Zona Curva

Política

Uma luz para você entender um pouco sobre o imbróglio político em que o país está metido.

Por onde anda el sub?

  Com o rosto coberto com o pasamontañas (talvez o precursor dos lenços que escondem os rostos dos black blockers em todo o mundo) e seu inseparável cachimbo, o subcomandante Marcos  invadiu o imaginário político nos anos 90. Nos dias atuais, a mídia ignora completamente el sub e o EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional), do qual é o principal líder. A luta do EZLN acontece em  Chiapas, um dos estados mais pobres do México e que abriga milhares de indígenas de origem maia. Marcos não arrefeceu. No final do ano passado, el sub divulgou três comunicados em que desanca o presidente reeleito, Enrique Peña Nieto, do tradicional PRI (Partido Revolucionário Institucional). Milhares de indígenas também saíram às ruas de San Cristóbal de las Casas (capital do estado mexicano de Chiapas) em dezembro de 2012 para protestar a favor do cumprimento dos acordos de San Andrés, celebrados em 1996, que garantiram a autonomia aos povos indígenas mexicanos. O EZLN e o uso inovador da tecnologia O inovador na luta zapatista foi o uso da tecnologia como sua aliada. Com um alcance infinitamente superior ao de seus velhos fuzis e espingardas que, como eles mesmos reconhecem, não têm condições de enfrentar o poderio bélico do exército federal mexicano, os zapatistas e seus comunicados protagonizam uma verdadeira guerra informativa. Os zapatistas denunciam em vários momentos de seus comunicados as conexões do governo mexicano com os monopólios de comunicação, em especial, a Televisa. Devido à evidência do movimento na imprensa internacional, a imprensa mexicana teve que render-se aos comunicados e documentos neozapatistas nos anos 90. De janeiro de 1994 a setembro de 1995, a imprensa mexicana publicou 250 reportagens baseadas no material enviado por Marcos e seus comandados. Em 2000, em um de seus conhecidos comunicados, Marcos afirmava: “Somos um desafio. Um desafio para um mundo cada vez mais desumanizado, globalizado, ultraliberal. E, enquanto desafio, aí sim, o zapatismo pode ser transportado para outros lugares do planeta, embora sob formas diferentes. Recusamo-nos a constituir uma Internacional Zapatista (acho que seria a 7ª Internacional, já houve tantas…). A reflexão e a ação políticas ganham qualidade quando as pessoas que participam desenvolvem sua própria reflexão sobre o sentido do movimento social, sobre o significado da luta e sobre o momento histórico. É muito melhor do que criar uma nova arquitetura teórica, que se oporia ao neoliberalismo. Ainda é muito cedo para isso. Acreditamos nas redes, nas trocas.” No disco Guentândo a Ôia (1996) da banda Mundo Livre S.A., o vocalista Fred Zero 4 saúda “Marcos, combatente da contra-informação”  na música Desafiando Roma: Leia a letra da música: Desafiando Roma Salve Marcos ! Salve, salve! Combatente da contra-informação Envenenando as redes Cyberpunk com fuzil na mão Disseminando a contra – hegemonia Salve Marcos! Salve, Salve! Essa parte do texto eu ainda estou maquinando Tem que ser direto e epidêmico Não esquecerei de mencionar os banqueiros americanos César há de tremer Viva México! (os cadáveres de Corumbiara jamais serão esquecidos Que as autoridades agonizem Em noites intermináveis de pesadelos) Salve João, Pedro, Luís, Maria, Menegheli…   Os pobres que se lasquem, só que não

11 de setembro, por Ken Loach

    [embedyt] https://www.youtube.com/watch?v=FECg8d7wfAQ[/embedyt] Produzido em 2002, 11’9”01 Semptember 11 é composto por 11 curtas de diferentes diretores sobre o atentado nos Estados Unidos. O episódio de Ken Loach traça um paralelo entre o 11 de setembro chileno e o norte-americano. A ditadura de Augusto Pinochet foi iniciada há exatos quarenta e um anos com um golpe militar que assassinou o presidente eleito Salvador Allende, em 1973, enquanto os ataques às Torres Gêmeas de Nova Iorque completam hoje 13 anos. O regime de exceção no Chile, que durou entre 1973 e 1990, matou 3 mil pessoas e torturou e prendeu outras 40 mil. Outra coincidência: os ataques sofridos no coração financeiro dos Estados Unidos também mataram 3 mil pessoas. O filme de Ken Loach fornece o número equivocado de 30 mil mortos pela ditadura chilena. Filho de operários, o cineasta britânico Ken Loach filmou dois grandes filmes políticos: Terra e Liberdade (1995), que retrata a Guerra Civil Espanhola, e Pão e Rosas (2000), que aborda a vida dos imigrantes latinos nos Estados Unidos, entre muitos outros. Os outros diretores do filme são: Samira Makhmalbaf (Irã), Claude Lelouch (França), Youssef Chahine (Egito), Danis Tanovic (Bósnia-Herzegovina), Idrissa Ouedraogo (Burkina Faso), Alejandro González Iñárritu (México), Amos Gitaï (Israel), Mira Nair (India), Sean Penn (Estados Unidos) e Shohei Imamura (Japão).  

