Zona Curva

Política

Uma luz para você entender um pouco sobre o imbróglio político em que o país está metido.

A dívida grega é justa?

por Fernando do Valle Dívida grega – O mercado financeiro mundial baseia-se no princípio do endividamento descontrolado dos países para, em seguida, sugá-los pouco a pouco em eternos pagamentos de juros. Para isso, o capital financeiro conta com políticos que trabalham em prol de seus interesses nos governos em um sistema antidemocrático e desregulamentado. Depois que determinado país já estiver com a corda no pescoço e tiver a ousadia em desobedecer ao mercado, não arcando com acordos, muitos deles espúrios, ganhará nota baixa das agências de risco como um aluno malcriado. A nota baixa indica que aquele país não receberá mais investimentos privados e passará a ser tratado como um pária pelos bancos, governos alinhados ao mercado e organismos financeiros internacionais. Talvez essa história comece a mudar com a vitória do NÃO (oxi, em grego) no plebiscito do último domingo (dia 5 de julho) na Grécia, que demonstrou como o poder do capital financeiro pode (e deve) ser desafiado. Mais de 61% dos gregos não aceitaram mais a austeridade como, por exemplo, metas fiscais exigidas pelos credores gregos, que segundo o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, levaria a uma “maior desregulamentação do mercado de trabalho, cortes nas pensões e reduções mais drásticas nos salários do setor público”. Medidas que aprofundariam ainda mais a crise em um país em que o PIB recuou 25% nos últimos 7 anos, 40% das crianças vivem abaixo da linha da pobreza e cerca da metade dos jovens estão desempregados. Em entrevista recente à TV Brasil, a professora Maria Lucia Fatorelli, auditora fiscal da Receita Federal e coordenadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida, denuncia que o empréstimo de 316 bilhões de dólares recebido pela Grécia por intermédio da Troika (Banco Central Europeu, FMI e Comissão Europeia) é formado por “papéis podres”, títulos financeiros de baixo valor de bancos falidos. Ela fez parte de uma comissão que auditou a dívida pública grega e entregou um relatório preliminar no dia 17 de junho ao parlamento daquele país. Segundo ela, o texto de 700 páginas do acordo de 2010 contém mecanismos financeiros enigmáticos que escondem a jogada financeira da Troika. Fatorelli participou também da auditoria da dívida do Equador, que extinguiu parte considerável da dívida do país, que se mostrou não fundamentada. Leia o texto em que Fatorelli detalha os problemas com a dívida grega. Em entrevista à revista Carta Capital, Fatorelli resume o que foi feito na Grécia: “mecanismos financeiros, coisas que não tinham nada ver com dívida, tudo foi empurrado para as estatísticas da dívida. Tudo quanto é derivativo, tudo quanto é garantia do Estado, os tais CDS [Credit Default Swap – espécie de seguro contra calotes], essa parafernália toda desse mundo capitalista ‘financeirizado’. Tudo isso, de uma hora para outra, pode virar dívida pública. O que é a auditoria? É desmascarar o esquema. É mostrar o que realmente é dívida e o que é essa farra do mercado financeiro”. Assista a entrevista à TV Brasil: O documentário Goldman Sachs, o banco que dirige o mundo, explica outra artimanha financeira realizada na Grécia, desta vez pelo banco Goldman Sachs, e com a anuência do governo grego da época. Para que o país pudesse integrar a União Europeia a partir de janeiro de 2001, sua dívida foi maquiada já que o Tratado de Maastricht, da União Europeia, exigia que nenhum membro da zona do euro podia ter uma dívida superior a 60% do PIB, da Grécia, era 103%. Em junho de 2000, para ocultar o tamanho real da dívida grega, o Goldman Sachs transportou a dívida grega de uma moeda para outra. A transação consistiu em mudar a dívida que estava contabilizada em dólares e em yens para euros, mas com base em uma taxa de câmbio fictícia. O banco de negócios norte-americano ganhou na operação 600 milhões de euros. Hoje a dívida grega é de 175% de seu PIB. Assista ao documentário e saiba como o banco Goldman Sachs opera contra a democracia em vários países.  O ministro grego das Finanças, Yanis Varoufakis, em seu estilo anti-Wall Street com sua moto e suas jaquetas de couro, afirmou que a vitória do NÃO no referendo do dia 5 de julho prova que “uma pequena nação europeia levantou-se contra a servidão da dívida”. Varoufakis deixou o governo para facilitar as futuras negociações após a vitória do NÃO. Segundo ele, “alguns ministros dentro do eurogrupo têm preferência pela minha ausência nas negociações”. E completou: “a ira dos credores é trunfo que ostento com orgulho”. Junto com outros economistas, o autor do livro “O Capital no século XXI”, o  francês Thomas Piketty divulgou ontem uma carta  de apoio à Grécia em que lembra como a dívida alemã foi perdoada após a Segunda Guerra Mundial e fez um apelo a Angela Merkel, líder da Alemanha, por medidas corajosas e generosas nesse momento importante da história da Europa. Merkel simbolizou a pressão dos credores ao governo grego. Segundo a carta, “na década de 1950, a Europa foi fundada sobre o perdão de dívidas do passado, em especial a da Alemanha, o que contribuiu para o crescimento econômico do pós-guerra e da paz”. Em entrevista publicada no site Outras Palavras , Piketty lembra que outros países europeus já estiveram endividados e tiveram seus débitos perdoados ou negociados: “O passado da Alemanha quanto a [pagar dívidas] deveria ser de importante significado para os alemães hoje. Olhe para a história da dívida nacional: Reino Unido, Alemanha e França estiveram todos, um dia, na situação da Grécia de hoje – na verdade, muito mais endividados. A primeira lição que podemos tirar da história das dívidas governamentais é que não estamos diante de um problema inédito. Tem havido muitos modos de pagar as dívidas, e não apenas uma, isso que Berlim e Paris gostariam que os gregos acreditassem.” A vitória do NÃO no referendo é somente o primeiro passo em busca de soluções para a grave crise grega. O que acontece na Europa neste momento mostra como a democracia pode colocar os interesses da maioria novamente no jogo político.

