Zona Curva

Ditadura nunca mais

Textos sobre fatos e pessoas que marcaram a resistência durante o período da ditadura civil-militar no Brasil

#Ditaduranuncamais

Instituto Vladimir Herzog denuncia Bolsonaro na ONU por comemorações do golpe de 64

Bem-vindo ao Fatos da Zona, onde adaptamos icônicos textos do site do Zonacurva Mídia Livre. Explore a extraordinária vida de Vladimir Herzog, ícone da luta pela justiça e liberdade no Brasil durante a ditadura militar. Neste vídeo, mergulhamos nos momentos cruciais de sua trajetória e em seu compromisso incansável com a verdade e a democracia.   O Instituto Vladimir Herzog (IVH) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entraram na útlima sexta, dia 29 de março, com uma petição junto à Organização das Nações Unidas (ONU) para denunciar a decisão do presidente Jair Bolsonaro de comemorar o aniversário do golpe militar de 1964. O documento denuncia a tentativa do presidente e de outros membros do governo, como o chanceler Ernesto Araújo, de modificar a narrativa histórica do golpe que instaurou uma ditadura militar que, durante 21 anos, aterrorizou o país com  gravíssimas violações de direitos humanos, como perseguições, prisões arbitrárias, torturas, desaparecimentos e assassinatos. Para o IVH e a OAB, esses atos cometidos no mais alto nível do Estado representam violações dos direitos humanos, do direito humanitário e colocam sob ameaça a democracia. Como se não bastasse, a comemoração de um período tão difícil na história do país constitui uma violação dos tratados aos quais o Brasil passou a fazer parte depois de retornar à democracia. Diante disso, o IVH e a OAB pedem para os relatores que a ONU cobre explicações do presidente Jair Bolsonaro sobre as recomendações em relação ao golpe de 1964. Além disso, é esperado que as Nações Unidas se manifestem publicamente sobre a importância do direito à memória e à verdade e, mais especificamente, sobre a necessidade de se manter viva a lembrança das atrocidades cometidas durante o regime militar, a fim de evitar qualquer tentativa de revisionismo histórico.   Fonte: Instituto Vladimir Herzog. A morte de Vladimir Herzog e o Brasil que não queremos

Documentário Pastor Cláudio escancara a violência da Ditadura

Cláudio Guerra – O documentário “Pastor Cláudio” estreia amanhã, dia 14 de março, e mostra o encontro de Cláudio Guerra, ex-delegado e agente da ditadura civil-militar, e Eduardo Passos, psicólogo que atende vítimas da violência de Estado. Cláudio Guerra é réu confesso de assassinatos de opositores ao regime de exceção que o país amargou por 21 anos. Beneficiado pela Lei de Anistia, Guerra atualmente está solto e atua como pastor evangélico. Ele relata como atuava no desaparecimento dos corpos dos militantes políticos no período da Ditadura. “Neste filme propus uma conversa entre Cláudio e Eduardo durante a qual se projetam as imagens, permitindo-nos ver a vinculação de Cláudio à violência do Estado praticada naqueles anos, além de perceber sua frieza aterradora”, explica a diretora  Beth Formaggini. “A interação dos dois personagens e as cenas e fotos no telão, que também são projetadas no corpo de Cláudio, trazem à tona memórias e reflexões sobre a banalidade do mal e seus desdobramentos. A violência dos homens e do Estado continua a nos assombrar até hoje no Brasil e no mundo”, prossegue. Em 2012, foi lançado o livro “Memórias de Uma Guerra Suja”, em que Rogério Medeiros e Marcelo Netto reuniram depoimentos de Cláudio Guerra. “Pastor Cláudio” venceu o prêmio de melhor filme no Festival de Vitória 2018 e participou do Festival Internacional de Cinema Documental no Equador (2018), Festival Kinoarte de Cinema (2018), da mostra Brasil em Movimento (França, 2018), Festival Internacional de Mulheres no Cinema – FimCine (2018), Festival do Rio (2017), entre outros. Assista ao trailer: Com informações da assessoria de imprensa Primeiro Plano. Cabo Anselmo no seu obituário Ex-delegado Cláudio Guerra revela envolvimento de coronel da ditadura militar na morte de Zuzu Angel Arquivos da ditadura e memória subversiva A morte de Vladimir Herzog e o Brasil que não queremos Romeu Tuma Jr. depõe no caso do sumiço de Edgar Duarte https://urutaurpg.com.br/siteluis/lider-estudantil-honestino-guimaraes-foi-morto-pelo-regime-militar-em-1973/ Iara Iavelberg e sua luta contra a ditadura militar Canto de liberdade para José Amaro Correia  

