Zona Curva

Memória

Um povo sem memória é um povo sem história.

Gandhi: o mestre do protesto

Gandhi – O indiano Mohandas Karamchand Gandhi, o Mahatma (“grande alma”), conquistou a independência política da Índia ao pôr em prática duas ideias que orientaram sua luta por direitos humanos e liberdade. A primeira foi a Ahinsa (“não-violência”) em que a busca por qualquer objetivo, por mais digno que seja, não justifica qualquer uso de meios violentos. A segunda foi a Satyagraha (“o caminho da verdade”), que, a grosso modo seria a forma não-violenta de protesto, a mudança revolucionária por meios pacíficos. Nunca podemos confundir esses dois preceitos com qualquer forma de passividade. Satyagraha nomeou também a operação da Polícia Federal em 2004 que desmantelou quadrilha de banqueiros acusados de lavagem de dinheiro, entre eles, Daniel Dantas. Em 30 de janeiro de 1948, Gandhi foi assassinado pelo nacionalista hindu Nathuram Godse, que discordava da liberação de recursos financeiros da Índia para o Paquistão (ambos recém libertos do jugo inglês), era o início da primeira guerra pela Caxemira Conforme texto do blog português Pimenta Negra, a forma de luta de Gandhi seguiu três eixos principais: Manifestações pacíficas: diálogos, testemunhos, petições, marchas, jejuns, manifestações públicas, orações e cooperação com os mais oprimidos Não cooperação: boicote sistemático e negação de colaborar com um regime ou sistema injusto (Gandhi e seus seguidores realizaram na prática boicote a tribunais, escolas e outras instituições inglesas na Índia) Desobediência civil: violação intencional, organizada, sitemática e pública de leis arbitrárias. A Marcha do Sal e a desobediência civil na prática Em 1930, a lei britânica proibiu a retirada do sal do mar e a criação de salinas, afetando em particular os mais pobres. Gandhi iniciou uma marcha de mais de 300 quilômetros rumo ao mar. No início, foram apenas 78 seguidores, depois de mais de 20 dias de caminhada, mais de 60 mil pessoas caminhavam ao seu lado. Em 6 de abril, Gandhi retirou o sal, gesto que desafiou o monopólio do colonizador sobre a produção do sal.  Milhares de pessoas foram presas. Gandhi também foi preso em 4 de maio de 1930. Em 1931, o vice-rei inglês convocou Gandhi e ambos firmaram um acordo, a desobediência civil foi cancelada e os prisioneiros foram libertados. “A não-violência é a maior força que existe à disposição do ser humano. É mais poderosa do que qualquer arma de destruição inventada” (Gandhi) O dia 30 de Janeiro foi proclamado pela ONU como o dia da não-violência em homenagem a Gandhi. Trata-se de uma iniciativa voltada à educação para a paz, a solidariedade e o respeito pelos direitos humanos. Fonte usada: Blog Pimenta Negra  Gandhi era racista? Forçava garotas a dormir nuas com ele? A importância de Steve Biko e do Movimento de Consciência Negra na África do Sul

