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Política reportagem

Reportagens sobre a política na América Latina.

Povo Anacé luta pela proteção da água no Ceará

por Elaine Tavares Comunidades da etnia Anacé, no Ceará, sofrem a violência do Estado e correm o risco de perderem não apenas suas terras, mas também o acesso à água. Tudo isso porque o governo decidiu retirar a água do Lagamar do Cauípe, que é um manancial protegido ambientalmente, para uso de empresas que ficam no complexo industrial: 900 mil litros por segundo, denunciam os indígenas. A violência contra os povos indígenas não é de hoje. Ela começa com a conquista e desde então segue, sistemática. Dizimar, massacrar, extinguir, essa é a ordem. Por algum tempo, a ideia de aldear as comunidades foi bem aceita, desde que os indígenas se mantivessem lá, quietos, sem reivindicar direitos. Mas, se começam a exigir coisas, como o seu território ancestral, por exemplo, aí a coisa pega. Na queda de braço com os interesses do capital, o Estado nunca está ao lado dos povos originários. Pelo contrário, ainda que a Constituição determine a necessidade de consulta aos indígenas sobre qualquer ação nos seus espaços de vida, se o Estado determina que é de interesse nacional, o desejo dos indígenas nada vale. É assim que as terras originárias vêm sendo tomadas, sistematicamente, ao longo dos anos. É por isso que em vários pontos do país a violência segue acontecendo, com o desalojo de comunidades inteiras em nome do “progresso”. Mas, na verdade, o progresso alardeado não é aquele que beneficia toda a nação. Ele no geral diz respeito a um grupo ou a uma empresa. É o caso do conflito existente hoje na região de Caucaia, Ceará, área metropolitana de Fortaleza, envolvendo o povo Anacé e a construção do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP) que vem interferindo de maneira significativa na vida e tradição dessa etnia, bem como de toda a população daquela região. Segundo relatos de lideranças locais, na região de Caucaia, desde o início do século XVI há registros documentados sobre a existência dos Anacé, comunidade indígena que ainda resiste até hoje no mesmo lugar que estava quando aqui chegaram os portugueses e as missões jesuíticas. Eles sobrevivem, com sua cultura, mesmo quando o estado do Ceará, desde um decreto de 1863, declarou que ali não existiam mais vestígios de povos originários, visto que, segundo o então governador, as comunidades teriam assumido a religião cristã e não falavam mais a sua língua original. Uma mentira! O povo Anacé nunca se rendeu ao catolicismo, vive até hoje em Caucaia, tem sua própria crença e sua própria língua. E, desde 2006 está integrada a grande Assembleia dos Povos Indígenas do Ceará. Pois em 1995 o governo do estado iniciou os trabalhos para a instalação, na região, do Complexo Industrial e Portuário do Pecém, que surgia como um elemento capaz de fundamentar e atender as demandas empresariais, visando beneficiar indústrias de base voltadas para as atividades de siderurgia, refino de petróleo, petroquímica e de geração de energia elétrica. O lugar escolhido para a construção do complexo estava ocupado por famílias Anacé. Desde essa época vem sendo travada uma intensa luta pelo território. Até agora, noventa famílias já foram expulsas de suas terras por conta da apropriação feita pelas obras do complexo, com o beneplácito do governo do Ceará. Mas, restam mais de 300 famílias espalhadas pela região de Caucaia e São Gonçalo do Amarante. Com o início da operação do terminal portuário em 2002 e a instalação de empresas nacionais e estrangeiras no complexo industrial, os problemas se agudizaram. Conforme contam Paulo e Climério Anacé, a região do Lagamar do Cauípe soma hoje 27 comunidades, sendo a maioria delas formada por descendentes do povo Anacé. A residência de muitas famílias está localizada nas margens da Lagoa e do Rio Cauípe, de onde tiram o sustento e onde podem vivenciar sua cultura original. O Lagamar é um manancial que fica numa Área de Proteção Ambiental e Proteção Permanente, espaço turístico do Ceará conhecido no mundo inteiro, tendo como característica um esplêndido espelho d’água. E o rio Cauípe tem sido esse cenário de disputa e luta dos Anacés troncos velhos e dos seus atuais descendentes. Para se ter uma ideia as comunidades que vivem na beira do Lagamar nunca puderam tirar água da lagoa, pois é considerado crime ambiental. Mas, agora, o governo realiza uma obra que vai sugar a água e transportá-la para as empresas que ficam no complexo industrial. Um contrassenso. Os argumentos do governo dão conta de que em época de cheia o lagamar sangra e por isso a água pode ser retirada. Mas, a questão é: se sangra e não importa tirar a água, por que para as comunidades é proibido? E o que acontece quando não sangra, em época de estio? A área dos Anacé passou a ser tema de processos de demarcação desde 2010 quando a luta se fortaleceu e as demandas por território foram apresentadas. Mas, o governo do Ceará faz vistas grossas ao assunto e não mobiliza qualquer força para dar andamento e conclusão do processo. Tudo isso possivelmente porque a região contestada está justamente às margens do complexo, espaço de cobiça de muitas empresas.  “Nossa luta por direitos sempre foi dura e muitas vezes tivemos que lutar com os meios possíveis para não perder tudo. Seja os parentes do Bolso e do Mato que já perderam suas terras para o CIPP (Complexo Industrial e Portuário), seja os parentes da Japuara que lutam pela retomada da Lagoa do Barro. Agora, nós, do Cauípe, fomos para cima do governo do estado desde que ele quis utilizar a necessidade de água do povo como moeda de troca pelas águas do Cauípe, para uso das indústrias do CIPP”, conta uma das lideranças, Paulo França Anacé, morador do Planalto Cauípe. Segundo ele, as mais de 20 mil pessoas que vivem próximas ao complexo acabarão prejudicadas com a obra de retirada das águas. Além disso, a região é de proteção permanente, não tem cabimento uma obra dessa natureza. Agora, com as obras de perfuração e de colocação dos canos que levarão a

