Zona Curva

Cultura

O jornalista e escritor Fausto Wolff escreveu: “cultura é arma de defesa pessoal”, esse é o guia dos textos aqui publicados.

Rithy Panh e os indivíduos mínimos

Acaba de estrear em São Paulo o novo longa do cineasta cambojano Rithy Panh, “A Imagem Que Falta”. Panh é um dos diretores mais interessantes surgidos no cenário internacional nas últimas décadas. Embora tenha dirigido algumas ficções, ele tem em nos documentários seus melhores e mais fortes filmes. Esse texto é sobre seu cinema. Nos filmes de Rithy Panh existe uma matéria central: o indivíduo. É um cinema construído sobre o homem em sua existência mínima. Uma obra que tem na gente do Camboja seu espaço central. É a partir dessa matéria que Panh desenvolve uma filmografia pautada na relação entre esse indivíduo mínimo, as asperezas da vida cotidiana, a onipresença de um genocídio vivido em escala nacional e o espaço viciado, decadente e em ruínas em que esses seres estão inseridos. Um ambiente condenado por um passado incapaz de ser superado, seja pelas atrocidades do Khmer Vermelho, seja pelas violências de uma guerra barbaresca de mais de 25 anos, mas também por uma história de miséria intransponível para uma população sem chance de existir além das amarras da condenação a uma pobreza calculada. O passado atormenta os indivíduos como espectros de uma abjeção inominável. A violência esmaga o indivíduo mínimo. As lembranças vivas dos genocídios se relacionam no interior de cada tipo com décadas e décadas em que nada puderam fazer para escapar ao sofrimento do cotidiano sem esperanças, assim como seus antepassados diretos nada puderam fazer além de sucumbir na morte ou serem forçados a traição do resto de humanidade que ainda não lhes tinha sido subtraída. Para milhões de cambojanos, viver de trabalhos degradantes nas cidades grandes representa a mesma condenação que está presente na vida dos que ficaram nos campos. O indivíduo no cinema de Rithy Panh é um condenado. Cada homem, cada mulher no Camboja é antes de tudo uma vítima, um derrotado mesmo sem ter tentado nada, sem ter tido sequer a opção de fazer uma mínima escolha. Leia outras críticas do jornalista Fernando Oriente em seu blog Tudo Vai bem Existe um eixo que perpassa a obra de Panh: o conflito entre indivíduos e espaços que carregam as marcas do tempo. Como se todo o tempo passado, o tempo vivido (e sofrido) se refletisse nos rostos, nos corpos e nas almas dos personagens, ao mesmo tempo em que está impresso nos ambientes em que eles vivem. Não existe uma só figura humana no cinema de Panh que não esteja oprimida pelo peso do horror. Horror que deixou marcas também nos prédios em ruínas, nas construções degradadas, nos cortiços imundos, nas ruas sujas e nos campos que não oferecem nada além do que mais condenação. Os milhões de mortos pelo Khmer Vermelho, pela guerra civil, pela fome, pela miséria, pela violência das cidades e dos campos estão presentes a na vida dos que sobraram. Ter sobrevivido obriga o indivíduo de Rithy Panh a um cotidiano de resignação. Os breves momentos em que a esperança passa pela cabeça de um personagem, ela logo leva a uma violência punidora, como se num ambiente como o Camboja ousar ter esperança fosse uma sentença de condenação física e emocional. Esse peso faz do cinema de Panh uma obra em que a tristeza está impregnada em cada fotograma. Não se trata aqui apenas da melancolia, tão presente no cinema asiático contemporâneo. Melancolia pode ser vista como um luxo para os seres que não conhecem nada além da dor. Um dos grandes méritos de Rithy Panh é abordar toda a dor de seus personagens mínimos e dela tirar um respeito profundo por cada indivíduo que aparece em seus filmes. A construção de seus personagens é concebida a partir de uma relação sincera com tudo aquilo que o diretor quer retratar. Os homens e mulheres em seus filmes são fruto de um olhar humano desprovido de preconceitos e julgamentos. Essa ternura com que Panh retrata seus indivíduos mínimos reflete na construção das cenas, nos dramas que ele recria com naturalidade espontânea. Existe uma relação entre pessoas e espaços. Entre tipos humanos e ambientes. Relação essa que só é possível pelo tratamento impecável do tempo (e as sobreposições desse tempo) em seus longas. Os indivíduos mínimos nos filmes de Rithy Panh Os indivíduos mínimos, essa matéria fílmica do seu cinema, aparecem o tempo todo em cada um de seus filmes. Quem são eles? São todos, ao mesmo tempo em que são únicos. Cada um, em sua pequenez diante de um emaranhado de gente que se desloca sem destino certo, carrega um pedaço da história de um lugar condenado. Cada drama individual é um naco no registro em aberto dessa história. Em “S-21 – A Máquina de Morte do Khmer Vermelho” (2003), esses indivíduos são ex-soldados do Khmer Vermelho que recriam e interpretam em detalhes, anos depois, seus atos mais cruéis, seus assassinatos cometidos, as torturas que impuseram a seus conterrâneos sem terem a menor ideia do porquê estavam cometendo tais atos. No mesmo filme, esses indivíduos são os torturados, os prisioneiros desses outros. Não existem julgamentos, maniqueísmos, apenas a constatação de um horror indescritível em que o indivíduo mínimo era o agente e a vítima, em que todos sentem culpa por todos, em que todos sofrem e explicação nenhuma pode dar conta. Na ficção “Condenados à Esperança”/ Rice People (1994), esses indivíduos são camponeses, sobreviventes do regime do Khmer que enfrentam uma vida de trabalho físico que não pode lhes dar nada além do sustento mínimo. São homens, mulheres e crianças em constante conflito com a natureza e que carregam o horror vivido e, mais cedo ou mais tarde, cedem a um estado de loucura inevitável. Os fantasmas da pobreza, da guerra e do genocídio rondam o arrozal em que esperam pelo destino. Em outra ficção, “Uma Noite após a Guerra” (1998), os indivíduos são jovens soldados que foram jogados de volta a uma vida sem sentido na cidade grande, na metrópole miserável que tenta se recuperar de décadas de horror e morte. São adolescentes que foram vendidas para a prostituição