Documentário revive as origens do golpe militar

O documentário 1964, um golpe contra o Brasil, do jornalista Alípio Freire, recria o clima da época do golpe militar de 1964. Lançado em março de 2013, o documentário foi realizado em parceria entre o Núcleo Preservação da Memória Política e a TVT – Televisão dos Trabalhadores. Leia texto sobre o “O dia que durou 21 anos”, filme que também aborda o golpe de 64  O escritor e jornalista baiano Alípio Freire, que foi preso político entre 1969 e 1974, explica que a motivação para a realização do filme veio da falta de informação dos mais jovens sobre o início do regime militar brasileiro. Ele declarou ao blog Viomundo: “o Núcleo [de Preservação da Memória Política] pensou em um vídeo capaz de informar aos mais jovens o que foi o pré-golpe e o golpe para que se entendam os interesses de classe em jogo no Brasil naquele momento”. O fime narra os acontecimentos entre a renúncia de Jânio Quadros e a posse do general Castelo Branco, em 1964. O ministro do Trabalho do governo João Goulart, Almino Afonso, prova como Jânio tentou um golpe com sua renúncia em 1961. Afonso lê trechos do livro A História do Povo Brasileiro, que Jânio escreveu ao lado de seu ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos. O livro revela como a mente delirante de Jânio funcionava: sua renúncia “deixaria o país acéfalo” e com Jango em viagem oficial na China, Jânio, que já tinha acordo e apoio dos ministros militares, voltaria ao poder ‘dentro de novo regime institucional’. Leia texto Zonacurva sobre o papel de Brizola na posse de Jango após a renúncia de Jânio Quadros   O filme também retorna à polêmica sobre a ‘frágil’ reação de Jango diante do avanço dos militares golpistas. O presidente gaúcho temia que tomássemos o rumo de Coréia e Vietnã, que mergulharam em sangrenta guerra civil e foram divididos em dois. O livro Jango, a vida e morte no exílio, do jornalista e professor Juremir Machado da Silva, cita trecho do livro João Goulart: recuerdos en su exilio uruguayo, sobre a ida de Jango ao Uruguai poucos dias após o golpe. Com a palavra, o presidente exilado João Goulart: “Eu me senti isolado do resto do país em Porto Alegre e desolado diante da única perspectiva que tinha pela frente: uma guerra fratricida”. [O senhor foi repetidamente rotulado de comunista e…]  “Não sou nem nunca fui comunista. Minha política foi eminentemente nacionalista. Foram os monopólios nacionais e estrangeiros que fomentaram a revolta, preocupados com as leis de nacionalização do petróleo e da reforma agrária…” Alípio Freire explica as motivações para a realização do documentário: Fontes: Blog Viomundo e livro Jango, a vida e morte no exílio, de Juremir Machado da Silva (editora L&PM, 2013). O grito da Passeata dos Cem Mil contra a ditadura militar

O AI-5 mergulhou o país na escuridão

AI-5 – Em 13 de dezembro de 1968, o governo militar do Marechal Costa e Silva baixava o Ato Institucional número 5, o infame AI-5. Entre as resoluções do AI-5, o governo fechou o Congresso Nacional, deu-se a prerrogativa de suspender os direitos políticos de qualquer cidadão por 10 anos, cancelou o habeas corpus para crimes políticos e proibiu atividades e manifestações. Quem se atrevesse, sofreria severas penalidades. Para garantir a “ordem”, os quartéis mantiveram-se em rigoroso regime de prontidão, e as Polícias Federal, Militar, Civil e a Guarda Civil foram mobilizadas em todo o seu contingente. O ato foi a resposta do regime militar às mobilizações populares de 1968, “o ano que não terminou”. O pretexto para a promulgação do AI-5 veio do duro pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves no dia 2 de setembro no quase vazio plenário da Câmara em resposta à violência do regime na ocupação da Universidade de Brasília. Alves pediu aos pais que não levassem seus filhos aos desfiles de 7 de setembro e aconselhou às mulheres dos militares a não “estabelecerem relações” com seus maridos até que a democracia fosse restaurada. Os deputados governistas pediram sua cassação e, no dia 12 de dezembro, o Congresso negou o pedido. O próprio Márcio Moreira Alves explica seu discurso: “foi um discurso de cinco minutos baseado na história de Lisístrata que era uma peça sobre as mulheres de Atenas … foi aí que me deu a ideia de fazer essa provocação, mas era uma coisa sem importância”   A peça teatral Lisístrata, do grego Aristófanes, a que o deputado refere-se, estava sendo encenada em São Paulo pela atriz Ruth Escobar. Lideradas pela ateniense Lisístrata, as mulheres decidem instituir uma greve de sexo até que seus maridos parasseem a luta e estabelecessem a paz. No final, graças às mulheres, as duas cidades celebram a paz. A anti-memória de Costa e Silva Em uma homenagem às avessas ao ditador Costa e Silva, hoje pela manhã, o Colégio Estadual Costa e Silva, em Nova Iguaçu (RJ) abandonou o nome e passou a se denominar Colégio Estadual Abdias do Nascimento, em homenagem ao artista e ativista negro.   O documentário “AI-5, o dia que não existiu” Em 2011, com produção da TV Cultura, o jornalista Paulo Markun lançou o documentário AI-5, o dia que não existiu, que narra o dia de 12 de dezembro de 1968 em que a Câmara dos Deputados desafiou à ditadura e negou a cassação do deputado Marcio Moreira Alves. O filme conta com depoimentos de Marcio, Mario Covas, Jarbas Passarinho, entre outros. A ideia do documentário surgiu quando Markun teve contato com os arquivos do dia 12 que tinham desaparecido dos registros da Câmara. A papelada histórica do dia foram preservados graças à funcionária pública na época, Ana Lúcia Brandão, que os divulgou em 2010. Assista ao teaser do documentário: Como a ditadura chegou ao 5 No detalhado trabalho de pesquisa de Beatriz Kushnir no livro Cães de Guarda —jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988, entendemos os outros atos institucionais do regime militar: O AI-1, de 9/4/1964, que nasceu para ser o único e foi apenas o primeiro … permitiu ao Estado que casasse 378 políticos, reformasse 122 policiais, exonerasse cerca de 10 mil funcionários públicos e interrogasse aproximadamente 40 mil pessoas. Em 27/10/1965, o AI-2 baixou 36 atos complementares e puniu 309 políticos. Após a retumbante derrota eleitoral dos candidatos governistas nos pleitos de Minas Gerais e da Guanabara, onde a oposição venceu as eleições disputadas em 1965, veio o AI-3 em 5/2/1966, que estabeleceu pleitos indiretos para governadores, cabendo a estes nomear o prefeito das capitais e dos municípios, transformados em áreas de segurança nacional. A constituição de 1967 teve como meta incorporar os atos de exceção e, no palco das encenações que também é a arena política, apresentar as diretrizes pós-1964 devidamente ordenadas, fazenda da restrição a regra. Pelo AI-4, de 7/12/1966, o Congresso foi reaberto para institucionalizar e sagrar a nova carta. Fontes: livro Cães de Guarda —jornalistas e censores , do AI-5 à Constituição de 1988, de Beatriz Kushnir (editora Boitempo), blog de Mario Magalhães e Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas. Ministério Público de São Paulo denuncia legista Harry Shibata por ocultar assassinato da ditadura Exposição Ai-5 50 ANOS no Instituto Tomie Ohtake  

