Zona Curva

Cultura

O jornalista e escritor Fausto Wolff escreveu: “cultura é arma de defesa pessoal”, esse é o guia dos textos aqui publicados.

O resumo de tempos idos (ou não) com o cartunista Fortuna

Com economia de traços, os desenhos de Fortuna sintetizavam com fina ironia o cenário político e comportamental brasileiro. Seus trabalhos ocuparam as páginas da imprensa, tanto da alternativa como da tradicional, entre os anos 60 e 90: PIF-PAF, O Cruzeiro, O Pasquim, Correio da Manhã, Folha de S Paulo, Senhor, entre outras. O cartunista e professor Gilberto Maringoni conta que para conseguir desconto no preço dos cartuns de Fortuna, alguns editores o provocavam: “você fez isso em quinze minutos”. Ele retrucava: “fiz em quarenta anos mais quinze minutos, que foi o tempo necessário para eu chegar a essa síntese”.   Fortuna, segundo o PIF-PAF: “Seu nome foi roubado à famosa deusa de Famagusta, aquela que tem na mão a Cornucópia – com licença da palavra. Fortuna é realmente um humorista nato. Muita gente preferia que fosse um humorista morto mas ele ainda chega lá. Em criança também tinha mania de fazer brincadeiras com os pais, das quais ainda conserva inúmeras cicatrizes. Até hoje continua roxo por uma piada, sobretudo no dia seguinte. Com pouco mais de trinta anos, já é descendente, vivo e antepassado. Vive com a mulher no regime de separação de bens (“Meu bem prá cá meu bem pra lá”). Tem um filho enorme, o que prova que mesmo um subdesenvolvido é capaz de grandes coisas quando as faz com amor”. Leia texto sobre o PIF-PAF, revista que mostrou os caminhos para a imprensa independente. Fortuna viveu até seus 14 anos em São Luís onde nasceu. Na capital maranhense, subia as ladeiras à procura do semanário A Manha, do Barão de Itararé  nas bancas de jornais, não perdia um exemplar. Filho único, mudou com a mãe para o Rio de Janeiro após perder o pai. Ainda adolescente, publicou seus primeiros trabalhos na revista infantil do Sesi (“Sesinho”) e A Cigarra no final da década de 40. Uma década depois, fez parte da revista Senhor, que marcou época na imprensa. 10 grafites para (tentar) entender o hoje Nos anos 50, o trabalho de Fortuna foi influenciado pelo romeno Saul Steinberg, reconhecido como um dos maiores chargistas do mundo, principalmente pelo seu trabalho na revista New Yorker. Em 1964, no PIF-PAF, Fortuna ironizava os militares e o golpe de Estado. No início dos anos 70, Fortuna muda-se para São Paulo e assume a direção da redação da revista Cláudia, onde dava conselhos às leitoras sob o pseudônimo de Ana Maria. Fortuna morreu no dia 5 de setembro de 1994, aos 63 anos, de um fulminante ataque cardíaco, em São Paulo. No ano passado, o caricaturista Cássio Loredano com a ajuda do filho de Fortuna, Felipe, organizou o trabalho do desenhista no livro Fortuna – o cartunista dos cartunistas pela editora Pinakotheke. Charges no período da ditadura militar:  

Quando Fellini sonhou com Pasolini

por Roberto Acioli de Oliveira “Desse ponto em diante,  podemos dizer que para Fellini a vida é sonho” Tullio Kezich, a respeito da influência de Jung sobre o cineasta (1). Súbito Vazio Psíquico Fellini e Pasolini – O ano era 1954, restavam apenas vinte dias para a conclusão das filmagens de A Estrada da Vida (La Strada). Federico Fellini mergulhou numa profunda depressão que descreveria mais tarde como uma explosão, um súbito vazio psíquico. Anos depois, Fellini ainda se referia ao episódio como “uma espécie de Chernobyl psíquico”. Subitamente, todas as ansiedades dos tempos de criança reaparecem. Na época Fellini escondeu o fato, temendo que Dino De Laurentiis, o produtor do filme, cancelasse todo o projeto. Giulietta Masina, sua esposa, percebeu o que estava acontecendo mesmo que Fellini tenha tentado esconder dela também. Muitas noites de insônia passaram a povoar o cotidiano do cineasta, que vivia em constante temor do colapso total. Giulietta chamou um psicanalista. Na primavera de 1954, a chegada de Emilio Servadio na casa de Fellini marca a entrada oficial da psicanálise no mundo do cineasta italiano. “É como se alguém, sem qualquer aviso, apagasse as luzes subitamente”  Federico Fellini sobre depressão (2). A psicanálise, conclui Tullio Kezich, crítico de cinema do jornal Corriere della Sera, entra na vida de Fellini como um pronto-socorro, não como um interesse intelectual. Servadio sugere que o cineasta se acalme e siga com as filmagens, terminar o filme era essencial. Fellini iniciou o tratamento após a estreia de A Estrada da Vida, mas disse que só compareceu a duas sessões e não gostou da relação entre paciente e analista. O som do relógio que marcava o final de cada sessão era como um regulamento burocrático e achou o divã sufocante. Certo dia, Servadio vê seu paciente correr para a janela do consultório à procura de ar. A tempestade de verão que desabava lá fora foi a desculpa do cineasta para escapar. Muito tempo depois, Servadio questionou a versão dos fatos fornecida por Fellini. Foram mais de duas sessões, e não foram inúteis. Não havia uma tempestade naquele dia, embora tenha ocorrido algo realmente importante: Fellini era um caso clássico de “fuga para a cura”(3).  O Insaciável Dragão de Fellini “Uma mulher possui uma mensagem, e o prazer da vida está na espera  pela  mensagem, não pela mensagem propriamente dita” Fellini (4). Fosse real ou imaginária, o que aconteceu durante essa tempestade? Fellini disse que se refugiou numa árvore, quando surgiu uma lindíssima mulher com um guarda-chuva oferecendo abrigo. Ela parecia ter saído de uma revista de moda! Ela passará a ser identificada como a “mulher felliniana” por excelência. Depois da chuva, o casal continuou a se encontrar e separar durante alguns anos. As mulheres sempre foram importante assunto na vida de Fellini. Ele estava sempre fazendo piadas sobre sexo e considerava o amor uma “feliz obsessão”. Vivia desenhando cenas eróticas e pornográficas em guardanapos de papel, mas seus amigos costumavam dizer que Fellini “fala muito e faz pouco”. O cineasta respondia ameaçando expor seu “insaciável dragão” escondido dentro da calça! Ainda assim, Kezich garante que nada seria capaz de abalar os laços de seu casamento com Giulietta Masina (5). “A traumática iniciação sexual do jovem Fellini foi num bordel e teria gerado  uma intratável “ansiedade em relação ao sexo” (6). De acordo com Kezich, Fellini só foi infiel a Giulietta Masina duas vezes: com Lea Giacomini e Anna Giovannini. Lea chegou a ameaçar o casamento, ele não resistia à sensualidade dela. Baseado em conversas e meias confissões que obteve, Kezich sugeriu que Lea inspirou a criação de Emma – a namorada de Marcello Rubini, em A Doce Vida (La Dolce Vita, 1959). Insegura ao extremo, Marcello se vê obrigado a provar incessantemente que a ama, embora não aprove a concepção que ela tem de um relacionamento afetivo. Emma tentará se suicidar. Kezich definiu Lea como uma “personalidade difícil”. Alguns sugerem que a cena em que (para variar) o casal estava brigando teria sido baseada em fato real. Marcello acaba mandando ela embora numa estrada deserta. Em seguida, a chama de volta, ela não quer voltar para o carro. Mas então volta, e aí começa outra discussão. Desta vez Marcello a expulsa de vez do carro. É quase dia quando ele volta para buscá-la. Os dois, este é o ponto, são irredutíveis. Para cada um, apenas a fantasia do outro é que é uma fantasia! O detalhe é que os gritos e argumentos de Emma não teriam sido nada perto da reação violenta de Lea – que apedrejou o carro de Fellini. Marisa, o “trem sexual” de A Voz da Lua (La Voce della Luna, 1990), também parece ter sido inspirada pela exuberância de Lea – ainda que nessa época ela já tivesse morrido num hospital psiquiátrico. Segundo Kezich, os únicos rastros conhecidos de Lea são alguns desenhos feitos por Fellini. Lea era passional e violenta. Fellini reagiu da única forma que sabia, criou Emma, uma personagem de A Doce Vida, insegura ao extremo e suicida. O caso com Anna Giovannini seria ainda mais intenso e longo. Fellini a chamava de la Paciocca – uma pessoa carnuda e animada. Foi em 1957, e ela largou seu emprego de caixa numa farmácia a pedido dele – para ficar disponível. Kezich afirma com certeza que Anna e sua voluptuosa figura foram o modelo para Carla, a espirituosa e charmosa amante de Guido Anselmi em Fellini 8½ (Otto e Mezzo, 1963). Apesar da intensidade do caso, Anna nunca ameaçou o casamento do cineasta, mesmo que Giulietta – alertada por almas bem-intencionadas de plantão – estivesse enciumada. Existe até uma referência ao caso em Julieta dos Espíritos (Giulietta Degli Spiriti, 1965), na cena em que Giorgio, o marido infiel, é seguido e filmado por um detetive. Anna inspirou a criação de Carla, que parecia mais independente do que ela. De acordo com Anna, em nome de seu amor Fellini a “rodeava com nada” (7). Fora Lea e Anna, Kezich disse que a vida secreta do cineasta estava mais para o cômico. Disse também que Fellini adorava “atuar” em seus flertes como o grande sedutor – que ele