Na Espanha, a utopia das ruas agora ocupa também os gabinetes de Madrid e Barcelona

A possibilidade de novos caminhos para os becos sem saída da política atual nos chega de terras espanholas. O comando das duas principais cidades espanholas, Madrid e Barcelona, passaram às mãos no último sábado (dia 13) de mulheres envolvidas com a prática de um novo fazer político, principalmente através de uma participação mais efetiva da população. Tanto a nova prefeita de Madrid, Manuela Carmena, como a de Barcelona, Ada Colau, são filhas legítimas das manifestações de 2011, surgidas dos anseios de um país cansado da crise econômica e do domínio do mercado financeiro em suas vidas. Apelidado de 15M, o movimento que ficou marcado pelo protesto de 15 de maio de 2011 e se espalhou com o uso da força da internet e das redes sociais apareceu coincidentemente nas eleições municipais há 4 anos. O partido Podemos, principal força política relacionada a esse movimento, criado em janeiro do ano passado, fará parte do governo de Colau e de Carmena. O bom resultado do Podemos nas urnas nas eleições municipais deste ano coloca Pablo Iglesias, líder do partido, como protagonista das eleições gerais espanholas no final deste ano. A juíza aposentada Manuela Carmena encabeçou a Ahora Madrid (Agora Madrid), auto-denominada chapa cidadã que reuniu o Podemos e um leque diversificado de movimentos sociais e de cidadania. Carmena colocou fim ao domínio de 24 anos do direitista PP (Partido Popular) na capital espanhola. Para governar a capital espanhola, ela contará com o apoio do PSOE (Partido Socialista Obrero Español) de centro-esquerda. O jornalista espanhol Bernardo Guitérrez destaca as inovações da campanha de Carmena como o programa elaborado de forma colaborativa, autofinanciamento (através de microcréditos e doações particulares), auto-organização de diferentes coletivos, redes, movimentos cidadãos ou fluxos espontâneos, entre outras iniciativas inovadoras. Segundo Gutiérrez, Carmena passou de desconhecida a ícone pop. Leia texto de Gutiérrez. A insurgência dos movimentos sociais e a busca da prática de uma cidadania mais participativa utilizam como arma de luta a web para a conquista de adeptos. O fenômeno surge no momento em que amplos setores da classe política se afastam dos eleitores, vivendo praticamente em uma realidade paralela em defesa de interesses corporativos. Isso pode ser observado em vários países atualmente, inclusive no Brasil. O uso da internet surge como saída para combater a manipulação e desonestidade da grande mídia, cúmplice da defesa de interesses corporativos e de camadas privilegiadas. O movimento 15M utilizou, por exemplo, streaming ao vivo de assembleias e criou canais próprios de comunicação na divulgação de seus atos, criando uma alternativa real e horizontal ao cada vez mais viciado jornalismo praticado pela velha imprensa. O breve currículo da nova prefeita de Barcelona, Ada Colau, já nos sugere sua agenda política: ativista antidespejo de 41 anos, feminista, militante de direitos humanos e ex-líder da PAH (Plataforma dos Afetados por Hipotecas), movimento organizado por pessoas despejadas de suas casas por não pagar hipotecas ao sistema financeiro. Primeira mulher no comando de Barcelona, Colau liderou a chapa Barcelona En Comú (Barcelona em comunidade) que reuniu vários partidos (Iniciativa para a Catalunha, Esquerda Unida e Alternativa, Podemos, Ganhemos Barcelona, Procés constituent (Processo Constituinte)) lideranças sociais e de bairros. Em 2013, quando ainda presidia a PAH, foi presa ao protestar em frente a um banco contra os despejos. Após dois anos, a situação mudou. Hoje, em seu primeiro dia como prefeita, Colau já impediu despejos em um dos bairros mais pobres de Barcelona. Outras de suas promessas de campanha são a redução de privilégios e salários de autoridades, geração de empregos e a revisão de projetos de privatizações. O que começou como um protesto em 2011 contra as políticas de austeridade do governo espanhol e a hegemonia política e financeira da Troika, formada pela Comissão Européia, Banco Central Europeu e FMI, resultou agora em um cenário de esperança por mudanças na política espanhola, processo semelhante já está em curso na Grécia. A pressão financeira da Troika levou à pauperização de muitos espanhóis e a taxas recordes de desemprego com cerca de um quarto da população sem trabalho. A convocação para o protesto na ruas no dia 15 de maio (data que apelidou depois o movimento de 15M), com a chamada “Democracia Real Ya! Ocupe as ruas. Não somos mercadorias nas mãos dos políticos e banqueiros!”. Neste dia, 50 mil em Madrid e 20 mil pessoas em Barcelona ocuparam as ruas. Relembre o manifesto que circulou naquela época na rede: “Somos pessoas comuns. Somos como vocês: pessoas que se levantam de manhã para estudar, trabalhar ou procurar emprego, pessoas com famílias e amigos. Pessoas que dão duro todo dia para viver e proporcionar um futuro melhor a todos os que nos rodeiam. … Porém, neste país, a maioria da classe política nem sequer nos escuta. Suas funções deveriam ser levar nossa voz às instituições, facilitando a participação política cidadã e procurando o maior benefício para a sociedade em geral, e não enriquecer à nossas custas, atendendo apenas às ordens dos grandes poderes econômicos e mantendo uma ditadura partidocrática… Somos pessoas, não mercadorias. Não sou apenas o que compro, por que compro e para quem compro. Por todos esses motivos, estou indignado. Acredito que posso mudar. Acredito que posso ajudar. Sei que unidos não conseguimos. Venha conosco. É seu direito” (extraído do livro Redes de Indignação e Esperança, movimentos sociais na era da internet, do professor espanhol Manuel Castells). No surgimento dos 15M, parte da imprensa também os apelidou de Indignados, devido ao entusiasmo de muitos deles com o panfleto Indignez-vous!, produzido com um trecho do livro de mesmo nome publicado em 2010 pelo filósofo e diplomata francês Stéphane Hessel, que faleceu em 2013 aos 95 anos. A revolta da população que sofria na pele a crise econômica fez ressurgir no jogo político os reais interesses da maioria contra muitos políticos que se aliaram aos banqueiros e suas jogadas especulativas. Por exemplo, na luta da prefeita Colau, fica clara a injustiça da falta de opção de uma família pobre e endividada perante um sistema financeiro corrupto e oligopolista. E até