Mudar o sistema para mudar a educação

por Elaine Tavares As Jornadas Bolivarianas, em sua 13° edição, aconteceram entre os dias 15 e 17 de maio na Universidade Federal de Santa Catarina e discutiram a educação na América Latina, celebrando os 100 anos da Reforma de Córdoba, movimento estudantil universitário que mudou a cara do ensino superior em todo o continente. Naqueles dias de 1918, um ano depois da grande revolução russa, o mundo estava em polvorosa e, na Argentina, um grupo de estudantes decidiu que ali também haveria de ter mudanças. Articulados e em luta eles ousaram propor uma nova universidade, democrática, autônoma, popular.  O ideário dos estudantes de Córdoba nunca se cumpriu de todo, mas muitas mudanças aconteceram, dando novos contornos ao mundo universitário. Agora, passados 100 anos, fica cada vez mais claro que para mudar a educação é preciso mudar antes, o modo de produção. No capitalismo, o máximo que se pode ter, são algumas reformas. Para que venha o “homem novo” há que vir também a nova sociedade. Durante os três dias das Jornadas, esse foi o debate. A construção de outra sociedade, baseada em outros modelos de produção. No sistema capitalista a educação sempre será um braço ideológico constituído para manter as coisas como estão. Vista como um produto, pronta para ser vendida pelo melhor preço, a educação se apresenta cindida. É uma para a classe dominante e outra para os trabalhadores. Não é sem razão que, no Brasil, essa área do conhecimento vem sendo golpeada sem trégua. As propostas de “reestruturação” do ensino nos estados e também em nível nacional aprofundam essa já abissal distância entre o que é ensinado nas escolas privadas e o que se ensina na escola pública. A última contrarreforma do ensino médio, levada a cabo pelo governo de Michel Temer, é um bom exemplo. Aos filhos dos trabalhadores se oferece apenas o mínimo, o conhecimento suficiente para que possam se mover nos espaços de trabalho. A eles não interessa ensinar filosofia, sociologia, artes. Isso fica para os filhos dos ricos, os que dominarão a política e o estado. Esse processo de desmonte da escola pública não é um fenômeno brasileiro, ela acontece em toda a América Latina, ainda que alguns países como Bolívia e Venezuela venham tentando implementar mudanças que mudem esse quadro. Coisa que acaba não sendo fácil. Na Bolívia, porque tem sido necessário recuperar séculos de abandono e na Venezuela porque os ataques do império tem sido ininterruptos, levando o governo a gastar muito mais energia na defesa do processo bolivariano do que nas reformas necessárias. Ainda assim algumas mudanças acontecem e tanto um país como o outro já logrou acabar com o analfabetismo. Cuba é, sem dúvida, o país que mais avanços tem no campo educativo. Lá, o analfabetismo já estava erradicado quatro anos depois do triunfo da revolução. Isso foi uma prioridade do governo. Depois, vencida essa primeira grande batalha, toda a proposta educativa foi reestruturada. A gratuidade é garantida em todos os níveis, pois a educação não é vista como mercadoria ou como gasto. É investimento e é direito. Não é sem razão que os cubanos tenham sobrevivido a mais de 50 anos de bloqueio. Também é conhecida a excelência da pequena ilha do Caribe no campo da ciência, com avanços significativos na luta contra doenças como o vitiligo e o câncer de pulmão, entre outras. Cuba é o exemplo mais concreto de que é a mudança do modelo de sistema que proporciona a mudança na educação. Sendo um país socialista, e não submetendo a educação às leis do mercado capitalista, Cuba garante aos seus habitantes conhecimentos e cultura. Todos podem estudar e todos têm a mesma qualidade. Já no mundo capitalista o conhecimento fica concentrado nos países centrais. Por isso que os países periféricos são meros consumidores de tecnologia e escravos do pagamento de royalties. Os dados revelados pelo economista Diógenes Moura Breda são assustadores. Dez países concentram 97% dos gastos com pesquisa no mundo, que somam 1,7 trilhão de dólares. Os Estados Unidos têm o maior gasto: 460 bilhões de dólares, enquanto o Brasil gasta apenas 20 bilhões. É nada. No registro de patentes também a diferença é imensa. Enquanto os EUA fazem 56 mil pedidos de patentes em um ano, o Brasil faz apenas 568 pedidos. No geral, as pessoas não se dão conta de que toda a tecnologia e o conhecimento do qual fazem uso não é de graça. O preço a pagar é bem alto, não apenas para o bolso, mas também para a massa produtiva da nação. O Brasil paga, por ano, mais de 26 bilhões de dólares em royalties e licenças de uso, além de estar diminuindo sistematicamente o seu parque industrial. No meio disso tudo, os países centrais seguem concentrando os cérebros, amealhando gente de todo o mundo para produzir ciência e patentes. Já os países que seguem na dependência econômica e tecnológica, além de perderem seus cientistas, só podem se contentar com alguma inovação. É a miséria científica. Assim, o capital vai se apropriando do conhecimento e limitando os avanços da ciência aos seus interesses. Diante desse quadro, que educação pode resistir ao monopólio do conhecimento já definido pelos países centrais? Se o abismo é tão profundo como seguir discutindo apenas os pequenos problemas do sistema educacional? A mensagem que ficou desses três dias de discussão foi clara: é fato que os educadores e todos aqueles que pensam a educação precisam se debruçar sobre os entraves conjunturais, os currículos, as metodologias, as proposta de ensino. Mas, se isso não estiver articulado com o debate sobre outro sistema de produção da vida, pouca mudança pode prover. Os países centrais, capitalistas, não abrirão mão do seu controle sobre a educação e a ciência e seguirão monopolizando o conhecimento apenas para seu benefício. Aos países dependentes só resta um caminho: o da soberania. E, para isso, precisam pensar um processo revolucionário que mude a vida, em bloco. É a única forma de virar o jogo e garantir com que todas as pessoas tenham acesso ao

