sem percalços. Da mesma forma, o tacão sob a cabeça dos trabalhadores, com a reforma da previdência dos servidores públicos, com a abertura do crédito que engordou os bancos e endividou grande parte dos trabalhadores, e a lei antiterrorismo que hoje pesa sobre os lutadores sociais. Ou seja: nada de novo sob o sol.Agora, na corrida eleitoral, tudo se repete. Os projetos de governo mal se diferenciam e o sonho petista é voltar a ser como no primeiro mandato do Lula. Bom, não será. Porque qualquer pessoa que entenda minimamente o movimento da vida sabe que a conjuntura é outra. Que as coisas se transformam, mudam. Nada será como antes. A conjuntura mundial mudou, o Brasil é outro, cindido pela onda de ódio e do preconceito contra os trabalhadores, os que lutam por outro modo de produção. Não que esse ódio não existisse antes, mas agora ele se expressa mais livremente e encontra representantes viáveis. Diante desse quadro de horrores, que fazer? A resposta já está dada pelos próprios trabalhadores, pelas gentes oprimidas que vivem o cotidiano da morte, do desemprego, do ódio, da falta de saúde e de educação. Eles querem uma proposta radical de mudança. E mostram isso quando pendem para propostas radicais, de direita. Querem mudanças de fato, e não o mesmo velho discursos que conhecem e sabem onde vai dar. Podem até não compreender que as mudanças radicais apontadas pela direita são contra eles, mas sabem muito bem que o que aí está e as promessas de mais do mesmo, tampouco levarão a um bom lugar. Então, que mude. Depois se vê. Foi assim no golpe: “primeiro, a gente tira a Dilma…” E ainda não tiveram o tempo histórico largo para compreender o desastre que se aprofundou com o governo Temer.  A proposta de um radicalismo político de esquerda tem sido o caminho apontado pelo grupo liderado por Nildo Ouriques, no movimento pela revolução brasileira. Um outro/novo radicalismo político, que mostre claramente as propostas, que ataque de fato a corrupção, a pequena e a grande, esse câncer que toma conta do corpo do estado e das instituições, já que é intrínseco ao capitalismo. Uma proposta que avance para mudanças estruturais concretas e factíveis. A revisão dos contratos da dívida que certamente apontarão as irregularidades e ilegalidades, desafogando o orçamento brasileiro e garantindo investimentos maiores na educação e na saúde, provocando mudanças reais na vida das pessoas. Os brasileiros estão fartos de mi-mi-mi e de enganações. Aprenderam muito com esse processo de golpes e contragolpes. Mas, infelizmente, no cenário eleitoral do momento, não encontram nos quadros da esquerda uma opção segura, que aponte com competência mudanças concretas e radicais. Assim, o embate que travaremos nas urnas será a trágica escolha entre o radicalismo de direita contra o consórcio petucano. Os que forem às urnas não terão outra escolha. O que há de bom nessa conjuntura que mais parece um conto fantástico de terror é que a vida mesma não se resolve nas urnas. Ela é definida na luta diária dos trabalhadores organizados que atuam em consequência quando são exigidos. Isso tem acontecido desde sempre, mesmo na ditadura. Então, sabemos que as lutas seguirão e que a vida política continuará a acontecer no duro embate contra o capital. O desafio que se coloca é a reconstrução da unidade dos trabalhadores sob a bandeira da revolução brasileira, a transformação de verdade, desde baixo, e que garanta as mudanças estruturais necessárias. Um longo caminho, é certo, mas numa estrada que não está vazia. Por aí vamos! E temos

Os furos da Lava Jato

por Frei Betto A corrupção é inerente à história humana. Até no grupo de apóstolos escolhidos por Jesus havia um corrupto: Judas Iscariotes. E quantos de nós podem dizer com sinceridade que nunca furtaram uma manta de avião, sonegaram o imposto de renda, embolsaram o troco excessivo entregue por engano pela caixa do supermercado? A corrupção decorre da impunidade e da imunidade. Impunidade de empreiteiras, empresas, frigoríficos e bancos que, graças ao caixa dois, tinham (e muitos ainda têm) em mãos juízes, políticos e fiscais. E imunidade assegurada por essa aberração constitucional chamada foro privilegiado, que derruba o princípio angular do direito e legitima a verdade de que nem todos são iguais perante a lei. Agora, surgiu uma pedra no meio do caminho de corruptos e corruptores: a Lava Jato. Em si, necessária e urgente. É a primeira vez na história do Brasil que políticos graduados e donos de empresas são encarcerados e obrigados a devolver aos cofres públicos parte do que roubaram. Mas há lisura na Lava Jato? Infelizmente os fatos demonstram que não. Promotores buscam vaidosamente a luz dos holofotes; prisões são feitas antes da devida investigação e solidez de provas; frequentes vazamentos jamais são apurados e os responsáveis punidos; e as informações contrabandeadas dos autos para a mídia são preconceituosamente seletivas, focando uns partidos e poupando outros… A grande falha da Lava Jato No tsunami de corrupção que assola o Brasil, a Lava Jato constitui uma exceção. Onde estão os criminosos descobertos pela Operação Zelotes ou pela evasão de divisas dos Panama Papers? Todos soltos. Onde os responsáveis pela catástrofe provocada pela Samarco, em Minas? Todos em liberdade. E as maracutaias do metrô de São Paulo? Debaixo do tapete. O elitismo é um carrapato que suga privilégios da Justiça. Quanto tempo levará o STF para condenar os culpados e absolver os inocentes? Até hoje o STF não levou nenhum político com mandato à cadeia. E no passo de tartaruga que caracteriza a nossa suprema corte, pode ser que muitos crimes prescrevam. Além disso, a polícia manda algemar, a Justiça manda ao Gilmar… Uma pergunta que não quer calar: como toda essa montanha de dinheiro roubado pelos réus da Lava Jato transitou do Brasil ao exterior? Levada em mala de turista? A nado? Enfiada em tubos de pasta de dente? Se o Banco Central tem olhos para qualquer quantia acima de 10 mil reais movimentada entre bancos, como justificar a cegueira diante de vultosas quantias da corrupção? Não basta espalhar veneno pela casa para acabar com os ratos. Do mesmo modo, enquanto as instituições brasileiras não passarem por profundas reformas, como erradicar o foro privilegiado e divulgar na internet todos os atos públicos, dos salários dos políticos às licitações, os ratos continuarão à espreita, dispostos a aproveitar as múltiplas brechas hoje existentes. O moralismo causa indignação. Mas não inibe a corrupção. Publicado originalmente no Correio da Cidadania.