Barão de Itararé: Quem foi Barão, nunca perde a majestade

Bem-vindo ao Fatos da Zona, onde adaptamos os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre para o audiovisual. Neste vídeo, vamos explorar a vida e o legado de um dos maiores nomes do humor político brasileiro: o Barão de Itararé. Conhecido por seu estilo irreverente e crítico, o Barão deixou sua marca na história do país, utilizando o humor como uma arma para questionar o poder e expor as contradições da sociedade.     Barão de Itararé – Jornalista, escritor e sobretudo humorista, o genial Barão de Itararé, nome de guerra do gaúcho Apparício Torelly, forjou-se aristocrata com o método de “injetar azul de metileno nas veias“. Na verdade, Torelly foi filho de pai brasileiro e mãe índia charrua uruguaia. Decidida a dar à luz ao pequeno Barão no Uruguai, sua mãe viajou grávida de carroça pelos pampas. O espírito brasileiro do bebê protestou: Torelly nasceu no meio do trajeto. Um dos precursores da imprensa alternativa no Brasil, o Barão, criou, em 1926, o jornal humorístico A Manha (inspirado em A Manhã onde trabalhou), com o slogan “Quem não chora, não mama”. Em 1949, lança o Almanhaque, anárquico almanaque em que ele revela já na primeira edição que a vida pública do editor “é a continuidade da privada”. Frasista dos melhores, algumas pérolas do Barão: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada.” “Quem inventou o trabalho não tinha o que fazer.” “Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mais vivos.” “Banco é uma instituição que empresta dinheiro se a gente apresentar provas suficientes de que não precisa de dinheiro.” Ferrenho opositor de Getúlio Vargas (chegou a apoiá-lo no início), Barão conheceu o presidente ainda jovem na época do colégio e chegou a dividir a mesma pensão com o irmão de Getúlio, Benjamin, em Porto Alegre. Cansado de ser perseguido, colocou na porta de seu escritório uma placa com a hoje famosa frase ”Entre sem bater”. No ano passado, a história inspirou o título do livro Entre sem Bater: a Vida de Apparício Torelly, o Barão de Itararé” (Casa da Palavra), do jornalista Cláudio Figueiredo. “Menos água no leite” Barão foi eleito vereador da capital federal Rio de Janeiro em 1947 com o lema “Mais leite! Mais água! Mas menos água no leite!”. Apesar de sua origem aristocrática, ele submeteu-se ao escrutínio popular e recebeu 3.669 votos da plebe. Rebelde por natureza, o Barão tornou-se o primeiro exemplar de sangue azul comunista. Ele foi o oitavo vereador mais votado do PCB (Partido Comunista do Brasil), que ocupou 18 das 50 vagas existentes. Em janeiro de 1948, os vereadores do partidão foram cassados. Barão não esmoreceu e tascou como manchete da Manha: “Um dia é da caça… os outros da cassação”. Seu espírito crítico inspirou a criação do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, que luta pela democratização da comunicação visando conquistar maior pluralidade e diversidade informativa e cultural no país”, segundo o site da instituição. Fontes: livro Máximas e mínimas do Barão de Itararé, editora Record.  O humor do Barão de Itararé como antídoto contra a barra pesada