O beat William Burroughs e o rock

Burroughs – Imortalizado como a figura beat por excelência, o escritor William Burroughs virou, em suas últimas décadas de vida, um verdadeiro oráculo do mundo do rock. O velho Bill participou de clipes de bandas como Sonic Youth e Ministry, entrevistou David Bowie para a Rolling Stone norte-americana. E não parou por aí: Kurt Cobain acompanha Burroughs na leitura de um de seus escritos e Frank Zappa e Patti Smith pediram a bênção para o ícone da contracultura. William Burroughs nasceu em Saint Louis, nos Estados Unidos, em 5 de fevereiro de 1914  e morreu em 2 de agosto de 1997.  Leia a entrevista de Bowie a Burroughs em português no blog Socialista Morena O  filme Drugstore Cowboy (1989), dirigido por Gus Vant, retrata a vida de um pequeno grupo de junkies. Burroughs interpreta o padre Murphy, um velho viciado em drogas, que filosofa sobre a relação das drogas com a política. Veja o trecho: Burroughs escreveu novelas, memórias e poesia. Ele também pintou, fez colagens, tirou milhares de fotografias, produziu centenas de horas de gravações experimentais, atuou em filmes e gravou mais cds do que muitas bandas de rock. Na década de 1940, Burroughs mudou-se para Nova York, onde iniciaria sua carreira literária e faria amizade com Jack Kerouac e Allen Ginsberg, entre outros escritores beat. Teve inúmeras experiências com alucinógenos e foi viciado em diversas drogas, incluindo morfina. Em 1951, matou sua mulher em um acidente com arma de fogo, o que ele próprio mais tarde reputou como experiência definidora para sua carreira de escritor. Dois anos mais tarde, lança sua obra mais conhecida, Junky, com o pseudônimo William Lee. Outro livro que o tornou conhecido foi Almoço Nu, lançado na França em 1959. Na década de 60, o também escritor Norman Mailer afirmou: “William Burroughs é o unico romancista norte-americano que inegavelmente carrega genialidade em sua obra”. Burroughs morreu em 2 de agosto de 1997, na cidade de Lawrence, nos Estados Unidos.   “Não nos damos conta de até que ponto a história é ficção. O passado em grande parte é uma invenção dos vivos. E a história é um montão de coisas fabricadas. Não há fatos de verdade” William Burroughs O poema de Jack Kerouac para Charlie Parker Burroughs no clipe do Ministry (1992)   Kurt Cobain acompanha com sua guitarra leitura de Burroughs http://youtu.be/zdXebZWroow Fontes: blog Socialista Morena , site Obvious (texto de Guilherme Ziggy)  e site da Editora L&PM. Exposição homenageia Rita Lee no MIS Clemente: o movimento punk nunca há de morrer

O lírico jazz de Stan Getz e a música brasileira

GETZ- Foi o guitarrista Charlie Byrd quem apresentou a música brasileira ao saxofonista Stan Getz e, em 1962, ambos gravaram o disco Jazz Samba. No ano seguinte, o judeu-americano Getz, apaixonado pela música brasileira da época, convocou João Gilberto, Astrud Gilberto e Tom Jobim e gravou o memorável Getz/Gilberto. O álbum, que completou no ano passado 50 anos de gravação, tornou-se um clássico e levou a música tupiniquim para os quatro cantos do planeta. Stanley Gavyetsky (Stan Getz)  nasceu em 2 de fevereiro de 1927 em Filadélfia. Os seus pais eram judeus naturais da Ucrânia, que imigraram de Kiev, na Ucrânia em 1903. O músico morreu em 6 de junho de 1991.   Admirador de violonistas brasileiros, em 1963, antes da gravação de Getz/Gilberto, o músico norte-americano tinha gravado Stan Getz With Guest Artist Laurindo Almeida, com o genial e, infelizmente pouco conhecido, músico brasileiro que viveu nos Estados Unidos, Laurindo Almeida, e Jazz Samba Encore!, com Luiz Bonfá no violão e Tom Jobim no piano. João Gilberto via com desconfiança a gravação do disco com Getz. A mulher de Getz na época, Monica, teve que convencê-lo a comparecer aos ensaios de Getz/Gilerto no anexo do Carnegie Hall, em Nova Iorque. Depois de muita insistência, João acabou entrando no estúdio, nos dias 18 e 19 de março, para gravar o álbum que abriria as portas para a música brasileira no exterior. Na gravação do disco, João Gilberto e Getz se estranharam. João não tinha gostado da gravação de Um Samba de uma nota só, de Tom Jobim, e tenta “ensinar” Getz a executar a canção. João Gilberto e sua conhecida intransigência perde a paciência com a interpretação do gringo e desabafa para Tom Jobim: “fala para o gringo que ele é burro”.   Profissional aos 15 anos O saxofonista Stan Getz tornou-se músico profissional aos 15 anos, e um ano mais tarde, já fazia parte da banda do trombonista Jack Teagarden, que o ensinou, entre outras coisas, a beber. Com apenas 17 anos, já era um alcoólatra, e logo depois, como muitos outros músicos da época, passou a usar heroína. Getz não largou seus vícios até os 60 anos de idade. Getz sempre contou com uma incrível veia lírica, talvez originária de sua família judia-russa e da influência de jazzistas dos anos 30 e 40. Stan Getz teve passagens por bandas consagradas como as de Stan Kenton, Jimmy Dorsey e Benny Goodman, o último chegou a despedi-lo em uma turnê por Nova Iorque quando o músico não apareceu para tocar em alguns shows. Getz casou duas vezes, em 1946 e 1956, e teve cinco filhos. Em 1947, entra na brilhante banda de Woody Herman Second Herd e torna-se um dos Quatro Irmãos (Four Brothers), um naipe de saxofones que incluía feras como Zoot Sims, Al Cohn e Serge Chaloff. Um ano mais tarde, grava seu curto e lindo solo para Early Autumn, de autoria do compositor Ralph Burns, na banda de Herman. Quando o disco chega às lojas, Getz se transforma em uma das grandes estrelas do jazz. Em 1950, o saxofonista deixa a banda de Herman e, nos próximos 40 anos, lidera inúmeros grupos, todos com músicos de primeira linha, além de proporcionar várias chances a músicos desconhecidos em início de carreira. Getz tocou muitas vezes também com seu amigo e trompetista, Chet Baker. Saiba mais sobre o parceiro de Getz, o genial Chet Baker Getz morreu em 6 de junho de 1991 em Malibu, na Califórnia e  sua biografia Stan Getz: a life in Jazz, de Donald L. Maggin, pode ser encontrada em inglês na loja da Amazon. O livro é, ao mesmo tempo, um hagiografia e uma litania das últimas angústias que afligiram Getz: seu alcoolismo e seu vício em drogas, que causaram ao músico uma temporada de seis meses na prisão em 1954; sua dolorosa falta de articulação na fala; suas duas tentativas de suicídio; seus corrosivos problemas judiciais com a segunda esposa; seu descontrole psíquico; seu imenso ego e sua luxúria constante, causadores de inúmeros problemas. Sobre sua personalidade, o seu amigo e também saxofonista Zoot Sims definiu-o assim: “Stan é um amável bando de caras”.   O ídolo Lester Young Sem dúvida nenhuma, Getz, como uma penca de outros saxofonistas, foi influenciado pelo genial saxofonista Lester Young. Getz e sua espiritualidade construiu esplendorosas melodias que nos leva a crer que Young retornava à Terra. O saxofonista de origem judia adiciona ao som de Young um romantismo que o tornou um ídolo popular nos 50 e 60. Com o tempo, Getz abandonou um pouco a influência de Young para soar mais semelhante a músicos como Coleman Hawkins e Ben Webster. Já nos anos 60, Getz aproximou-se de seu grande amigo e admirador, Miles Davis. Os dois, com diferença de menos de um ano de idade, morreram apenas com um pequeno espaço de meses e quilômetros de um para o outro na Califórnia. Stan Getz nunca teve medo de experimentar. Em 1961, convocou o arranjador e compositor Eddie Sauter para escrever uma peça para sua improvisação, e o resultado deste trabalho foi Focus, composição dividida em sete partes e com duração de 35 minutos para uma pequena orquestra de cordas. A parte mais longa ultrapassa seis minutos e a música flutua entre Bartók e boa trilha musical para cinema. Ele próprio considerou este o seu melhor disco.   Stan Getz toca Wave, de Tom Jobim, na Dinamarca Getz interpreta Seven Steps to Heaven, de Miles Davis e Victor Feldman Stan Getz com Chet Baker, em Estocolmo (1983) Stan Getz interpreta I’m late, I’m late do genial disco Focus que Getz gravou com Eddie Sauter Night Rider, também do disco Focus Ouça na íntegra Getz/Gilberto   Fonte usada: Revista New Yorker. Embarque no sax de John Coltrane