Como Brizola adiou o golpe militar após a renúncia de Jânio Quadros

Em 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou à Presidência da República. O abandono do cargo por Jânio jogou o país no colo dos militares. Graças à atuação do governador do Rio Grande do Sul na época, Leonel de Moura Brizola, os planos de golpe dos setores conservadores do país foram adiados. Infelizmente, a tomada do poder pelos militares aconteceu dois anos e meio mais tarde, o que afundou o país no obscurantismo político por mais de duas décadas. Na ocasião da renúncia de Jânio, o vice-presidente João Goulart estava em viagem oficial a China e os ministros militares queriam impedir sua posse no retorno. Os ministros chegaram a ameaçá-lo de prisão quando retornasse ao país por suas supostas ‘ligações como o comunismo internacional’. Do mesmo partido de Jango (o PTB de Getúlio Vargas) e seu cunhado, Brizola liderou a chamada Cadeia da Legalidade, movimento que mobilizou vários setores da sociedade em apoio à posse de Goulart. O vice-presidente Jango havia sido eleito legitimamente na eleição de outubro de 1960. Ele era o candidato a vice da chapa de Henrique Teixeira Lott, que foi derrotado por Jânio. Na época, as eleições de presidente e vice eram separadas. Opondo-se aos militares, o governador Brizola formou uma rede de estações de rádio e passou a transmitir da sede do governo gaúcho, o Palácio Piratini, programas e discursos em defesa da Constituição, que garantia a posse do vice. Brizola chegou até a propor que João Goulart marchasse do Rio Grande do Sul até Brasília para tomar posse. Jango não aceitou. Para evitar o confronto, foi adotado o Parlamentarismo. Jango assumiu como chefe de Estado em 7 de setembro de 1961 e Tancredo Neves assumiu como primeiro-ministro. Documentário Brizola – tempos de luta O documentário Brizola – tempos de luta, de 2007, realizado pelo escritor e cineasta Tabajara Ruas, mostra vários momentos da trajetória do político gaúcho: sua infância, o casamento com Neusa com Getúlio Vargas como padrinho, o exílio, a volta ao Brasil e vários outros episódios de sua agitada biografia. Os vários trechos de entrevistas de Brizola em seu tom teatral são um aperitivo de seu forte carisma. O ex-presidente Lula afirma que as carreatas com Brizola na Baixada Fluminense impressionavam pela verdadeira adoração que a população local tinha por ele. Os esforços de Brizola para democratizar o acesso à educação tanto nos primórdios de sua carreira política no Rio Grande do Sul como com os CIEPS (Centro de Integração de Educação Pública) no Rio de Janeiro, e os desafios à Vênus Platinada nos recordam de sua luta contra duas chagas brasileiras: os gargalos sociais do acesso à educação e o enfrentamento do oligopólio das telecomunicações. Rever Cid Moreira em leitura de duro texto de Brizola contra Roberto Marinho no JN da TV Globo é sempre impagável. No filme, ainda assistimos a presidente Dilma Rousseff, originária do PDT (partido de Brizola), e o líder do MST (Movimento dos Sem Terra) João Pedro Stédile tecendo loas ao líder gaúcho, além de muitos outros depoimentos de personagens da vida política brasileira e mundial, como o ex-primeiro ministro português Mário Soares. O autor do documentário, o também escritor Tabajara Ruas já havia abordado os anos de chumbo no Brasil em seu belo romance histórico O amor de Pedro por João, de 1998, em que narra a história de dois exilados políticos. Ruas produziu a obra quando vivia também exilado em Copenhague, na Dinamarca. Em relatório recentemente divulgado pela CIA (central de inteligência estadunidense), e, que na época foi enviado ao governo brasileiro, comprova como, mesmo no exílio no Uruguai, no final da década de 60, Brizola tentou organizar a resistência à ditadura. (Texto atualizado em 24 de agosto de 2014) Brizola: “julgamento de Lula foi um teatro” Brizola: “eu tirei o dó da minha viola“    