Brasil entrega riquezas do pré-sal

por Elaine Tavares A Petrobras é uma empresa que nasceu nos anos 50 justamente para garantir que o monopólio do petróleo ficasse sob o controle do estado brasileiro. Naqueles dias de 1953 o país viveu uma poderosa campanha tanto do lado de quem queria entregar o petróleo brasileiro para as empresas estadunidenses, quanto para os que se somavam ao grito de “o petróleo é nosso”. Ao final, venceu a ideia nacionalista de manter esse produto estratégico sob o controle do estado. E isso só começou a mudar em 1997 sob o governo de Fernando Henrique Cardoso. A partir daí a empresa foi privatizando e hoje tem o seu capital aberto, ainda que o estado mantenha a maioria das ações. O fato é que desde 1997 a Petrobras vem sendo esfacelada para garantir os interesses das empresas estrangeiras e mesmo nos governos de Lula e Dilma esse processo não parou. Agora, com o governo Temer a entrega se aprofundou e, justamente por conta da  descoberta do pré-sal, reserva gigantesca de petróleo, a cobiça das grandes empresas transnacionais aumentou. Segundo a Federação Única dos Petroleiros, esse foi um dos principais motivos do golpe: tirar do poder o governo do PT, que, ainda que de maneira débil, procurava resguardar alguma coisa do pré-sal para o país. Agora, sem travas, o governo de Michel Temer entregou na última semana três dos quatro grandes blocos onde se encontram as reservas para exploração. São os campos de Dois Irmãos (na Bacia de Campos), Três Marias e Uirapuru (na Bacia de Santos), que contêm reservas estimadas de 12,132 bilhões de barris de petróleo. A venda do petróleo brasileiro trouxe aos cofres públicos apenas R$ 3, 15 bilhões. Numa primeira mirada parece muito, mas a considerar o tamanho da reserva, é mais que óbvio que os lucros das empresas ultrapassarão em muito esse valor. Não bastasse a entrega da riqueza a preço de banana, o leilão marcou a derrota da Petrobras, que ficou com apenas 30% de participação. A empresa vencedora, que abocanhará o petróleo brasileiro é a norueguesa Statoil, que ficou com partes significativas em dois blocos. A empresa estadunidense ExxonMobil, também ficou com uma boa fatia das reservas do pré-sal, garantindo cerca de 2,184 bilhões de barris de petróleo ao arrematar 28% de participação no campo de Uirapuru, que é um dos mais valiosos do pré-sal. Sendo assim, as empresas Statoil e a Exxon, juntas, dominarão 56%  desse campo, tendo pago por barril R$ 0,30 por cada um dos 7,8 bilhões de barris de reserva do campo. Ao contrário da Venezuela que durante o governo de Hugo Chávez foi nacionalizando o petróleo e usando a renda petroleira para benefício da maioria da população, com investimentos em educação, moradia, saúde e abastecimento, o governo brasileiro abre mão da renda petroleira para empresas estrangeiras. Assim, enquanto faz chantagem com a nação alegando incapacidade de manter a previdência, por exemplo, deixa escorrer pelas mãos a riqueza do petróleo. Logo depois da venda, que foi celebrada pelas empresas estrangeiras, tais como Shell e Chevron que também levaram sua parte, o diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, Décio Oddone, deu seu recado de submissão às maiores petroleiras do mundo afirmando que a formação de preços de combustíveis no país continuará livre, sem qualquer regulação do governo no mercado de óleo e gás. Ou seja, tudo sob o controle dos interesses das empresas estrangeiras. Mas a entrega do petróleo brasileiro ainda não acabou. Em setembro, deve acontecer mais uma rodada de partilha da produção, com o Brasil oferecendo mais quatro áreas de exploração de petróleo. No leilão, serão ofertados os blocos denominados Saturno, Titã, Pau-Brasil e Sudoeste de Tartaruga Verde, localizados nas bacias de Campos e Santos, dentro do Polígono do Pré-sal e em área declarada estratégica. Ou seja, de muita riqueza. E tudo pode parar em mãos privadas outra vez. O professor Nildo Ouriques, economista na UFSC, é um dos que alerta para o fato de o Brasil, por conta do pré-sal, estar agora no rol dos países petroleiros, com uma riqueza inestimável, e que isso precisa ser mais estudado, para que a população possa tomar conhecimento da rapina que está sendo efetuada e aprofundada no governo Temer. “A retomada dos investidores estrangeiros na área do petróleo é a rapinagem mais deslavada. Não é a recuperação da Petrobras como diz o governo, é o contrário, é a entrega da riqueza brasileira. A Petrobras é estratégica não só para o desenvolvimento brasileiro, mas também para a revolução brasileira”. Nildo lembra que mesmo o governo Lula não deu o devido valor a essa riqueza do petróleo, garantindo apenas algumas migalhas dos royalties para a saúde e a educação. “Ele deveria ter entendido que o pré-sal é um recurso estratégico do povo brasileiro e que, queiramos ou não, o Brasil é um país petroleiro e tem na renda da terra um instrumento fundamental de acumulação do capital e da emancipação do país”. O professor também recorda que entidades como Associação dos Engenheiros da Petrobras, sindicatos e outras instituições de trabalhadores estão há décadas alertando para o problema sem encontrar eco, nem no governo, nem na mídia comercial e muito menos na universidade, onde muito pouca gente estuda a riqueza petroleira. Segundo ele, é fundamental que a sociedade brasileira se aproprie desses conhecimentos e saiba como a riqueza está fugindo do país. O petróleo, o pré-sal, são temas que interessam não apenas aos que pensam o desenvolvimento, mas também à dona de casa, ao trabalhador e a toda a gente que é afetada pela política de preços livre tal como está, que encarece gás, gasolina e diesel, quando temos toda essa riqueza a nossa disposição. O Brasil, os caminhoneiros e a política

