Zona Curva

crise política

De santos e de juízes

por Mauro Santayana (da Agência Carta Maior) A estúpida invasão do Parlamento, com a tomada do plenário da Câmara dos Deputados por um bando de imbecis – que davam vivas ao Juiz Sérgio Moro e pediam uma “intervenção” militar – não é um absurdo isolado no crescente cerco à Democracia e às instituições nacionais. A cerrada pressão corporativa do Judiciário e do Ministério Público sobre deputados e senadores para consolidar o controle de um grupo de plutocratas sobre a República, o Legislativo e o Executivo, e, direta e indiretamente, sobre o eleitorado e os cidadãos comuns, representa uma outra face da ascensão de um fenômeno perverso, antidemocrático e fascista – a Antipolítica. Não interessa se o legislativo que aí está aprovou,  majoritariamente, um golpe que tirou do poder um governo que, venhamos e convenhamos, havia se tornado de certa forma insustentável, por sua própria incapacidade em recusar uma agenda neoliberal recessiva – criada também para facilitar a sua derrocada – e de resistir a uma campanha tenaz, mentirosa e fascista que se desenvolvia claramente desde 2013 e que iria – só os imbecis e os ingênuos não acreditavam nisso – chegar, inexoravelmente, à derrubada da Presidente da República. O Congresso Nacional – e nele há também aqueles que tentaram resistir bravamente a essa farsa – não é perfeito. Mas ninguém chega ali sem voto. E o voto reflete em boa parte a essência, a opinião, a qualidade e o que determina a população brasileira. Tão ou mais responsáveis pela queda de Dilma, do que os deputados e senadores que votaram pelo seu impeachment, foram certos grupos do Ministério Público e do Judiciário, oriundos majoritariamente de uma classe média reacionária e conservadora, que investiram tenazmente na fabricação de uma longa série de factoides, arbitrariedades e escândalos, destinados a dizimar o PT nos tribunais e – em cumplicidade com uma mídia mendaz, parcial e seletiva – junto à opinião pública. Ou alguém acredita que, se não existisse a Operação Lava Jato, e seu deletério exemplo, com o evidente antipetismo do Juiz e de vários procuradores envolvidos com sua “força-tarefa” – mesmo com a coleção de equívocos táticos e políticos do governo anterior e de seu partido – teria se conseguido derrubar a Presidente da República? A “Lava Jato” não apenas destruiu o país, provocando 140 bilhões de reais de prejuízo e aprofundando os efeitos da política recessiva e da crise internacional – arrebentando com as maiores empresas brasileiras e seus milhares de trabalhadores, acionistas e fornecedores – para recolher menos de dois bilhões, na verdade, apenas algumas dezenas de milhões de reais, se formos considerar dinheiro efetivamente desviado e não de “leniência”, “multas” e “bloqueios” bilionários. Ela também representou a consolidação de uma Jurisprudência da Destruição que já vinha de antes, partidária e sabotadora, com a sucessiva paralisação, por centenas de vezes, de dezenas de grandes obras de infraestrutura e de projetos estratégicos de governos petistas, nos últimos anos, como as hidrelétricas de Jirau e Belo Monte, a Refinaria Abreu e Lima e a Transposição do São Francisco, por exemplo, que tiveram entre outras consequências diretas um extraordinário aumento no preço das obras hoje atribuído quase que exclusivamente a supostos casos de corrupção. E se apoiou no descrédito da democracia, por meio da manipulação da opinião pública,  estratégia essa que é a cabeça de ponte de um movimento que pretende, de fato, diminuir o poder de representantes eleitos, para entregá-lo a um estrato privilegiado de funcionários concursados que se veêm como impolutos Cavaleiros da Justiça, e que consideram, temerariamente, que devem tutelar a República, por meio de sucessivas manobras políticas, quando  não têm um reles voto e  estão proibidos, por lei, de meter-se nesse contexto. Se houvesse um mínimo de respeito à Constituição, o Movimento das 10 Medidas Contra a Corrupção teria sido coibido dede o início. Juízes, procuradores, desembargadores devem fazer cumprir as leis e não criar movimentos de massa, slogans e marcas e sair colhendo assinaturas para reformulá-las partidariamente – mesmo que não se trate de partido legalmente constituído – em seu próprio benefício profissional ou pessoal. A não ser que queiram abandonar suas togas e seus confortáveis gabinetes e se candidatar ao Legislativo, disputando, no próximo pleito, com os deputados e senadores aos quais pretendem dar lições éticas, o voto e a preferência do eleitorado. Se não fosse assim, os constituintes de 1988 teriam lhes franqueado o acesso à atividade política, quando o que fizeram, explicitamente, foi exatamente o contrário, como ocorre, aliás, na maioria dos países do mundo. Já imaginaram se as Forças Armadas fizessem um movimento em defesa de seus próprios interesses e do aumento de quinhão de poder, de facto, no conjunto da sociedade brasileira, através de um conjunto de “10 Medidas Pró-defesa”, com soldados da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, colhendo assinaturas em bares e restaurantes? Ou os bombeiros, ou os médicos, ou os fiscais, não interessando qual fosse o motivo, até mesmo porque de discursos demagógicos e de “boas” intenções o inferno está cheio? Poderíamos, tranquilamente, fechar o Congresso, as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, e mudar o nome deste país para República Corporativista Brasileira. É por isso que, tanto do ponto de vista político, quanto do jurídico, os magistrados e procuradores brasileiros deveriam evitar o perigoso caminho – que estão trilhando com a cumplicidade de parte da mídia, que também aposta na judicialização e na criminalização da política e no enfraquecimento da Democracia – de tentar aumentar de forma incessante o seu poder, o seu ego e sua arrogância, no trato com a população de modo geral e, especificamente, com outras instituições da República. Uma auditoria do Tribunal Superior do Trabalho acaba de constatar que todos os tribunais regionais descumpriram normas legais em relação a férias de juízes e desembargadores entre 2010 e 2014. Nos casos mais graves, segundo a Folha de São Paulo, cinco TRTs pagaram a 335 magistrados o total de R$ 23,7 milhões a título de indenização, ou seja, da “venda” teoricamente ilegal –  a Lei Orgânica da Magistratura Nacional não prevê a possibilidade