Fotos da Primavera de junho

Créditos das fotos: 1. Passe livre= início de tudo (Crédito desconhecido) 2.De mãos dadas contra a PM (Crédito desconhecido) 3. Uma cidade muda não muda (Crédito: facebook oene) 4. A periferia vai às ruas: protesto no Capão Redondo (Crédito: facebook Ninja) 5. A repórter da Folha de São Paulo, Giuliana Vallone, ferida no olho durante o protesto (Crédito: http://desventurasdeumalterego.blogspot.com.br/2013/06/protesto-contra-o-comodismo.html) 6. Protesto antes da final da Copa das Confederações (Crédito: http://heroisbadernistas.tumblr.com/)

Cinco flashes do gigante que acordou

Flash 1 Na semana passada, a morena de legging colorido e polainas pretas vivia em pânico. Passou a ouvir a CBN e a Jovem Pan AM no caminho para a academia. Se tivesse protesto, perderia a aula de spinning. Nada podia atrapalhar a rotina de exercícios e o regime que já a tinha feito perder três quilos nos últimos dois meses. Flash 2 Ontem ele ligou o dia inteiro em seu Iphone 5 e nada. Irritado, o diretor da empreiteira finalmente consegue encontrar o assessor do Secretário de Obras: – Tá difícil te achar, hein. E aí, alguma novidade? – Xiii, o pessoal por aqui anda paranóico, tá tudo de cabeça pro ar, a secretária do Cleison me disse que pararam de liberar as verbas, pelo menos até a poeira abaixar. – Sacanagem, o dinheiro já tá na conta faz três meses. – Calma, calma, o negócio vai virar… Flash 3 Anderson não foi trabalhar três dias nas últimas duas semanas. Anda feliz da vida. Nas folgas, faz visitas rápidas à casa de Clotilde pela porta dos fundos. Clotilde, loirinha e magrinha, largou seu emprego de atendente de papelaria para cuidar de seu segundo filho, Manoel Júnior. Manoel sai cedo para o trabalho, vai de bicicleta. Anderson acha que “essa molecada tá certa, eles tão mudando o Brasil”, falou para colega no boteco do bairro. Flash 4 O policial aposentado entra no elevador e vocifera contra o estudante de Ciências Sociais com cartolina embaixo do braço: – Isso aqui tá uma baderna, tem que descer o pau nessa molecada folgada! – O senhor está me provocando? – Nem te conheço mas, pra mim, vagabundo que quebra tudo tem é que levar bala! – Santa ignorância, nem sabe o que fala! O elevador chega ao térreo. Flash 5 A professora universitária chorou muito ao lado de seu gato preto na sala do apartamento de um quarto ao ver as imagens das manifestações na tv a cabo. Lembrou dos anos 60, lembrou de como tinha um corpão e de que nunca mais sentiu-se tão livre como naquela época, mesmo sob a ditadura militar.

Pot-pourri de textos (1)

O Zonacurva fez um best of com 10 textos para colaborar no entendimento dos protestos que tomaram conta do país. Só a informação trará luz e ajudará a todos na formação de sua própria opinião sobre esse momento especial que o Brasil atravessa. O blog Zonacurva também produzirá material próprio e outras listas como essa. Aguardem! Vamos à lista: 1. O jornalista Breno Altman (diretor editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel) alerta para os quinta-colunas do PT. http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22237 2. Lino Bocchini, editor web da Carta Capital, mostra como ‘nacionalistas’ demonstraram sua ojeriza aos partidos políticos nos protestos e entoaram o mantra: “só pode bandeira do Brasil”. http://www.cartacapital.com.br/sociedade/com-partido-nao-da-pra-eleger-presidente-por-enquete-do-facebook-298.html 3. O diretor da revista Istoé em Brasília, Paulo Moreira Leite, afirma em seu texto: o “conflito é este: democracia ou fascismo. Não há alternativa no horizonte”. http://istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/309062_ENTRE+DEMOCRACIA+E+FASCISMO 4. Interessante matéria sobre a indústria do gás lacrimogêneo. http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-prospera-industria-de-gas-lacrimogeneo/ 5. O discurso do filósofo esloveno Slavoj Zizek aos manifestantes de OccupyWallStreet em 2011 é simplesmente genial. Leia a tradução feita pelo jornalista Alexandre Matias. http://www.oesquema.com.br/trabalhosujo/2013/06/19/slavoj-zizek-e-o-que-esta-acontecendo-no-brasil-em-junho-de-2013.htm 6. Agora é hora de buscar os resultados práticos dos protestos. A jornalista Cynara Menezes lista algumas reivindicações para a composição da pauta do movimento que tomou as ruas. http://socialistamorena.cartacapital.com.br/as-grandes-reivindicacoes-ausentes-dos-protestos/ 7. O jornalista Mário Magalhães, autor da recente lançada biografia sobre Carlos Marighella, faz uma digressão histórica sobre os regimes de exceção e sua ojeriza aos partidos. http://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/2013/06/21/quem-nao-gosta-de-partido-e-ditadura-hora-de-escolher-ou-dar-as-maos-aos-skinheads-neonazistas-ou-abracar-a-tolerancia-e-a-democracia/ 8. Revolução será o dia em que a mãe do blogueiro Leonardo Sakamoto protestar nas ruas. http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/06/24/e-quando-os-mais-velhos-resolverem-entrar-nas-manifestacoes-2/ 9. Em entrevista à Rádio Brasil Atual, a filósofa Marilena Chauí lembra o grande desafio que o prefeito da cidade de São Paulo ainda terá que enfrentar pela frente: o oligopólio das empresas que controlam o transporte público em Sampa. 10. O ‘meio intelectual e meio de esquerda’ Antonio Prata faz uma crônica na mosca sobre o início dos protestos em São Paulo http://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/2013/06/1297427-a-passeata.shtml