O Brasil, os caminhoneiros e a política

por Elaine Tavares Quando em 2013 a direita foi às ruas houve uma surpresa geral. Havia muito tempo que esse campo não travava batalhas no campo aberto. Sua tática, desde o golpe de 1964, era a das salas acarpetadas, dos acordinhos espúrios, da pressão via dinheiro. Mas, tampouco o país tivera na direção alguém identificado  com os trabalhadores. Lula e depois Dilma vinham de um partido de trabalhadores e ainda que seguissem a cartilha liberal, o nome “trabalhadores” na sigla que os representava parecia perigoso demais. O período de vacas gordas na economia passara e a realidade de país dependente assomava outra vez. À classe dominante já não interessava mais o PT no governo e ela decidia que queria de volta o poder político. Naqueles dias de 2013, a faísca que se acendera com a batalha contra o aumento da tarifa de ônibus deu vazão a uma série de outras demandas. E, de repente, as ruas, que eram território da esquerda e dos trabalhadores, passaram a se vestir de um verde-amarelo reacionário, com a classe média e até algumas socialites realizando passeatas e manifestações. O grito de Fora PT começou a aparecer e no meio da luta pelo transporte público surgiu a pauta da PEC-37 que tomou conta do país, com as pessoas defendendo seu arquivamento sem sequer saber o que ela significava. E nas ruas travou-se a batalha contra os partidos políticos, os sindicatos e os movimentos sociais. Ali já se pronunciava a semente do que estaria por vir. O arquivamento da PEC 37 deixava o Ministério Público com poderes de investigação tal qual a polícia e a operação Lava-Jato que nasceria mais tarde mostraria o quanto servira aquele arquivamento.   Naqueles dias as forças de esquerda também ficaram em estado de perplexidade, mas resistiram e enfrentaram os raivosos verde-amarelinhos em todos os campos. E quando tudo acabou, acreditava-se que aquele episódio não se repetiria. Mas, não foi assim. O nascimento de uma série de movimentos de direita e sua ação nas redes sociais deu volume aos gritos de “fora PT” e a situação econômica foi abrindo brechas na sociedade que não queria mais perder o que pensava que havia conquistado: a segurança financeira. O segundo mandato de Dilma que começava com promessas de manutenção dos programas sociais e de vida boa para todos fez água e ela decidiu aplicar um ajuste que cortava na carne da maioria. Virou inimiga, e com razão. A operação Lava-Jato e o jogo das delações premiadas começaram a mostrar um quadro de corrupção dentro da Petrobras, a maior estatal brasileira. Políticos do PT foram caindo um a um, até que chegou à presidenta. Como um rastilho de pólvora a pauta do combate à corrupção foi se espalhando capilarmente, com o engajamento ferrenho das mídias comerciais. Dilma estava com a cabeça a prêmio e, de novo, as forças da direita conseguiram empurrar para as ruas milhões de pessoas pedindo o impedimento da presidenta. Não havia crime, não havia provas, mas havia um frisson alucinante que exigia a punição, a queda, o desaparecimento do PT. E Dilma foi derrubada por conta das pedaladas fiscais, coisa que todo governante praticava. Tanto que logo depois da assunção de Temer, as pedaladas foram legalizadas pelo Congresso. Com Dilma fora do caminho, o vice, Temer, assumiu e a próxima jogada no tabuleiro da política brasileira que era derrubar Lula, apagá-lo da história, tirá-lo de cena como um reles ladrão, capaz de vender-se por um apartamentinho furreca. E tudo foi feito conforme o script. Lula foi envolvido nos esquemas de corrupção e hoje está preso em Curitiba por conta de uma acusação que envolve o recebimento de um apartamento como propina. Enquanto essa novela palaciana se desenrolava, os movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos seguiam com suas mesmas velhas práticas, sem perceber que algo havia mudado radicalmente nas entranhas do país. As redes sociais, misturadas de forma capilar na vida das gentes, viraram tanques de guerra a disparar notícias falsas e a constituir um consenso generalizado sobre a esquerda brasileira. Qualquer luta de trabalhadores virava coisa de “comunista” e até mesmo o PT foi acusado como tal. “Minha bandeira jamais será vermelha”, gritavam os verde-amarelos, possuídos pela sanha anti-comunista. E as ruas iam se mesclando de gente que misturava esse ódio ao comunismo a própria perda de vantagens econômicas, visto que a economia ia se desmilinguindo. Com Temer no comando, o país foi sendo entregue em todas as áreas: riquezas naturais, estatais, soberania. Um campo dos trabalhadores abraçou a batalha pela defesa do Lula. E, em todo o processo, que foi da acusação à prisão, a vida se desenrolou por ali. Mesmo depois da prisão, que já leva quase 50 dias, esse grupo seguiu atuando no sentido de batalhar pela liberdade do líder. As demais pautas ficaram em segundo plano e mesmo a Reforma Trabalhista, que tirou direitos fundamentais dos trabalhadores não encontrou combate. Poucas foram as ações contra a reforma e ela passou no Congresso sem maiores atropelos. As centrais outrora combativas chegaram a suspender greves gerais marcadas, desmobilizando e enfraquecendo a luta dos trabalhadores. A direita, que vinha se reorganizando desde 2013, com a construção de novos mecanismos de batalha, não deixou que o vácuo na política demorasse. Atuou com competência e venceu a batalha das ideias, tendo nas mãos os meios de comunicação e as redes sociais. Assim, a luta contra os “comunistas” continuou ganhando fôlego e incitando muitos grupos a exigirem até a intervenção militar. Assim, enquanto o país ia sendo entregue e a economia despencava, ia se criando o caldo de descontentamento totalmente vinculado ao campo da esquerda. Tudo de ruim que Temer provocava era culpa do PT. E ainda que houvesse sim responsabilidades do PT, o negócio não era tão simples assim. Na última semana um movimento de caminhoneiros contra o preço do diesel surpreendeu outra vez o campo da esquerda. Das entranhas do país, pelas estradas carcomidas e perigosas que constituem a malha rodoviária do gigante brasileiro, homens e mulheres decidiram parar