Médici corrupto

O ex-presidente Médici é pouco estudado, mas muito lembrado. Deixou raros documentos e entrevistas, mas sua memória é cultuada por muitos. É lembrado por ter presidido o “milagre brasileiro” (altas taxas de crescimento do PIB entre 1969 e 1973). Sua popularidade cresceu com a conquista da Copa do Mundo em 1970 pelo Brasil. Era aplaudido nos estádios de futebol. Nas margens do que resta da Transamazônica ele ainda é bem visto. Sua foto ainda está em alguns sindicatos de trabalhadores rurais por conta da criação do Prorural em 1971. Sabemos, entretanto, que Médici foi um militar rígido, implacável com a luta armada que houve no Brasil no final dos anos 1960 e início dos anos 1970. Em uma rara entrevista que deu, em 1982, disse que o combate à luta armada “foi uma guerra que aceitamos” e se vangloriou: “Eu acabei com o terrorismo neste país. Se não aceitássemos a guerra, se não agíssemos drasticamente, até hoje teríamos o terrorismo”.[1] Antes de ser presidente da República, ainda durante o governo de Costa e Silva (1967-1969), Médici chefiou o Serviço Nacional de Informações (SNI). Ele estava nesse cargo quando aconteceram as famosas manifestações de 1968. No auge das passeatas, em junho de 1968, o presidente Costa e Silva não queria recorrer a novo ato institucional (o AI-2, decretado em outubro de 1965, deixara de vigorar no dia em que ele tomou posse), mas Médici julgava necessário, “sem tardança, tomar medidas concretas de segurança, agindo energicamente contra os elementos que ameaçam a integridade do governo”.[2] Para conhecer Médici, podemos recorrer a arquivos históricos no exterior, como os norte-americanos. Os documentos sigilosos norte-americanos sobre outros países são liberados aos poucos. Alguns são digitalizados e estão no site do arquivo nacional dos Estados Unidos. Outros são divulgados na publicação The Foreign Relations of the United States (que não necessariamente coincide com o que está no site, mas também está disponível na internet). Corrupção na construção da usina de Itaipu pode ter motivado a morte do embaixador José Jobim Para consultar tudo, entretanto, é preciso ir ao arquivo em Washington de vez em quando. Nunca sabemos quando algo novo é colocado nas caixas e, além disso, os critérios utilizados pelos arquivistas norte-americanos para escolher os arquivos a serem digitalizados ou publicados são erráticos. Enfim, a única maneira de encontrar os melhores documentos é visitando o National Archives and Records Administration, em College Park (cidadezinha perto de Washington), e ficar lá olhando, com paciência, caixa por caixa. Preparando minha próxima visita, encontrei algo sobre o general Médici que ainda não tinha visto. Em 20 de abril de 1967, o embaixador dos EUA, John Tuthill, visitou a Universidade de Brasília para doar livros. Os estudantes o receberam com vaias. A polícia os reprimiu com violência, prendeu vinte alunos e dois saíram feridos. Tuthill havia sido aconselhado a não comparecer, mas ele queria entregar os 4 mil livros em inglês que estavam encalhados na embaixada desde 1962: teriam sido doados pelo ex-presidente John Kennedy, em visita ao Brasil que foi cancelada, ainda durante o governo Goulart. Toda a cerimônia na Biblioteca Central da universidade foi muito desagradável para o embaixador. Tuthill discursou em português, tentando ser gentil, mas dois estudantes abriram uma faixa na qual se lia “Ianques, fora do Vietnã”. Um militar recolheu a faixa e tentou retirá-los do recinto, mas os colegas o impediram. Terminado o discurso, algumas vaias. Falou em seguida o coordenador da Faculdade de Biblioteconomia, que ensaiou uma crítica ao comportamento dos estudantes, e levou estrondosa vaia do início ao fim de sua fala. O reitor Laerte Ramos de Carvalho também se saiu mal: discursou sob vaias e um aluno levantou um cartaz com os dizeres “go home”.[3] Após os discursos, foi servido um coquetel. Os estudantes fizeram piadas lembrando da fome no Nordeste, entoaram paródias zombando do programa de ajuda norte-americano “Aliança para o Progresso” e, afinal, cantaram o Hino Nacional que foi ouvido constrangidamente em silêncio. O reitor e demais professores levaram o embaixador para fora enquanto os estudantes gritavam “abaixo a ditadura” e “abaixo a coca-cola”. Papéis e livros foram atirados na direção de Tuthill, mas ele foi embora ileso. Assim que o embaixador deixou a Biblioteca Central, mais de cem homens da PM, além de muitos policiais civis, encurralaram os estudantes dentro do prédio, prenderam vinte e detiveram 57 que, algum tempo depois, foram liberados aos poucos, dois a dois. Os vinte detidos foram levados no camburão. Dois estudantes feridos, Álvaro e Regina, foram medicados no Hospital Distrital. No dia seguinte, o embaixador foi recebido pelo presidente Costa e Silva e pelo chefe do SNI. Ele ficou chocado com o fato de que o presidente se preocupasse mais com o “distinto embaixador” do que com os estudantes feridos.[4] Médici também conversou com Vernon Walters, adido militar dos Estados Unidos. Walters, então, fez um relato dessa conversa para o embaixador que, de imediato, a transmitiu para o Departamento de Estado. O documento (veja reprodução abaixo) informa que Médici planejava “organizar agências do SNI no exterior” e que pediria ajuda aos EUA para isso. Walters disse a Médici que isso custava muito dinheiro, mas o chefe do SNI disse que o orçamento oficial era “mera cortina de fumaça” e que contava com recursos muito maiores vindos de “desvios de outras dotações”. Nós já sabíamos que o SNI usava uma rubrica chamada de “verbas secretas”,[5] mas, neste documento, Médici está falando de corrupção. O general Emílio Garrastazu Médici se tornaria presidente em 1969. Durante seu governo, ampliou muito a capacidade operacional do SNI, inclusive no exterior. O general Golbery, primeiro chefe do SNI, afetando arrependimento, disse uma vez: “criei um monstro”. Talvez, mas quem engordou a criatura foi Médici. https://www.zonacurva.com.br/lider-estudantil-honestino-guimaraes-foi-morto-pelo-regime-militar-em-1973/ Cópias de documentos oficiais:     [1] SCARTEZINI, Antonio Carlos. Segredos de Medici. São Paulo: Marco Zero, 1985. p. 36. [2] Ata da 41a. Reunião do Conselho de Segurança Nacional. p. 14. Arquivo Nacional. [3] “Polícia espanca estudantes na Universidade e prende os manifestantes contra Tuthill”. Correio Braziliense. 21 abr. 1967. p. 1-2. [4] Telegrama de Tuthill para o Departamento de Estado, de