Carlos Careqa e a resistência na música independente

De um lado, temos a indústria fonográfica em crise produzindo lixo musical e sempre subestimando o gosto do público. Do outro, uma dinâmica cena independente aponta novos caminhos e injeta adrenalina nas veias musicais brasucas. Bandas e artistas fora do mainstream como o compositor e cantor Carlos Careqa utilizam a web para a divulgação de suas músicas. Músico experiente com mais de 30 anos de carreira, Carlos Careqa e muitos outros constroem uma sólida carreira à margem dos esquemas manjados do mercado das majors da música. “Nunca ignorei as grandes gravadoras, elas que me ignoraram. Estaria feliz se tivesse uma gravadora séria coordenando meu trabalho. Porém não há interesse deles. Eles só querem saber de 1 milhão de reais pra cima”, afirmou o músico em entrevista ao Zonacurva. Somente no ano passado, Careqa esteve envolvido em três discos. Seu trabalho autoral mais recente é Made in China (Selo Barbearia Espiritual Discos). Também capitaneou Ladeira da Memória, que reúne novas versões para músicas que integraram o cenário alternativo entre os anos 1980 e 1990 com a participação de Chico Buarque, Mariana Aydar, Vânia Abreu e muitos outros. Assista ao Making of do CD Ladeira da Memória Em 2013, Careqa também lançou seu primeiro disco infantil, Palavrão Cantado, música infantil para adultos. Com músicas como Rap do Peido, O Diamante Azul do Vovô (sobre Viagra), Por que que a Vovó Tá Fria? (sobre a morte) e Exame de Fezes, Careqa explica: “acho as músicas infantis muito chatas. Acho que o palavrão pode servir para chacoalhar um pouco este nicho de mercado. Mas sou um sonhador, e acho que tudo isto é fantasia da minha cabeça.” Careqa fala sobre seu projeto infantil Palavrão Cantado em matéria da TV Folha, exibido na TV Cultura: Careqa e a vanguarda paulista Se Careqa não fez parte diretamente da turma da vanguarda paulista dos anos 80 e 90 de Arrigo Barnabé, Premeditando o Breque, Itamar Assumpção, Língua de Trapo e muitos outros, ele foi extremamente influenciado pelo movimento. Esses artistas construíram uma cena alternativa e movimentaram uma cena pós-punk na megalópole paulistana. “Eu acho que a Vanguarda Paulista foi o último avanço na música brasileira. De lá pra cá, não tivemos nada de impressionante. Claro que teve aqui e acolá algumas coisas boas. Mas inovações em forma e conteúdo como neste movimento eu não vi mais em nenhum outro. Fui influenciado diretamente por eles. Pois estava tentando fazer a mesma coisa em Curitiba”, Carlos Careqa A saga da vanguarda poética paulistana   Carlos Careqa nasceu em Lauro Muller, Santa Catarina, e passou a infância e adolescência em Curitiba e Ponta Grossa, no Paraná. Ex-estudante de Direito e ex-bancário, nos anos 80, Careqa larga tudo na terra tupiniquim e segue para Nova Iorque para apresentar e desenvolver seu trabalho. Após ter dado a cara para bater, obtém rápido reconhecimento nos bares e pubs nova-iorquinos com seu estilo musical inovador. O músico viveu um tempo também em Berlim. “Eu estava desesperançado com o Brasil nos anos 80, um amigo me falou da possibilidade de migrar para os EUA. Iria como trabalhador mesmo. Mas chegando lá saquei que podia ser músico. E comecei a tocar na noite de Nova York. Foi fantástico. Eu mesmo não acredito que vivi tudo aquilo com tão pouca idade. Eu tinha 22 anos”, afirma o músico. Nos anos 90, muda-se para São Paulo, onde vive até hoje. Boa parte da adolescência, Careqa viveu em um seminário Salesiano em Ponta Grossa. “Foi uma experiência bem importante na minha formação. A estrutura era muito boa. Pude fazer teatro, música e me desenvolver como ser humano naquela época. Não me arrependo. Quando achei que não dava mais pra mim saí”, lembra. Música O que que cê tem na cabeça Música Guaraná Jesus (versão da música Chocolate Jesus de Tom Waits) Conheça o canal do Youtube de Carlos Careqa em Discografia de Carlos Careqa . Os Homens são todos iguais – (Thanx God/Tratore) 1993. . Músical para final de século – (Thanx God/Tratore) 1998. . Não sou filho de ninguém – (Thanx God/Tratore) 2004. . Nosotros que somos nos mesmos -(Grande Garagem que Grava) 2005. . Pelo público – (Thanx God/Tratore) 2006. . À Espera de Tom – (BED/Tratore) 2008. . Tudo que respira quer comer – (BED/Tratore) 2009. . Alma boa de lugar nenhum – (BED/Tratore) 2011. . Made in China – (BED/Tratore) 2013. . Ladeira da Memória – (Selo Sesc) 2013. . Palavrão Cantado – 2013.