Balanço do golpe I

por Guilherme Scalzilli Os equívocos administrativos dos governos Dilma Rousseff são insuficientes para explicar o sucesso do golpe. Os péssimos índices socioeconômicos, a corrupção e a impopularidade não abreviaram os mandatos de José Sarney e FHC, por exemplo. A associação dos fracassos gerenciais de Dilma com a queda visa dar a esta um verniz meritório, criando pretextos para a negociata que os golpistas apelidaram “julgamento político”. A responsabilização da vítima esconde suas tentativas de resistência e, acima de tudo, os esforços sistemáticos da mídia, do Judiciário e do Congresso para sabotá-las. A viabilização do golpe se deu no âmbito estratégico. O impeachment representou uma confluência de elementos que foram se articulando ao longo dos últimos três ou quatro anos, nem sempre de forma planejada, mas partindo de setores com o mesmo interesse. Nesse sentido o governo petista contribuiu com a própria tragédia, como um jogador que planeja mal seus movimentos e subestima as manobras adversárias. Isso diz respeito a uma esfera pragmática da atividade política, onde ideais, plataformas e mesmo realizações ocupam lugar lamentavelmente secundário. Por ingenuidade, cinismo ou pura preguiça, os comentaristas midiáticos ignoram esse ambiente. Mas evitar a face espinhosa do impeachment leva a um idealismo alienante, que enxerga pressupostos no lugar de fatos, pessoas e instituições. Eis porque alguns progressistas e conservadores parecem ter visões tão semelhantes sobre o fenômeno. Nas próximas semanas abordarei a consecução do golpe sob as óticas político-partidária, social, jurídica, econômica e midiática, com um epílogo perspectivo. Não pretendo esgotar os assuntos, nem mesmo desenvolvê-los, e sim propor um rol de questões que julgo merecerem figurar nos futuros debates historiográficos.  Publicado originalmente no Blog do Guilherme Scalzilli. A escandalosa isenção do Judiciário brasileiro  

