Zona Curva

Especial Copa do Mundo

Antes do 7 a 1.

Nelson Rodrigues, o maior craque da crônica de futebol

Ele na crônica escrevia à semelhança de Garrincha, que driblava para um só lado, e todos sabiam qual, mas ainda assim eram surpreendidos. Nelson Rodrigues foi, de longe, o maior e melhor excelso gênio da literatura de futebol no Brasil. Disse tudo? Não, disse menos. Quero dizer: o sonho de todo escritor, o de ser lido pelas massas, discutido por elas, sem cair um só milímetro da sua dignidade artística, o sonho de escrever para todos, esse possível um dia Nelson Rodrigues conseguiu. Disse tudo? Menos ainda, porque devo dizer: não conheço, na literatura mundial, alguém que tenha sido tão magnífico quanto Nelson Rodrigues na crônica esportiva.

A Copa do Mundo e suas perplexidades

Pouco antes da Copa do Mundo no Brasil, o IELA (Instituto de Estudos Latino-americanos) promoveu uma edição das Jornadas Bolivarianas tratando do tema dos megaeventos e seus impactos, tanto para a América Latina quanto para o mundo no que diz respeito a uma mirada de classe: ou seja, as consequências para os trabalhadores. Foi um momento muito bom para compreendermos como os países se curvam aos interesses da Fifa, ou, em última instância, do capital. Veio gente do México e da África do Sul, países que já tinham sediado uma Copa. E todos foram unânimes em mostrar como a organização de um mundial está longe de ser um momento de congraçamento dos povos. Não é. Já faz um bom tempo que sabemos que o futebol perdeu sua pureza original. No mundo contemporâneo, é uma mercadoria e ponto final. Naqueles dias, inclusive, nós aqui o Brasil nos debatíamos com os dramas das famílias que estavam sendo removidas do caminho das construções, com a situação dos indígenas na Aldeia Maracanã e outros tantos “tratores” que iam passando por cima da vida dos trabalhadores. O país chegou a construir enormes estádios que hoje estão subutilizados e também se rendeu à Fifa ao permitir a venda de bebida nos estádios. Uma loucura total. Teve luta, muita luta, mas o mundial veio, e a vida seguiu. O que não veio mesmo foi toda a sorte de melhorias que haviam prometido aos brasileiros. Isso não foi diferente no México da Copa de 1970 e de 1984. O país também se debatia com as lutas dos trabalhadores que não aceitavam tanto investimento num esporte que nem era o mais praticado da nação. Havia tanta coisa para fazer e os governos insistindo em servir de palco para mais uma onda de assimilação capitalista, da qual a maioria estava fora. Passados os mundiais, as promessas nunca mais foram revistas. O sindicalista Eddie Cottle trouxe a realidade deixada pela Copa do Mundo no torneio de 2010 na África do Sul. Mais do mesmo. Enormes construções, mais estádios, gente despejada, luta de trabalhadores, dinheiro público fluindo para a inciativa privada e grandes lucros para a FIFA e suas marcas parceiras. Agora, no Catar, as denúncias seguem o mesmo diapasão. Enormes estruturas que ficarão obsoletas, morte de trabalhadores, exploração das comunidades mais empobrecidas – no geral imigrantes. Isso sem falar da violação aos direitos das mulheres e a inexistência da tal democracia. Ora, para a FIFA isso não é problema. Violência contra mulheres, passar máquina por cima de comunidades, expulsar pessoas de suas casas, ditaduras, governos assassinos, nada importa se o fluxo do capital segue firme. Desde que João Havelange assumiu a presidência da entidade no ano de 1974, o futebol virou um esporte planetário e uma mercadoria de grande valor. Um acordo com a Adidas abriu as portas para a FIFA se firmar no mundo do espetáculo mundial. E o que era só uma salinha perdida na Suíça virou um gigante. Vieram a venda dos direitos televisivos, movimentando milhões, propagandas nas camisas dos times, garotos-mercadoria e por aí vai. O dinheiro só circulando. Essa lógica inaugurada por Havelange também foi contaminando o futebol nos países. Nasceram os clubes/empresas. Futebol já não era mais coisa de diletantes, apaixonados pela bola. Time virou negócio e negócio graúdo. É a grana que move as ligas na Europa, nos países da América Latina, nos países asiáticos que decidiriam também entrar no mundo do futebol. Garotos são vendidos e comprados desde a mais tenra idade e o clube/empresa que tiver mais dinheiro é o que aglomera mais gente boa no seu plantel. A lógica da dependência se expressando: no centro, os melhores e, na periferia, o restante. Não precisa ser muito esperto para perceber isso. Uma mirada nos grandes times europeus e o que se vê são muito mais jogadores estrangeiros que gente do próprio país. Pois muito bem, então como é que sabendo disso o futebol ainda é uma paixão que foge a qualquer argumento da razão? Por que milhões de pessoas seguem assistindo aos jogos, aconteçam aonde for? Por que existem torcidas gigantescas que seguem os times, ainda que estejam na série C, D ou E. Como entender o amor que consome a pessoa, mesmo que ela tenha completa noção de que o dirigente é um ladrão e que o futebol é só uma mercadoria para essa gente? Eu mesma não sei. Também sou movida por essa paixão. Torço para o Figueirense, de Santa Catarina, totalmente perdido numa série C qualquer, mas basta uma vitória para que a gente se levante em delírio, ainda que a razão nos diga que tudo isso é uma ilusão. Agora, no Brasil, temos visto muito debate nas redes sobre boicote ao evento da Copa e denúncias sobre a vida no Catar. Acho isso bom. Sempre é importante para os movimentos de luta contar com visibilidade nessa época de megaevento. Afinal, são bilhões de pessoas vendo e comentando o certame. De certa forma, apesar de toda a alienação ideológica e o puxa-saquismo (ou desconhecimento) dos comentaristas, algo escapa. Isso alavanca lutas. Porque o capital é assim: ele vem com voracidade, e nesse movimento acaba expondo as suas vísceras. Mas, é fundamental que a luta dos trabalhadores esteja sempre na nossa pauta, todos os dias, com evento ou sem evento. Outra coisa que escapa à alienação é explícita presença da lógica de dominação e dependência que é típica do capital. Nações ricas trazem os melhores jogadores e nações empobrecidas, da periferia capitalista, vêm com plantéis locais, destacando-se um ou outro que faz sucesso na Europa. Vide o nosso Brasil, com mais de 20 que não jogam em times locais. Esses jovens que cedo são “exportados” são, como diz o professor Nilso Ouriques, os “pé-de-obra” do futebol do centro do capital. E, esses times da periferia, se vencem, é porque conseguem superar de maneira quase heroica a sua condição de dependente. A coisa é clara. Ainda assim, a paixão persiste. De novo, vou buscar em Nilso Ouriques alguma resposta. No