A grande falha da Lava Jato

por Carlos Castilho A mais polêmica iniciativa de combate a corrupção no Brasil está produzindo centenas de culpados e muitas revelações impactantes, mas raras alterações nas brechas politicas, jurídicas e institucionais que permitem a institucionalização do caixa 2 eleitoral e da lavagem de dinheiro ilegal. Ainda falta avançar muito na desmontagem do sistema baseado na corrupção e que condicionou a vida política do país, por pelo menos um século. Nos seus quatro anos de vigência a operação Lava Jato entronizou no país uma estrutura informal de poder integrada pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pela grande imprensa, que assumiu a função de investigar, processar e divulgar atos de corrupção praticados por mais de 100 acusados, quase todos em altos postos da administração pública e no poder legislativo. Nunca houve uma devassa tão espetacular nos negócios públicos e nem um aumento tão intenso da impopularidade de senadores, deputados federais, deputados estaduais e até vereadores. Mas a Lava Jato acabou vítima da velha armadilha configurada na ilusão de que basta punir para resolver o problema da corrupção. Enquanto não for extirpado o foco central da viralização da corrupção, ela ressurgirá, mais cedo ou mais tarde, como já aconteceu mais de uma vez em nossa história recente. O nó górdio da Lava Jato está justamente nesta transição da ação punitiva para a prevenção, ou seja, na desmontagem do sistema de corrupção entranhado nos vários escalões do poder federal e regional. Procuradores e policiais afirmam, com base em leis e regulamentos, que seu dever de oficio é investigar e processar acusados de corrupção eleitoral e enriquecimento pessoal ilícito, cabendo aos tribunais condenar os réus. À imprensa tocaria a produção de um fluxo de dados, fatos, eventos e ideias capazes de gerar na opinião pública comportamentos e valores como parte de uma cultura anti-corrupção. Os meios de comunicação têm a responsabilidade de alavancar mudanças culturais na população a partir da disseminação de notícias que alimentam a reflexão pública sobre questões relevantes para a sociedade. Mas não foi isto que aconteceu na Lava Jato. A imprensa do Rio, São Paulo e Brasília se concentrou obsessivamente numa cobertura estilo mocinho contra bandido, que produziu um discurso messiânico e passional, responsável pela polarização das audiências. Os jornais e telejornais se preocuparam mais em celebrar prisões, em espetacularizar delações e revelar segredos de justiça, do que em promover ações pedagógicas destinadas criar uma consciência coletiva da necessidade de eliminar as brechas legais, procedimentos burocráticos ou normas institucionais que possibilitaram práticas como o sobre preço em obras públicas, pagamento de propinas e lavagem de dinheiro. A consciência da necessidade de novos valores e condutas na gestão dos negócios públicos é mais importante e necessária do que leis ou decretos, porque ela empodera as pessoas no enfrentamento de problemas não previstos na legislação. Vivemos hoje num mundo onde as transformações e inovações ocorrem num ritmo muito mais rápido do que o da burocracia jurídica, policial ou legislativa. Basta ver o funcionamento do sistema financeiro, onde nascem e crescem os grandes escândalos de corrupção aqui no Brasil e no resto do mundo. Os fluxos ilegais de divisas entre países se adaptam continuamente, a ponto dos chamados doleiros serem praticamente imunes. Alguns podem ser presos e sair de circulação, mas logo surgem vários outros, mantendo o sistema em funcionamento. Se os cidadãos não assumirem o combate à lavagem de dinheiro e ao caixa 2 eleitoral como uma questão de princípio, as leis e punições valem pouco, como mostram os casos de dezenas de doleiros presos nos últimos 50 anos. A complexidade da corrupção sistêmica Porque no passado, as autoridades acharam que punindo sua missão estava cumprida, a corrupção ressurgiu e voltamos a estaca zero. Fora as condenações, as medidas atuais motivadas pela Lava Jato, pelo menos por enquanto, se restringiram a possíveis limitações na concessão de foro privilegiado e prisão após a condenação em segunda instância. Mas nada foi tocado no que se refere às licitações para obras públicas, citadas em 10 entre 10 delações premiadas na Lava Jato. Também não surgiu nenhuma iniciativa concreta para fechar as brechas existentes no sistema financeiro e que permitem tanto a lavagem de dinheiro como a transferência ilegal de recursos para bancos no exterior. Examinar os complicadíssimos editais e documentos de licitações é um trabalho minucioso onde qualquer descuido tanto pode ser involuntário, como uma lucrativa omissão. Quem já se defrontou com a missão de destrinchar quase 200 quilos de documentos entregues por cada empresa participante de uma grande concorrência pode atestar que as possibilidades de omissões fraudulentas por parte de avaliadores são inúmeras e que é dificílimo configurá-las juridicamente. Os regulamentos existentes sobre licitações são cada vez mais complexos por conta de normas, supostamente mais rígidas, mas que na realidade contribuem mais para a burocratização do para a eficiência nos processos de seleção de empresas. Especialistas acham que a regulamentação crescente não ajuda a resolver o problema, porque, mesmo com transparência, só os experts conseguem decifrar o enigmático vocabulário das concorrências públicas. No lado da lavagem de dinheiro, a situação é também complexa porque o sistema financeiro digitalizado tornou extremamente difícil identificar a natureza ética de uma transação internacional. As remessas, trocas e recebimentos de moedas ocorrem de forma tão rápida, codificada e maciça que só os robôs eletrônicos (algoritmos) conseguem administrá-los. A estrutura jurídica para sanção aos crimes financeiros segue o ritmo cerimonial e imperial dos nossos tribunais, enquanto os doleiros funcionam em velocidades cibernéticas. Uma omissão global da imprensa Não estamos sozinhos na enumeração destas mazelas e lamentações. Na África do Sul, onde o presidente Jacob Zuma foi derrubado em fevereiro por um escândalo de corrupção, um relatório do Serviço de Monitoramento do Poder Público, um órgão da Universidade de Rhodes sobre o comportamento da imprensa do país na cobertura de casos de corrupção, assinala os mesmo problemas detectados aqui no Brasil. Falta de contextualização das denúncias, ausência de relação dos fatos sob investigação com o quotidiano das pessoas, ênfase permanente na dicotomia mocinhos contra bandidos, procedimentos burocráticos na cobertura limitando-se a reproduzir