Manifestações contra a Monsanto nas ruas de 421 cidades

No último sábado, dia 23 de maio, cerca de 3 milhões de manifestantes foram às ruas em 421 cidades de 48 países contra a multinacional de biotecnologia Monsanto, produtora de cerca de 90% das sementes transgênicas no mundo. É o terceiro ano consecutivo da Marcha contra a Monsanto, que protesta contra os alimentos transgênicos ou também chamados organismos geneticamente modificados (OGMs), que já são consumidos por parte da população mundial, inclusive no Brasil. Estudos científicos já provaram que os transgênicos podem causar danos aos rins e fígado, maior predisposição ao câncer, entre outros danos a saúde. Além disso, o cultivo de sementes geneticamente modificadas prejudica o solo e o meio ambiente. A Monsanto, que fatura anualmente cerca de 4,5 bilhões de dólares, também utiliza seu poder econômico para pressionar universidades e institutos de pesquisa que publicam estudos contrários aos seus interesses. Mais uma prova de sua influência econômica foi a aprovação no final de abril na Câmara dos Deputados de Projeto de Lei que livra as empresas do setor alimentício da obrigatoriedade de informação nos rótulos de produtos que contêm menos de 1% de transgênicos em sua composição. O projeto foi encaminhado ao Senado. Com isso, abre-se precedente para que os produtos transgênicos misturem-se aos outros, inclusive orgânicos, e confunda os consumidores do que realmente eles levam para suas casas. O monopólio da Monsanto na área dos alimentos OGMs impressiona. Ela comercializa 98% da soja transgênica do mundo e 78% do milho tolerante a herbicidas. Se não bastasse, a empresa ainda produz os pesticidas glifosato e agente laranja. O primeiro já foi proibido em dezenas de países do mundo como Holanda e El Salvador. No Brasil, o Ministério Público Federal (MPF) enviou em abril documento à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) solicitando urgência na reavaliação toxicológica do glifosato. Em diversos outros países, pedidos de proibição da substância tramitam na Justiça e no Poder Legislativo. A base das proibições são os diversos estudos que ligam o uso do glifosato a doenças como câncer, diabetes, depressão, alzheimer, entre outras. Cerca de 83 milhões de litros de agente laranja foram usados pelas tropas americanas na Guerra do Vietnã entre 1964 e 1975, no Vietnã, Laos e Camboja. O herbicida tem a propriedade de desfolhar as plantas e árvores. Com isso, 25% das florestas da região foram devastadas. A dioxina contida no agente laranja causou doenças em dois milhões de vietnamitas e milhares de soldados norte-americanos. Leia texto sobre o documentário “O Veneno está na Mesa II”, de Silvio Tendler. O Brasil ocupa o vergonhoso segundo lugar entre os países que mais cultivam variedades transgênicas de grãos e fibras no mundo. O agronegócio brasileiro é também, desde 2008, o campeão mundial em consumo de agrotóxicos, A luta contra a Monsanto tem mobilizado vários setores da sociedade civil, inclusive artistas. No próximo mês, o roqueiro canadense Neil Young lança o disco “Monsanto Years”, um libelo contra a multinacional. O artista, que completa 70 anos em novembro, sempre foi crítico da política externa norte-americana e do desmedido domínio das corporações sobre as instituições democráticas de vários países. Mais fotos das manifestações do último sábado: Chile   Suíça   Canadá