Golpe a jato

por Guilherme Scalzilli O país assiste passivamente à consumação do golpe parlamentar contra Dilma Rousseff. As audiências no Senado se transformaram em farsa legitimadora do processo, repetindo a eleição indireta que alavancou o regime militar de 1964. Antes e agora com aval do STF, da mídia corporativa e do empresariado. Se algo desautoriza esse paralelo, não é a falta de arbítrio no caso atual. Abusando de suas prerrogativas e agindo em sintonia com a agenda do impeachment, o comando da operação Lava Jato sabotou cada esboço de resistência petista no Congresso. As gravações ilegais que antecederam o processo na Câmara e o indiciamento de Lula às vésperas da decisão no Senado dispensam comentários. O tal “juízo político” dos senadores se resumiu a negociatas promovidas pelo banditismo interino. Grupos sem respaldo popular tomaram o governo de assalto e garantiram, no interior da máquina, que a invasão ficasse irreversível. E, pior, com estratagemas bem piores do que as manobras contábeis usadas contra Dilma. É possível que Ricardo Lewandowski, não sem algum cinismo, cobre dos parlamentares a convicção nos crimes alegados. Mas ninguém ali se preocupa com a ilegalidade do golpe, nem com as inúmeras denúncias de acadêmicos, jornalistas, juristas e autoridades políticas do Brasil e do exterior. Eis o ponto central: Dilma será julgada por pessoas indiferentes aos méritos jurídicos do processo. Qualquer acusação formal a derrubaria. As patéticas alegações dos senadores favoráveis ao impeachment revelam que eles ignoram até a base técnica do tal “crime de responsabilidade”. A longa tradição de golpes ‘brancos’ no Brasil Da mesma forma, os defensores do arbítrio na mídia passaram a falar em “fracasso” do governo Dilma, como se fosse motivo constitucional para derrubá-lo. Não é. Fazendo apologia de uma inconstitucionalidade, esses analistas escancaram a própria natureza antidemocrática de sua defesa do impeachment. A previsível supervalorização da derrota de Dilma servirá como atestado simbólico de culpa, suprindo a falta de provas e fundamentos legais do veredito. Mas não deixa de ser sintomática a identificação do desmoralizado Congresso Nacional com a ideia de justiça que fundamenta o golpe. Publicado originalmente no Blog do Guilherme Scalzilli.