Zico foi excluído da seleção pela ditadura

ZICO – Todos nós já sabíamos do uso, para efeito de propaganda política, da seleção brasileira de futebol. Sabíamos também da sua interferência até na escalação de jogadores, quando Médici impôs Dario ao time da Copa. E a consequente demissão do grande João Saldanha. Mas não sabíamos disto, com provas vivas, de excluir e perseguir geniais jogadores por motivo ideológico. O jornalista e escritor Paulo Verlaine, que considero um clássico vivo do jornalismo brasileiro, foi quem me  presenteou o livro “Futebol e Ditadura”, quando fui lançar em Fortaleza o romance “A mais longa duração da juventude”. É das páginas do Futebol e Ditadura, com prefácio  de Paulo Verlaine, que destaco este escândalo. Fala Nando, atleta e jogador de talento,  sobre a perseguição a seu irmão Zico: “Eu ainda estava jogando no Gil Vicente, em Portugal, quando soube que o Zico, titular absoluto da seleção olímpica, que iria para Munique em 1972 – o Brasil tinha se classificado em Bogotá vencendo a Argentina por 1 X 0, com gol de Zico em 1971 – pois bem: meu irmão foi absurdamente deixado de fora da lista de convocados pelo treinador Antoninho. Olhem só: Antoninho tinha sido inclusive treinador do Antunes (outro craque, meu irmão) no Fluminense, e conhecia muito bem a nossa família, que sem falsa modéstia é sempre considerada como um exemplo a ser seguido, o que nos dá muito orgulho… Esse treinador, antes de falecer, confirmou que recebeu ordens de não convocar o Zico, porque um dos irmãos tinha sido preso. (O irmão preso fui eu, Nando.) Isso nos machucou muito, e o Zico pensou até em parar de jogar futebol, tal foi a sua decepção. Foi um episódio lamentável e de perversidade única com um jovem de apenas 18 anos, a idade de Zico quando foi cortado. Um jovem cheio de sonhos, porque todos sabíamos do seu potencial e de sua força de vontade”. A razão do corte de Zico se deu bem antes, mas acompanhou para tentar matar o futebol, ou pelo menos sufocar o talento da maior família futebolística do Brasil, dos craques irmãos Edu, Zico e Nando: “Em 1963 minha irmã Zezé, Maria José Antunes Coimbra, cursava a Faculdade de Filosofia, e me inscreveu no concurso para professor do PNA (Plano Nacional de Alfabetização), criado pelo grande Paulo Freire. Fomos ambos aprovados, ela para coordenadora, eu para professor. Entre o treinamento para a função e o trabalho propriamente dito ficamos poucos meses no PNA. Assim que teve início a famigerada ditadura, o PNA foi encerrado e todos que atuavam nele passaram a ser perseguidos”. Um gol inesquecível contra Pinochet A partir daí, a “mancha” de ter querido alfabetizar brasileiros não largou mais a vida de Fernando Antunes Coimbra, mais conhecido por Nando no futebol. Ele foi perseguiu do modo mais desonesto até em Portugal, como  conta: “Quando eu estava para assinar o contrato que se arrastava sem acordo (o Belenenses não queria me pagar o prometido quando me chamou no Brasil), fui surpreendido um dia no hotel. Era outono, início de 1968, e duas pessoas bateram à minha porta. Como estavam de terno, pensei que fossem repórteres e atendi de pronto, mas logo depois se identificaram como da PIDE, a polícia política do ditador Salazar. Logo começaram a me interrogar. E para meu espanto, eles sabiam que eu tnha sido educador do PNA. Tinham minha ficha completa… No dia seguinte após o treino, o diretor de futebol do Belenenses me chamou para uma conversa particular. E debochadamente deu a entender que sabia da visita que eu tinha recebido no hotel, e foi mais longe: caso eu não assinasse o contrato como eles queriam, me fez ver que eu era filho de português, então eles poderiam me mandar para a “guerra nas áfricas’, que era como eles se referiam a Angola e outras colônias”. Como sempre, Nando evitou falar, comentar a perseguição da ditadura com os irmãos em casa, porque Edu, o outro craque da família, já fazia sucesso como jogador. Mas em vão. Os ditadores não dormiam: “O Edu foi o artilheiro do campeonato brasileiro em 1968 (se chamava Taça Brasil) e já havia sido convocado para a Seleção Brasileira que disputou a Copa Roca, na Argentina, e a Taça Atlântico, no Uruguai. Então a gente já dava como certo ele ser convocado para a seleção de 1970. Para nossa pior surpresa e frustração, Edu não foi convocado. O João Saldanha, quando foi demitido da seleção (era comunista e não escondia), comentou que não convocara o Edu porque havia por parte do regime militar restrições à família Antunes”. Pouco depois da Copa do Mundo de 1970, Nando foi preso no DOI-CODI do Rio de Janeiro. Nas palavras do seu relato: “Nos meados de agosto de 1970, fomos surpreendidos com a prisão de nossa prima Cecília Maria Bouças Coimbra, do Grupo Tortura Nunca Mais, e seu marido José Novaes…. Um dos primos me ligou para dizer que a tia Maria, mãe deles, estava passando mal com a prisão da filha. Corri à casa de um colega que era médico e muito nosso amigo e partimos para a Rua Dias da Cruz, no Méier, onde eles moravam. Na ocasião, fomos surpreendidos por diversos agentes do DOPS que invadiram o apartamento com armas pesadas e nos levaram presos para o DOI-CODI. Passamos uma noite de horror, em pé, com a cara na parede e as mãos na cabeça até de manhã. Saímos várias vezes, encapuzados para interrogatórios, onde ouvíamos as coisas mais absurdas…”. E conclui ao fim do seu verdadeiro e necessário depoimento: “De nada me arrependo na minha vida e esta é a minha história. Igual à de muitos brasileiros que sofreram muito mais que eu e foram o alicerce para que as novas gerações pudessem viver numa democracia…. xô ditadores!!!” Esse depoimento tão revelador é necessário para bem ilustrar o mundo absoluto da ditadura, que não respeitava nem os limites do esporte. Além de assassinatos de presos desarmados, chegou a impedir a convocação de jogadores geniais do