Brasília não tem culpa

Aniversário Brasília – Nascida da obstinação de JK em transferir a capital do Brasil para o planalto central em busca de maior integração nacional, Brasília foi inaugurada por ele em 21 de abril de 1960. A cidade de Brasília não tem culpa das negociatas que certos políticos, funcionários públicos e empresários aprontam nos corredores e salas fechadas de alguns de seus prédios, por isso vale relembrar um pouco dessa história. Alguns até argumentam que a distância geográfica da capital federal em relação às principais metrópoles brasileiras agravaram nossos problemas políticos, não acredito nessa tese. A proposta dos arquitetos Lúcio Costa e Oscar Niemeyer venceu alguns concorrentes em concurso público para a construção de Brasília, assim eles começaram a concretizar o sonho de JK a partir de 1956. Depois de Salvador (1549 – 1763) e Rio de Janeiro (1763 -1960), a cidade planejada de Brasília é a terceira cidade a abrigar nossa capital e foi definida por Costa em entrevista aos Diários Associados no dia da inauguração como “planejada para o trabalho ordenado e eficiente, mas ao mesmo tempo cidade viva e aprazível, própria ao devaneio e à especulação intelectual capaz de tornar, com o tempo, além do centro de governo e administração, num foco de cultura dos mais lúcidos e sensíveis do país”. Na inauguração, Brasília contava com 200 mil habitantes. A gente humilde que construiu Brasília, apelidada de candanga, era em sua maioria goiana, seguida pelos mineiros (20,3% do total), baianos (13,5%) e cearenses (7,4%) em quarto lugar. Em 1967, o cineasta Joaquim Pedro de Andrade lançou o curta-metragem Brasília: Contradições de uma Cidade Nova, que mostra como os operários, a maioria sem emprego depois da construção, passaram a ocupar as chamadas cidades-dormitório ao redor da cidade. O filme explicita os contrastes entre o futurismo de Brasília e os problemas sociais da cidade. Brasília continua uma cidade bem desigual. O índice de Gini, que mede a desigualdade social, é de 0,57 no Distrito Federal, o mais alto do Brasil, que é de 0,50. O contraditório é que, ao mesmo tempo, a cidade possui R$ 57.665 de produto interno bruto per capita, o maior do país em comparação a outras capitais e três vezes maior que a renda média brasileira. Inspirado no file de Joaquim Pedro, o diretor Getsemane Silva lançou em 2013 o documentário Plano B, que busca os personagens do filme de 1967 e faz uma reflexão da situação atual da capital federal. Fonte usada: site Congresso em Foco.

Goldman Sachs e o fanatismo pelo Deus Dinheiro

Em recente entrevista, o filósofo italiano Giorgio Agamben afirmou que “Deus não morreu, ele se tornou dinheiro”. A sacada de Agamben não saiu de minha cabeça enquanto assistia ao documentário “Goldman Sachs, o banco que dirige o mundo” de Jérôme Fritel e Marc Roche. O filme narra como o banco de investimentos Goldman Sachs mistura-se às engrenagens dos Estados nacionais como um parasita para sugar infinitos dólares para seu caixa, garantindo seu perene poder transnacional e anti-democrático. O que mais impressiona é como o poder desses mega-bancos de investimento, que nem precisam de agências, usam seus tentáculos como um polvo para ocupar cargos com homens de sua confiança em governos, manipulam políticos e escondem da imprensa suas negociatas, como a dos subprimes, que colaboraram para mergulhar o mundo em uma crise financeira sem precedentes em 2008. Assista ao documentário na íntegra: Em 2012, Greg Smith, ex-vice-presidente do banco em Londres, pediu demissão depois de 12 anos no banco e disparou em artigo no New York Times : “o ambiente do banco é tóxico e destruidor como nunca antes”. Segundo ele, até os interesses dos clientes do banco eram