Brizola volta a falar do calvário de Dilma e do impeachment

por Marceu Vieira  Ao assistir à inquisição de Dilma no Senado, o cronista digital teve uma nova alucinação e revisitou o baú de lembranças do seu tempo de repórter político. Mais uma vez, surgiu diante dele a memória de Leonel Brizola, e o cronista arrancou do velho trabalhista gaúcho o que ele pensa do martírio e da paixão da presidente em sua crucificação no tribunal do Senado.   Governador, o senhor ainda acredita na possibilidade de absolvição da Dilma? Veja, Morfeu.   É Marceu, governador. Tu me desculpes. Tu sabes desta minha confusão renitente com teu nome. Mas veja, Alceu. A rigor, se isto ocorrer, será uma imensa surpresa. Realmente, uma imensa surpresa. Um velho ditado no Sul diz que não se apeia do cavalo enquanto o fim da estrada não chega. Mas o fim da estrada está próximo, independentemente do desfecho que tiver. Eu te digo isso com um sentimento de desgosto muito grande! Muito grande, realmente. Estes senadores de gravatas modernas, não é verdade?, esses que aí estão a julgar a presidente, eles, sim, vão merecer um julgamento. Um julgamento exemplar e ainda mais severo que este que impõem agora à presidente legitimamente eleita. Será o julgamento da História! A História, tu sabes, é cruel em seus julgamentos. Eu mesmo tenho aqui as minhas dificuldades em explicar certas situações em que estive.   Que situações, governador? A rigor, poucas, bem poucas. Mas sei que ainda hoje me julgam, compreende?   Por exemplo… Julgam o velho Brizola pelo seu papel no episódio do impeachment do presidente Collor, por exemplo.   O senhor apoiou Collor naquele momento de crise. Sente-se arrependido? Isto é uma grande inverdade, tu me permitas dizer. Chego a duvidar, sinceramente, que tu penses assim. Tu, que acompanhaste uma boa parte da nossa trajetória, que estavas ali tão próximo, a nos entrevistar naquele período, tu sabes que não foi o que ocorreu. As diferenças entre mim e o Collor eram conhecidas. Já não sei de ti, mas qualquer guri daquele tempo, qualquer piá, francamente, sabia da minha profunda discordância em relação ao presidente Collor. De modo que, se há um arrependimento neste coração que já parou de bater, mas segue vivo aqui no meu peito, se há um arrependimento é o de eu não ter me posicionado com mais clareza sobre estes fatos naquela época para desfazer certos mal entendidos. Nada mais. Leia outra “entrevista” do cronista digital Marceu Vieira com Leonel Brizola. Se não era apoio, o que era? Deixe-me concluir, Ateneu. Calma lá que te darei a tua resposta. Em nome da governabilidade, eu, como governador do Rio de Janeiro, do que muito me orgulho, aliás, procurei o presidente Collor e propus a construção de Cieps federais e a adoção de algumas das nossas ideias. Sobretudo, na área da educação. Ele nos atendeu com os Ciacs, não é verdade? Creio que o presidente se contaminou ali, criou ali um certo encantamento em relação a algumas das nossas ideias, e se construiu um clima amistoso entre nós. Ele foi sempre muito cortês conosco. E nós retribuíamos o trato pessoal. E foi só.   Mas o senhor não participou dos atos pelo impeachment dele nem se posicionou. Veja, Nereu. Eu sempre disse que caberia ao Congresso e ao Supremo Tribunal julgar os crimes de que acusavam o Collor. Eu não fui a reboque do PT, um ramal auxiliar do PT, que queria a carnificina, o julgamento sumário, a crucificação imediata. Eu estava ali, de camarote, entendes? Tu sabes das minhas convicções e das minhas imensas diferenças também com o PT. Francamente, até me surpreende que tu queiras seguir por esta vereda agora nesta nossa conversa e neste momento tão grave do nosso país.   Qual a diferença daquele processo de impeachment pra este de agora? Permita que eu te diga. Veja. Tu mesmo, agora, estás aí a trabalhar para a Rede Globo. Andei sabendo, nas minhas resenhas, dos teus novos voos, com este Adné…   Adnet, governador, Adnê. Tu me perdoes a maneira desabrida. Longe de mim querer te desagradar ou te constranger. Longe de mim! Mas este Adné, que, na verdade, me parece um fanfarrão, te pôs pra trabalhar no império Globo. Por isso, sinto teus questionamentos contaminados.   Governador, trabalho atualmente pra um programa de humor, como roteirista. E perguntei apenas sobre as diferenças entre o processo de impeachment da Dilma e o do Collor. Eu te peço desculpas. As minhas mais sinceras desculpas. Mas é como vejo. A grande diferença é que não há crime agora. O que fez a dona Dilma?! Com todo o respeito aos sábios da lei, a rigor, ela não fez nada. Não há nada! Esta é a verdade. Dilma não roubou, não acobertou corruptos, não se apequenou diante dos… como te dizer… diante dos chimangos. Dilma não se beneficiou de um alfinete do palácio! Um alfinete! A rigor, Dilma, uma jovem que vimos nascer na política lá no Rio Grande, não fez nada. Nada. Já Collor tinha lá as intercorrências dele, não é verdade? Tu sabes. Collor ficava naquela motoca d’água dele (jet ski), ali nos lagos de Brasília, exibindo seus dotes atléticos, enquanto no porão do palácio havia quem fizesse coisas que se dizia que faziam em nome dele, tu sabes bem. Não sou eu quem está dizendo! Não sou eu, Leonel, quem diz. Diziam que faziam. Diziam até que o tesoureiro pagava as contas pessoais dele! Mas veja. Diziam. Não sou eu que afirmo. E o que fez a dona Dilma? A rigor, nada! Dona Dilma é inocente e está pagando por crimes que não cometeu. Com toda convicção, não cometeu.   O senhor diria que ela paga pelos erros do PT? Tu agora tocaste num ponto, creia, que tem andado aqui nas minhas reflexões. Daqui de onde estou agora, tenho uma visão mais ampla do que ocorre e descontaminada das coisas da política. O Lula, na sua autossuficiência, abandonou a Dilma em certo momento. Não há como negar. Não quero julgá-lo. Mas, francamente, foi o