Arquivos da ditadura e memória subversiva

por Frei Betto As Forças Armadas brasileiras preferem tergiversar a respeito dos arquivos da ditadura. Insistem na versão de que foram queimados. Não haveria nada a ser trazido a público. Ora, impossível apagar a memória daqueles 21 anos de atrocidades. Mais de 70 anos após o inferno nazista, novos dados ainda vêm à tona. Não será aqui no Brasil que haverão de borrar da história o longo período no qual crimes hediondos foram cometidos pelo Estado, em nome do Estado e por ordem do Estado chefiado por militares, como constam nos documentos da CIA. À semelhança do genocídio nazista, aqui também vítimas sobrevivem. E jamais haverão de esquecer o tempo em que a arma do Direito deu lugar ao direito das armas. Há mortos e desaparecidos, conforme apurou a Comissão da Verdade, e seus parentes e amigos não admitem que se adicione à supressão de suas vidas o selo indelével do silêncio. O governo dos EUA, que patrocinou o golpe militar de 1964 e adestrou muitos de seus oficiais, mantém robusto arquivo com o registro das confissões dos algozes. A história é feita de fatos cujos significados dependem de versões. Raramente a versão do poder prevalece sobre a dos vencidos, ainda que esta última demore a emergir, como foi o caso do genocídio indígena cometido por espanhóis e portugueses na colonização da América Latina. O exemplo emblemático de memória subversiva é a que coloca no centro da história do Ocidente um jovem palestino preso, torturado e assassinado na cruz há mais de dois mil anos. Tudo se fez para que as versões do Império Romano prevalecessem. Os discípulos de Jesus de Nazaré foram perseguidos e mortos, a cidade na qual ele morreu foi invadida e arrasada no ano 70, e os historiadores da época, como Flávio Josefo e Plínio, não lhe dedicaram mais do que uma linha. Seus feitos e suas palavras, no entanto, não caíram no olvido. As comunidades mediterrâneas que nele reconheceram Deus encarnado preservaram os relatos daqueles que com ele conviveram. Trinta anos depois de o pregarem na cruz, as narrativas, hoje conhecidas como evangelhos, se difundiram. O que se tentou apagar veio à luz. As Forças Armadas brasileiras podem insistir em não separar o joio do trigo, ao contrário do que fizeram os militares da Argentina, do Uruguai e do Chile, que se livraram do estigma de cumplicidade com o horror. Jamais, porém, haverão de apagar da memória nacional as graves violações dos direitos humanos cometidas pela ditadura. O pacto de silêncio não cala a voz da história. A memória subversiva não confunde anistia com amnésia. Somente o silêncio das vítimas poderia salvar os algozes. Mas isso é impossível. O grito parado no ar ressoa. E exige justiça. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. https://www.zonacurva.com.br/ha-45-anos-o-ai-5-mergulhou-o-pais-na-escuridao/ Documentário Pastor Cláudio escancara a violência da Ditadura A morte de Vladimir Herzog e o Brasil que não queremos Romeu Tuma Jr. depõe no caso do sumiço de Edgar Duarte https://urutaurpg.com.br/siteluis/lider-estudantil-honestino-guimaraes-foi-morto-pelo-regime-militar-em-1973/ Iara Iavelberg e sua luta contra a ditadura militar   Canto de liberdade para José Amaro Correia      