O samba de resistência de Candeia

por Fernando do Valle Candeia  – Como um manifestante, o sambista Antonio Candeia Filho, o Candeia, liderava as rodas com os bambas do samba de megafone na mão sobre a cadeira de rodas, resultado de um tiro que atingiu sua medula óssea na época em que trabalhava como policial civil. O incidente aconteceu em dezembro de 1965, na abordagem de um caminhão que não parou, Candeia esvaziou o revólver nas rodas do veículo, o carona do motorista do caminhão o surpreendeu com cinco tiros. Oito anos após a troca de tiros, Candeia abandonou a polícia e dedicou-se exclusivamente ao samba. Com quase dois metros de altura, Candeia era um policial severo e certa vez em um salão de sinuca pediu os documentos de Paulinho da Viola. Seu contato com a música começou cedo, seu pai, Antônio Candeia, tipógrafo, era também flautista e integrante de comissões de frente de escolas de samba. Nos aniversários do pequeno Candeia, o pai organizava rodas de samba para os amigos adultos, regadas à cachaça e feijoada, essa convivência levou Candeia a esboçar seus primeiros sambas com 13 anos. Antônio Candeia Filho nasceu em 17 de agosto de 1935 na cidade do Rio de Janeiro, morreu também no Rio em 16 de novembro de 1978 aos 43 anos. No samba Dia de Graça, Candeia utiliza a música popular para expor as entranhas da injustiça social em que vive o negro brasileiro, que mostra “a imponência de um rei” na passarela no carnaval, mas que “depois da ilusão … volta ao humilde barracão”. A letra clama a mudança daquela triste situação: “negro, acorda, que é hora de acordar”: A mãe beata tinha orgulho do filho coroinha na Igreja de São Luiz em Madureira, só mais tarde Candeia se encontrou com suas origens africanas no candomblé e na capoeira e orgulhava-se de ser filho de Oxóssi e Oxum.  Ainda adolescente, aprendeu a tocar violão e cavaquinho e passou a participar das reuniões de sambistas na casa de Dona Ester, em Oswaldo Cruz. Aos 17 anos, compôs o primeiro samba-enredo para a Portela, “Seis datas magnas”, em parceria com Altair Marinho. O samba consagrou a escola campeã com nota máxima em todos os quesitos no carnaval de 1953. Um dos grandes sambistas da história da Portela, Candeia fundou o Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo no subúrbio de Acari, mais de duas décadas após sua composição nota 10 com apenas 17 anos. O sambista achava que os sambas sofriam um processo de descaracterização e se afastavam de suas raízes afro-brasileiras. Na época, o músico dirigia a ala de compositores da Portela e escreveu um manifesto contra o desvirtuamento das tradições e foi ignorado pelos outros dirigentes da escola. Hoje sua filha Selma preside a escola de samba Quilombo, que também é um centro de cultura negra. “Preciso me encontrar” de Candeia na interpretação de Cartola: “Minha gente do morro”, de Candeia, por Clara Nunes:   O disco “Samba de Roda” (1975) completo: Documentário Partido Alto, de Leon Hirszman: A força do Brasil mestiço no canto de Clara Nunes