Orson Welles e seus extraterrestres

Orson Welles – Em 30 de outubro de 1938, cerca de um milhão de americanos acreditou que o país tinha sido subjugado por alienígenas. Em algumas cidades como São Francisco e Nova Jersey, as linhas telefônicas ficaram sobrecarregadas, os congestionamentos tomaram às ruas e muitos saíram de suas casas com toalhas cobrindo os rostos para se protegerem dos gases venenosos dos ‘invasores’. O responsável pelo pânico foi o diretor de cinema e ator Orson Welles, na época com apenas 23 anos. No início de sua carreira como ator, o jovem Welles narrou por cerca de uma hora pela rádio CBS uma adaptação do clássico da ficção científica, A Guerra dos Mundos, lançado pelo escritor H.G. Wells em 1898. LEIA TAMBÉM TEXTO SOBRE O FILME SOLARIS, DO RUSSO TARKOVSKI No livro, os marcianos invadem a Terra com naves assassinas sobre tripés que disparam raios carbonizadores sobre os seres humanos. O livro já foi adaptado algumas vezes para o cinema. A última foi em 2005, com Tom Cruise no papel principal. O britânico H.G. Wells foi jornalista, escritor e professor e um dos precursores da ficção científica. Além de Guerra dos Mundos, escreveu clássicos do gênero como A Máquina do Tempo (1895) e A Ilha do Doutor Moreau (1896). Morreu em Londres em 1946 aos 79 anos. O pedido de desculpas de Welles Na manhã seguinte, no dia 31, o jornal The New York Daily News relatou o estrago: “cenas inacreditáveis de terror em Nova Iorque, Nova Jersey e São Francisco. Quinze pessoas foram internadas em estado de choque e uma mulher chegou a tentar o suicídio na cidade de Pittsburgh”. A interpretação dramática que Welles deu ao texto aumentou a verossimilhança da ficção ao vivo. A audiência estimada da transmissão foi de 6 milhões de ouvintes. O episódio nunca chegou a ofuscar a carreira cinematográfica de Welles. Apenas 3 anos depois do episódio, Welles lançou um dos maiores clássicos do cinema, Cidadão Kane (1941). O cineasta ainda realizou filmes emblemáticos como Macbeth, Reinado de Sangue (1948) e A Marca da Maldade (1958). Fonte usada: Mashable