Brasil precisa da CIA para confirmar que Geisel e Figueiredo foram mandantes de assassinatos

Triste o país que precisa de documento da CIA para confirmar que os ditadores Ernesto Geisel e João Figueiredo foram mandantes de assassinatos. Informados em 1974 por generais sobre o extermínio de 104 opositores à ditadura civil-militar durante o governo do ditador Médici, ambos resolveram prosseguir com a “política” de execução de brasileiros contrários ao governo. Ontem Matias Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, divulgou nas redes sociais memorando da CIA (agência de inteligência norte-americana) em que o diretor-geral da CIA, William Colby, que morreu em 1996, informou ao secretário de Estado americano Henry Kissinger sobre uma reunião em março de 1974 entre o presidente recém-empossado e general Ernesto Geisel e três assessores: o general que estava deixando o comando do Centro de Informações do Exército (CIE), o general que viria a sucedê-lo no comando e o General João Figueiredo, indicado por Geisel para o Serviço Nacional de Inteligência (SNI). Segundo Spektor, “o grupo informa a Geisel sobre a execução sumária de 104 pessoas no CIE durante o governo Médici, e pede autorização para continuar a política de assassinatos no novo governo. Geisel explicita sua relutância e pede tempo para pensar. No dia seguinte, Geisel dá luz verde a Figueiredo para seguir com a política, mas impõe duas condições. Primeiro, “apenas subversivos perigosos” deveriam ser executados. Segundo, o CIE não mataria a esmo: o Palácio do Planalto, na figura de Figueiredo, teria de aprovar cada decisão, caso a caso”. Figueiredo sucedeu Geisel e governou o país entre 1979 e 1985. Leia o documento original (em inglês):   Ditadura nunca mais – O memorando 99 faz parte da uma série chamada Foreign Relations of the United States que divulga documentos das relações dos Estados Unidos com a América do Sul entre 1973 e 1976. Impressiona que o memorando é público desde dezembro de 2015, ou seja, prova contundente dos graves crimes cometidos por dois dos ditadores brasileiros mofava à espera de um pesquisador mais atento como Spektor. Mofado e vazio também está o banco dos réus que aguarda há décadas os militares e seus cães de guarda que torturaram, mataram e cometeram crimes gravíssimos abrigados em seu poder de Estado. Os julgamentos seriam a oportunidade histórica de pulo civilizatório para o exercício da democracia mais plena e oportunidade para conscientizar aos celerados que tem a desfaçatez de pedir a volta da ditadura.   Mino Carta, Geisel e o “besteirol reinante”: Com informações da Agência Brasil. https://www.zonacurva.com.br/na-copa-de-78-o-conselho-ditador-geisel-ao-artilheiro-reinaldo/ A cooperação da Volkswagen com a ditadura brasileira Brasil: segue o “bonde” da destruição Ministério Público de São Paulo denuncia legista Harry Shibata por ocultar assassinato da ditadura https://urutaurpg.com.br/siteluis/em-1970-os-tupamaros-de-mujica-contra-dan-mitrione-o-mestre-da-tortura/ Rubem Fonseca e o silêncio que não apaga o passado

A cooperação da Volkswagen com a ditadura brasileira

Bem-vindo ao Fatos da Zona, onde adaptamos os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre para o audiovisual. Neste vídeo, falamos um pouquinho do passado da Volkswagen e os interesses sombrios da empresa junto a regimes de exceção. Então vem com a gente analisar a polêmica propaganda da Volkswagen com Elis Regina e Maria Rita. por Fernando do Valle A colaboração de algumas empresas com a ditadura no Brasil (1964-1985) ainda deve ser devidamente esclarecida quando fica cada dia mais evidente o benefício que corporações multinacionais e nacionais obtiveram através de suas relações próximas com o regime de exceção. A filial brasileira da indústria de automóveis alemã Volkswagen exemplifica como a repressão à liberdade dos trabalhadores foi utilizada para aumentar seus lucros no país. Em 2015, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) protocolou uma representação junto ao Ministério Público Federal em que a empresa foi denunciada por violação de direitos humanos dentro de sua planta de São Bernardo do Campo (SP) durante o período da ditadura. Em reação às investigações da CNV, a Volkswagen contratou o historiador alemão Christopher Kopper também em 2015, que nem sabia falar português à época, para produzir relatório sobre a ligação da empresa com o governo militar que foi recentemente divulgado no dia 14 de dezembro. Segundo matéria da agência de notícias alemã Deutsche Welle, “o documento de 114 páginas aponta que a montadora foi irrestritamente leal aos militares e que seu próprio aparato de segurança patrimonial facilitou a identificação e prisão de funcionários subversivos – sendo ao menos um deles torturado em uma unidade da empresa. A filial também demitiu trabalhadores envolvidos com sindicatos e alimentou e compartilhou com outras empresas “listas negras” com nomes de funcionários. Ainda segundo a Deutsche Welle, “o relatório, no entanto, aponta que não foram encontradas provas de uma colaboração institucionalizada da montadora com a repressão estatal. De acordo com o documento, os membros da segurança patrimonial – vários deles eram militares da reserva – agiram por iniciativa própria ao espionar e entregar funcionários ao regime”. https://www.zonacurva.com.br/brasil-precisa-da-cia-para-confirmar-que-geisel-e-figueiredo-foram-mandantes-de-assassinatos/ O documentário “Cúmplices? A Volkswagen e a ditadura militar brasileira” da TV pública relata casos de espionagem interna, delação de operários ao governo e detenções dentro da fábrica. Vale a pena assistir:    O funcionário que foi torturado dentro da Volkswagen (reconhecido inclusive pelo relatório do historiador Kopper) foi o ferramenteiro Lúcio Bellentani, que trabalhou na empresa entre 1964 e o dia 28 de julho de 1972. Bellentani foi preso e torturado em 1972 pelos oficiais da ditadura após ser denunciado como militante comunista pelos seguranças da empresa. Leia reportagem deste blog sobre a participação empresarial no regime militar. Fonte usada: Deutsche Welle. https://urutaurpg.com.br/siteluis/brasil-precisa-da-cia-para-confirmar-que-geisel-e-figueiredo-foram-mandantes-de-assassinatos/ Brasil: segue o “bonde” da destruição Ministério Público de São Paulo denuncia legista Harry Shibata por ocultar assassinato da ditadura https://urutaurpg.com.br/siteluis/em-1970-os-tupamaros-de-mujica-contra-dan-mitrione-o-mestre-da-tortura/ Rubem Fonseca e o silêncio que não apaga o passado