Sioux: os irmãos do norte

por Elaine Tavares Os povos originários de Dakota do Norte, nos Estados Unidos, conseguiram uma trégua com relação às obras de um oleoduto que – conforme se prevê – atravessará todo o território Sioux, causando profundas alterações no ambiente e na vida das comunidades. Houve muita luta contra essa obra na região de Standing Rock e criou-se um acampamento de resistência, que conta com a presença de representantes de várias etnias originárias, próximo ao canteiro de trabalho da companhia. Na última investida, os tratores começaram a cavar bem em cima de um espaço sagrado, no qual os povos Lakota e Dakota (Sioux) reverenciam seus antepassados. Com a reação dos manifestantes, a empresa chegou a usar até cachorros para barrar as gentes. Foi duro, mas as obras pararam. Ainda assim, o acampamento, chamado de Oceti Sakowin, em honra dos sete fogos da tribo Sioux, deve continuar. A experiência tem sido bastante rica, pois além de juntar os próprios Sioux – jovens e anciões – numa luta conjunta, conseguiu ainda reunir outras etnias, não apenas dos Estados Unidos, mas de toda América Latina. Não bastasse isso, os povos originários também contam com o apoio e a participação na luta dos pequenos proprietários rurais da região. Eles sabem que igualmente sofrerão com a passagem do oleoduto por suas terras. A obra do oleoduto foi estimada em 3,8 bilhões de dólares e prevê uma tubulação que cruzará 1.200 milhas, levando aproximadamente 500 mil barris de petróleo desde o estado de Dakota do Norte até Illinois e Texas, passando por baixo do Rio Missouri, importante veia hídrica que, com o oleoduto, fica também ameaçada de contaminação. Apesar da trégua, com a suspensão dos trabalhos, os indígenas não pretendem arredar pé. Sabem que o inverno está chegando e que não será fácil viver no acampamento. Naquelas áreas onde hoje estão (centro norte dos EUA, fronteira com o Canadá), os termômetros podem chegar até 20 graus abaixo de zero. Por isso, eles se preparam para a “longa noite” e confirmam: não saem de lá enquanto não houver o compromisso com a definitiva paralisação das obras. Autodenominados “protetores”, os povos originários insistem em dizer a sua palavra e estão dispostos a ir até as últimas consequências para impedir que seu território seja mais uma vez invadido e destruído. Na primeira grande investida dos colonos ingleses em terras originárias, no século 16, houve um genocídio. Aqueles que eram mais de 10 milhões de almas estão reduzidos a 250 mil. Mas, ainda assim, a resistência tem sido sistemática. E, de certa forma, o acampamento de Standing Rock também tem servido para bons debates e espaços de articulação. Apesar de o movimento no estado de Dakota do Norte estar sistematicamente bloqueado na mídia comercial, os meios de comunicação alternativos estão atentos e, por conta disso, a história de resistência tem se espalhado e mobilizado cada dia mais pessoas em toda América Latina. “Todos temos lutas parecidas e são os povos indígenas que se levantam com o despertar do espírito para dizer que é chegada a hora de proteger o que temos de mais valioso: nossa terra mãe”, diz Dave Archimbault, chefe da tribo Sioux de Standing Rock. Há pouco tempo, uma luta parecida conseguiu impedir outro oleoduto na região de Keystone, Colorado, centro do país. Agora, o propósito dos Sioux e seus aliados é também garantir uma vitória. “As crianças não podem beber petróleo”, insistem. Ainda que os povos indígenas sigam sendo demonizados pelos meios de comunicação comercial, um fato concreto não pode ser negado: são eles os que estão garantindo a proteção ao planeta, o que significa que protegem não apenas a terra, mas também tudo o que vive, bichos, gente e plantas. Ainda que conformem pouco mais de 4% da população das três américas (Abya Yala) é a gente originária que guarda mais de 80% da biodiversidade. O ataque contra os territórios indígenas em toda América Latina diz respeito à expansão do capital. Espaços antes protegidos são violados em busca de petróleo ou minérios. Para garantir a extração das riquezas e a transformação disso em mercadoria todos os acordos têm sido quebrados e leis desrespeitadas.  O direito à consulta sobre qualquer investida sobre o território indígena, ainda que um consenso internacional, é letra morta. Em nome da riqueza, as empresas e os governos repetem 1492. Extermínio, violência e roubo. A oposição organizada contra as mineradoras, papeleiras, hidrelétricas e empresas de extração de petróleo, tem sido a grande luta do início desse milênio. Em praticamente todos os países da imensa extensão de Abya Ayala (que vai da Terra do Fogo ao Alaska), esse tem sido o embate mais significativo. A terra para o homem branco só tem valor como espaço de especulação. Já para os povos originários ela é morada dos deuses, dos ancestrais, fonte de vida. Daí a força que adquire a luta por protegê-la. A batalha que os Sioux travam hoje em Standing Rock é semelhante a luta dos Mapuche, dos povos da Amazônia, dos Shuar, dos Guarani, dos Pataxó, dos Aymara, dos Quéchua, enfim, de todas as etnias originárias, guardiãs da vida. Compreender o significado do território na perspectiva indígena não é coisa fácil para os não-índios, engravidados desde sempre com o ódio e com a desinformação sobre os povos originários. Mas, está mais do que na hora de as gentes começarem a entender. Sem terra, sem alimento saudável, sem água pura, a vida se extingue. Não se sobrevive comendo ouro ou bebendo petróleo. É tempo de virar o jogo. O sistema capitalista de produção, no qual a vida de 99% das gentes não faz qualquer sentido, tem sido bastante eficaz na sua pedagogia de sedução, levando as pessoas a crer que os indígenas são inúteis e atrapalham o progresso. Mas, uma boa olhada na história e todos poderão perceber que são os povos autóctones os que protegem a terra. Não com a visão utilitarista de um certo movimento ambiental sustentável. Mas com a visão sagrada de que tudo precisa estar em equilíbrio, não apenas para o homem, mas

Matam mais um índio

por Elaine Tavares  A foto abaixo é uma representação, mas no interior do Brasil, em vários estados, e principalmente no Mato Grosso do Sul, os índios estão sendo mortos em nome da ganância do agronegócio. Não satisfeitos em deter já 62% das terras agricultáveis, os fazendeiros querem mais e mais, avançando para cima das terras indígenas, expulsando e provocando mortes. É tempo de a sociedade agir. Sobre o Dia do Índio Ontem (dia 14) pela manhã, o Guarani-Kaiowá e agente de saúde indígena Cloudione Rodrigues Souza, 26 anos, foi morto a tiros no Mato Grosso do Sul. Segundo relatos do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e do Instituto Socioambiental (ISA), um grupo de cerca de 70 fazendeiros atacou os indígenas a tiros na Fazenda Yvu, vizinha à reserva Tey’i Kue, no município de Caarapó (MS). Pelo menos seis indígenas foram hospitalizados com ferimentos de arma de fogo, inclusive uma criança de 12 anos. De acordo com relatos obtidos pelas duas entidades, os fazendeiros se aproximaram em caminhonetes, motocicletas e um trator e atiraram. Fugindo dos tiros, os indígenas correram para dentro da reserva e áreas próximas.   Nota de Repudio da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira aos ataques sofridos pelos indígenas do povo Guarani-Kaiowá do Tekohá Tey Jusu, município de Caarapó, Mato Grosso do Sul. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) REPUDIA VEEMENTE os ataques contra os indígenas do povo Guarani-Kaiowá do Tekohá Tey Jusu, município de Caarapó, Mato Grosso do Sul, sofrida ontem (14 de junho), resultando em morte de um indígena e vários feridos. Denunciamos novamente que nos últimos anos o extermínio das populações indígenas desse país, principalmente no sul do Brasil seguiu sem parar, com mecanismos mais sutis e eficazes, acobertada pela chancela do Estado Brasileiro. As invasões das terras indígenas promovidas por grupos e setores, é referendada por um modelo de desenvolvimento entendido como o único capaz de promover o crescimento. Tem-se, assim, o massacre, a agressão, a discriminação, criminalização e o racismo contra as populações indígenas que vivem em áreas visadas para a expansão de um modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio. Não há uma discussão de ações afirmativas e políticas concretas de defesa e proteção dos direitos indígenas, para garantir as condições de existência e, o mais importante, assegurar as demarcações de terras tradicionais destes povos, condição sem precedente para a VIDA. A COIAB exige que as autoridades competentes averiguem com rigor e com agilidade as ameaças e os crimes cometidos contra os indígenas do Tekohá Tey Jusu e que os autores desse crime sejam julgados e condenados. Os povos indígenas da Amazônia Brasileira reiteram que é inaceitável e inadmissível continuar os ataques e o genocídio dos povos indígenas. Não ficaremos calados e de braços cruzados diante dessa violência vivida por nós há 516 anos. Manaus-AM, 14 de junho de 2016. Coordenação Executiva da COIAB   Para compreender o mundo indígena O Brasil vive desde há anos o fortalecimento do movimento indígena autônomo e radical. A proposta de uma emenda constitucional (PEC 215) que retira da presidência a prerrogativa de definir as demarcações jogando a decisão para o Congresso Nacional levantou os povos numa luta renhida. Afinal, os indígenas sabem muito bem o que está em jogo: a cobiça do empresariado rural pela terra. Diante do avanço do agronegócio para regiões como o cerrado e a Amazônia, e da construção das grandes obras hidrelétricas, dezenas de povos originários estão ameaçados de perder seus territórios. Para o branco – fruto da civilização ocidental/cristã – parece cada dia mais incompreensível o mundo indígena e os políticos e empresários jogam muito bem com isso na opinião pública. A frase “muita terra para pouco índio” é repetida à exaustão, como se fosse uma verdade inquestionável. Que necessidade têm os índios de tanta terra? Perguntam os deputados, os mesmos que querem distribuir as terras indígenas aos seus amigos latifundiários. Pois é necessário aclarar duas coisas básicas. Primeiro, quem tem muita terra são os fazendeiros, e poucos: 2,8% dos estabelecimentos rurais são grandes propriedades e ocupam 60% das terras produtivas. Já os indígenas brasileiros que totalizam 305 etnias ocupam apenas 12,5% do território nacional (106,7 milhões de hectares). Segundo, a terra, para o índio, não tem a mesma significação que para o branco. Enquanto a cultura ocidental vê a terra como mercadoria, passível de ser comprada e vendida, impregnada de valor de troca, o indígena a concebe como um todo sagrado e visceralmente ligado à vida. Para um branco não há problema em comprar um terreno e depois vender, ir para outro terreno, fazer nova casa. Mas, para o indígena, o território é morada dos deuses, morada dos antepassados, está cheio da vida da comunidade. Sair de um lugar e ir para outro significa a morte. Assim, para que as pessoas possam melhor compreender o significado do território para um povo indígena o projeto “Povos Originários de Nuestra América”, do IELA, que acompanha as lutas indígenas desde 2004, inicia agora uma série de vídeos, com entrevistas realizadas junto a lideranças indígenas, discutindo singularmente essa temática. Eu coordeno o projeto com a participação de Rubens Lopes e Cris Mariotto, ambos participantes do grupo de extensão Indígena Digital, também do IELA, e coordenado pela professora Beatriz Paiva. O trabalho, realizado nessa parceria, conta ainda com o apoio das entidades de organização indígena de cinco regiões do país: Apib, Coiab, Apoinme, Aty Guassu e Arpinsul.  