A revolta do escritor Lima Barreto contra o racismo

Lima Barreto – Ainda estudante da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, onde entrou em março de 1897, o escritor mulato Lima Barreto desiste de participar de uma estudanta, ato de rebeldia dos alunos da escola de elite. Consciente do racismo, Lima explica em conversa com um colega o motivo que o levou a desistir de pular o muro em companhia de seus colegas para assistir a uma montagem da ópera Aída de Verdi no Teatro Lírico:  “Todos haviam topado a estudantada. Todos, menos Lima Barreto. Este não tivera a coragem de pular o muro. Depois do ensaio geral, Nicolao Ciancio teve de ir sozinho para casa — a pensão de Madame Parisot. E ali chegando, cantarolando, como bom italiano, os últimos trechos de Aída, encontrou o amigo deitado, lendo. O diálogo que se seguiu e vai adiante transcrito foi reconstituído pelo próprio Nicolao Ciancio. Ei-lo sem alteração de uma vírgula:  — Por que você não veio? — Para não ser preso como ladrão de galinha! — ?! — Sim, preto que salta muros de noite só pode ser ladrão de galinhas! — E nós, não saltamos? — Ah! Vocês, brancos, eram ‘rapazes da Politécnica’. Eram ‘acadêmicos’. Fizeram uma ‘estudantada’… Mas, eu? Pobre de mim. Um pretinho. Era seguro logo pela polícia. Seria o único a ir preso”. (extraído do livro A Vida de Lima Barreto, de Francisco de Assis Barbosa) Afonso Henriques nasceu numa sexta-feira 13, a de maio de 1881, exatos 7 anos antes da abolição da escravatura, pobre, negro e alcoólatra, sofreu na pele as agruras do preconceito dos literatos, acadêmicos e jornalistas. Mas não se fazia de rogado, já na Politécnica, Lima escreve ácidos artigos na revista universitária A Lanterna, onde não poupa os vaidosos professores, sob o pseudônimo de “Momento de Inércia”. Em seu diário íntimo, Lima frequentemente desabafava sempre o mesmo como um mantra: “é triste não ser branco”. Da sua revolta, nasceu uma literatura voltada para os personagens do subúrbio. Também praticou um jornalismo de resistência como na pequena Revista Floreal. No primeiro número da revista, Lima escreve que a publicação era “contra o formulário de regras de toda sorte, que nos comprimem de modo tão insólito no momento atual”. O primeiro número da revista vendeu apenas 38 exemplares, a Floreal não passou do quarto número. Foi ali que Lima publicou trechos de uma de suas obras mais contundentes, Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909), que narra as agruras de um jornalista negro e pobre no início de carreira. O livro é brutal, um grito contra a hipocrisia e um ataque aos medalhões da imprensa. Sem dúvida, o livro foi baseado na experiência de Lima no jornal Correio da Manhã. Antes do Correio, em 1903, Lima teve uma péssima experiência na Revista de Época, onde se viu obrigado a tecer loas a alguns políticos, pediu demissão. Dois anos depois, a partir de abril, escreve reportagens para o Correio da Manhã. Saiba mais sobre o livro Recordações do Escrivão Isaías Caminha. “Não obedeço a teorias de higiene mental, social, moral, estética, de espécie alguma. O que tenho são implicâncias parvas; e só isso. Implico com três ou quatro sujeitos das letras, com a Câmara, com os diplomatas, com Botafogo e Petrópolis; e não é em nome de teoria alguma, porque não sou republicano, não sou socialista, não sou anarquista, não sou nada; tenho implicâncias. É uma razão muito fraca e subalterna; mas como é a única, não fica bem à minha condição de escriba escondê-las” (Lima Barreto). Com 22 anos, Lima tornou-se copista da Secretaria de Guerra, onde redigia minutas e avisos e copiava decretos. Trabalhou lá por 14 anos. Mas era nos cafés que Lima mantinha contato com artistas, escritores e políticos. Por lá circulavam também as cocotes, mulheres francesas com certa sofisticação cultural, no romance Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá, Lima escreve que elas tinham como missão “afinar a nossa sociedade”, abrutalhada por séculos de escravidão. Em seus textos jornalísticos, considerados precursores do jornalismo literário no país, Lima critica aspectos da vida social e política brasileira, desafia os cânones literários e esboça uma precursora visão anti-imperialista em relação aos norte-americanos: “Não dou cinquenta anos para que todos os países da América do Sul, Central e o México se coliguem a fim de acabar de vez com essa atual opressão disfarçada dos yankees sobre todos nós; e que cada vez se torna intolerável” (trecho de um dos textos jornalísticos de Lima Barreto, reunidos no volume Marginália). Atrás da acidez e da combatividade, escondia-se um ser melancólico que encontrou no álcool seu refúgio, que o matou aos poucos. Lima deixou de frequentar os cafés e passou a beber cada vez mais nos botequins por volta de 1911. Muitas vezes, depois de várias doses de cachaça, era encontrado por amigos dormindo na sarjeta. Chegou a ficar dois meses internado em um hospício quando perdeu o controle de seu vício. Morreu jovem, com apenas 41 anos, em 1 de novembro de 1922. Com apenas 7 anos, Lima foi levado pelo pai à missa campal para a celebração da Abolição da Escravatura. Mesmo sem compreender exatamente a importância daquele momento, a boa energia da festa ficou marcada em sua memória. Em 1911, Lima escreveu na Gazeta da Tarde: “fazia sol e o dia estava claro. Jamais, na minha vida, vi tanta alegria. Era geral, era total; e os dias que se seguiram, dias de folgança e satisfação, deram-me uma visão da vida inteiramente de festa e harmonia”. Lima lutou toda uma vida em busca daquela harmonia, fruto de uma autêntica esperança de uma convivência mais fraterna.   Violência contra pessoas negras denuncia a gravidade do racismo