Canto de liberdade para José Amaro Correia

 por Urariano Mota Em um trecho do Dicionário Amoroso do Recife, escrevi: “José Amaro Correia, Zé Amaro, ou Mário Sapo, como o chamamos, era e continua a ser um socialista, militante político, preso em 1973 no DOI-CODI no Recife… Quando eu lhe pergunto se depois de tanta luta, se alguma vez ele não pensou em desistir, ele, que sei estar com problemas circulatórios, pressão alta, e que piora todas as vezes em que se emociona, ele me responde: — Desistir? Nunca! Às vezes me dá uma preguiça. Mas dá e passa. Então ele me conduz, tateante, devagar, até o portão. Às vezes vira a cabeça de lado para ver o meu vulto, quem sabe, algum traço. Talvez não veja mais nem sequer a minha sombra. E não diz. Mas entendo. Devo ser mais real que o seu sonho, que um dia ele escreveu num poema: ‘Vivo semeando o sonho Do fim da pobreza De todas as crianças terem o direito De brincar e sorrir Vivo a semear o sonho Do nascer igual Perante a natureza dos homens’. Depois, em 2014, completamente cego, em uma cadeira de rodas, ele me deu a notícia de que o seu jornal, O Bocão, havia sido impresso em braile. Naquela altura, aos 71 anos, em lugar de se maldizer, mais uma vez ele fazia do próprio sofrer, da cegueira, um serviço. No telefone, eu lhe disse: — Mário, você quando cai, cai para cima. A essa observação escutei uma risada. Ele não precisava falar. Eu sabia que ele estava feliz, como podia estar um jornalista popular, guerreiro. Cego, sem uma perna e livre”. Em 2017, em 27 de julho à noite, ele faleceu aos 74 anos de idade. Estava com a saúde ao fim em tudo. Infecção nos pulmões, nos rins, no coração. Quando o visitei na UTI, embora ele estivesse inconsciente, eu lhe disse na esperança de que me ouvisse: – Você é meu irmão. Você sabe: não te faltei antes na ditadura, não vou te faltar agora. Mas aqui vem o segredo de uma revelação: na quarta-feira 26 de julho, quando o ônibus parou próximo ao hospital onde ele estava internado, subiu um grupo de três jovens que, antes de começarem a pedir ajuda, começaram a cantar um rap. Um rap da liberdade. Eu fiquei comovido até os olhos, porque pensava: “o meu amigo no fim e estes jovens cantando a liberdade”. Era como a encarnação viva do meu próximo romance, “A mais longa duração da juventude”. Eu me dizia: cantam para ele. E me vieram associadas as palavras de John Donne: “Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo; todos são parte do continente, uma parte de um todo… a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. Então os jovens cantavam para o meu amigo Mário Sapo, eu os compreendia muito bem. Cantavam e tocavam pelos guerreiros. Então eu nunca tinha ouvido um rap tão emocionado. E pensei também no Toni, da LiteraRua, na editora do meu próximo romance. E volta agora a apresentação que José Carlos Ruy escreveu para o romance, no trecho: “O tempo funde as duas pontas do relato, entre o passado e o presente… Sonho de abnegação, igualdade, de liberdade, de justiça para todos, de desapego perante os bens materiais e construção de um mundo novo, socialista. ‘Eu não sou um velho. Aliás, nós não somos velhos’, diz um diálogo neste livro maravilhoso. ‘Eu sei. O tesão de mudar o mundo continua’. O viço e o vigor do sonho permanecem”. Aquele canto no ônibus, a sua associação ao amigo que padecia não era delírio. Era fato. Os jovens cantavam um rap que se unia ao amigo, na mais longa duração da juventude. Então eu os aplaudi com entusiasmo, como quem grita: presente! um guerreiro cai, outro se levanta. Esses jovens com violão, percussão e canto levam adiante a resistência. Eles são inconformados com o mundo, razão maior de viver. Com o falecimento de José Amaro Correia veio um breve abatimento. Mas não temos esse direito. Não podemos cair e esmorecer. É levantar a cabeça e continuar a caminhada. Se possível, até o lado ensolarado da rua.