O Brasil vai vivendo o golpe

por Elaine Tavares Desde o dia em que o Senado aprovou o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, sem contar com qualquer comprovação de ilegalidade ou corrupção, que uma boa parte das forças vivas da política popular, sindical e comunitária não sai das ruas. Em todos os cantos do país, nas cidades grandes, nas pequeninas, nos cantões mais retirados há alguma passeata, uma marcha, uma manifestação. Muito dessa gente que tem saído para as ruas não apoiava o governo petista, mas entende que o que acontece no país é um golpe, um rompimento da Constituição e, no melhor estilo liberal, defende que a carta magna seja respeitada. É sabido que no mundo ocidental, moderno, o que mantém um pouco de coesão social é a lei. Normas e regras – decididas pela classe dominante, é claro – que aparentemente tornam todas as pessoas iguais. No imaginário popular esse é um mito que ainda funciona, embora o cotidiano nos mostre que não é bem assim. De qualquer forma, se um povo é levado a crer que deve respeitar sua Constituição, esse mesmo povo obviamente vai se levantar se a carta for rasgada. E esse é um pouco do sentimento que acompanha muitos dos que marcham pelo “Fora Temer”. Para eles, o presidente interino está ilegítimo, é fruto de um golpe, de uma traição. E claro, os demais marcham porque apoiam e acreditam no governo petista como uma opção melhor para o país. De toda forma há que matizar o debate sobre a lei. A tão incensada Constituição de 1988, que tem lá os seus avanços, já foi retalhada inúmeras vezes pelo Congresso Nacional, com a votação de inúmeras emendas que retrocederam direitos. Uma boa olhada na Carta Magna e veríamos que já está mais do que na hora de uma Constituinte, capaz de espelhar novas lutas e novas demandas. No caso do Judiciário – que é o poder parceiro do legislativo na lógica do golpe – as coisas ficam ainda mais confusas. As gentes comuns, o povo empobrecido, sabe muito bem que a lei não lhe serve. Ao contrário: o positivismo que existe na conformação do Direito torna o mundo uma coisa imóvel, aparentemente igualitária, só que não. Na prática todo mundo sabe que quem rouba uma manteiga no supermercado pode ir presa por anos, mas quem lesa milhares de famílias com a venda de um prédio inacabado segue vivendo nas altas rodas sem sofrer qualquer penalidade. Bons advogados fazem malabarismos com a lei. E bons advogados custam caro. Logo, os empobrecidos não têm qualquer chance. No golpe em curso a lei se mostrou implacável com a presidenta da nação. E, de repente, na tela da TV, a população que sofre as penas da lei no dia-a-dia se deu conta de que o judiciário não é mesmo neutro. Que ele pode tender para um lado ou outro, mesmo dentro do seu próprio grupo de poder. Assim, aquilo que parecia ser um destino apenas dos pobres – o braço firme e injusto da lei – caiu sobre os poderosos. Mas não qualquer poderoso. Era um grupo até então identificado com os trabalhadores que, por vias de acordos e conciliações, havia chegado ao governo do país. Para boa parte das pessoas que assistem a vida passar pela televisão, as coisas apareciam bem claras. Aos trabalhadores, não basta estar em altos cargos. Se estiverem aliados com o poder real, os grandes, os graúdos, e se a esses não interessar mais a aliança, aquilo que é uma prática corrente na vida deles pode acontecer. Ou seja, serão derrubados, presos, achincalhados e tudo mais. O governo petista prova um remédio amargo. Aliou-se aos grandes, rendeu-se aos graúdos, esqueceu boa parte de seu programa original. Não bastasse isso, muitos de seus integrantes foram tocados pela mosca azul, pela ganância, pela vertigem do poder. Pagam por isso agora. Haveria muito mais que falar das retiradas de direitos, das alianças com o agronegócio, da surdez às demandas indígenas e tantas coisas mais. A boa e velha crítica que estivemos fazendo desde o terceiro mês do governo Lula, quando ele iniciou a reforma da Previdência. Mas, o momento é de golpe. E isso tem de ser combatido. Há quem diga que dizer “Fora Temer” é aliar-se ao “Volta, querida!” e sim, isso é verdade. Mas, o “volta, querida!” pressupõe justamente esse sentimento de retomada do rumo constitucional, essa “legalidade” por vezes confusa e contraditória do mundo liberal. Uma certa esperança – ingênua, talvez – de que a volta possa trazer um governo disposto a fazer uma mudança de rumo. Afinal, o governo de Dilma apontava ajustes neoliberais cada vez mais profundos. Estaria disposta a presidenta a girar o leme? Numa entrevista concedida ao jornalista Luís Nassif,  Dilma Rousseff apontou um caminho. Caso seja reconduzida ao governo, sabe que não será fácil consertar o tanto de destruição que vem sendo promovido pelo governo interino. Por isso diz que chamará um plebiscito para que a população decida se quer uma nova eleição e outro pacto. Desafortunadamente a presidenta não disse qual seria sua proposta de trabalho numa possível volta. Seguiria fazendo o que vinha fazendo? A população, ao escolher se quer uma nova eleição ou não, saberá qual é o rumo proposto pelo governo petista, caso decida mantê-la? Isso não ficou claro. São tempos tumultuados e cheios de vida. A rua – governista ou não – está cheia de gente disposta a apresentar suas pautas e isso já é revigorante. Para um país que viveu um longo tempo de adormecimento das grandes mobilizações sociais, o que se vê nesses dias que correm é bonito e pedagógico. Nunca se sabe o que pode surgir e, por isso, a necessidade de seguir fortalecendo os grupos organizados para que estejam preparados para o devir. Mulheres, velhos, crianças, jovens, petistas, não petistas, gente de todas as cores acorrem às ruas contra o golpe, escrevendo mais uma página na difícil política brasileira. Oxalá o país saia melhor de tudo isso. Publicado originalmente no Blog Palavras Insurgentes. Independência ou golpe!