A caçada a Lamarca

Lamarca – Depois de caminhar por mais de 300 quilômetros, o guerrilheiro Carlos Lamarca foi assassinado em 17 de setembro de 1971 por agentes da ditadura militar no sertão baiano. No comando da patrulha que assassinou Lamarca, estava o major Nilton Cerqueira, que, anos mais tarde foi eleito deputado federal e trabalhou como secretário de Segurança do Rio de Janeiro. Um dos comandantes da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e militante do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), Lamarca foi um dos símbolos da resistência ao regime militar e morreu antes de completar 34 anos. Baseado no livro Lamarca, o Capitão da Guerrilha, publicado em 1980 pelos jornalistas Emiliano José e Oldack Miranda, o filme do diretor Sérgio Resende conta a história do guerrilheiro, interpretado por Paulo Betti. Ironicamente, no filme de Resende, Cerqueira é vivido pelo ator Zé de Abreu, conhecido pela defesa implacável de suas posições de esquerda. Resende abordou outra história dos anos de chumbo no filme Zuzu Angel, de 2006. Carlos Lamarca foi o terceiro entre os seis filhos de Antônio e Gertrudes Lamarca, uma família modesta da zona norte carioca. Formou-se, em 1960, pela Escola Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ), obtendo a patente de Capitão em 1967. Mas foi em São Paulo, no quartel de Quitaúna, para onde pediu transferência em 1965, que Lamarca, fez sua opção revolucionária. Na época, Lamarca acompanhava com grande interesse o grupo de ex-sargentos que, inicialmente vinculado ao Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), uniu-se a um setor dissidente da Política Operária (POLOP) e deu origem à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Já como membro da VPR, Lamarca realizou uma ação de expropriação no quartel de Quitaúna em 24 de janeiro de 1969 em que levou 63 fuzis, metralhadoras e muita munição. Sua ideia era seguir imediatamente para uma região onde pudesse preparar a guerrilha, o que o obrigou, de imediato, a separar-se da mulher e dos filhos, enviados para Cuba, via Itália, no mesmo dia de sua deserção. LEIA TAMBÉM “Marighella: a execução do inimigo número 1 da ditadura militar” Em abril de 1971, em discordância com a VPR, ingressou no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). No mês de junho, Lamarca foi para o sertão da Bahia, no município de Brotas de Macaúbas, com a finalidade de estabelecer uma base da organização no interior. Com a prisão em Salvador, em agosto, de um militante que conhecia seu paradeiro e a localização de um aparelho onde se encontrava sua companheira, a psicóloga paulista Iara Iavelberg (que também foi namorada do ex-deputado José Dirceu), os órgãos de segurança iniciaram o cerco à região. A namorada de Lamarca, Iara, foi assassinada por agentes do governo em um apartamento no bairro da Pituba, em Salvador, no dia 20 de agosto de 1971. O regime militar sempre sustentou que ela cometeu suicídio após o cerco policial, o que foi desmentido pelas investigações posteriores. Hoje há provas suficientes de que foi mais uma mentira do governo da época. Um tiroteio travado entre a polícia e os irmãos de José Campos Barreto, o Zequinha, que acompanhava Lamarca, obrigou-os a iniciar uma longa e penosa rota de fuga, de 28 de agosto a 17 de setembro. Ao descansarem à sombra de uma baraúna, foram surpreendidos pela repressão. Lamarca estava desnutrido, asmático e provavelmente com a doença de Chagas.  fontes:  revista Istoé e Grupo Tortura Nunca Mais – RJ. Iara Iavelberg e sua luta contra a ditadura militar