Ministério Público de São Paulo denuncia legista Harry Shibata por ocultar assassinato da ditadura

por Fernando do Valle O Ministério Público Federal em São Paulo ofereceu na última semana nova denúncia contra o legista aposentado Harry Shibata, acusado de forjar laudo necroscópico de Helber José Gomes Goulart, da ALN, morto pelo Doi-Codi em julho de 1973. Segundo a acusação, o médico deliberadamente ignorou visíveis lesões de tortura no pescoço e na cabeça do corpo do militante da Ação Libertadora Nacional (ALN), assassinado por agentes do Doi-Codi comandados por Carlos Alberto Brilhante Ustra. Em abril deste ano, o MPF de São Paulo havia denunciado Shibata por forjar outro laudo, desta vez a respeito da morte do militante político Yoshitane Fujimori em 1970. Passados quase 43 anos da ação militar que resultou na morte de Goulart, até hoje pairam dúvidas sobre o episódio. Segundo a versão do Doi-Codi, agentes daquele destacamento rondavam as imediações do Museu do Ipiranga quando encontraram a vítima em atitude suspeita. Goulart teria sacado o revólver e atirou contra os agentes, que revidaram, atingindo-o, resultando em sua morte. Romeu Tuma, chefe do Departamento do Departamento de Ordem Política e Social, anotou em requisição de exame necroscópico, ao IML que Helber foi morto às 16h de 16 de julho de 1973, mas a entrada de seu corpo no necrotério ocorreu 8h antes. Além disso, depoimentos de ex-presos políticos apontam que o militante da ALN havia sido preso antes e foi visto no Doi-Codi com a cabeça enfaixada, tendo, portanto, sido internado no Hospital Geral do Exército de São Paulo, no Cambuci. Além disso, estudos sobre o laudo necroscópico realizados a pedido da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e pelo Ministério Público Federal, no curso do procedimento que resultou na denúncia, concluíram que Goulart foi alvejado com tiros feitos de cima para baixo em sua direção, como se ele estivesse deitado ou ajoelhado. O militante também recebeu tiros no antebraço, sinal de que tentou, em vão, se defender. O laudo solicitado pelo MPF foi produzido pelo mesmo Instituto Médico Legal de São Paulo onde Shibata trabalhou por muitos anos, como um dos legistas de confiança da repressão. Ambos os laudos apontam equimoses na cabeça e no pescoço de Goulart, visíveis em fotos do cadáver, que foram ignoradas no laudo necroscópico subscrito por Shibata e Orlando José de Bastos Brandão (já falecido). O mineiro Helber José Gomes Goulart nasceu na cidade de Mariana em 19 de setembro de 1944 e era filho de um militante comunista. Ele começou a trabalhar aos 11 anos de idade e estudou até o segundo colegial, quando mudou-se para São Paulo em busca de melhores oportunidades. Ele começou a militância política cedo, junto com o pai, no PCB. Em 1964, por conta do golpe militar, passou a ser perseguido e respondeu a processo na Auditoria Militar de Juiz de Fora. Depois de militar na Corrente, chegou à ALN e, em 1971, quando a organização começava a se desmantelar, Goulart, já clandestino, é deslocado para São Paulo, onde foi assassinado. Enterrado no Cemitério de Perus, seu corpo só foi identificado 19 anos depois, após a descoberta da vala clandestina. A procuradora da República Ana Letícia Absy, autora da denúncia, pede a condenação de Shibata pelo crime de falsificação de documento público, cuja pena é de 1 a 5 anos, com o agravante de que o crime foi praticado para ocultar crime praticado por outra pessoa e garantir a impunidade. Leia a íntegra da denúncia do Ministério Público. Com informações da Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República no Estado de São Paulo. https://urutaurpg.com.br/siteluis/em-1970-os-tupamaros-de-mujica-contra-dan-mitrione-o-mestre-da-tortura/ Rubem Fonseca e o silêncio que não apaga o passado