Precisa-se de sindicato

por Elaine Tavares Há um filme francês, “Dois dias, uma noite”, que conta a saga de uma mulher trabalhadora, demitida, e que precisa pedir a ajuda dos colegas para poder permanecer no emprego.  A proposta do patrão é de que ela convença os colegas a abrir mão de um bônus. Assim, em vez de pagar o bônus aos demais trabalhadores ele a manteria no emprego. Uma perversidade. A mulher passa dois dias e uma noite indo de casa em casa, falando com os colegas, com toda a carga dramática que isso tem, afinal, cada família tem suas necessidades e precisa do bônus. O filme é uma porrada. Mostra a solidão de uma trabalhadora, desguarnecida de tudo. Não há um sindicato, não há um apoio. Não há nada. Só ela e seu desespero individual. Vivemos tempos assim. Poucos são aqueles que ainda têm ligação e confiança com seu sindicato. Os que ainda permanecem filiados o são por alguma benesse, como o plano de saúde, os convênios, ou coisa assim. É uma filiação ritual. Não se espera nada. Os sindicatos amargam uma fraqueza sem fim. Na UFSC, ontem ainda,  pude comprovar a dor pungente de um colega que vive sendo massacrado no local de trabalho, sem apoio algum. Disse a ele: vá ao sindicato. E ele me olhou com olhos de profundo desespero. Não consegue ver no sindicato um espaço de acolhimento de suas demandas. Não confia. Não acredita. Faz-se necessário parar e pensar sobre por que as coisas estão assim. Por que uma ferramenta tão importante da luta coletiva está tão desgastada? Por que as pessoas não acreditam mais na força da organização gremial? Não estudo esse tema, mas penso sobre isso. E tenho algumas intuições. Nada é sistematizado ou científico. São impressões que jogo aos companheiros e companheiras para o debate. Temos vivido muitas derrotas na atual conjuntura. Fomos às ruas gritando “não vai ter golpe”, e teve. Gritamos “não passarão”, aos formuladores da reforma trabalhista, e passaram. Uma a uma nossas batalhas foram sendo perdidas. E enfrentamos agora mesmo, em Florianópolis, a derrota das OSs. Temos acreditado demais nas instituições, na Justiça da classe dominante, na ordem do sistema. Ora, esse povo não está por nós. Está contra nós. E nosso grito de protesto tem se dado também dentro da ordem, na passeata arrumadinha, na difusão do mesmo velho discurso, que parece não tocar mais ninguém. Acredita-se que com uma postagem no facebook tudo esteja resolvido e a informação espalhada. As redes sociais tomam o espaço da presença. Não é suficiente. O trabalhador está, como quase todo mundo nesses tempos atuais, mergulhado numa rede de luzes e bits, que emana palavras e sons, mas não deixa nada. E nesse turbilhão, perde muito das referências sobre a vida que se expressa no chão da rua. A solidariedade de classe não existe, porque a mais-valia ideológica prepara as pessoas para competir e não para amar. Desde os tempos do governo Lula, quando o sindicalismo começou a se acomodar de maneira mais rápida, tenho apontado esses elementos. Um sindicato não pode esperar que um governo – mesmo que seja o seu – lhe garanta os ganhos. Sindicato é espaço de luta, de crítica, de reivindicação e de organização da luta de classe. Não se trata de conseguir uma coisinha aqui ou ali no campo corporativo. É necessário criar e fortalecer os laços com as lutas maiores, de toda a classe trabalhadora. E ainda que estejamos no socialismo, esse momento de transição, haveremos de ter críticas e demandas de classe. Não se pode acomodar, nem domesticar. O sindicato é faca afiada da luta, e se perde o gume, como fazer? Posso ser apontada como uma velha senhora do século XX, mas ainda acredito na força do sindicato. Ainda creio que esse é um instrumento valioso de organização e de corporificação das lutas coletivas. Mas, não esse que vemos aí. O sindicato que precisamos é o que se reinventa conforme caminha a conjuntura. É o que aprende com os erros, o que faz autocrítica, o que inventa novas formas de luta a partir das novas demandas, o que surpreende, o que acolhe, o que forma para a batalha, o que se mostra e age como uma ferramenta da luta da classe trabalhadora. O sindicato desses tempos tem de voltar a se conectar de verdade com os trabalhadores. Cara-a-cara, face e face, mas esse “face” como cara e não como “feice”, de Facebook. Precisa vida sindical na porta da fábrica, na porta do jornal, do centro de ensino, na porta da loja, em cada setor onde tiver um trabalhador. Sindicato que é visto, que pode ser tocado, com dirigentes que escutam, que acolhem, que olham, que abraçam e dizem: “Não temas, estamos aqui”. Eu vejo essa massa da nova geração de trabalhadores, os diaristas, os intermitentes, os informais, os que têm carteira assinada e morrem de medo de perdê-la, todos com esse olhar de desamparo. Temem e não acreditam que possa haver um lugar, ou alguém, que esteja com eles. E se pensarmos bem, não estão errados.  O que se vê são dirigentes burocratizados, em cima dos caminhões de som, em momentos pontuais. Distantes, inacessíveis, intocáveis. Os sindicatos são espaços que conquistamos a custa de muito sangue de companheiros e companheiras. Ele deve ser espaço de construção de lutas, lutas renhidas, ferozes, mortais, contra os “vilões do amor”, como dizia Cruz e Sousa. Mas, para isso, é preciso outro tipo de sindicalista, sem temor, sem expediente de horário comercial, entregue, comprometido, disposto a tudo. Esse é o drama. Ser alguém assim exige demais, e poucos estão dispostos. Mas, se não for assim, acabaremos todos como aquela moça do filme francês: sozinha e desesperada na dor. No filme, o final sugere que ela venceu o drama. Mas, eu creio que não. Pode até ter saído daquela experiência mais forte como pessoa, mas não como classe. E a guerra contra o capital não se vence no plano psicológico, nem no plano pessoal. A gente vence coletivamente.