A doutrina hollywoodiana contra os árabes

por Roberto Acioli de Oliveira   “Se pudermos ter shows de televisão e filmes que mostram a excitação e a importância da vida militar, eles podem ajudar a gerar uma atmosfera favorável para o recrutamento” (1) Kenneth Bacon, porta-voz do Departamento de Defesa dos Estados Unidos (Pentágono) durante o governo Bill Clinton O cineasta Theo van Gogh (bisneto do irmão do pintor Vincent van Gogh) apoiou a invasão do Iraque e teve problemas com os judeus por suas posições em relação ao Holocausto. Em 2004, Mohammed Bouyeri assassinou o cineasta em Amsterdã, na Holanda. Mesmo que Van Gogh nutrisse inimizades entre os judeus, o motivo foi um filme onde denunciava os maus tratos às mulheres no Islã. Tudo se encaixa, um muçulmano fanático mata um ocidental civilizado (e branco). Seria apenas mais uma manchete de jornal se não escondesse uma questão mais complexa. O escritor Jack Shaheen nos lembra que tudo em nossa vida começa com a repetição. Quando estamos estudando, até que possamos responder a tabuada sem pensar. Para decorar o alfabeto, datas históricas e fórmulas matemáticas. Poderíamos somar mais exemplos, como o condicionamento pela repetição que nos faz utilizar talheres nas refeições. Repetimos orações, repetimos nossa fala quando não somos compreendidos. Repetimos, repetimos, repetimos, repetimos, repetimos, repetimos, repetimos, repetimos. Há muito tempo que os brasileiros repetem que são brancos, que não vivemos num país racista. Estamos, aqui no Brasil, começando a repetir a ideia de que pobre e bandido são a mesma coisa! (Uma rápida olhada no Congresso Nacional seria suficiente para provar o contrário). Josef Goebbels, o Ministro da Propaganda de Hitler, disse certa vez: “Minta, minta que alguma coisa fica”. Todos os políticos e caluniadores em geral sabem disso, uma mentira repetida milhares de vezes acaba virando uma verdade. Aliás, Goebbels ajudou muito a disseminar a ideia de que o problema maior da Alemanha eram os judeus. Ele não inventou isso, apenas reforçou um sentimento xenofóbico presente entre os alemães. Deu no que deu. Atualmente, o governo de Israel repete que os palestinos nunca têm razão quando reclamam ou atacam aquele país. Aqui e ali, alguns tentam repetir a ideia de que o Holocausto não aconteceu. Aconteceu! É um fato! E agora acontece com os palestinos. É um fato! Onde, então, encontrar uma informação correta sobre os fatos? Na mídia? Faz tempo que aqueles que deveriam informar estão mais preocupados em prender o público com pílulas de notícias/bobagens até que venha o próximo intervalo – o que parece importar é o dinheiro do patrocinador. Aquilo que se chama comumente de consciência crítica deixa cada vez mais de ser vista como um elemento básico do ser humano, algo que o diferencia das baratas… Cada vez mais, o que parecem repetir é: sejam baratas, esse é que é o certo, o que está na última moda! Nada de reflexão, apenas repetição! De acordo com Shaheen, por mais de cem anos Hollywood utiliza a repetição como instrumento de aprendizagem-doutrinação das plateias mundo afora. Ele prova isso! Shaheen se refere especificamente a como os árabes são retratados por essa parte (hegemônica) da indústria norte-americana do cinema. A difamação é sistemática, os estereótipos e os clichês são tão abundantes que contaminam até as pessoas honestas e as políticas públicas norte-americanas. Essa capacidade de desumanizar um povo, já vista na Alemanha de Hitler, parece não incomodar ninguém, ocupados que estão a… entreter-se. Sim! Cinema é entretenimento… No Brasil, cuja indústria cinematográfica é sistematicamente sufocada, nem temos muita chance de fazer isso. No caso dos pobres no Brasil, nós, os espectadores, os entregamos ao sadismo pedante dos noticiários de uma tv que não esconde os interesses financeiros e políticos que fazem mais esse crime compensar. Existem alguns filmes brasileiros que mostram a pobreza. Que problematizam a pobreza e mostram (para quem ainda tiver neurônios funcionando) o que está por trás da desumanização do pobre/negro. Muitos não gostam desse tipo de filme, acreditam que denigre a imagem de nosso país. Mas, o que é um país? O que faz de nós um país? Porque incomoda tanto que tenhamos coragem de mostrar nossas entranhas? O cinema italiano do pós-guerra mostrou muito das mazelas sociais daquele país: desemprego, déficit habitacional, corrupção, banditismo, machismo, ausência de políticas públicas para os idosos e para os jovens. Em filmes como Vítimas da Tormenta (Sciuscià, direção Vittorio De Sica, 1946), Ladrões de Bicicleta (Ladri di Biciclette, De Sica, 1948), Milagre em Milão (Miracolo a Milano, De Sica, 1950), Umberto D (De Sica, 1952), A Terra Treme (La Terra Trema – Episodio del Mare, direção Luchino Visconti, 1948) e Rocco e Seus Irmãos (Rocco e i Suoi Fratelli, Visconti, 1960), a população daquele país, com uma ampla cultura cinematográfica, se enxergava na tela. Outra atitude possível seria falar apenas dos outros. Se você puder manipular a imagem dos outros e ainda por cima transformar tudo em… entretenimento, melhor ainda! Aparentemente, é isso que uma boa parte do cinema de entretenimento norte-americano decidiu fazer. O árabe, explica Shaheen, foi construído como o “outro”, aquele que os norte-americanos devem usar como modelo para marcar sua diferença. Todo o problema é que essa diferença foi construída artificialmente em torno de estereótipos e clichês que não correspondem à realidade. “(…) Visto através das lentes distorcidas de Holllywood, os árabes parecem diferentes e ameaçadores. Projetado junto com linhas raciais e religiosas, os estereótipos estão profundamente impregnados no cinema [norte-]americano. De 1896 até hoje, os cineastas acusaram coletivamente todos os árabes como inimigos públicos nº 1 – brutais, cruéis, fanáticos religiosos incivilizados e ‘outros’ culturais loucos por dinheiro propensos a aterrorizar ocidentais civilizados, especialmente cristãos e judeus. Muito aconteceu desde 1896 – o sufrágio das mulheres, a Grande Depressão, o movimento por direitos civis [nos Estados Unidos], duas guerras mundiais, as guerras da Coréia, do Vietnã e do Golfo, e o colapso da União Soviética. Durante tudo isso, a caricatura do árabe em Hollywood rondou a tela prateada. Ele está lá – repulsivo e não representado como sempre. O que é um árabe? Em incontáveis filmes,