A morte de Vladimir Herzog e o Brasil que não queremos

Bem-vindo ao Fatos da Zona, onde adaptamos icônicos textos do site do Zonacurva Mídia Livre. Explore a extraordinária vida de Vladimir Herzog, ícone da luta pela justiça e liberdade no Brasil durante a ditadura militar. Neste vídeo, mergulhamos nos momentos cruciais de sua trajetória e em seu compromisso incansável com a verdade e a democracia.   por Fernando do Valle Vladimir Herzog – Noite de 24 de outubro de 1975, agentes da ditadura chegam à redação da TV Cultura com a ordem de levar o diretor de jornalismo da TV Cultura, Vladimir Herzog, para depor sobre suas ligações com o PCB – Partido Comunista Brasileiro no II Exército. Iniciou-se ali uma negociação entre os jornalistas da redação e os agentes para que Herzog se apresentasse no dia seguinte. Os policiais aceitaram o acordo e um jornalista comprometeu-se a acompanhar Herzog no outro dia até as instalações militares, esse jornalista inclusive dormiu na casa do diretor da TV Cultura. Se tivesse descumprido esse acordo e escapado na madrugada, Herzog não teria sido torturado até a morte no dia 25 de outubro de 1975, ele tinha apenas 38 anos. A brutal morte do jornalista indignou parte da sociedade civil contra o regime e tornou Herzog símbolo da liberdade de pensamento e de imprensa no país. A nomeação de Herzog como diretor do canal de televisão pública do Estado de São Paulo pelo secretário de Cultura José Mindlin foi aprovada pelos órgãos de segurança do regime militar e pelo governador Paulo Egydio antes de sua contratação. Mesmo assim, a chamada linha dura do governo militar fazia campanha com a conhecida cantilena de “infiltração esquerdista” contra a equipe liderada por Herzog através do jornalista Claudio Marques, do Shopping News, praticamente porta-voz dos setores de informação do governo. LEIA TAMBÉM “10 músicas contra a ditadura militar”  Vladimir Herzog nasceu Vlado Herzog em 27 de junho de 1937 em Osijek, hoje a quarta maior cidade da Croácia e morreu há 40 anos, em 25 de outubro de 1975. O apoio da grande mídia ao golpe de 64 O momento político da morte do jornalista foi marcado por uma disputa pelo poder entre a linha dura do exército e setores da ditadura que pretendiam estabelecer certo diálogo com a sociedade civil. Três meses depois de Herzog, em janeiro de 1976, o metalúrgico Manoel Fiel Filho também foi assassinado pelo governo e o ditador Geisel destituiu o comandante do II Exército, general Ednardo D’Ávila Mello, um dos principais líderes da chamada linha dura entre os militares. Políticos também insuflavam os militares da linha dura para a perseguição aos jornalistas da TV Cultura. O deputado da ARENA (partido do governo), José Maria Marin, que atualmente está preso na Suíça por corrupção como dirigente de futebol, pediu um aparte ao discurso do deputado do mesmo partido, Wadih Helu, futuro presidente do Corinthians, na Assembleia Legislativa de São Paulo e exigiu “providências aos órgãos competentes em relação ao que está acontecendo no canal 2 [TV Cultura…]”, que, segundo ele “sofria infiltração de elementos comunistas”. Este blog já abordou a trajetória da triste figura José Maria Marin. Episódio narrado no livro Bendito Maldito, ótima biografia de Plínio Marcos escrita por Oswaldo Mendes, mostra o nível da truculência dos militares. O diretor Ademar Guerra enfureceu um coronel ao escalar o “subversivo” Plínio como São Francisco de Assis em um teleteatro produzido na TV Cultura. Guerra relembra o tumulto naquele 24 de outubro no departamento de jornalismo da emissora: “o clima era de muito medo”. No meio desse clima de incerteza, ele lembra no livro que “alguém disse que um coronel do 2º Exército tinha telefonado à minha procura”. O diálogo de Guerra com o coronel: – Por que o senhor está fazendo a história de São Francisco? – Porque é uma história bonita, a história de um santo… – Mas é perigoso… – O que há de perigoso na história de um santo, coronel? Quer que eu mande o texto para o senhor ler? – Não quero ler nada, não.  Ademar Guerra escapou da brutalidade que vitimou Herzog. O jornalista Leandro Konder, amigo do jornalista assassinado e também detido pelos militares, não e também foi torturado. Ele relata o sofrimento de Vlado nas mãos dos torturadores do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna): “podíamos ouvir nitidamente os gritos, primeiro do interrogador, depois, de Vladimir, e ouvimos quando o interrogador pediu que lhe trouxessem “pimentinha” [máquina de choques elétricos para tortura] e solicitou ajuda de uma equipe de torturadores. Alguém ligou o rádio e os gritos de Vladimir confundiam-se com o som do rádio. Lembro-me bem que durante essa fase, o rádio dava notícia de que Franco [ditador espanhol] havia recebido a extrema-unção, e o fato me ficou gravado, pois naquele mesmo momento Vladimir estava sendo torturado e gritava. A partir de um determinado momento, o som da voz de Vladimir se modificou, como se tivessem introduzido coisa em sua boca; sua voz ficou abafada como se lhe tivessem posto uma mordaça. Mais tarde, os ruídos cessaram” (trecho do depoimento de Leandro Konder no livro “Brasil nunca mais”).   Não satisfeitos, os agentes da ditadura forjaram a cena de um suposto suicídio de Vlado “em um surto de arrependimento”, a foto divulgada pelos órgãos de repressão ainda mostra um bilhete rasgado com “a confissão de seu envolvimento com os comunistas”. Amigos, familiares e a comunidade judaica não aceitaram a inverossímil versão do governo sobre a morte do jornalista, que era judeu, e o enterraram no centro da Sociedade Cemitério Israelita. Pela tradição dos judeus, os suicidas são enterrados em uma área específica. A imprensa alternativa teve papel importante para desmontar a versão oficial do governo. O jornalista Mylton Severiano relata no documentário Resistir é Preciso como ele, Narciso Kalili e Hamilton Almeida Filho produziram uma detalhada matéria de 8 páginas sobre o assassinato de Vlado para o jornal EX-. O título foi retirado do Hino à República: “Liberdade Liberdade abre as asas sobre nós”. A edição de 50 mil exemplares esgotou

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