Enquanto isso, na realidade paralela do planalto central

por Fernando do Valle No mundo paralelo projetado por conhecido arquiteto comunista, a presidenta eleita há cerca de dois anos está sendo defenestrada pelas vossas excelências. Entre elas difícil encontrar qualidades que se aproximem de excelentes ou ilustres, com certa benevolência talvez encontremos algumas boas intenções, mas não nos esqueçamos do popular ditado. Crime ainda não foi provado contra tal presidenta, mas a maioria das excelências não se importa tamanho o apuro demonstrado em assegurar a continuidade do governo plutocrático do vice eleito na chapa da presidenta. O partido político do vice é péssimo de votos, sempre recebe poucos nos pleitos bienais, mas estranhamente sempre esteve no poder, escudado por mirabolantes negociatas, acordos e ouso dizer jogo de cintura parecido com o de dançarinas adeptas de diminutos shorts. Esse partido, o mais bem adaptado aos corredores de certos prédios que se foram construídos de concreto hoje são o habitat do mais puro abstracionismo, pelo jeito chegará ao poder pela terceira vez sem voto. Na primeira ocasião, péssimo escritor e presidente governou por cinco longos anos após a morte de um velho político depois de mais de duas décadas de um regime militar que torturou e matou centenas de opositores. No segundo momento, a presidência caiu no colo de mineiro topetudo meio atrapalhado após a queda do alto comando do país de político de imensa sordidez e olhem que a concorrência nesse quesito é considerável por lá. O sórdido político carioca que fez carreira nas Alagoas foi construído nos gabinetes do principal meio de comunicação do país, comandado por conhecido apoiador dos militares. No ano passado, esse mesmo veículo de comunicação fez cobertura incensando os festivos selfies de boa parte da classe média em suas camisetas amarelas com policiais da tropa de choque que matam milhares de pretos e/ou pobres nas periferias das grandes e médias cidades. Tanto os defensores da tal presidenta como seus opositores são alimentados com sua ração de ódio diário e depois gritam e esperneiam. Alguns tem muita razão, outros muito mais. A maioria que não tem tanta razão assim assiste boquiaberta ao teatro de quinta categoria, mas as otoridades continuam protegidas na bolha dessa realidade paralela.