Fausto Wolff: saudades do velho lobo

Fausto Wolff – Gaúcho de Santo Ângelo e carioca por opção, o jornalista e escritor Fausto Wolff era o pseudônimo de Faustin von Wolffenbüttel. O seu amigo e sempre preciso Millôr Fernandes o definiu assim: “Fausto Wolff, em toda parte, procurou e conviveu com os da sua estirpe – escritores, cineastas, poetas e grã-finas. E com os da sua laia – bêbados, putas e brigões”. Lembro de seu discurso no lançamento da revista Bundas, em bar na zona oeste de São Paulo, em 1999. Com as bochechas vermelhas após várias doses de uísque, Wolff discursou com sua voz grave sobre a luta por uma imprensa livre e a escrita como resistência política e cultural. Após a fala, saiu cambaleante em busca do primeiro táxi. A revista Bundas durou pouco, mas o discurso ficou para sempre na memória. Wolff começou sua carreira aos 14 anos de idade como repórter policial do jornal Diário de Porto Alegre. Aos 18, mudou-se para o Rio de Janeiro onde construiu sua carreira jornalística de mais de cinco décadas. Como jornalista, Wolff trabalhou no Pasquim e foi colaborador de publicações como Jornal do Brasil, Tribuna da Imprensa, Diário da Noite, entre outras. Autor de mais de duas dezenas de livros, Wolff escreveu um pouco de tudo: romances, infanto-juvenis, contos, crônicas, poemas, além de ter trabalhado como tradutor. Veja aqui uma lista de suas obras publicadas.  Fausto Wolff morreu em 5 de setembro de 2008, aos 68 anos. Nasceu em  8 de julho de 1940.  Fausto verteu do inglês para o português um livro que combina com seu espírito: Detonando a Notícia: como a Mídia Corrói a Democracia Americana, do jornalista norte-americano James Fallows. O livro questiona o funcionamento da mídia e dá uma aula sobre os mecanismos da indústria jornalística. Na introdução, lemos: “quanto mais importante se torna uma estrela jornalística mais ela é forçada a abrir mão da essência do verdadeiro jornalismo, que se resume na busca da informação a serviço do interesse público”. O panfletário e o steinheger Em matéria publicada na extinta revista Aplauso realizada pela jornalista Marta Batalha em 2000, Wolff assumia o título de panfletário com orgulho. Considerado como uma ofensa por alguns, Wolff dizia: “alguém tem de ser panfletário neste país, desde que o discurso esteja psicologicamente bem inserido na construção dos personagens. Shakespeare, Molière, Stendhal, Dostoievski e até Proust e Kafka foram panfletários. Eu escrevo com paixão e com compaixão.” Para Wolff, as convicções eram inegociáveis: “a boa literatura sempre foi uma literatura contra o status quo no sentido de mudá-lo, acho que o mundo é mutável, sim.” O cartunista Jaguar, amigo de Wolff, conta causo que ilustra bem o espírito beberrão de Wolff: “num boteco em Curitiba, depois de incontáveis rodadas de cerveja e steinheger, deixou um enorme polaco desmaiado em coma alcoólico. Enquanto seus desolados torcedores o arrastavam para fora, Fausto pegou a grana das apostas. – Agora vamos beber socialmente – disse.” Wolff foi grande amigo do fundador da Banda de Ipanema, Albino Pinheiro, e participou como entrevistado e entrevistador do documentário, do diretor Paulo César Saraceni, sobre a banda. Durante anos, a banda foi uma espécie de braço bem-humorado da resistência à ditadura militar. Autodidata e dono de uma cultura enciclopédica, a literatura de Wolff tem o signo da revolta, indignação e de um humor cáustico como em seu livro o ABC do Fausto Wolff – tudo o que você sempre quis perguntar sobre sexo, humor e política e nunca teve coragem para saber, de 1988. No livro, cada verbete é explicado como um verdadeiro dicionário clandestino. Vamos ao tema da impotência: “…a verdade mesmo é que, cedo ou tarde, todo mundo dá a sua broxada, principalmente, depois de derrubar duas garrafas de uísque ou fumar uma chaminé da chamada erva maldita ou cheirar aquele pozinho que custa 10 dólares a grama…” Entre seus livros de contos, em O Homem e seu algoz (1997) e O Nome de Deus (1999), Wolff mostra o domínio da narrativa em histórias curtas. Nos romances, Wolff escreveu dois catataus, àqueles que conseguem parar em pé sozinhos. O primeiro foi À mão esquerda, de 1996. No livro, Wolff narra a saga de 300 anos da família von Traurigzeit em misto de autobiografia, ficção, memória e história. O romance confunde-se com a história da família de Fausto, pobre no Brasil, mas de origem aristocrática na Alemanha. Em trecho de À mão esquerda, Wolff resume nossa primeira década pós-ditadura militar: “O primeiro presidente civil, depois de vinte e um anos de ditadura militar, seria eleito pelo Congresso e assassinado lentamente num hospital. Não por ser perigoso ao sistema, pois não se conhece uma boa ação que tenha cometido em sua longa vida política, mas por pretender um pouco de autonomia. Seu substituto, um poeta quilômetros abaixo da linha da mediocridade, roubaria em cinco anos o equivalente ao orçamento de várias nações sul-americanas. O povo a essa altura já estaria tão alienado pela televisão e pela fome, que elegeria em seguida, pelo voto direto, um jovem psicopata, produto de laboratório como a criatura do doutor Frankenstein, que acabaria sofrendo impeachment por querer roubar mais que os seus criadores. O ano de 1995 encontraria à testa da Nação um sociólogo, filho de general, homem de esquerda que porém mudaria de ideia para governar com a direita para a direita, ou seja, para 5% da população. E isso com a conivência de uma imprensa burguesa, pós-moderna, neoliberal, combatida apenas pelas vozes isoladas de alguns velhos amigos meus.” O segundo catatau, como diria Leminski, veio 9 anos depois, em 2005, com a publicação da Milésima segunda noite. Nele, Wolff escreve em 1001 trechos sobre tudo e mais um pouco. 11 de setembro, mulheres, política, religião etc. Wolff transmuta-se em Xerazade às avessas narrando nossas mazelas ao tomar um tremendo porre em boteco da Lapa. Exílio, Brizola e a candidatura a deputado Devido à censura e perseguição da ditadura militar, em 1968, Wolff exilou-se na Europa e trabalhou como professor de literatura brasileira nas universidades de Copenhague (Dinamarca) e