A luta de Fausto Wolff pela causa palestina

O povo palestino e os oprimidos do Terceiro Mundo perderam o seu maior defensor há cerca de 7 anos. O jornalista e escritor Fausto Wolff morreu aos 68 anos em 5 de setembro de 2008 por disfunção múltipla dos órgãos. Ele nasceu em Santo Ângelo (RS), em 17 de outubro de 1940, com o nome de Faustin von Wolffenbüttel, e aos 14 anos começou a trabalhar como repórter de polícia no Diário de Porto Alegre. Aos 18 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou nas revistas O Cruzeiro e Manchete e nos jornais O Globo, JB e Tribuna da Imprensa. Em 52 anos de carreira jornalística incomodou muita gente com suas matérias criticando todos os eternos poderosos que massacravam e sugavam a população mais pobre e injustiçada. Fausto sempre foi o porta-voz dos oprimidos e pagou um preço muito caro por defender a causa palestina durante 30 anos. Bastava ser considerado comunista para viver como um marginalizado na imprensa e ter que sobreviver na imprensa alternativa. Durante o regime militar teve que se exilar na Dinamarca e Itália, onde deu aulas de literatura em duas universidades, em Copenhague e Nápoles. Trabalhou nos mais importantes jornais e revistas brasileiras. Em 1969, fez parte da equipe do mais combativo jornal, O Pasquim, que durante a ditadura militar (1964-1985), incomodou os ditadores militares de plantão. Com um grupo de jornalistas fundou o jornal Tribuna Socialista, considerado o primeiro jornal de esquerda depois da ditadura. Trabalhou em programas de televisão onde falava dos problemas políticos, culturais e internacionais. O ZonaCurva já publicou outro texto sobre Wolff, leia-o também.  Fausto Wolff escreveu mais de 20 livros sobre vários temas: políticos e romances, e era considerado um dos maiores romancistas brasileiros quando foi consagrado com o Prêmio Jabuti pela sua obra À mão esquerda. Nos últimos anos fazia traduções de livros, pois dominava muito bem o alemão, inglês, francês, espanhol e italiano. Fausto dizia que a esquerda no Brasil parecia um bando de rebeldes sem caráter e sem vergonha. “A nossa cultura foi roubada, o jornalismo foi roubado e a música foi roubada. Só vejo um bando de acadêmicos idiotas dizendo besteiras que aparecem na televisão e dizendo coisas que o povo não entende”. Sempre foi um jornalista combativo e crítico em todas as áreas, como também diretor e crítico de teatro. Ele dizia que se fosse escrever sobre o bancário e o banqueiro, sempre defenderia o bancário; entre o lavrador e o latifundiário, escreveria sobre o camponês e o MST – Movimento dos Sem Terra; e entre os judeus e palestinos, escreveria em defesa dos palestinos. Em 1978, Fausto Wolff esteve no Líbano e entrevistou o líder Yasser Arafat, da Organização da Libertação da Palestina (OLP), e visitou campos de refugiados. Quando voltou, publicou o livro Os Palestinos: Judeus da 3ª Guerra Mundial e começou a perseguição dos sionistas a Fausto Wolff e ele não conseguia emprego nos grandes jornais. Ele dizia que os dirigentes israelenses querem um holocausto glorioso contra os palestinos. “É uma vergonha por parte do militarismo judeu, por parte daquilo que aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial, ou seja, deles deixarem se matar daquela maneira. Acho que eles reagem contra o inimigo errado. Os judeus em vez de continuarem com ódio dos alemães, sempre transferiram o ódio deles contra os árabes, principalmente com a comunidade palestina”, disse. Fausto Wolff sempre escreveu seus artigos criticando as atitudes belicistas israelenses, apoiadas pelos Estados Unidos. Foi o eterno defensor dos direitos dos palestinos viverem nas suas terras e não como refugiados sofrendo constantes ataques israelenses. A esquerda israelense e os judeus que vivem fora de Israel é que não querem. “Tratam o conflito como se fosse um jogo de futebol, no qual torcem para o seu time. Em guerra se torce por quem tem razão e a razão está ao lado dos palestinos”, dizia Fausto Wolff. O jornalista ficava irritado quando os inimigos diziam que era anti-semita, e ele respondia: “nunca aceitei o insulto de anti-semita, pois não sou contra etnia alguma. Alguns do meus melhores amigos são judeus e anti-sionistas. O Alberto Dines chegou a escrever um pósfácio em um livro meu. Sempre questionei perguntando como grandes ídolos como Jesus Cristo, Karl Marx, Freud e Einstein, todos judeus, diriam de uma figura como Ariel Sharon?” E a direita brasileira chamava Fausto Wolff de relações públicas de Yasser Arafat. No livro A imprensa livre de Fausto Wolff  ele citou uma parte do livro O apartheid de Israel, do judeu brasileiro Nathaniel Braia, que dizia: “A posse de Sharon, apesar dos crimes contra os palestinos, tem permitido desnudar para os judeus e para o mundo inteiro a dimensão e a gravidade da doença embutida na ideologia que serviu de base para a usurpação da Palestina. Através de Sharon podemos ver como a lógica promovida por essa ideologia está levando à deformação e à desumanização das instituições de Israel – principalmente o seu Exército – cada vez mais profundas e perigosas”. Outro livro que o destemido jornalista Fausto Wolff recomendava ao seus leitores era o livro de Norman Finkelstein, A indústria do holocausto, que diz que os líderes sionistas têm por base “a exploração do genocídio nazista” para “desviar as críticas a Israel e sua política indefensável”. Outro grande escritor que Fausto citava no seus artigos era Noam Chomsky, conhecido pelas suas opiniões contundentes e que escreveu O papel de Israel na política externa norte-americana. Fausto Wolff nunca se conformava por que Israel não se transformava numa democracia com direitos e deveres iguais para todos, onde habita uma maioria de cidadãos que pratica a religião judaica, como no Brasil, onde a maioria é católica, ou como na Inglaterra, onde a maioria é anglicana? Fausto achava que a questão, na superfície, é tratada como uma questão religiosa quando, na verdade, envolve poder colonial, econômico, político e o confisco de reservas de água e de petróleo assim que – como a crônica de morte anunciada – os Estados Unidos começaram a bombardear o Iraque. O jornalista com quase dois metros de altura e uns 120 quilos sempre