De impedimentos, atrasos e lutas

por Elaine Tavares  A política brasileira vem se revirando desde há meses. Com um Congresso Nacional altamente conservador, as pautas que interessam aos poderosos de sempre vão sendo vencidas sem maiores tropeços. Questões relacionadas às chamadas bancadas da bala, da bíblia e do boi, não encontram obstáculos. Os conservadores são maioria e tudo que lhes convêm passa. Assim, um atrás do outro, os temas de interesse dos trabalhadores ou dos movimentos sociais vão sendo patrolados, levando muita gente para protestos e passeatas. O presidente da casa, Eduardo Cunha (PMDB), protagonizou cenas típicas de uma casa grande, na qual o sinhozinho, magoado porque lhe tiraram o doce, se vinga, perversamente. Ao não conseguir o apoio do PT – partido da presidenta – para evitar a sua queda, por conta de participação em casos de corrupção, decidiu pedir o impedimento de Dilma. Tudo isso foi o ápice de um processo de intrigas e barganhas que já vinha se desenrolando nos bastidores da política, no âmbito de um governo que escolheu essas figuras como aliados, apesar de toda a crítica recebida por parte de partidários e analistas. A coisa chegou a tal nível de grotesco que o próprio vice-presidente, que caminha com Dilma desde o primeiro mandato, mandou uma carta – imediatamente vazada para a mídia – que poderia ser considerada risível se não fosse, na verdade, mais um passo vil dessa forma de fazer política. Assanhado pela possibilidade de um impedimento, que o colocaria na cadeira presidencial, Michel Temer desandou em lavação de roupa suja, falando de mágoas e ressentimentos com uma presidenta que – segundo ele – o colocava com um adereço decorativo sem importância.  Sentimento que, incrivelmente já vinha sentindo desde o primeiro mandato, mas que só agora decidiu expressar. A comédia palaciana de vinganças e mágoas poderia servir a um bom roteiro de novela da Televisa, mas, na verdade, acabou promovendo nova onda de ocupação das ruas por dois tipos de movimentos. Um deles, já conhecido desde 2013, dos anti-PT. Sob a bandeira de “impedimento já”, tentaram fomentar passeatas e atos públicos pelo país. E, tal qual as ações dos já citados Eduardo e Temer, foi um verdadeiro fracasso. Tendo como “menino-propaganda” desta vez o ator Alexandre Frota, as manifestações não conseguiram decolar, juntando pouca gente, inclusive em São Paulo, onde sempre foram mais expressivas. Mesmo assim tiveram ampla cobertura da mídia. Por outro lado, os partidários da presidenta e os preocupados com a não ruptura do processo democrático também chamaram atos – que foram bem mais massivos – em todo o país. Pelas ruas, se levantaram cartazes de “fora Cunha” e o grito de “não vai ter golpe”. A militância petista, que andava bem sumida, voltou às ruas, tentando mobilizar a população para o apoio à presidenta. Assim, o que se viu foi o mesmo velho paradoxo, que já vinha se expressando há meses: o apoio à Dilma, contra o golpe, mas ao mesmo tempo também o protesto contra o ajuste fiscal e a perda de direitos promovidos pela mesma presidenta que estavam a defender. O fato é que o impedimento da presidenta não mudaria nada substancialmente no Brasil. Assumindo Temer, o governo seguiria sua caminhada conservadora tal e qual agora. Mas, ao que parece, o movimento que grita contra Dilma pouco se importa com as políticas que estão sendo implementadas. O foco é unicamente o PT, partido que eles identificam como “de esquerda” ou “comunista” embora não exista quase nenhum traço de esquerda nas ações do governo petista. O que a classe dominante brasileira não tolera, bem como aqueles que a seguem no melhor estilo da servidão voluntária – e que não é um número desprezível – é a atenção aos mais empobrecidos que o governo vem dando desde o mandato de Lula, com os programas Fome Zero e o Bolsa Família, que tirou da pobreza extrema mais de 40 milhões de pessoas. Esses também não são dados desprezíveis, embora o volume de recursos que tenha sido dirigido para isso seja ínfimo, pouco mais de 25 bilhões. Pensem num orçamento que ultrapassa um trilhão e que manda 45% para pagamento de juros da dívida. Mas, ainda assim, há quem ache um absurdo o governo ter aumentado os gastos com as políticas sociais – dirigidas aos pobres – que pularam de 3,2% em 2004 para 9,2% em 2012. As políticas sociais mal dão conta de manter as gentes em um patamar mínimo de sobrevivência e ainda assim incomodam demais. Por outro lado não se vê essa turba que grita “fora PT” protestar contra o envio de mais de 900 bilhões de reais para os bancos, no pagamento de uma dívida que certamente é ilegal. Esse grito – paradoxalmente – está no lado do grupo que sai às ruas defendendo o governo. Já para a classe dominante – aliada dos grandes capitalistas internacionais – tudo o que recebe de benesses do governo não é suficiente. E quanto mais o governo concede, mais insaciáveis ela fica. Ao longo do governo petista o setor agrário, o latifúndio, bem dito, tem sido um dos mais beneficiados. A ministra da agricultura é a representante mor desse grupo. Têm sido investidos muitos bilhões em infraestrutura de estradas, irrigação, hidrelétricas. Já para os pequenos produtores o que há são migalhas. A reforma agrária parou totalmente. No campo da demarcação de terras indígenas o que se vê é o descaso. Os indígenas estão sendo assassinados por todos os cantos sem que o governo se mexa. Silêncio total no planalto. Já para os trabalhadores há perda de direitos. Ou seja. Todo o receituário neoliberal segue sendo aplicado sem dó nem piedade. Nos últimos meses, o ajuste fiscal apertou o cinto de milhões e os que protestaram gritavam “fora Levy” – que era o ministro da fazenda – como se ele não tivesse sido nomeado por Dilma. Por fim, as ruas pediram a cabeça de Levy e a presidenta acenou com sua demissão. Jogada de mestre. Atende os apoiadores, mas mantém tudo como está. O novo ministro