Já passou da hora de José Maria Marin pendurar as chuteiras

Quando José Maria Marin desceu do ônibus da seleção com uma reluzente gravata amarela no fatídico dia 8 de julho, antes da homérica surra de 7 a 1 para a Alemanha, foi impossível não sentir engulhos. Como pode alguém com a história política de Marin presidir a CBF, entidade que administra uma de nossas maiores paixões? Péssimo de voto e sem carisma, Marin é o arquétipo do político que vive nas sombras para proteger interesses inconfessáveis. Companheiro de todas as horas de Paulo Maluf, na última eleição que participou em 2002, Marin tentou uma vaga no Senado pelo PSC (o mesmo do deputado Marco Feliciano) e conseguiu 0,2% dos votos, ficando em 17º lugar. Em 1975, Marin era deputado pela ARENA, partido do governo militar, e pediu um aparte ao discurso do deputado do mesmo partido, Wadih Helu, futuro presidente do Corinthians, na Assembleia Legislativa de São Paulo e exigiu “providências aos órgãos competentes em relação ao que está acontecendo no canal 2 [TV Cultura…]”, que, segundo ele “sofria infiltração de elementos comunistas”. Na noite de 24 de outubro, 15 dias depois do discurso na Assembleia, os policiais chegaram à TV Cultura para levar o jornalista Vladimir Herzog, diretor de jornalismo da rede. Colegas de Vlado intervieram e ele foi liberado para passar a noite em casa com a condição de se apresentar à polícia no dia seguinte. Após se apresentar no DOI-CODI no dia 25 de outubro, Vladimir Herzog foi preso e assassinado em tortura. Em texto publicado na Folha de São Paulo, Marin defendeu-se: “é uma calúnia e difamação declararem que fui responsável pela tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog. Segundo o texto, ele só queria “chamar a atenção sobre o jornalismo parcial da TV Cultura”. Um ano depois da morte de Vladimir Herzog, em outubro de 1976, Marin voltou à carga e discursou a favor do infame delegado Sérgio Fleury, um dos mais perversos assassinos do regime militar: “Queremos prestar nossos melhores cumprimentos a um homem que, de há muito, vem prestando relevantes serviços à coletividade, embora nem sempre tenha sido feita justiça ao trabalho (…) Queremos trazer nossos cumprimentos e dizer do nosso orgulho em contar na polícia de São Paulo com o delegado Sérgio Paranhos Fleury” A morte de Vladimir Herzog e o Brasil que não queremos Carreira política dantesca Marin elegeu-se vereador pelo PRP, partido do fascista Plínio Salgado, em 1963 na cidade de São Paulo. Em 1971, foi eleito deputado estadual pela Arena, partido que deu suporte ao regime militar. Em 1978, foi indicado vice-governador biônico ao lado de seu amigo, Paulo Maluf, pelos delegados da Arena. O perdedor da convenção, Laudo Natel, acusou Marin e Maluf de fraude na contagem dos votos, mas o governo do presidente Geisel impediu a investigação. Em 1985, Marin coordenou a campanha de Jânio Quadros para prefeito de São Paulo, infelizmente vitoriosa. Ele candidatou-se a senador em 1986 pelo PFL e ficou em quarto lugar. Em 2000, candidatou-se à prefeitura de São Paulo pelo PSC (o mesmo de Feliciano), e ficou em 9º lugar, dois anos depois, obteve o 17º lugar na eleição para o Senado. O político também jogou futebol como atacante e chegou a vestir a camisa do São Paulo Futebol Clube entre 1950 e 1952. Marin também foi presidente da Federação Paulista de Futebol entre 1982 e 1986, chefe da Delegação Brasileira na Copa do Mundo de 1986 e vice-presidente da CBF para a região Sudeste. Marin ainda foi protagonista de outro episódio surreal. Na final da Copa São Paulo de Juniores em 2012, ele simplesmente embolsou uma medalha. Assista na íntegra a entrevista de Ivo Herzog, filho de Vlado, que chegou a entregar abaixo-assinado com 53 mil assinaturas contra Marin aos 20 clubes da série A e todas as federações estaduais de futebol:   A Copa do Mundo e suas perplexidades    