Gênio da raça foi o violonista Garoto

Inconformado fico com o desprezo por Garoto entre os fãs de música, venerar o francês Django Reinhardt ou o gringo Robert Johnson pode, mas Garoto, apelido de Aníbal Augusto Sardinha, um dos maiores violonistas do mundo, não pode. O motivo só pode ser esse tal complexo de colonizado. Django e Robert são também mestres e formam com Garoto um belo trio de violonistas/guitarristas geniais da música popular da primeira metade do século passado. Garoto é uma daquelas figuras que Glauber Rocha costumava chamar de gênio da raça, a raça é essa nossa, nova raça brasileira, criada por aqui, abaixo do Equador. Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, nasceu na cidade de São Paulo em 28 de junho de 1915. Ele morreu no Rio de Janeiro em 1955, quase dois meses antes de completar 40 anos.   Com sua maneira de compor e interpretar o choro e o samba ao violão, Garoto deu um novo rumo à musica popular, apontando o caminho que alguns anos depois levaria à bossa nova. Garoto tocava bandolim, cavaquinho, violão tenor, guitarra havaiana, guitarra portuguesa e banjo. Com este último, destacou-se muito jovem, com apenas 11 anos, o que lhe rendeu o apelido de “O Moleque do Banjo”, que deu origem a alcunha pela qual ficou conhecido. O banjo lhe foi presenteado por seu irmão Batista, que também tocava o instrumento e era também violonista e cantor. Ainda criança, Garoto já trabalhava como ajudante numa loja de instrumentos no bairro do Brás, na cidade de São Paulo, para colaborar no sustento da casa. Filho do casal de imigrantes portugueses Antônio Augusto Sardinha e Adosinda dos Anjos Sardinha, Aníbal foi o primeiro a nascer no Brasil. O pai tocava guitarra portuguesa e violão. O quinto dos sete filhos da família Sardinha, que residiu por um longo período na Avenida Tamanduateí, no bairro operário Vila Economizadora, era considerado por Tom Jobim um dos pioneiros e “peça importante” da Bossa Nova. O compositor e violonista paulistano participou de inúmeros encontros musicais com bossa-novistas como o próprio Tom, além de Billy Blanco, Dolores Duran, Johnny Alf, Sylvia Telles, entre outros. Tocou também com Pixinguinha, Luiz Gonzaga, Baden Powell, Dorival Caymmi e Ary Barroso. Tom compôs um choro em homenagem ao músico, Garoto, que foi lançado em 1959 por Bené Nunes. Inspirado em suas andanças pelos subúrbios cariocas, Garoto compôs, sem dúvida, sua música mais conhecida, Gente Humilde, por volta de 1945. Nos anos 60, após a morte do violonista, em 1955, a música recebeu letra de Vinícius de Moraes. A música tinha uma letra original que nunca foi gravada comercialmente. Em 1970, Gente Humilde foi gravada por Chico Buarque e Ângela Maria, além de muitos outros como Maria Bethânia, Taiguara, Renato Russo. Ouça a versão de Baden Powell para “Gente Humilde”: Ainda adolescente, em 1930, Garoto já tocava banjo, bandolim e cavaquinho na Rádio Record como solista e no conjunto regional da emissora. Fez parceria também com o violonista Aymoré (José Alves da Silva) e tocou com Sylvio Caldas. Após tocar com vários músicos da época e tornar-se conhecido no ambiente musical de São Paulo e Rio de Janeiro, Garoto passou a comandar um programa próprio, o Garoto e seus instrumentos, na Rádio Cruzeiro do Sul em São Paulo por volta de 1938. Neste mesmo ano, acompanhou o cantor Moreira da Silva em cinco discos. No final de 1938, Garoto vai trabalhar na Rádio Mayrink Veiga, no Rio, onde lidera o Conjunto Cordas Quentes. Por lá, ao lado de outro violonista que também não ocupa o lugar que merece na história da música brasileira, o paulista de Miracatu Laurindo Almeida, Garoto formou a dupla do rythmo sincopado. Laurindo foi viver em Los Angeles em 1950 e gravou muitos discos com a orquestra de Stan Kenton e foi também um dos pioneiros na divulgação da música brasileira nos Estados Unidos, em especial da bossa nova. Em 1939, Garoto acompanha Carmen Miranda em turnê pelos Estados Unidos com o Bando da Lua. Os músicos norte-americanos se impressionam com o talento de Garoto e ele recebe o apelido de o Homem dos Dedos de Ouro do organista Jesse Crawford. Ao lado de Carmen e da banda Bando da Lua, apresenta-se na Casa Branca para o presidente Franklin Roosevelt. No retorno ao Brasil na Rádio Nacional, em 1942, Garoto ficou mais conhecido do grande público na orquestra comandada por Radamés Gnatalli no programa Um Milhão de Melodias, depois teve dois programas próprios: Garoto e seus Instrumentos e Garoto e Seus Solos. Em 1945, Garoto liderou o programa Bossa Clube e Clube Bossa. Em 15 de junho de 1948, Garoto passa pelas rádios Guanabara e Tupi e retorna à Rádio Record e à Rádio Nacional, onde forma o Trio Surdina ao lado de Chiquinho no acordeão e Fafá Lemos no violino e voz, que fez sucesso à época no programa Noite de Estrelas, criado por Max Nunes e Paulo Gracindo. Uma música inusitada na carreira de Garoto foi composta quando ele leu o poema Tema e Variações de Manuel Bandeira. Daí saiu “Bandeira sambista” que foi apresentada em 1955, ano de sua morte de ataque cardíaco, quando preparava uma excursão à Europa. – Tico-Tico no Fubá, de Zequinha de Abreu (1943):   – Tristezas de um violão : – Lamentos do morro: Fonte usada: Site Violão Brasileiro. (atualizado em 20 de junho de 2016) Taiguara livre e senhor de si