Febeapá e o nosso eterno Festival de besteira que assola o país

Febeapá – Basta um breve passeio pelos jornais, twitter ou facebook, para constatar que o FEBEAPÁ (Festival de Besteira que assola o país) continua mais ativo do que nunca. O festival foi criado por Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo do escritor e jornalista Sérgio Porto. Escritos por Stanislaw Ponte Preta, os três volumes do FEBEAPÁ foram publicados entre 1964 e 1968 e atacavam em forma de ácidas crônicas à ditadura militar. Garanto que o ilustre Stanislaw viria a concordar que o festival de sandices não é de uso privativo de regimes de exceção. Nas últimas décadas, o cronista teria volumosa matéria-prima para rechear as páginas de livros e mais livros de FEBEAPÁ. Caso em que a criatura ficou mais popular que o criador, Stanislaw ironizou os primeiros anos do regime dos generais. Porto morreu, com apenas 45 anos, de um fulminante ataque cardíaco em 30 de setembro de 1968, cerca de dois meses antes da decretação do tenebroso AI-5. O próprio Stanislaw Ponte Preta explica melhor seu FEBEAPÁ (a ‘redentora’ do texto era o codinome do golpe militar): “É difícil ao historiador precisar o dia em que o Festival de Besteira começou a assolar o País. Pouco depois da “redentora”, cocorocas de diversas classes sociais e algumas autoridades que geralmente se dizem “otoridades”, sentindo a oportunidade de aparecer, já que a “redentora”, entre outras coisas, incentivou a política do dedurismo (corruptela do dedo-durismo, isto é, a arte de apontar com o dedo um colega, um vizinho, o próximo enfim, como corrupto ou subversivo – alguns apontavam dois dedos duros, para ambas as coisas), iniciaram essa feia prática, advindo daí cada besteira que eu vou te contar” (Febeapá 1, p.5) O carioca Sérgio Porto iniciou sua carreira jornalística como crítico de cinema no Jornal do Povo, de propriedade do Barão de Itararé (pseudônimo do jornalista Aparício Torelly) nos anos 50. Foi também cronista esportivo, repórter policial, além de ter trabalhado na televisão e no rádio. De alguma forma, há parentesco entre o trabalho de Stanislaw e o do ‘nobre cronista’de sangue azul’. Saiba mais sobre o impagável Barão de Itararé   Frases de Stanislaw Ponte Preta  “O sol nasce para todos. A sombra para quem é mais esperto” “Se mosquito fosse malandro, mordia antes e zunia depois” Tirando a própria mulher, a gente deve recomendar tudo aquilo que experimentou e gostou “Mais inútil do que um vice-presidente” “Basta ler meia página do livro de certos escritores, para perceber que eles estão despontando para o anonimato” “O mal do Brasil é ter sido descoberto por estrangeiros” (Deputado Índio do Brasil, Assembleia do Rio)”.   Os personagens de Stanislaw Sérgio Porto criou Stanislaw Ponte Preta quando escrevia para o Diário Carioca, em 1951. Mas, foi em 1955, no jornal Última Hora, de Samuel Wainer, que segundo o amigo Paulo Mendes Campos, “ficou famoso de um mês para o outro”. No jornal de Wainer, Porto criou uma galeria de personagens: Tia Zulmira, Primo Altamarindo, Rosamundo, o superdistraído, entre outros. Sérgio Porto, em entrevista psicografada pelo jornalista Sérgio Cabral ao Pasquim, explica sua relação ‘esquizofrênica’ com Stanislaw: “De fato, Stanislaw foi criado junto comigo e, praticamente, é meu irmão de criação. Moramos na mesma casa, tivemos a mesma infância e muitas vezes comemos do mesmo prato. Hoje, no entanto, embora vivendo ambos do jornalismo, já não somos ligados; raramente nos vemos, poucos são os nossos gostos comuns e acredito que seria uma temeridade da minha parte se continuasse companheiro fraterno do irriquieto autor” O também cronista Paulo Mendes desvenda Tia Zulmira e Primo Altamarindo (vale a pena ler o texto em que Paulo relembra o amigo no blog do Instituto Moreira Salles): Tia Zulmira é uma dessas criaturas que acontecem: saiu de Vila Isabel, onde nasceu, por não achar nada bonito o monumento a Noel Rosa. Passou anos e anos em Paris, dividindo quase o seu tempo entre o Follies Bergère, onde era vedete, e a Sorbonne, onde era um crânio. Casou-se várias vezes, deslumbrou a Europa, foi correspondente do Times na Jamaica, colaborou com Madame Curie, brigou nos áureos tempos com Darwin, por causa de um macaco, ensinou dança a Nijinski, relatividade a Einstein, psicanálise a Freud, automobilismo ao argentino Fangio, tourear a Dominguín, cinema a Chaplin, e deu algumas dicas para o doutor Salk. Vivia, já velha mas sempre sapiente, num casarão da Boca do Mato, fazendo pastéis que um sobrinho vendia na estação do Méier. Não tinha papas na língua e, entre muitas outras coisas, detestava mulher gorda em garupa de lambreta. Primo Altamirando também ficou logo famoso em todo o Brasil. O nefando nasceu num ano tão diferente que nele o São Cristóvão foi campeão carioca (1926). Ainda de fraldas praticou todas as maldades que as crianças costumam fazer dos 10 aos 15 anos, como, por exemplo, botar o canarinho belga no liquidificador: foi expulso da escola primária ao ser apanhado falando muito mal de São Francisco de Assis. Pioneiro de plantação de maconha do Rio. Vivendo do dinheiro de algumas velhotas, inimigo de todos os códigos, considerava-se um homem realizado. E, ao saber de pesquisas no campo da fecundação em laboratório, dizia: “Por mais eficaz que seja o método novo de fazer criança, a turma jamais abandonará o antigo.”   A culpa do Pasquim é toda do Stanislaw O cartunista Jaguar, que ilustrou as crônicas de Stanislaw Ponte Preta, conta como Sérgio Porto inspirou a criação do Pasquim:  “o embrião do Pasquim  foi gerado em setembro de 1968, no dia em que morreu Sérgio Porto, sobejamente conhecido como Stanislaw Ponte Preta. Ele era responsável pela Carapuça, tabloide semanal de humor. Na verdade, o jornaleco poderia continuar indo para as bancas. O autor dos textos, de cabo a rabo, era Alberto Eça, que conseguia fazer uma imitação razoável do jeito de escrever do fero cronista. O pessoal do ramo sabia que o estilo de Stan era inimitável, mas dava para engabelar a plebe ignara… Mas como explicar aos leitores?… Tarso [de Castro] encontrou-se comigo no Jangadeiros [bar carioca] e quis saber minha opinião. “Melhor fechar e abrir outro jornal”, sugeri”