colocados à parte na maneira como a empresa operava e ganhava dinheiro. Smith conta no texto que chegou a administrar ativos de mais de 1 trilhão de dólares e cansou de ver diretores chamarem os clientes do banco de “marionetes”. O documentário foi baseado no livro “O Banco – Como o Goldman Sachs dirige o mundo”, de autoria de Marc Roche, analista do mercado financeiro do jornal Le Monde e que conta com experiência de 35 anos em coberturas jornalísticas sobre economia. Fundado em 1869 nos Estados Unidos por Marcus Goldman, um imigrante judeu bávaro, logo acompanhado por seu genro Samuel Goldman, o Goldman Sachs especializou-se no começo de sua história em corretagem de empréstimos de curto prazo emitidos por empresas. O filme relembra a artimanha financeira realizada pelo Goldman Sachs para maquiar a dívida grega para que o país pudesse integrar a União Europeia a partir de janeiro de 2001. O Tratado de Maastricht, da União Europeia, exigia que nenhum membro da zona do euro podia ter uma dívida superior a 60% do PIB e os déficits públicos não podiam superar os 3%. Em junho de 2000, para ocultar o tamanho real da dívida grega, que era de 103% de seu PIB, o Goldman Sachs transportou a dívida grega de uma moeda para outra. A transação consistiu em mudar a dívida que estava contabilizada em dólares e em yens para euros, mas com base em uma taxa de câmbio fictícia. O banco de negócios norte-americano ganhou na operação 600 milhões de euros. Hoje sabemos o resultado a longo prazo dessa operação: a dívida grega é de R$ 320 bilhões de euros, 175% do PIB, e 50% da população jovem está desempregada. O italiano Mario Draghi, que trabalhou no Goldman Sachs e foi condecorado pelos bons serviços ao mercado financeiro com o comando do Banco Central Europeu, foi um dos responsáveis em usar truques semelhantes de contabilidade com a dívida italiana. Os funcionários do Goldman Sachs eram chamados ironicamente de monges banqueiros. A empresa também orgulha-se de contratar jovens de destaque no meio universitário e transformá-los em verdadeiros ciborgues do mercado financeiro. Muitos desse ciborgues, depois de deixarem seus empregos no banco, são programados para usar armas financeiras em cargos governamentais de seus países de origem para garantir ganhos para o chamado 1%, como batizou o movimento Occupy Wall Street a pequena parcela de pessoas que controla boa parte da riqueza mundial.  Essa confusão entre interesse privado/especulativo e interesse público foi amplamente usada pelo Goldman Sachs em diversas ocasiões. Conheça alguns ciborgues da Goldman Sachs: Henry Paulson foi o ex-executivo-chefe do Goldman Sachs e nomeado secretário do Tesouro por George W. Bush durante a parte pior da crise de 2008. Paulson esteve diretamente envolvido no escândalo das subprimes em que, a grosso modo, o banco vendia títulos podres a seus clientes e simultaneamente especulava contra esses mesmos títulos. Já citado no texto, o italiano Mario Draghi foi vice presidente do Goldman Sachs para a Europa entre os anos 2002 e 2005. Saiu do banco diretamente para a presidência do Banco Central Italiano e de lá para o Banco Central Europeu, que forma a Troika (BCE, FMI e União Europeia), que comanda o processo de austeridade europeu que tem deixado várias economias europeias à míngua Robert Rubin trabalhou 26 anos no Goldman Sachs e chegou a ocupar postos elevados no banco. Entre 1993 e 1995, ocupou o Conselho Econômico da Casa Branca e, entre 1995 e 1999, foi Secretário do Tesouro norte-americano e é considerado um verdadeiro apóstolo da desregulamentação do mercado financeiro. Fontes usadas: Le Monde Diplomatique, Carta Maior e New York Times. http://www.zonacurva.com.br/todo-coracao-e-um-celula-revolucionaria/  