Saudades dos tempos orgiásticos

Em uma de suas poucas entrevistas, o jornalista Ivan Lessa explicou um dos motivos de seu auto-exílio em Londres. Ele tinha medo da realidade destruir suas memórias da joie de vivre desfrutada no Rio nas décadas de 60 e 70: “eu era feliz e sabia, aquilo era de uma intensidade orgiástica”. Me contamino de saudosismo e imagino um tempo em que jornalistas não se fechavam em discussões provincianas e divisões em turminhas de fora ou de dentro do eixo. Os que valiam a pena eram a priori e naturalmente sem eixo e não se jactavam disso. Lessa morreu em 8 de junho de 2012, aos 77 anos e morou em Londres de 1978 até sua morte no ano passado. Na redação do lendário Pasquim, conheceu dois de seus maiores amigos, Paulo Francis e Jaguar. Com o último, Lessa criou o ratinho Sig, de Sigmund Freud, símbolo do Pasquim, baseado na anedota que dizia que se “Deus criou o Sexo, Freud criara a sacanagem”. Ainda no Pasquim, Lessa conviveu com figuras como Millôr Fernandes, Ziraldo, Tarso de Castro, entre outros. Na última década de vida, passou a andar em má companhia, tornou-se amigo do deplorável Diogo Mainardi, que despeja suas sandices no panfleto ordinário que atende por Veja e no Manhattan Connection, do canal GNT. Tradutor de inúmeras obras, Lessa foi autor do livro de contos Garotos da Fuzarca (1986) e dois de crônicas: Ivan vê o mundo (1999) e O luar e a rainha (2005). Lessa trabalhou por anos na rádio e no site da BBC Brasil, onde escrevia três colunas por semana quando morreu (vale a pena dar um pulinho por lá). A inspiração para a carreira jornalística e literária veio do sangue. Bisneto de Julio Ribeiro, autor do romance A Carne, de 1888, que causou escândalo na época de sua publicação por abordar temas como o amor livre e o divórcio, Ivan Lessa é filho do escritor Orígenes Lessa e da cronista Elsie Lessa. Segundo o filho, sua mãe “foi meio injustiçada”, referindo-se à falta de reconhecimento de seu trabalho (Elsie escreveu para o jornal O Globo sem cessar por inacreditáveis 48 anos). Além de cronista e jornalista, Lessa foi também ótimo frasista. “Baiano não nasce, estreia” e “todo brasileiro vivo é uma espécie de milagre” exemplificam sua mordacidade. Em entrevista concedida ao jornalista Alberto Dines em 2001, Lessa fala sobre o Pasquim, sua paixão pela música brasileira, Paulo Francis, os jornais ingleses, sua família e outros assuntos. Dois anos antes, em 1999, em outra entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto, Lessa nos recorda da canção Nossos Pais, imortalizada por Elis Regina. Na canção, Elis canta a plenos pulmões que “qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa”. Para Lessa, o mesmo pode se aplicar à literatura: “ao ler Ana Karenina, você se empolga, acompanha a mulher até ela se jogar embaixo de um trem, mas, se você se lembrar dessa meia hora na praça ou num jardim, evidentemente essas experiências, têm, em você, um impacto pessoal que a literatura jamais vai dar”. https://www.zonacurva.com.br/cinco-anos-sem-o-velho-lobo/