Na Copa de 78, o ‘conselho’ do ditador Geisel ao artilheiro Reinaldo

Bem-vindo ao Fatos da Zona, onde adaptamos os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre para o audiovisual. ASSISTA:       Reinaldo – O ídolo do Atlético Mineiro, Reinaldo, sempre comemorava os gols reproduzindo o gesto do movimento Panteras Negras que lutava contra o racismo nos Estados Unidos: o artilheiro erguia o braço e cerrava o punho. Convocado para a Copa de 78, em reunião antes do embarque para a Copa na Argentina, o ditador Geisel, incomodado com o misto de protesto e comemoração de Reinaldo, o ameaçou no Palácio Piratini em Porto Alegre: “quem cuida da política é a gente, você cuida de jogar futebol, deixa a política pra gente”. O treinador Cláudio Coutinho convocou Reinaldo, de apenas 20 anos, para a seleção em 1977. A comissão técnica da Copa de 78 era composta de militares e o almirante Heleno Nunes (presidente da Confederação Brasileira de Desportos) e André Richer (chefe da delegação brasileira na Copa) diziam para Reinaldo não vibrar de tal forma e evitar comentários sobre política. Richer dizia que não era bom fazer o gesto, pois ele era “meio revolucionário”. Para piorar, a Copa foi realizada durante o assassino governo do general Jorge Videla. A ditadura militar argentina assassinou 30 mil opositores. No primeiro jogo da Copa contra a Suécia, Reinaldo marcou o gol brasileiro (o jogo terminou em 1 a 1) e não se intimidou com as ameaças: BRAÇO EM RISTE na comemoração. Mesmo tendo marcado, Reinaldo foi substituído por Roberto Dinamite nas partidas seguintes. Além dos problemas políticos, Reinaldo também não estava 100% fisicamente. O Brasil terminou a Copa em terceiro lugar, ficando fora da final pelo saldo de gols. Essa foi a única participação do jogador em uma Copa do Mundo. Assista ao gol e a comemoração de Reinaldo contra a Suécia em 78: LEIA TAMBÉM “Um gol inesquecível contra Pinochet”  Anos mais tarde, Reinaldo confessou que recebeu durante a Copa um envelope com informações sobre a Operação Condor (aliança entre ditaduras sul-americanas para oprimir opositores). O envolvimento político do jogador trouxe consequências. Em entrevista à Revista Placar em 2012, Reinaldo desabafou: “o corpo fascista do país começou a me minar. Não só moralmente, mas com assédio de todo o tipo. Falavam que eu era cachaceiro, maconheiro, viado. Inventaram que eu era gay por causa da amizade com o radialista Tutti Maravilha [radialista e produtor musical]. Linchamento moral. Eu não tinha partido, sindicato, nada. Fui massacrado sozinho”. Além disso, as lesões prejudicaram o jogador. Perseguido de forma impiedosa pelos zagueiros, Reinaldo sofreu muitas lesões, principalmente no joelho. Depois que parou de jogar, ele enfrentou problemas com a cocaína semelhante a outro ídolo rebelde dos gramados, Maradona. Na mesma entrevista, o jogador afirmou que não dava um tiro há mais de 15 anos e que não iria mais falar em drogas já que elas não faziam mais parte de sua vida. Outro craque que envolveu-se em assuntos políticos e também comemorava seus gols evocando a mensagem dos Panteras Negras, Sócrates popularizou ainda mais o gesto nos gramados. É assim que os torcedores lembram do Magrão, que morreu em dezembro de 2011. Fonte usada: Revista Placar Zico foi excluído da seleção pela ditadura A Copa do Mundo e suas perplexidades  

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