Não há direito à comunicação e à informação veraz no capitalismo

por Elaine Tavares Uma coisa precisa ficar muito clara: no modo capitalista de produção não há espaço para o direito à comunicação das gentes. Desde que se consolidou esse sistema de busca na comunicação massificada apenas se consolidou uma forma de manipular as informações e formar consciências mansas para a dominação.  Lá nos albores do capitalismo, o escritor francês Honoré de Balzac, no seu livro Ilusões Perdidas, descreveu muito bem o papel da imprensa como um espaço de mentiras e de destruição, não apenas da informação em si, mas do próprio jornalista. Naqueles dias, era o jornal o veículo que cumpria a função de informar e, ainda que a alfabetização fosse coisa para poucos, as notícias se multiplicavam e tomavam as ruas. O que saía no jornal era tomado como verdade. Quando o rádio nasceu no início do século 20, a potencialidade da comunicação aumentou. E, nos anos 30, quando esse veículo se massificou, até as universidades já começaram a atuar no sentido de produzir conhecimento sobre como influenciar pessoas através das ondas sonoras. A segunda grande guerra mostrou muito bem o poder do rádio e os nazistas foram mestres na manipulação das mentes. Os Estados Unidos, que emergiram como potência imperialista depois do conflito, foram os que mais investiram nisso e de lá surgiram os mais importantes pensadores da comunicação, com influência até hoje. Naqueles dias, a “teoria do projétil” definia que as informações entravam nas pessoas como se fossem uma bala, invadindo e se transformando na referência mais importante. O experimento do radialista e cineasta Orson Welles, informando pelo rádio uma invasão alienígena, mostrou o poder do rádio. Acreditando ser verdade a narrativa de Welles, pessoas ficaram desesperadas com medo de serem levadas pelos extraterrestres.  E era tudo uma encenação depois conhecida como “Guerra dos Mundos”. O rádio mostrava seu poder de convencimento e durante muito tempo esse veículo foi usado para influenciar pessoas, seja no campo do consumo ou da política. Quando a televisão nasceu nos anos 50, o processo de manipulação ficava ainda mais forte. Não era mais apenas a voz que ocupava a cabeça das gentes, mas também a imagem. Como desconfiar do que se vê? A televisão, assim como o jornal e o rádio no seu tempo, passou a condensar a verdade.  E por ser ainda um veículo que não permitia a interação, seguia apostando na ideia do “projétil”, lançando informações pelo éter, visando invadir corações e mentes. Muitos foram os estudos sobre a televisão e seus efeitos nocivos sobre as gentes. Ludovico Silva, nos anos 80, na Venezuela, cunhava o termo de “mais-valia ideológica” para o poder de influência da televisão na vida dos telespectadores. De novo, mudava o meio da difusão da informação, mas não mudava a lógica: tal e qual o jornal e o rádio, a TV também estava a serviço do sistema vigente. Influenciar para a mansidão política e para o consumo. Novas teorias da comunicação nasceram apontando para o fato de que as pessoas não são tábulas rasas e que a informação não é como um projétil, estourando a cabeça das gentes de maneira acrítica. Capazes de observar a realidade e com outras fontes de informação alternativas, as pessoas poderiam desenvolver um pensamento crítico e não se deixar manipular pelo que dizem os meios que estão a serviço da classe dominante. Por algum tempo, os jornais sindicais e outras propostas populares fizeram frente à dominação midiática, embora com peso pequeno. Mas, o poder de persuasão da televisão seguiu firme e ainda hoje é bastante grande. No Brasil, por exemplo, 97% dos lares possuem televisão e em algumas regiões esse é o único meio de comunicação que chega às gentes. Agora, com o advento da internet e sua popularização estamos diante de uma nova forma de comunicação. A informação não tem mais apenas uma via. Ela pode ser interativa. É possível dialogar e reagir em tempo real. No final dos anos 90, quando a www se consolidou a discussão que aparecia era sobre o potencial democrático da rede mundial de computadores. Todos os caminhos estavam abertos para uma integração mundial e para uma comunicação sem mediações. Liberdade suprema. Democracia informativa. Mas, como diria Garrincha, ao que parece, os otimistas da internet esqueceram de combinar com os russos. Não analisaram com eficácia a capacidade que o sistema capitalista tem de se apropriar dessas potencialidades e fazer com que se voltem contra as pessoas. Assim, o que era para ser uma potencialidade real de democracia informacional tornou-se a mais totalitária ditadura. Com a criação das chamadas redes sociais, com destaque para o facebook, a interação comunicacional e a ligação global do mundo se fez fortíssima. Mas, ao contrário da democracia da informação, o que temos visto é um controle ainda maior sobre as pessoas.  Não bastasse isso, a empresa que controla a rede se apropria dos dados pessoais de seus usuários  – com consentimento – e os distribuiu às empresas, tornando a capacidade de influenciar e manipular ainda maior. Com todas as informações referentes aos gostos e desejos das pessoas livres e abertos na rede, os capitalistas produzem mercadorias “necessárias” e fazem girar ainda mais rápido a roda do capital. Então, fazendo um retrospecto desde o tempo de Balzac até hoje, os meios de comunicação que existem estão sempre sendo usados para controlar e manipular. Ilusão e ingenuidade pensar que isso poderia ser diferente com a internet. Quem controla os satélites? Quem tem a posse dos servidores? Quem tem os cabos? Quem é responsável pela produção de conteúdo? Os que detêm o controle mandam. Eles definem tudo. Até bem pouco tempo os adoradores da rede mundial de computadores afirmavam que a democracia informacional estava no fato de que, agora, qualquer pessoa poderia ser uma produtora de conteúdo. Isso é potencialmente verdade. Mas, o sistema capitalista de produção que controla materialmente a rede só permite que circule o conteúdo que lhe interessa. Basta acompanhar as mudanças que estão sendo feitas no famoso facebook. O processo de distribuição das informações produzidas pelas pessoas