O medo da falta de memória

A exibição do filme Hoje, da cineasta Tata Amaral, em evento da Clínica do Testemunho no Sedes Sapientiae, foi na noite anterior (dia 9 de maio) ao depoimento do coronel Carlos Brilhante Ustra na Comissão da Verdade, em Brasília. Em verdadeiro surto, Ustra negou qualquer responsabilidade nas torturas praticadas pelo famigerado DOI-CODI, que comandou nos anos 70. O Zonacurva descreveu como o medo ainda assombra as vítimas do regime militar no texto sobre o lançamento da Clínica do Testemunho (leia em https://zonacurva.com.br/presos-politicos-no-diva/). O sentimento torna-se mais que justificável ao constatarmos que Ustra goza tranquilamente sua aposentadoria e tem a coragem de enfrentar a nossa memória (ou a falta dela) com arrogância. O criminosos Ustra tenta se defender. Assista:   A exibição do filme de Tata Amaral e posterior debate da cineasta com a documentarista e psicanalista Miriam Chnaiderman e a psicanalista Maria Cristina Ocariz lotou o auditório do Sedes. A Clínica do Testemunho é parceria do Instituto Sedes Sapientiae com a Comissão da Anistia do Ministério da Justiça. A clínica atenderá todos os anistiados políticos afetados direta ou indiretamente pela violência de Estado no regime militar. O belo filme de Tata Amaral foi lançado nos cinemas no momento em que as discussões sobre as arbitrariedades do regime militar voltam à tona. Inexplicável é que, após poucas semanas de seu lançamento, Hoje ocupe poucas salas de cinema em horários ingratos. O longa trata da história de Vera (Denise Fraga), que recebe indenização pelo desaparecimento do marido, Luiz (interpretado pelo ator uruguaio César Troncoso), e compra apartamento no centro da cidade de São Paulo. O filme coloca a protagonista em situação de estresse que beira à claustrofobia, cenário semelhante ao primeiro filme de Tata, Um céu de estrelas (1996). O clima favorece um verdadeiro acerto de contas de Vera com o passado. O desinteresse do grande público pelo filme de Tata talvez tenha explicação em sua fala no debate após o filme: “somos uma sociedade que ainda aceita a tortura, nesse momento, muitos ainda são torturados no país”. Fantasmas à solta

18 anos do massacre de Eldorado de Carajás

Há 18 anos, no Pará, aconteceu um dos crimes mais hediondos da história recente brasileira. Ao contrário do que os jornalões divulgaram, foram 21 sem terra assassinados, em vez de 19, no município de Eldorado de Carajás. Em 17 de abril de 1996, 1.500 sem terra acampados na região fizeram uma marcha de protesto e interditaram a BR-155. A Polícia Militar chegou ao local com a ordem de desbloquear a rodovia. O confronto entre os agricultores e a PM causou a morte dos sem terras, mutilou outros 69 trabalhadores rurais e deixou mais de uma centena de feridos. Segundo o site da revista Carta Capital, hoje pela manhã (dia 17 de abril), cerca de 500 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) bloquearam duas rodovias (BR-020 e BR-070) no Distrito Federal com o objetivo de lembrar a chacina. O ato faz parte da Jornada de Lutas de Abril, ou Abril Vermelho. O movimento também aproveitou para protestar por agilidade na reforma agrária no DF. No ano passado, dez anos após a condenação e depois de perder todos os recursos judiciais para anular a sentença, o coronel da Polícia Militar do Pará, Mário Colares Pantoja, e o major José Maria Oliveira, acusados de liderar o massacre em Eldorado, foram condenados a 228 anos e 158 anos de prisão, respectivamente. No final de novembro de 2013, as Varas Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do Pará negaram, à unanimidade de votos, habeas corpus requerido por Pantoja, que solicitou à Justiça o cumprimento de sua pena em prisão domiciliar.  (texto editado em 17 de abril)

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