Chet Baker: o gênio branco do jazz

Chet Baker – Em 23 de dezembro de 1929, nasceu o trompetista e cantor Chet Baker em Oklahoma. Em meio a uma quantidade absurda de gênios negros no jazz, Chet é um dos poucos brancos que pode ser comparado a feras como Miles e Coltrane. Chet viveu até os dez anos em uma fazenda e no final dos anos 30, mudou-se paraLos Angeles e começou a estudar música. Em seu livro de memórias (Memórias Perdidas, Jorge Zahar Editor), ele lembra como quase virou trombonista: “Quando eu tinha treze anos, papai chegou em casa com um trombone. Tentei tocá-lo durante umas duas semanas, sem muito sucesso. Eu era pequeno para minha idade, e não conseguia alongar até o fim a vara do trombone. Além disso, o bocal era muito grande para os meus lábios. Depois de umas semanas, o trombone acabou desparecendo, e em seu lugar surgiu um trompete, que era muito mais apropriado para o meu tamanho” Filho único, Chet viveu a infância entre os mimos da mãe e o alcoolismo do pai. Ele começou tocando com Stan Getz e Charlie Parker, mas o sucesso veio em sua parceria com o saxofonista Gerry Mulligan em 1952 com a música Considerados os pioneiros do jazz da Costa Oeste norte-americana, Chet e Gerry tornaram-se verdadeiros pop stars: brancos (época em que o racismo era absurdamente tolerado), com pinta de astros de Hollywood (Chet foi comparado a James Dean), talentosos e sensíveis. Depois de menos de dois anos de sucesso, Mulligan foi preso por seu envolvimento com drogas e os dois afastaram-se. Dono de um cantar sussurrado, Baker é considerado um dos fundadores do Cool jazz, ao lado de Miles Davis. A grosso modo, o Cool jazz uniu o bebop de Charlie Parker e o swing e a melancolia de Lester Young. A overdose em Sampa O jornalista James Gavin pesquisou por dez anos a vida de Chet Baker e lançou em 2002 a biografia do músico, No fundo de um sonho, a longa noite de Chet Baker (no Brasil, o livro foi publicado pela Companhia das Letras). Gavin descreve o dark side de Baker: episódios de violência doméstica, seu desprezo pela família em várias ocasiões, brigas em bares e como o músico entregava à polícia farmacêuticos que o ajudavam a obter remédios controlados. No livro, Gavin narra a overdose de Chet Baker em São Paulo em 1985. O músico tocou na capital paulista e no extinto Hotel Nacional no Rio de Janeiro, ambas apresentações do lineup do saudoso Free Jazz Festival. Na sua cola, a organização contratou um médico que ministrava doses de metadona no combate a seu vício em heroína. Porém, Chet driblou a todos, conseguiu drogas e quase morreu de overdose em uma suíte do Hotel Maksoud Plaza. A história foi contada a Gavin por Zuza Homem de Mello, diretor do festival. Em uma briga com viciados em 1969, Baker perdeu os dentes, o que o dificultou a atingir as notas mais altas no seu trompete até o final da vida. Na fase em que teve mais problemas com drogas, vagou pela Europa e chegou a trabalhar como frentista em um posto de gasolina. Morte em Amsterdã Três anos após a overdose no Brasil, Chet Baker despencou da janela do segundo andar de um hotel em Amsterdã, onde vivia na época. A hipótese mais aceita do episódio que ocorreu no dia 13 de maio de 1988 foi a de acidente, mas as versões de suicídio e de um acerto de contas por parte de algum traficante nunca foram descartadas. Como Charlie BIRD Parker que morreu com 35 anos aparentando 60. Baker morreu aos 58 anos com aparência de mais de 80 anos, maltratado por décadas do vício em drogas. Chet Baker em 1959 na cidade italiana de Turim no clássico Funny Valentine: Chet com Mulligan: Fontes: livro Chet Baker — Memórias Perdidas (Jorge Zahar Editor) e matéria “Biógrafo apresenta Chet Baker como violento e egoísta” (publicada no jornal O Estado de São Paulo) Embarque no sax de John Coltrane O lírico jazz de Stan Getz e a música brasileira