Dilma e Aécio se enfrentam em debate centrado em MG e na paternidade do Bolsa Família

Ana Ávila (do SUL21) Os candidatos à presidência Dilma Rousseff e Aécio Neves participaram na noite desta terça-feira do primeiro debate antes do segundo turno das eleições, no dia 26 de outubro. O programa foi dividido em quatro blocos de perguntas e respostas entre os candidatos, mediadas pelo jornalista Ricardo Boechat, e um último em que cada um deles pode fazer suas considerações finais. Muito centrado em Minas Gerais, o embate teve constantes trocas de acusações e uma discussão acirrada sobre a paternidade do programa Bolsa Família, que Aécio diz ter origem no governo Fernando Henrique e Dilma defende ser fruto do investimento do PT em programas sociais, ainda no primeiro mandato de Lula. Antes das perguntas, os adversários políticos tiveram dois minutos para apresentar suas propostas para o país. Dilma foi a primeira a falar. “Fizemos o mais profundo processo de distribuição de renda das ultimas décadas. Tiramos 36 milhões de pessoas da pobreza e elevamos ‘uma Argentina’ à classe média, criamos um mercado de consumo de massa”, disse a petista, ressaltando que os maiores beneficiados foram os que mais precisavam. Dilma disse também que foram lançadas as bases para um novo ciclo de desenvolvimento, em que educação, saúde e segurança pública estarão no centro de tudo, além da igualdade de oportunidades para todos e do combate à corrupção. Aécio começou falando sobre o avanço do país nas últimas décadas, destacando a estabilidade da moeda alcançada no governo Fernando Henrique Cardoso e os avanços no governo Lula a partir de então. Segundo ele, nos últimos quatro anos, o Brasil parou de melhorar. Aécio ainda teceu críticas à economia e aos indicadores sociais e disse querer fazer um governo que olhe para o futuro, que una eficiência e decência.   Minas Gerais no centro do debate No primeiro bloco, os dois candidatos se concentraram mais em repetir que o adversário mentia e falar sobre a administração de Aécio Neves em Minas Gerais. A primeira a perguntar foi Dilma. Ela lembrou que o PSDB votou contra a CPMF, o que levou a uma perda de R$ 260 bilhões na saúde. Segundo a candidata, durante seu governo, Aécio não investiu o que manda a legislação no setor. Ela perguntou o que ele acha de suas propostas para a saúde, especialmente sobre o programa Mais Especialidades. O tucano afirmou que todas as contas de sua gestão foram aprovadas pelo Tribunal de Contas e que Minas Gerais foi reconhecido pelo Ministério da Saúde como o Estado com a melhor saúde da região Sudeste. Acusou o Governo Federal de vir diminuindo o investimento no setor e aproveitou para criticar a adversária por supostamente não ter tratado o tema como deveria nos últimos quatro anos. Segundo ele, a campanha de Dilma parece de oposição. A adversária aproveitou para dizer que Aécio, por sua vez, parece da situação, já que propõe continuar projetos do atual governo. A candidata reforçou que Minas foi obrigado a assinar compromisso de ajuste por desvios na saúde no governo Aécio e citou o mau desempenho do Samu no Estado governado pelo tucano, e afirmou que os dados apontados por Dilma não são verdadeiros. O tucano parte para o ataque dizendo que o programa Saúde da Família foi abandonado pelo PT elencando críticas, como ao valor recebido pelos médicos cubanos que atuam no Brasil. Na sua vez de perguntar, Aécio disse que a campanha da adversária tem sido marcada por ataques, ofensas e mentiras – contra Eduardo Campos, Marina Silva e ele próprio. Diz que Dilma o acusa de planejar privatizar bancos e acabar com o Bolsa Família e que ela cita indicadores mentirosos. “A senhora não se arrepende de ataques tão violentos e cruéis?”, questiona. Dilma diz que ele distorce fatos. Cita o caso do Bolsa Família, que atende 50 milhões de pessoas, enquanto o projeto do PSDB atendia 5 milhões e reforça que o adversário pretende reduzir o papel dos bancos públicos, hoje envolvidos em programas sociais. O tucano rebate dizendo que o maior programa de distribuição de renda da história do país foi o Plano Real e não o Bolsa Família. Inflação, Educação e Corrupção No segundo bloco, os candidatos partiram para acusações mais amplas. Começando com economia, Aécio mencionou a frase do secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, que sugeriu trocar a carne por ovos devido à alta nos preços para perguntar se esta será a política econômica de Dilma. A petista defendeu que seu governo manteve a inflação dentro dos limites da meta e que as poucas alterações ocorridas são fruto do choque de oferta, lembrando que, no último governo do PSDB, por duas vezes a inflação superou o limite da meta. Segundo Aécio, o índice caiu significativamente no governo tucano. Ele ainda cobrou humildade da adversária para “admitir fracassos”. Dilma criticou também Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e apontado por Aécio como seu futuro ministro da Fazenda. Segundo ela, foi durante a gestão do economista à frente do BC que a inflação cresceu. Pouco depois, Aécio retoma o assunto se dizendo impressionado com “a obsessão de Dilma por Armínio Fraga” e cita elogios de Antonio Palocci e Lula ao economista. “A senhora tem apenas o seu ex-futuro ministro que já não tinha muita credibilidade, apesar de merecer meu respeito”, disse em referência a Guido Mantega. A atual presidente aponta então investimentos de sua gestão em educação e questiona o adversário a respeito do Pronatec, programa que, de acordo com ela, passou o número de escolas técnicas de 11, no governo FHC, para 208, atualmente. Aécio volta a citar seu governo em Minas como exemplo no setor. Sobre o Pronatec, diz que ele precisa ser aperfeiçoado, com cursos de maior duração e afirma que o projeto buscou inspiração em outros de sua autoria e do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. “Me orgulho de ter inspirado seu governo”, disse sorridente. Para Dilma, os programas referidos por Aécio são pequenos e pilotos, bastante diferentes do atual programa federal, com 8 milhões de matriculados.