A desumanização do trabalhador

por Elaine Tavares Desumanização do trabalhador – No capitalismo, o trabalhador é um não-ser. E, não sendo, não precisa de cuidado, nem de nada. Sua função, nesse modo de produção, é gerar lucro para um grupo muito pequeno da sociedade. E ponto final. Se ele morre, outro o substitui. É uma peça na máquina. Uma mercadoria, como outra qualquer, que pode ser adquirida a preço muito baixo. Karl Marx mostrou muito bem como a coisa funciona. No começo do capitalismo, a jogada foi singela: acenar com a ideia de liberdade. Se tivesse uma “Rede Globo” naqueles tempos, o William Bonner da época diria: “Aceite feliz a sua expulsão do campo. Agora, tu vais ser livre. Não precisarás mais trabalhar três dias para o dono da terra, sempre prisioneiro do senhor da gleba. Corra para a fábrica e venda lá a sua força de trabalho. Tu és livre. Tu és livre”.  E foi assim que aconteceu. As fábricas cresciam nas cidades e precisava de gente para tocá-las. Quem era dono das máquinas não queria trabalhar. O trabalho era e é para o pobre, o que nada tem além do seu corpo nu. E eles foram vender sua força de trabalho. Mas, apesar de serem muitos, não conseguiam impor sua “liberdade”. O patrão pagava o que bem queria, e os obrigava a trabalhar por 15, 18 horas. O salário pago mal dava para manter o corpo vivo. E essa é a regra do capital: nem tão pouco que leve a morte, nem tão muito que leve a não querer mais trabalhar. O trabalhador está sempre na linha da morte. Uma olhada nas condições de vida dos trabalhadores daquela época e tudo salta às vistas. Basta ler a obra prima de Engels “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, que serviu de inspiração para Marx. O trabalho, no mundo capitalista, não é a ação do homem sobre a natureza para criar algo que é útil para seu uso, como foi ao longo dos tempos em que uma pessoa detinha todo o conhecimento sobre como produzir algo. Desde a colheita na natureza até o produto acabado. Não. O trabalho agora é dividido em inúmeras funções, e o trabalhador muitas vezes só sabe uma pequena parte do processo. Além disso, o trabalho funciona apenas como uma maneira de o patrão garantir a sua riqueza, porque ele lucra sobre a ação do trabalhador. Marxismo e trabalho Marx explica: as mercadorias, cada uma delas, tem o seu valor expresso pelo tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção. Então, para fazer um carro, o patrão tem de calcular o valor de cada material embutido no carro. Desde a extração das matérias primas, até sua chegada à fábrica. Cada pedaço do carro tem um valor, e esses valores, somados, dão o preço do carro que depois será informado ao comprador. Mas, tem uma mercadoria ali no carro, uma única mercadoria, que dá mais do que vale: o trabalhador. É a mercadoria que ele vende – sua força de trabalho –  que garante a riqueza do patrão. Mas, como assim? É simples. Quando um patrão qualquer contrata um empregado, ele está comprando a mercadoria “força de trabalho” desse trabalhador. E é o patrão que define o salário. Hoje, 937,00, o mínimo. Segundo os economistas da classe dominante, esse seria o valor necessário para que uma pessoa conseguisse se manter viva, de maneira muito precária, mas viva o suficiente para seguir trabalhando. Pois bem, paga-se então 937 reais por oito horas de trabalho. Só que ao trabalhar quatro horas, a pessoa que está vendendo sua força de trabalho já está produzindo para o patrão o equivalente aos 937 reais que recebe. Isso significa que as quatro horas seguintes serão canalizadas para o patrão. Ou seja, é mais ou menos parecido com o que acontecia na Idade Média, quando o servo da gleba tinha de trabalhar três dias para o dono. A diferença é que naqueles dias o trabalhador sabia muito bem quando estava dando seu trabalho ao patrão e quando estava trabalhando para si, cuidando da própria terra. No capitalismo não é assim. As coisas estão escondidas. O trabalhador faz as oito horas e acha que está recebendo o valor das oito horas. Mas não. O valor que ele recebe equivale a quatro horas, o restante é o lucro do patrão. E Marx descobriu que na roda das mercadorias, a única mercadoria que pode fazer isso é a que é vendida pelo trabalhador. Por isso que o capitalismo é um modo de produção que só existe calcado sobre o trabalho das gentes. Sem esse trabalho, não existiria capital. Uma antiga canção de Zé Geraldo, explica a mesma coisa que Marx. Diz assim: “Tá vendo aquele edifício moço, ajudei a levantar. Foi um tempo de aflição, eram quatro condução, duas pra ir, duas pra voltar. Hoje depois dele pronto, olho pra cima e fico tonto, mas me chega um cidadão. E me diz desconfiado, tu tá aí admirado, ou tá querendo roubar?” Ou seja, o trabalhador faz a coisa, mas ele não é dono da coisa. Ele não produz para si o prédio que levanta, o que ele produz para si é apenas o salário, aquele, que o mantém mais ou menos vivo. Assim que a relação capital x trabalho não é uma questão moral de diferenças ou luta de classe. É um mecanismo lógico de exploração dos que trabalham e vendem sua força de trabalho. A luta de classes é consequência necessária para superar esse roubo. Então, é assim, o trabalhador produz o carro, o tecido, o edifício, a máquina, mas não é dono disso e muitas vezes sequer consegue comprar as coisas que faz. O que o trabalhador produz, de fato, é o capital, o lucro do patrão. Aí vem alguém e diz: “ah, mas se o patrão não tiver lucro ele não vai poder dar o emprego”. Certo. Mas e se não precisasse ter patrão? E se todos trabalhassem para produzir uma riqueza social? E se a