Por que só agora a Lava Jato chegou a Cunha?

por Guilherme Scalzilli Os indícios de que Eduardo Cunha possui contas no exterior são conhecidos pela Justiça há meses. As investigações começaram já em abril na Suíça, e poderiam ter ocorrido antes, se as autoridades brasileiras tivessem reagido às primeiras suspeitas. Enquanto os réus da Lava Jato e seus familiares eram presos com uma afoiteza que até prejudicou inocentes, Cunha seguiu ocupando o terceiro cargo da sucessão presidencial do país. Podendo movimentar suas fortunas. Eis que ele cai em desgraça justo agora, na fase crítica dos planos golpistas. Não antes, prejudicando as manifestações promovidas pela mídia conspiradora. Nem depois, no recesso parlamentar ou na paralisia do ano eleitoral. Claro que não se trata de mero acaso. O cerco ao deputado é uma forma de forçar a sua derradeira investida contra o governo. Acuado pelo noticiário negativo e incapaz de fazer acordos salvadores, ele não teria saída senão apressar os ritos do impeachment. A estratégia consiste em mantê-lo refém dos investigadores, prestando serviço ao roteiro traçado para a Lava Jato. Prática adequada, aliás, aos métodos coercitivos de Sérgio Moro: sob ameaça de ver parentes presos por sua causa, a vítima faz tudo que os meganhas ordenarem. Estes são os verdadeiros bastidores das vicissitudes de Cunha, e que a mídia golpista se esforça tanto para ocultar. O teatro punitivo não muda a essência do arranjo. Desmoralizam o sujeito, bloqueiam suas contas, expõem seus familiares, mas ele preserva o poder de alavancar a cassação da presidente da República. Sugiro, portanto, certa parcimônia comemorativa com o indiciamento de Cunha. O episódio mancha para sempre a memória dos seus aliados, mas também ilustra a força do conluio institucional que patrocina o impeachment. Não será sob aplausos crédulos que o Congresso ou Judiciário barrarão o ataque final do golpismo. Publicado originalmente no  Blog de Gulherme Scalzilli.

Não parece golpe, mas é

por Guilherme Scalzilli A oposição espalha artigos e depoimentos pretensamente “esclarecidos” para reforçar a imagem democrática de um possível impeachment de Dilma Rousseff. Como estratégia militante, é simplória e previsível. Como exercício intelectual, resvala na desonestidade. Uma característica histórica da propaganda antidemocrática é a alegação da defesa de princípios constitucionais. Não por acaso, os discursos pseudolegalistas de hoje repetem os dos golpismos do século passado, particularmente de 1964. Especialistas em diversas áreas acadêmicas têm demonstrado isso com alarmante eficácia. Nem a narrativa moralista se sustenta, contudo. Inexistem motivos razoáveis para a deposição de Dilma, o que fica óbvio nas filigranas jurídicas brandidas pelos puxadores de tapete. Se esses critérios servissem para derrubar mandatários, não sobrariam gestores públicos no Brasil. A começar pelo FHC do suborno reeleitoral e pelo Geraldo Alckmin dos cartéis metroviários e do colapso hídrico. Adotando-se os rigores que tentam aplicar a Dilma, aliás, talvez sequer os protagonistas do impeachment ainda pudessem comandá-lo. E sem Eduardo Cunha, Renan Calheiros, Augusto Nardes, Gilmar Mendes e respectivos asseclas dificilmente haveria espaço para tamanha desfaçatez na agenda nacional. A natureza arbitrária de uma eventual deposição suplanta quaisquer eufemismos e subterfúgios retóricos. Evitando chamá-la pelo único nome que a descreve, os tais “analistas” realçam aquilo que tentam esconder sobre si mesmos. Publicado originalmente no  Blog de Gulherme Scalzilli.

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