Desastre anunciado: incêndio destrói mais uma vez favela do Buraco Quente na zona sul

Um quarteirão inteiro de moradias de madeira da comunidade conhecida como Buraco Quente, no bairro do Campo Belo (zona sul de São Paulo), foi destruída em incêndio na noite de ontem. As chamas com mais de 10 metros de altura deixaram desabrigadas cerca de duas mil pessoas, segundo a Defesa Civil do município. Não houve vítimas e uma pessoa foi atendida por intoxicação pela fumaça. Há dois anos, em 3 de setembro de 2012, um incêndio destruiu em poucas horas as residências no mesmo local. Os moradores reconstruíram suas casas em poucas semanas. Assista ao vídeo do incêndio em 2012. No momento do incêndio, o hidrante localizado na rua Cristóvão Pereira, ao lado da favela, não funcionou. Um dos moradores e voluntário do programa Previn (Prevenção a Incêndios em Assentamentos Precários) quase foi agredido pelos outros moradores. As vítimas do incêndio empilharam eletrodomésticos, roupas e mantimentos no canteiro central da avenida Roberto Marinho, onde são realizadas as obras de construção do monotrilho da Linha 17. Parte dos desabrigados passou a noite em uma igreja evangélica próxima e a prefeitura irá fazer um cadastramento para encaminhar as famílias para abrigos. Em abril de 2012, a Câmara de Vereadores formou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os frequentes incêndios em favelas.  Em setembro do mesmo ano, matéria do site Carta Maior denunciou que os seis vereadores que integravam a comissão receberam em suas campanhas vultosas doações de empresas do setor imobiliário. Várias reuniões da comissão foram canceladas e até o momento, pouco foi produzido. Mais de 1200 incêndios ocorreram em favelas nos últimos 20 anos. Um grupo de estudantes de jornalismo da PUC-SP resolveu investigar a relação desse alto número de incêndios com a especulação imobiliária. Para isso, entrevistou moradores de favelas, políticos, urbanistas, entre outros. O resultado do trabalho pode ser visto no documentário Limpam com fogo. Para finalizar o filme profissionalmente, o grupo já arrecadou R$ 36 mil no Catarse , plataforma de financiamento coletivo. Em entrevista à revista Carta Capital em junho deste ano, Conrado Ferrato, um dos realizadores do documentário, afirmou: “Quando falamos que a especulação está por trás dos incêndios não estamos querendo dizer que construtoras e incorporadoras acenderam um fósforo, queimaram as favelas e construíram um prédio no lugar – isso é uma simplificação grosseira. É algo mais sutil. Pense que um bairro que vem se valorizando está passando por muitas obras, que atraem mais interesses para essa região. Esses interesses envolvem coisas como melhorias de mobilidade, lazer e segurança – esse último quase sempre se traduz em uma vigilância sobre as favelas da região. Essa vigilância impede a consolidação dessas comunidades, que mantêm um caráter construtivo precário, com paredes de papelão e madeira e alta densidade de moradias, todos os fatores que contribuem para um grande incêndio. Não se trata de tacar fogo, mas de deixar queimar”.   Quem se importa com a Rocinha?

Lula alerta para o perigo da negação da política

Lula discursou por mais de uma hora no 4º Encontro de Blogueiros e Ativistas Digitais na sexta (dia 16 de maio) e falou sobre a imprensa, Copa do Mundo, protestos e uma perigosa onda de despolitização que contamina boa parte da sociedade brasileira. Se, de um lado, uma juventude ocupa constantemente às ruas em busca de um novo protagonismo político, de outro, parte significativa da classe média (nova ou velha, pouco importa) tem glorificado o discurso apolítico. Faça um teste simples: comente em um elevador de um prédio de classe média que a política não serve para nada e todo político é corrupto e sua chance de agradar é alta. O blog Zonacurva esteve presente no discurso de Lula ao lado de blogueiros,  ativistas digitais e políticos como o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, o candidato ao governo de São Paulo pelo PT, Alexandre Padilha. A midiazona como Folha de São Paulo, O Globo e TV Bandeirantes (programa CQC) também estiveram no evento organizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. “Se não estivermos dispostos a discutir, a negação da política prevalece e todo mundo passa a ser igual. Ninguém presta. Todo mundo vai para a mesma vala. E quando se tenta negar a política, o que vem depois da política é muito pior. Citem um exemplo de um país que melhorou depois da negação da política? A negação da política dá em Musolini, Hitler ou no golpe militar como foi aqui no Brasil em 64… Temos que convencer as pessoas que, em vez de negar a política, que elas façam política” (trecho do discurso de Lula) Ao tentarmos entender os porquês desse cenário, nos deparamos com algumas motivações como a ausência da consciência do papel da política no cotidiano, a falta de educação política nas escolas e que os 25 anos de democracia não foram suficientes em preencher o vácuo no debate político entre a maioria dos brasileiros durante os 21 anos de ditadura militar. Mas o que me parece mais relevante como causa desse clima é a aposta da imprensa corporativa em um discurso raso e alienador baseado no ódio  que subestima a capacidade de análise do leitor/espectador. O exemplo disso foi a própria cobertura do discurso de Lula. A manchete da Folha no sábado distorceu uma fala de Lula e estampou uma manchete tragicômica: Para Lula, cobrar metrô em estádio é babaquice. A Folha só fez mais do mesmo. O irônico é que a Folha ‘cobre’ um evento que aborda, entre outros assuntos, os abusos da grande imprensa e lá comete mais um. A história completa da ‘cobertura’ da midiazona ao evento pode ser lida no Blog da Cidadania. Para a formação de uma imprensa mais livre não basta apontar a sordidez e os absurdos praticados pela mídia corporativa, apelidada de forma certeira de PIG (Partido da Imprensa Golpista). Vale frisar que há exceções na grande imprensa, é claro, mas, infelizmente, exceções nesse caso só confirmam a regra. “Nunca vi tanta violência de ataque preconceituoso contra um governo como eu vejo contra a Dilma hoje” (Lula na sexta) Não resta dúvida sobre a relevância da luta pela pluralidade na imprensa e o combate à concentração dos meios de comunicação nas mãos de meia dúzia de famílias no Brasil. Mas cabe a nós, jornalistas, também a busca de soluções criativas que consigam furar os esquemas viciados da grande imprensa. Muitos blogues e sites estão aí para provar que é sempre possível. Infelizmente, a imprensa alternativa resiste a duras penas sem ou com pouca grana. Enquanto isso, os anúncios do governo recheiam com milhões de reais a burra dos barões da mídia. Em recente pesquisa, os Marinhos da Rede Globo foram apontados como os mais ricos do país. “Hoje eu tenho mais consciência da briga pela regulação da mídia do que eu tinha ontem e Deus queira que amanhã eu tenha mais consciência do que eu tenho hoje porque quanto mais aumenta a consciência da gente, sentimos mais vontade de lutar” (Lula) A quem serve o Judiciário brasileiro? Protestos na Copa Como nos estádios a venda de bebida alcoólica está proibida, Lula afirmou que não vai aos jogos e prefere assistir aos jogos em casa bebericando sua cerveja. O ex-presidente afirmou que sente orgulho de ter trazido a Copa e as Olimpíadas para o Brasil.. “O México já fez duas Copas e na última Copa no Brasil, a gente só exportava café. A Copa é uma oportunidade extraordinária de mostrar a beleza desse povo alegre que é resultado de uma miscigenação. A Copa do Mundo é mais do que um evento esportivo, é um encontro de civilizações”. Descontraído, Lula afirmou que não tem medo de que os protestos possam atrapalhar o evento e sim de que o Brasil perca novamente o Mundial em casa como na Copa de 1950. “Agora vou ficar com medo de greve, de passeata, sempre tivemos isso, a minha bursite é de carregar faixa de greve, eu vou ser contra agora… nós temos que tentar garantir que as pessoas assistam aos jogos” (Lula)   Assista à entrevista completa de Lula: Lula no covil do pato Este texto não é sobre Lula  