A volta de Rubem Fonseca ao mundo embrutecido

Em Amálgama, novo livro de contos de Rubem Fonseca, o freak show é composto por uma vasta galeria de figuras perturbadas: mãe que joga o bebê aleijado no lixo, o assassino profissional que poupa anões, outro que tem medo de anões, homem feio apreciador de bocetas, o matador de gatos, um que tira a vida de corretores de imóveis e, por aí vai. No último livro, José, de 2011, Fonseca deixou um pouco de lado a violência e a revolta ao relembrar sua infância em uma capital carioca idílica que não existe mais. Leia post sobre o livro José aqui.  No didático Brasil urgente do Rubão, o ser humano depara-se com um festival de torpezas e vilezas, acorda entorpecido, enxuga as remelas e, no mínimo, reflete “como podemos melhorar esse negócio de sociedade”. Ou não. A escolha é só nossa. Nos 34 contos curtos de Amálgama, Rubem Fonseca expõe um festival de perversões e insanidade. Ninguém escapa, muito menos eu e você:  “sei que ninguém é inocente, todo mundo cometeu alguma transgressão, alguma maldade, ou crueldade,: se eu fosse religioso diria cometeu algum, ou vários, dos pecados capitais: avareza, gula, inveja, ira, luxúria, orgulho e preguiça” A violência e os problemas sociais apresentados em seus parágrafos não são criações do artista, e sim parte de seu mundo, de seu universo criativo, servindo-lhe de “inspiração”. Se são feios os seus quadros, a culpa não é dele, mas de todos nós, da sociedade que não soube ainda se liberar de suas mazelas.  O cobrador versão bike No conto O Ciclista, Rubem Fonseca recicla um de seus textos mais conhecidos, O Cobrador (do livro homônimo, de 1979). No conto anterior, o narrador vinga-se dos exploradores bem integrados ao mercado. Segundo ele, estão lhe “devendo comida, boceta, cobertor, sapato, casa, automóvel, relógio, dentes … Odeio dentistas, comerciantes, advogados, industriais, funcionários, médicos, executivos, essa canalha inteira. Todos eles estão me devendo muito”. Na nova versão, o ciclista atropela os que identifica como maus: “todo dia fico procurando em cima da minha bicicleta alguma pessoa má para punir”. O trio sexo, violência e miséria (humana e social) permeia boa parte da obra do escritor. Isso não quer dizer que ele as aprove ou desaprove. O autor utiliza sua sensibilidade aguçada para testemunhar e descrever o cenário de maneira particular. O mundo exterior apresenta-se a cada dia mais cruel e violento e a cidade desumana, o homem (in)comum (ou os Josés, nome de vários protagonistas dos contos de Amálgama) é representado por Fonseca em seu convívio diário com o caos. Ao agir desta forma, Fonseca joga para a sociedade a culpa pela brutalização do mundo. Uma vez que ele não a criou, ela faz parte do mundo e das relações humanas, cabe a ele, o papel de captá-lo sem máscaras, devolvê-lo na sua forma original: violento e desumano. O próprio escritor explica em uma de suas raríssimas entrevistas para o Jornal da Tarde em 12 de setembro de 1970 como enxerga seu ofício:  “o escritor não é um intelectual, é um historiador da condição humana… é um cara que está aí, vendo, testemunhando as coisas. Acho muito chato o cara que é escritor ditar regras. Ele não precisa disto” Inovador da linguagem ao adotar uma forma de contar histórias unindo dimensões da linguagem como a jornalística e a cinematográfica, podemos encontrar em muitos de seus contos uma relação direta com um roteiro de cinema. Na entrevista ao JT, afirmou: “antes de aprender a ler, eu já ia muito ao cinema e já fazia filmes na cabeça. A sintaxe cinematográfica, usada na literatura, permite muitos macetes. Quando eu bolo uma história, ao mesmo tempo ela já se realiza na minha cabeça”. Apesar de sua proximidade como o cinema, a literatura de Rubem Fonseca foi pouco aproveitada pelo cinema. O destaque vai para a adaptação de A Grande Arte pelo jovem diretor Walter Salles Jr, em 1991. Rubem Fonseca adaptou o livro O Matador, de sua amiga e escritora Patrícia Melo, para o cinema. O longa, de 2003, contou com a direção de seu filho, José Henrique Fonseca. Já na televisão, o romance Agosto, ambientado no fatídico agosto de 1954 em que Vargas mete uma bala na cabeça, virou minissérie na Rede Globo. Na pele do protagonista, o inspetor Mattos, atua o canastrão José Mayer. Impagável está Toni Tornado como chefe da guarda pessoal de Getúlio Vargas, Gregório Fortunato. A HBO produziu recentemente a série Mandrake baseada em dois livros do escritor: A Grande Arte e Mandrake, a Bíblia e a Bengala.   Cinco décadas de literatura O ano é 1963 (há exatos 50 anos): um executivo da Light de 38 anos lança no Rio de Janeiro seu primeiro livro de contos, “Os Prisioneiros”. Aparentemente, fica difícil acreditar que este episódio iria revolucionar a temática e a narrativa da literatura brasileira da época. Mas Rubem Fonseca chegou carregando uma visão particular do cotidiano das cidades e demonstrando através de uma escrita sem rodeios o homem desesperado inserido em um modo de vida selvagem. Arredio com a imprensa brasileira, Rubem tem participado de eventos literários no exterior, esse foi em Lima, no Peru: As cidades em todas as suas contradições sofrem uma dissecação em suas mãos. O escritor Ítalo Calvino, em seu livro As Cidades Invisíveis, nos ajuda a entender a literatura de Fonseca: “as cidades como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas, e que todas as coisas escondam outra coisa”. José Rubem Fonseca nasceu em Juiz de Fora, em 1925. Residente no Rio de Janeiro e formado em Direito e Administração, talvez tenha nessa sua distância dos meios acadêmicos, literários e jornalísticos, a origem de sua escolha por uma visão particular e pragmática da função literária. Fugindo do isolamento, Rubem Fonseca saiu da toca no Rio de Janeiro  e discursou com veemência para um grupo de operários na inauguração de uma biblioteca no início de outubro:  O crítico Antônio Cândido