Glória ao povo lutador *

Vivi na Venezuela 6 dos melhores anos de minha vida. Já se passaram mais de 25 anos e lembro que abastecia-se o carro com moedas e o câmbio era imutável, um dólar sempre valiam 4 bolívares e 30 centavos. Apesar de muita vontade, nunca mais voltei. Amigos que ficaram por lá descreviam Chávez pelo lado folclórico. Cheguei a ouvir que o líder venezuelano reservava lugar à mesa do jantar para Simón Bolívar. Sempre duvidei desses causos. A Venezuela era um país desigual de gente alegre que adorava celebrar (centenas de latinhas vazias de cerveja ocupavam o acostamento das rodovias) e dançar uma salsa. Quando voltava ao Brasil, me perguntavam das lindas misses. Só as via em revistas também. Chávez foi hábil em batizar seu governo de ‘república bolivariana’, os venezuelanos idolatram el libertador Simón Bolívar. Na minha cabeça de pré-adolescente, não entendia a figura de um popstar histórico com cadeira cativa na televisão a todo momento: seu nascimento, sua morte, o dia da independência, o dia de tal batalha vencida. Só faltava o dia da primeira comunhão e o da primeira obturação. A veneração por Bolívar assemelha-se a adoração do povo por Chávez. Mesmo seus detratores não podem negar que não faltava carisma a Chávez. Seus comícios teatrais perante às massas sempre renderam momentos impagáveis. Separei dois da vasta galeria: – Alca Al carajo. – “Hechemos a Bush” com Maradona. Chávez também estimulou a autoestima pelo caminho do patriotismo. Os venezuelanos sempre foram muito patriotas e apaixonados por discussões políticas. Porém, um assunto sempre machucava corações e mentes. Era só falar do próximo Grande Irmão do Norte que eles se apequenavam. Sentiam-se extremamente oprimidos por Washington e a elite local sempre adotou o discurso “Miami es mucho mejor que acá” e nunca aceitou a ideia de dividir, um pouco que fosse, os bilhões dos petrodólares. Discursos como ‘Hechemos a Bush’ lavavam a alma do povo e exorcizavam o desrespeito dos gringos por eles (não só com eles). Venezuela, que ditadura? O discurso reacionário de que Chávez era uma espécie de bufão, um caudilho tresloucado é desmontado no documentário “A revolução não será televisionada” de Kim Bartley e Donnacha O’Briain (o título do documentário é uma homenagem ao poema musicado The Revolution Will Not Be Televised do músico e ativista norte-americano Gil Scott Heron). O filme narra com enorme proximidade como Chávez, um presidente eleito sofre um golpe com auxílio da mídia em 2002 e reage com sensatez na luta para sua volta ao poder. http://youtu.be/MTui69j4XvQ O ódio uterino que a elite brasileira e seus vassalos da mídia grande sentem por Chávez nem Freud explica. Talvez uma tentativa de explicação venha de como Chávez escancara os problemas reais da América Latina ainda atrasada em muitos aspectos. Somos compostos por milhões de pobres e o jogo político não é um mar de rosas (dos dois lados). Muito se falou desde a morte de Chávez que ele quebrou a Venezuela. Alguns dados econômicos não mostram isso: o PIB venezuelano foi triplicado, a relação dívida/PIB caiu de 60% para 25% e o índice de pobreza baixou de 48% para 27%. * O título que nomeia o texto pertence à primeira estrofe do hino venezuelano que cantei com sono em muitas manhãs com direito ao hasteamento da bandeira.

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