Comissões da verdade preparam relatório sobre a relação entre empresas e ditadura

A Comissão Nacional da Verdade e a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” realizaram o seminário “Como as empresas se beneficiaram e apoiaram a ditadura militar” no dia 15 de março na Assembleia Legislativa de São Paulo. O evento foi uma iniciativa do grupo de trabalho “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical” e reuniu pesquisadores, jornalistas e sindicalistas que apresentaram publicamente estudos que apontam diversos nomes de empresas que contribuíram com o Golpe de 1964. A advogada Rosa Cardoso, membro da CNV que coordena o GT Trabalhadores, disse que é importante conhecer esse capítulo da história para entender a participação civil e empresarial na ditadura. “Vamos esclarecer no nosso relatório um conjunto de questões que fazem parte do pedigree da ditadura. A responsabilização tem que ser discutida com aprofundamento”. Para Adriano Diogo, presidente da Comissão “Rubens Paiva”, o detalhamento das ações das empresas em apoio à ditadura e a repressão é importante. “Defendemos punição aos torturadores e podemos fazer uma analogia com as empresas que induziram ou fizeram crimes similares aos que os militares perpetram contra o povo brasileiro”, destacou. A jornalista Denise Assis, que trabalha na Comissão Estadual da Verdade do Rio, identificou em suas pesquisas fundamentos ideológicos usados pelos golpistas para convencer empresários a apoiar a Ditadura que estava sendo planejada. Os mesmos fundamentos foram aplicados em escolas para convencer os jovens. Enquanto isso estava sendo feito, às vésperas do Golpe, uma pesquisa de opinião pública sobre as reformas de base do governo de João Goulart apontava aprovação de mais de 70% da opinião publica, mostrando que os conspiradores não tinham apoio popular, lembrou Ivan Seixas, coordenador da Comissão “Rubens Paiva”. A jornalista encontrou no Arquivo Nacional 14 vídeos de propagandas que deram origem ao seu livro intitulado “Propaganda e Cinema a Serviço do Golpe (1962-1964)”. Os filmes eram exibidos na televisão e nos cinemas. Segundo Denise Assis, as empresas Listas Telefônicas Brasileiras, Light, Cruzeiro do Sul, Refinaria e Exploração de Petróleo União e a Indústria de Comércio e Minerais (Icomi) arcavam com mais de 70% das contribuições. “Os filmes foram utilizados para convencer os principais empresários do país a financiar os golpistas. Um conjunto de 125 empresas contribuiu. Na época, o valor arrecadado foi de quatro milhões de cruzeiros que fora utilizado na compra de espaço na mídia, para plantar o sentimento de insatisfação na população. Conseguiram, em 1964, com domínio da opinião publica, incutir que o país estava um caos. Com o desdobramento do Golpe, o Ipês, que tinha equipe de quase 500 espiões, ajudou a formar o Serviço Nacional de Informação (SNI) que foi denunciado pelo deputado federal Rubens Paiva. E este pagou com a vida [e está desaparecido até hoje]”, destacou Denise. O jornalista Jorge José de Melo analisou o financiamento da Operação Bandeirantes (OBAN), que antecedeu o DOI-Codi paulista, responsável pela tortura, morte e desaparecimentos durante a Ditadura. Melo participou da realização do documentário “Cidadão Boilesen”, sobre Henning Albert Boilesen, executivo do Grupo Ultragás que fazia a arrecadação de financiamento ilegal da ditadura, principalmente equipando os centros de tortura e extermínio. Entre os entrevistados do filme, está o ex-governador paulista Paulo Egydio Martins, que detalhou abertamente sobre doações feitas ao II Exército com dinheiro e equipamentos. Pedro Henrique Pedreira Campos, mestre em história, estudou sobre empresas nacionais de construção civil, principalmente no setor de obras públicas. Segundo Pedro Campos, as principais empresas do setor foram formadas no período anterior à ditadura e entre 1964-1985 tiveram grande crescimento do seu capital. “Hoje essas empresas são conglomerados. Se multiplicaram com outros nomes, de porte internacional, como a Odebrecht e a Camargo Correa. Os grupos que se fortaleceram naquele momento hoje possuem amplo poder econômico e político no Brasil atual”, contou o pesquisador. Marlon Weichert, procurador regional da República, disse que a responsabilidade de empresas é um tema até o momento negligenciado. “O Direito Internacional já se dedicou bastante sobre a responsabilidade das empresas e dos empresários. Após o Tribunal de Nuremberg, a ONU aprovou diversos princípios de direito internacional em relação a crimes de guerra e crimes contra a humanidade. A partir daí, houve a discussão sobre a responsabilização das empresas”, explicou o procurador. “Um caso bastante famoso é relativo ao produto Zyklon B, um inseticida que proporcionava morte rápida de pessoas e que os nazistas utilizaram nas câmaras de gás de Auschwitz contra judeus. O fornecedor foi condenado. Segundo a Comissão Internacional de Juristas, sem o auxilio das empresas não seria possível realizar os crimes de guerra. Quando as empresas delatam seus funcionários ou apoiam com fornecimento de armas, veículos, combustível, transporte, compra de bens, a iniciativa privada assume a posição de cúmplice”, explicou Weichert. O sindicalista Sebastião Neto, articulador do GT dos Trabalhadores, afirmou que é de grande importância mostrar como foi formado o forte esquema de repressão aos trabalhadores, cujo mecanismo foi aperfeiçoado ao longo dos anos.