Um gênio sem lâmpada

Ontem (domingo), primeiro de dezembro, um dos maiores ícones da história do cinema, Woody Allen, fez 78 anos. Allen Stewart Konigsberg é premiado diretor da sétima arte, o cinema. De estilo excêntrico, ele ficou conhecido primeiramente em 1964 como comediante por aparições em programas televisivos e por sua crítica sempre bem humorada em jornais e rádios. Mantendo a incrível média de um filme por ano desde 1969, Woody Allen chegou às grandes telas por meio de um produtor que, de fato, achou o pequeno gênio um bom ator. Com isso, Allen foi convidado para estrelar uma paródia bem escrita de filmes de James Bond, “What’s New Pussycat” (título no Brasil: O que é que há gatinha?). Tarkovski e o planeta Água Reconhecido como grande ator em Hollywood e no mundo, seu primeiro grande sucesso chegou rápido. “Annie Hall” (1977) conta a história de Alvy Singer, um cidadão judeu, humorista e divorciado, que vai a uma psicóloga há quinze anos. Por uma paixão repentina pela personagem Annie Hall, interpretada por Diane Keaton, eles começam a firmar um relacionamento muito bom até a hora de decidirem morar juntos e começar o enredo do filme, ou seja, as crises conjugais. Para destacar bem o caráter humorístico de Woody, há uma célebre frase na fala de Alvy: “meu analista diz que exagero minhas memórias de infância, mas eu juro, fui criado debaixo da montanha-russa de Coney Island, no Brooklyn”. O filme rendeu à carreira do diretor três Oscars. Um de melhor filme, melhor roteiro e melhor direção. Além de um de melhor atriz para Diane Keaton. Allen tem uma maneira estranha de receber elogios e prêmios, já que não comparece a tais cerimônias. Deu o ar da graça em pouquíssimos eventos que envolviam seu nome ao cinema. Woody Allen foi, em 1986, indicado na categoria de Melhor Roteiro Original por “Hannah and her Sisters” (título no Brasil: Hannah e suas irmãs) e mais dezoito outras indicações e categorias distintas. Compareceu somente na cerimônia do Oscar em 2002, devido ao atentado do “11 de setembro” em Nova York, prestando uma homenagem aos residentes da cidade, da qual é um dos moradores mais célebres. Em 1979, Meryl Streep estrela seu clássico “Manhattan”, que conta a história de um escritor divorciado com a vida no fundo do poço. Sua mulher o largou para ficar com outra mulher. Ele escreve um livro em que relata as tramas sexuais do “ex-casal”. Mas existe um filme que este que vos fala acha um acontecimento apoteótico. “The Purple Rose of Cayro” (1985), (título no Brasil: A Rosa Púrpura do Cairo). Esta comédia  conta a história de uma garçonete, Cecilia, que, em plena “Grande Depressão” sustenta um marido bêbado, desempregado e violento com a personagem principal, interpretada por Mia Farrow. Cecilia tenta esquecer a vida e seus problemas assistindo a filmes e é quando assiste pela quinta vez “A Rosa Púrpura do Cairo”, o herói do filme sai da tela e a chama para uma nova vida. Todos os filmes do diretor são simplesmente obras-primas do cinema. Tantos como: “Broadway Danny Rose” (1984), (No Brasil: O Agente da Broadway), “Husbands and Wives” (1992), (No Brasil: Maridos e Esposas), “Mighty Aphrodite” (1995), (No Brasil: Poderosa Afrodite), “The Curse of the Jade Scorpion” (2001), (No Brasil: O Escorpião de Jade), “Match Point (2005), (No Brasil: Ponto Final), este filme em particular arrebatou várias críticas positivas, “Vicky Cristina Barcelona” (2008), “Midnight in Paris (2011), (No Brasil: Meia-noite em Paris). Por sua própria descrição, diz: “as pessoas sempre se enganam em duas coisas sobre mim: pensam que sou um intelectual (porque uso óculos) e que sou um artista (porque meus filmes sempre perdem dinheiro)”. Como poucos, ele vai do drama à comédia e ainda arrisca em ação e aventura, sem dúvidas, Woody Allen é uma fonte inesgotável de criatividade e ternura. Matheus Guimarães é estudante e apaixonado por cinema e bossa-nova.