Roger Waters apela pelo cancelamento de show de Gil e Caetano em Israel

Roger Waters, ex-baixista e um dos fundadores do Pink Floyd, enviou uma carta para Gilberto Gil e Caetano Veloso pedindo para que os músicos brasileiros cancelem show marcado para o dia 28 de julho em Tel Aviv, Israel. Waters faz parte do movimento global BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) que pressiona Israel a devolver ao povo palestino os territórios ocupados. No início de maio, Lauryn Hill cancelou o show que faria em Israel. Lenny Kravitz e Carlos Santana também já cancelaram shows naquele país após pressão de grupos em defesa do Estado Palestino. Leia a carta: Caros Caetano e Gilberto, Quando olho para suas fotos, escuto suas músicas, leio a história de suas lutas pessoais e profissionais, lembro de todas as lutas de todos os povos que resistiram a um domínio imperial, militar e colonial através do milênio, que lutaram pelos aprisionados e pelos mortos. Nunca foi fácil, mas sempre foi certo. Em uma de suas músicas, Gil, você menciona o arcebispo Desmond Tutu. Eu não falo português, mas assumo que vocês dois aplaudam a resistência do arcebispo Tutu ao racismo e apartheid que acabaram derrubados na África do Sul. Eram dias impetuosos, quando a comunidade mundial de artistas estava lado a lado com seus irmãos e irmãs oprimidos na África. Nós, os músicos, lideramos o levante naquele momento, em apoio a Nelson Mandela, a ANC, ao povo africano oprimido e a todos os aprisionados e mortos. Estamos diante de uma oportunidade igualmente significativa agora. Estamos em um ponto culminante. Aqueles de nós que estamos convencidos que o direito a uma vida humana decente e à autodeterminação política devem ser universais estamos, em consonância com 139 nações da Assembleia Geral da ONU, focados na Palestina. Após o ataque brutal de Israel à população palestina de Gaza, no último verão, a opinião pública, acertadamente, pendeu a favor das vítimas, a favor dos oprimidos e dos sem privilégios, a favor dos aprisionados e mortos. O primeiro-ministro de Israel, Netanyahu, com seu governo de extrema-direita, lembra-me da história da “Nova roupa do imperador”; com certeza nunca houve um gabinete mais exposto em sua calúnia como este. Eles se condenam mais a cada fôlego, a cada discurso racista. “Olha, mamãe, o imperador está nu!” Tive a oportunidade, recentemente, de escrever uma carta a um jovem artista inglês, Robbie Williams; eu compartilhei com ele o destino de quatro jovens palestinos que jogavam futebol numa praia de Gaza, mortos por artilharia israelense. Por que eu traria à tona uma praia e futebol? Por quê? Porque eu amo o Brasil, eu tenho a praia de Ipanema nos olhos da minha mente; eu lembro de shows que fiz em São Paulo, Porto Alegre, Manaus e Rio. Como poderia esquecê-los? Eu tenho uma camiseta de futebol, assinada: “para Roger, de seu fã Pelé”. Quando estive aí pela última vez, uma criança inocente tinha acabado de ser morta, arrastada por um carro dirigido por criminosos que escapavam da cena do crime. O remorso nacional era palpável, era abrangente, vocês, todos vocês, importavam-se com aquela pobre criança. De tantas maneiras, vocês são um foco de luz para o resto do mundo. Como vocês sabem, artistas internacionais preocupados com direitos humanos na África do Sul do apartheid se recusaram a atravessar a linha de piquete para tocar em Sun City. Naqueles dias, Little Steven, Bruce Springsteen e cinquenta ou mais músicos protestaram contra a opressão cruel e racista dos nativos da África do Sul. Aqueles artistas ajudaram a ganhar aquela batalha, e nós, do movimento não-violento de Boicote, Desinvestimentos e Sanções (BDS) pela liberdade, justiça e igualdade dos palestinos, vamos ganhar esta contra as políticas similarmente racistas e colonialistas do governo de ocupação de Israel. Vamos continuar a pressionar adiante, a favor de direitos iguais para todos os povos da Terra Santa. Do mesmo modo que músicos não iam tocar em Sun City, cada vez mais não vamos tocar em Tel Aviv. Não há lugar hoje no mundo para outro regime racista de apartheid. Quando tudo isso acabar, nós iremos à Terra Santa, cantaremos nossas músicas de amor e solidariedade, olharemos as estrelas através das folhas das oliveiras, sentiremos o cheiro da madeira queimando das fogueiras de nossos anfitriões, estimaremos essa lendária hospitalidade. Mas, até que isso termine, até que todos os povos sejam livres, nós vamos fincar nosso emblema na areia, há uma linha que não cruzaremos, nós não vamos entreter as cortes do rei tirano. Caros Gilberto e Caetano, os aprisionados e os mortos estendem as mãos. Por favor, unam-se a nós cancelando seu show em Israel. Roger Waters   Em 2012, o grafiteiro inglês Banksy inglês retratou em um cartão de Natal como o vergonhoso muro construído por Israel para isolar a Palestina impediria o caminho de Maria e José se eles seguissem a estrela que os guiou de Nazaré (atual Gaileia) até a cidade de Belém, na Cisjordânia, onde nasceu Jesus: C           Colaborou Fernando do Valle. https://urutaurpg.com.br/siteluis/o-carnaval-da-tropicalia/  

Sem mais frutas estranhas

Nos anos 30, o professor e poeta Abel Meeropol lecionava na Dewitt Clinton High School em Nova Iorque e não conseguia esquecer a foto de Thomas Shipp e Abram Smith, dois jovens negros linchados e dependurados em uma árvore no estado de Indiana. Com a imagem na cabeça, Meeropol escreveu o poema “Strange Fruit”, que foi publicado no jornal do colégio. Anos mais tarde, a cantora Billie Holiday imortalizou seu poema. O poema revoltado do professor judeu de Nova Iorque (Meeropol) entoado pela força existencial e musical de Billie Holiday, uma cantora negra da Filadélfia, fez surgir um hino pela luta por igualdade dos negros nos bicudos tempos da segregação racial. Os estranhos frutos (“black bodies swinging in the southern breeze”) brotavam da cultura da intolerância e do racismo de Estado, em particular no sul dos Estados Unidos. Billie Holiday interpreta “Strange Fruit”: Foi o saxofonista Lester Young que apelidou Billie de Lady Day. Amigos, eles formaram um dos mais talentosos duos da história da música. Lester morreu poucos meses antes de Billie, em 1959. Saiba mais. Eleanora Fagan, conhecida como Billie Holiday, nasceu há 100 anos na Filadélfia em 7 de abril de 1915 e morreu em Nova Iorque no dia 17 de julho de 1959.  Em entrevista ao jornal Pasquim em julho de 1972, o escritor negro James Baldwin ressalta a importância da música negra norte-americana: “nós [os negros] demos o que essa cultura que você [o entrevistador Paulo Francis] insiste em chamar de americana tem de melhor, de mais aceita no mundo inteiro, a música”. Depois de ouvir Billie Holiday, quem ousa discordar de Baldwin. Billie sobreviveu a vários perrengues. Filha de pais adolescentes, abandonada pelo pai ao nascer, vítima de tentativa de estupro por um vizinho, prostituta aos 13 anos e viciada em drogas e álcool, Billie começou sua carreira imitando a cantora Bessie Smith, que idolatrava, em bares de Nova Iorque. Ela retirou seu nome artístico de seu pai, o músico Clarence Holiday, e da atriz Billie Dove, que admirava na infância. Billie se arriscou apenas uma vez no cinema. Em 1947, interpretou uma empregada doméstica, reflexo do preconceito existente na indústria cinematográfica à época, no filme New Orleans. Com talento para cantar, a personagem de Billie se envolve com um músico famoso, interpretado Louis Armstrong. Billie foi perseguida por anos pelo chefe do Departamento Federal de Narcóticos, Harry J. Anslinger, que colocava agentes no encalço da cantora. O policial Anslinger odiava jazz e acreditava que o ritmo não passava de “sons de uma noite na floresta”. Após algumas detenções, Billie foi internada no Hospital Metropolitano de Nova Iorque em maio de 1959 com problemas no fígado e coração. No hospital, recebeu voz de prisão e morreu aos 44 anos em 17 de julho de 1959 sob custódia policial no hospital, inclusive com agentes até dentro do quarto. Billie Holiday em “Please Don´t Talk About Me When I’m Gone” (1959) em sua última apresentação ao vivo: Em “Fine and Mellow”, de 1957, Billie canta acompanhada de uma espetacular banda com Gerry Mulligan, Coleman Hawkings e Ben Webster nos saxofones e outros talentosos músicos: “Crazy he calls me” (1949): Fonte usada: Open Culture. A revolta do escritor Lima Barreto contra o racismo Embarque no sax de John Coltrane