Sobre o jornalismo e a fabricação de consenso

por Elaine Tavares Nos anos 80, Noam Chomsky e Edward Herman escreveram um livro sobre a economia política dos meios de comunicação no qual mostraram que os meios, na verdade, se utilizam de um modelo de propaganda para a fabricação de um consenso sobre os fatos. Não há jornalismo, o que há é uma bem urdida trama para convencer a sociedade de que aquilo que a classe dominante vê como bom é o que deveria ser bom para toda a gente. Naqueles dias, Chomsky e Herman também deixavam claro que o sucesso dessa fabricação do consenso podia acontecer ou não, sempre dependendo de uma série de outras variáveis. De qualquer maneira, asseveravam, esse era o modo de atuação dos meios comerciais massivos. A análise dos pesquisadores foi sobre os meios de comunicação nos Estados Unidos, mas considerando que o mundo inteiro vive sob a hegemonia do modo de produção capitalista, essa forma de atuar da imprensa estadunidense pode ser observada na maioria dos países. Conforme Chomsky e Herman, existem fatores estruturais para essa fabricação do consenso que decorrem do fato de que os meios de comunicação estão completamente inseridos no sistema de mercado. Não são instituições públicas – ainda que a TV seja concessão pública – são simplesmente empresas privadas em busca do lucro. E essas empresas são de propriedade de pessoas ricas e poderosas, gente com influência dentro do sistema capitalista. Além disso, esses meios são financiados por anunciantes que igualmente estão no topo da pirâmide, bem como pelo dinheiro público através da verba governamental. Sendo assim, os meios são dependentes do governo e das grandes empresas, o que significa que esses atores todos – imprensa, empresas, governos – estão sempre buscando um certo grau de solidariedade, porque dependem uns dos outros para manter o sistema tal qual ele está. Por conta disso, é óbvio que os meios compactuam com a ideologia dominante que é caracterizada por forte anticomunismo, a antítese do capitalismo. Observando esse modo de organizar dos meios de comunicação e suas determinações estruturais, Chomsky e Herman entenderam como é que acontecem as escolhas do que é considerado notícia e do que não é. Assim, constituíram esse modelo de análise – modelo de propaganda – com o qual conseguem descrever o sistema de controle e processamento da informação. Em busca do jornalismo perdido Passados 30 anos da edição do livro, o modelo desenvolvido pelos pesquisadores segue bastante vivo. Praticamente nada mudou.  E, observado os meios de comunicação brasileiros, igualmente pode-se analisá-los usado o mesmo referencial. Os meios comerciais estão no mercado, vendem a informação, logo, informação é negócio. Com ela pode-se manipular até mesmo o futuro. Os donos dos meios são pessoas ricas, com influência dentro do sistema. São dependentes do governo e dos grandes negócios, dos quais recebem verbas para anunciar produtos e ideias. E, sendo assim, como todos são parte do mesmo negócio, obviamente se colocam contrários a qualquer possibilidade de mudança no estado de coisas. Isso pode ser visto de maneira clara na nossa história recente, desde o início do processo de impedimento da presidenta Dilma. O comportamento dos meios seguiu – de maneira ostensiva – a lógica da fabricação de um consenso. Se a classe dominante queria o PT fora do governo e se queria encarcerar todas as suas lideranças, os meios atuaram em consequência, apostando todos os seus recursos nisso. É por isso que as denúncias contra os corruptos petistas aparecem à exaustão, enquanto as denúncias contra a corrupção de políticos do PSDB ou do PMDB não passam de notas de rodapé. No modelo de Chomsky e Herman eles definem essa diferenciação como “vítimas com valor” e “vítimas sem valor”. Se a vítima for do grupo inimigo, ela é sem valor e seu sofrimento não é noticiado, nem considerado. Se a vítima for do campo capitalista, aí o sofrimento é supervalorizado. É por isso que as lágrimas de Aécio Neves são noticiadas com destaque, enquanto a luta da família de José Genuíno para manter a saúde dele na prisão é vista com desdém. É por isso que a ação contra a mulher de Eduardo Cunha que gastou milhões em Paris é vista como perseguição, enquanto Marisa, a mulher de Lula, é exposta à execração pública por ter um dia pensado em comprar um apartamento. É por isso que um jovem da classe alta, branco e bonito, que, bêbado, mata um negro é noticiado como uma fatalidade e os negros que são assassinados pela polícia são vistos como lixo a ser varrido do mapa. Simples assim. É o modelo de propaganda atuando. Mas, e o jornalismo mesmo, tem lugar nesse mundo dos meios de comunicação? Essa é uma pergunta crucial para nós, jornalistas, que nos formamos às dezenas a cada ano. Se o que há é apenas propaganda e produção dos consensos que interessam à minoria dominante, qual é nosso papel? O próprio Edward Herman, num texto divulgado na revista Monthly Review, dá a resposta. Ele lembra que esse modelo foi sempre considerado muito pessimista pela esquerda, pois se o processo é assim, não há o que fazer. Bom, pois para isso existe Marx a nos mostrar que a história humana não é algo determinado desde fora, ela é construção coletiva das gentes em movimento. Isso significa que se o modelo de produção das notícias é esse, não quer dizer necessariamente que seus efeitos serão sempre os desejados pela classe dominante. Há momentos em que nem a maior cruzada midiática consegue superar a força de um povo em luta. No caso do Brasil podemos lembrar o movimento “Diretas Já” que, silenciado, venceu as ruas e engoliu as redes comerciais. As vitórias pontuais sempre existem, o que mostra que há brechas e que é possível avançar por aí. Ainda assim, é óbvio, o poder dos meios comerciais não pode ser subestimado. O mais importante para nós, jornalistas, é ter conhecimento sobre como funciona o modelo. Não dá para ser ingênuo nem servir de massa de manobra. Grande parte dos profissionais é obrigada a trabalhar

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