O sacrifício dos cordeiros

Não é só de replicação da barbárie cotidiana que vive a TV aberta no Brasil. Outro “fenômeno” que se evidencia abusivo é a ocupação dos horários, de modo intermitente, por programas religiosos, no que se tem convencionado designar por igrejas eletrônicas, notadamente as do viés evangélico, sejam a Universal, Mundial, Renascer ou da Graça de Deus. “Em nome de Jesus”, tanto na TV quanto no rádio, país afora, o proselitismo de pastores visa acima de tudo conquistar novos adeptos. Contudo, o que se expande não são apenas os programas religiosos, exibidos nas emissoras comerciais em horários vendidos às igrejas e organizações religiosas pela considerável cifra dos R$ 500 mil a R$ 1 milhão mensais, mas, sobretudo, o número de emissoras religiosas: Rede Vida, Rede Canção Nova, Rede Família, Rede Boas Novas, Rede Gospel, Rede Super, etc, etc… Algo superior a 15 redes, com emissoras espalhadas por todo o pais, sob cobertura nacional via satélite. Sim, e em que pese as 142 possibilidades de enquadramento religioso previstas pelo censo. Outro dado significativo é o de que, “coincidentemente”, a predominância desses tipos de programações – a que explora a violência e a que ilude sob o manto da fé religiosa – ocorrerem em emissoras vinculadas a estas igrejas, notadamente a Record – uma broadcasting da Igreja Universal do Reino de Deus. Na conclusão a uma pesquisa feita em 114 nações e divulgada em 2010, o Instituto Gallup mostra a correlação entre o grau de religiosidade da população e a renda per capita: “Quanto mais religiosos são os habitantes de um país, mais pobre ele tende a ser”. Na contraface da pesquisa do Gallup, a sociologia sempre apostou na tese de que a pobreza é que facilita a expansão da religião. Segundo o monitoramento da programação das redes de TV aberta da ANCINE, a religião foi o principal gênero de programação na TV aberta brasileira em 2012 –  chegando a 13,55% da programação, a frente dos gêneros variedades (10,45%), telejornais (10,43%), musical (8,48%) e o telecompras (7,51%). Em alguns casos, o problema é mais grave, como na Bandeirantes (17%), CNT (37%), Record (23%), Rede TV (38%) e Gazeta (15%).   LEIA TAMBÉM “Deus também usa SMS”   Conforme o noticiário, desde o dia 9 de novembro, a Rede 21 inseriu na programação os programas produzidos pela IURD TV, produtora da Igreja Universal do Reino de Deus, substituindo a WS Music, da Igreja Mundial do Poder de Deus. A substituição aconteceu também no espaço que o grupo possuía nas madrugadas da Band. As mudanças são mais um capítulo da briga entre o bispo Edir Macedo e o apóstolo Valdemiro Santiago por espaço na mídia brasileira. Mundial e Universal disputavam nos últimos meses o contrato com o grupo Bandeirantes e, no fim das contas, o apóstolo Valdemiro Santiago foi desbancado pelo bispo Edir Macedo. Especula-se que o despejado tenha uma dívida de R$ 21 milhões e a inadimplência teria gerado o rompimento do contrato. O líder religioso despejado estaria pedindo R$ 200 milhões em indenização. Negocia-se também um retorno à grade em janeiro, quando as duas igrejas passariam a dividir o espaço da programação. Antes do rompimento, a Igreja Mundial controlava 21 horas diárias de programação na Rede 21, e as madrugadas (3h-6h) da Band. Estas últimas, negociadas em 2011 em uma jogada que retirou o pastor Silas Malafaia (Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo) da emissora paulista. As noites da emissora são divididas também com a Igreja Internacional da Graça de Deus (do pastor R.R. Soares). O Projeto de Lei de Mídia Democrática, defendido pelo Movimento de Democratização da Comunicação, prevê a proibição de arrendamentos de horários em concessões públicas de TV, veda a outorga a instituições religiosas e limita o tempo de veiculação de conteúdos religiosos. A denominada Igreja Eletrônica expandiu-se no Brasil a partir da década de 80. Seu formato, desde sempre, preconiza a trilogia “reza, cura e salvação”. A salvação é oferecida, como diríamos de uma mercadoria, em púlpitos de templos miraculosos e na vitrine desses programas (já não mais em outro mundo). Porém, via de regra, e até ungindo celulares, o que os pastores pretendem e têm conseguido, são as contribuições financeiras dos seus rebanhos de incautos, mas fiéis ouvintes e telespectadores – esses mesmos, os cordeiros em sacrifício. Albenísio Fonseca é jornalista. Conheça seu blog

Onde está a Bossa Nova?

Após a Proclamação da República, lá no século 19, a Semana de Arte Moderna de 1922 foi o único movimento cultural propriamente tupiniquim. Até os anos 50, o Brasil não respirava vanguarda, pelo menos musical. Bastou uma pequena participação de João Gilberto no disco Canção do Amor Demais de Elizeth Cardoso para as classes cariocas se perguntarem de onde vinha aquela batida diferente. Em 1958, um jovem baiano chamado João Gilberto lançou um compacto simples contendo duas músicas: Chega de Saudade (Tom Jobim/Vinicius de Moraes) e Bim Bom, do próprio João, que foi o marco oficial do movimento cultural chamado Bossa Nova. O lírico jazz de Stan Getz e a música brasileira No decorrer dos anos, a Bossa Nova passou de música elitista para popular brasileira. Com pérolas como “Garota de Ipanema”, “Samba de uma Nota Só”, “Corcovado”, entre outras, rompeu barreias e explodiu em 1959 com o LP Chega de Saudade do Papa da Bossa, João Gilberto. Por conter forte influência norte-americana, o movimento consistiu em uma cisão ideológica na década de 1960. Um grupo formado por Marcos Valle, Dori Caymmi, Edu Lobo e Francis Hime propôs que o gênero praieiro tivesse uma aproximação com o morro. Com isso, entraram no time nomes de peso como Zé Ketti, Cartola e, até o baião de João do Valle. Carlos Lyra, um grande nome da bossa, aderiu ao movimento ao compor a música Influência do Jazz. Assim como, em 1966, foi lançado o LP Os Afro-sambas de Vinicius de Moraes e Baden Powell. A segunda geração (1962-1966) foi marcada pela releitura do gênero carioca por nomes como Wilson Simonal, Nelson Motta, Paulo Sérgio Valle e outros tantos que contribuíram para o fortalecimento da Bossa Nova. Na verdade, em resposta ao título, não sei onde possa estar a Bossa mas posso lhes afirmar que ela não morreu ou sumiu, só está dando um tempo. Leny Andrade, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, Wanda Sá, Miúcha, Toquinho, Nara Leão ainda tocam nossos corações e ouvidos com suas interpretações. Na Terra do Sol Poente, nos elevadores do país do Tio Sam ou até nos bunkers alemães, ainda soam as velhas notas de um velho violão de uma velha nação. Que o Beco das Garrafas nunca desapareça e que as pedras do Arpoador sejam sempre a da grande Bossa Nova.   Matheus Guimarães é estudante e apaixonado pela música brasileira

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