Toda mulher é meio Leila Diniz*

Bem-vindo ao Fatos da Zona, em que adaptamos os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre para o audiovisual. Neste vídeo, visitamos emocionados a memória da grandiosa Leila Diniz. Abordamos a história dessa figura icônica que enfrentou os costumes impostos pela ditadura e reformulou o que era esperado das mulheres de sua época.     1969 – Hermelina, Hermé para os mais chegados, casou virgem. Impaciente, ela aguarda seu marido no sofá da sala com o jantar servido na mesa, levanta, desliga a TV e volta a se sentar com o abusado hebdomadário Pasquim nas mãos. Na capa, a foto da atriz da última novela que assistiu com uma toalha na cabeça. Hermé lê a entrevista da atriz, sente um comichão, deixa um bilhete para o marido esquentar o jantar e vai dar uma volta na praia. Por lá, encontra amiga enfurecida com aquelas bobagens que aquela ‘atrizinha metida e prafrentex’ vinha falando. Para as mulheres do final dos anos 60, não havia alternativa, ou se tinha comichão ao ouvir o que pensava Leila Diniz ou raiva, muita raiva. Libertária, desbocada e dona de uma sensualidade cultivada em horas e horas de praia, Leila Diniz chutava o balde das carolas e caretas da época. O poeta Drummond resumiu o que ela representou pra sua geração: “Sem discurso nem requerimento, Leila Diniz soltou as mulheres de vinte anos presas ao tronco de uma especial escravidão”. “Casos mil; casadinha nenhuma. Na minha caminha, dorme algumas noites, mais nada. Nada de estabilidade”, Leila Diniz, em entrevista ao Pasquim. Se estivesse viva, Leila Diniz completaria 70 anos no dia 25 de março deste ano. Aos 24 anos, Leila foi entrevistada pela trupe do Pasquim, alguns deles seus amigos. A entrevista foi publicada no número 22 em 15 de novembro de 1969. Os 71 palavrões que Leila soltou durante a gravação foram substituídos por asteriscos. Jaguar, Tarso de Castro, Sérgio Cabral, Luiz Carlos Maciel e Paulo Garcez foram os entrevistadores. Obviamente os militares não gostaram da entrevista e baixaram decreto de censura prévia à imprensa que ficou popularmente conhecido como Lei Leila Diniz. Em programa da Rádio Batuta, do Instituto Moreira Salles, comandado por Joaquim Ferreira dos Santos, autor do livro “Leila Diniz: uma revolução na praia”, podemos ouvir trechos da lendária entrevista. “É gozado: meu pai, por exemplo, não fala palavrão. Lá em casa não se dizia nem cocô: a gente falava fezes. Tinha de ser tudo naquela base, que são palavras muito mais feias do que os palavrões. Mas o palavrão virou realidade em mim e quando as coisas são de verdade, as pessoas aceitam”, Leila ao Pasquim. Leila apaixonou-se pelo diretor de cinema Domingos Oliveira com apenas 17 anos. Já separados, em 1967, ela estrelou “Todas as Mulheres do Mundo”, filme de Oliveira.  Foi dirigida novamente pelo ex-marido em Edu, Coração de Ouro, em 1968. Antes, a atriz formou-se no magistério e dos 15 aos 17 anos de idade foi professora do maternal e jardim de infância no subúrbio carioca. Leila tornou-se um rosto conhecido ao participar das primeiras novelas da Rede Globo como Eu Compro Esta Mulher (1966) e O Sheik de Agadir (1966/1967), ambas de Glória Magadan, autora cubana radicada no Brasil. Leila atuou em 14 filmes e 12 novelas na TV. Não gostava muito de atuar no teatro: “acho teatro chato: aquela coisa de fazer toda noite a mesma coisa”. Em novembro de 64, teve um pequeno papel na peça O preço de um homem, de Steve Passeur, ao lado da atriz Cacilda Becker. Nascida em Niterói, Leila vivia entre Ipanema e Copacabana. Filha de Newton Diniz, dirigente do Partido Comunista, foi criada pela madrasta e pelo pai. Grávida de Janaína, de seu relacionamento com o cineasta Ruy Guerra, a atriz foi à praia por recomendação médica, que havia aconselhado banhos de sol para o bebê. Involuntariamente, Leila e sua barriga de oito meses nas areias do Rio simbolizaram a busca pela liberdade feminina em um país que vivia a opressão política e tentava se libertar da ignorância e do preconceito. Quando Janaína nasceu, Leila a amamentava em público. Na época, as feministas acharam Leila só uma porra-louca e a mulherada de direita “apenas mais uma mulher desfrutável”.  “Acho que cada um deve fazer o que lhe faz bem. Se você fumar maconha e achar que isso lhe cura, acho ótimo. O importante é amar as pessoas e sentir uma certa felicidade, apesar da zona ao seu redor”, Leila Diniz ao Pasquim. Além dos militares, a atitude libertária de Leila não agradava a cúpula das emissoras de televisão e ela passou a ser mais chamada com menos frequência para trabalhar na TV. Com isso, passou a participar de filmes de diretores que eram seus amigos como Nelson Pereira dos Santos, com quem filmou “Fome de Amor” em 1968. Sobre esses diretores, Leila disse: “a gente vai fazer cinema com quem a gente gosta… essa patota não tem dinheiro”. Com a grana curta, Leila chegou a abrir uma loja de batas indianas, moda na época. Leila morreu com apenas 27 anos em 14 de junho de 1972, quando retornava de um festival de cinema na Austrália, onde ganhou o prêmio de melhor atriz pelo filme Mãos Vazias. O DC-8 da Japan Airlines caiu no momento que sobrevoava a Índia. Sua filha Janaína tinha apenas sete meses.  “Eu espero amar ainda muitos homens na minha vida. Vou amar sempre… Você pode amar muito uma pessoa e ir pra cama com outra. Isso já aconteceu comigo”, Leila Diniz ao Pasquim.  Dalva de Oliveira canta e Leila dança:   “Eu estava dizendo que sou uma pessoa sem sentido porque meu sentido é esse: eu gosto de me divertir, pô”, Leila Diniz, em entrevista ao Pasquim. Fontes usadas: Livro O Pasquim, antologia volume 1 e Rádio Batuta. * Título retirado da música “Todas as mulheres do mundo” de Rita Lee. Documentário sobre Leila Diniz apresenta atriz para os jovens Viva Pagu A valorização da mulher numa campanha eleitoral mais preocupada com o passado  

 Huxley em sua última viagem

Huxley – Sempre me intrigou o que o escritor inglês Aldous Huxley viu do outro lado quando morreu aos 69 anos e chegou do lado de lá chapado de ácido e preparado para uma verdadeira iluminação espiritual. Acamado pelo câncer, sua segunda esposa Laura lia para ele o manual de Timothy Leary baseado no Livro Tibetano dos Mortos, que apronta os moribundos para um proveitoso despertar da alma no post mortem, e injetou duas doses de 100 microgramas de LSD no dia de sua morte. Poucas horas antes do falecimento do escritor, o presidente norte-americano John Kennedy acabava de ser assassinado em Dallas naquele 22 de novembro de 1963. Enquanto a equipe médica que cuidava de Huxley chocava-se com o crime em frente à TV na sala da casa do escritor, em Los Angeles, no quarto, Laura incentivava a experiência desejada pelo marido (ela relatou detalhes da morte de Huxley em uma carta) e após aplicar a segunda dose de LSD em um Huxley inconsciente, contou o que disse na beira da cama: – Vá, vá, você vai, querido; para a frente e para o alto. Você está indo para a frente e para o alto; você está indo na direção da luz. De bom grado e conscientemente você está indo, está indo tão lindamente – está indo na direção da luz. Está indo na direção de um amor maior. Está indo para a frente e para o alto. É tão fácil, tão bonito. Você está indo muito bem, tão fácil. Leve e livre. Para a frente e para o alto. Você está indo na direção do amor de Maria com o meu amor. Você vai na direção de um amor maior do que você já conheceu. Você está indo na direção do melhor, do amor maior, e é fácil, é tão fácil, e você está indo tão lindamente”. Será que essa preparação mental e espiritual transformou a morte de Huxley em uma experiência diversa da dos outros mortais? A consciência alterada pelo LSD trouxe melhor entendimento do abandono do corpo físico (se é que ele existe)? Os preparativos de Huxley colaboraram para uma melhor compreensão do significado da morte para o espírito (se é que ele existe) de Huxley? Somente algumas perguntas que surgem da experiência do escritor. Huxley nasceu em uma família de intelectuais. Por parte de mãe, ele era parente do escritor Matthew Arnold (1822-1888), crítico e professor de poesia da Universidade de Oxford. Seu avô, Thomas Henry Huxley (1825-1895), foi um conhecido naturalista e defensor das teorias evolucionistas de Darwin. Seu irmão, Julian Huxley (1887-1975), era biólogo e filósofo. Um dos trabalhos mais conhecidos de Huxley, o romance distópico Admirável Mundo Novo, foi lançado em 1931 quando o escritor morava na Itália. Ele escreveu outros livros como A Ilha (1962), Contraponto (1928) e As Portas da Percepção (1954). Neste último, o escritor relata suas experiências com a mescalina, alucinógeno natural extraído do cacto peiote e usado originalmente em ritos indígenas. Em 1956, Huxley complementou seu trabalho com outro ensaio sobre morte e religião, Céu e Inferno. Ambos os textos passaram a ser publicados no mesmo livro a partir de então. Pioneiro, o livro foi considerado um dos precursores da contracultura, que usou drogas alucinógenas para a expansão da consciência anos mais tarde. Conheça a história do ônibus psicodélico do escritor Ken Kesey.  “É para o mundo exterior que abrimos os olhos todas as manhãs, é nele que, de bom ou mau grado, temos de procurar viver. No mundo interior, não há trabalho nem monotonia. Visitamo-lo apenas em sonhos e devaneios, e sua singularidade é tal que nunca encontramos o mesmo mundo em duas ocasiões sucessivas” (Huxley em As Portas da Percepção) Huxley passou a viver em Los Angeles em 1937 e se aproximou do Hinduísmo, Budismo, meditação e filosofia oriental, o que passou a influenciar seu trabalho. Sua paixão pelo poeta inglês William Blake (1757-1827) também o inspirou para o início de suas experiências com a mescalina, Blake sempre mesclou espiritualidade com literatura e já aos 9 anos, tinha visões de anjos. O título de Portas da Percepção foi retirado de trecho de poema de Blake: “se as portas da percepção estivessem limpas, tudo apareceria para o homem tal como é: infinito”. A banda The Doors sacou seu nome também do poema. Resumidamente, em “As Portas da Percepção” Aldous Huxley explica como o cérebro filtra o que vemos, fazendo com que deixemos de lado muitas informações e como podemos superar essas limitações em busca de uma vida mais plena. “A função do cérebro e do sistema nervoso é proteger-nos, impedindo que sejamos esmagados e confundidos por essa massa de conhecimentos”, escreveu Huxley em seu livro. Huxley foi entusiasta do uso responsável do LSD como catalisador dos processos mentais em busca de desenvolvimento humano. Ele começou suas experiências com LSD em 1955. Na época da morte de Huxley, o LSD era legal na Califórnia, três anos depois, passou a ser proibido. “Parece extremamente improvável que a humanidade, de um modo geral, jamais seja capaz de passar sem Paraísos Artificiais. A maioria dos homens e mulheres leva uma vida tão sofredora em seus pontos baixos e tão monótona em suas eminências, tão pobre e limitada, que os desejos de fuga, os anseios para superar-se, ainda por uns breves momentos, estão e têm estado sempre entre os principais apetites da alma. A arte e a religião, os carnavais e as saturnais, a dança e a apreciação da oratória, tudo isso tem servido, na frase de H. G. Wells, de Portas na Muralha. E na vida individual, para uso cotidiano, sempre houve drogas inebriantes. Todos os sedativos e narcóticos vegetais, todos os eufóricos derivados de plantas, todos os entorpecentes que se extraem os frutos ou raízes, todos, sem exceção, são conhecidos e vêm sendo sistematicamente empregados pelos seres humanos, desde épocas imemoriais”. (Huxley em As Portas da Percepção) Assista ao breve vídeo sobre a morte de Huxley: Huxley: a essência do homem dominado pelo medo é a perda de sua humanidade E

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