De tanto me mandarem para Cuba, eu fui

No ano de 2014, virou moda entre direitistas pseudo politizados mandarem as pessoas para Cuba. Coincidentemente, havia reservado minha passagem para passar as festas de final de ano na ilha caribenha. Curioso para sentir de perto a realidade do povo, fiquei hospedado nas famosas casas particulares, imóveis de cubanos que se transformaram em uma nova modalidade de hostel, que nos dão a oportunidade de viver junto aos moradores locais, compartilhando refeições, conversas sobre todos os assuntos e sentir no dia-a-dia os pontos positivos, negativos e as contradições do regime. Na cidade de Havana, fiquei hospedado por 8 dias na Casa Doña Clara, no bairro de Vedado e que nos permitiu contato real com a vida das pessoas e da metrópole. Na cidade histórica de Trinidad, no litoral sul da ilha, passei 3 dias no Hostal Los Hermanos, onde fomos tratados com muita atenção e com ingredientes abundantes na ilha: boa educação, amor e carinho no trato cotidiano entre as pessoas. De cara, posso afirmar que Cuba pode ser identificada com qualquer coisa, menos com uma ditadura, afinal como pode ter esse nome um governo de um país que garante acesso às escolas e hospitais para todos e praticamente erradicou a venda de drogas e a violência urbana. É certo que a ausência de eleições diretas para o poder executivo não pode ser apontada como uma das qualidades do país. Mas democracia, na acepção da palavra, significa governo do povo, e um país com tantas assembleias populares, conselhos regionais e que elege seus deputados da assembleia parlamentar periodicamente, exerce a democracia na sua forma direta já que esses representantes se elegem e dão forma ao governo e votam nos chefes do executivo, além de apresentarem leis e planos de trabalho para atender às demandas da população. A professora Anita Leocádia Prestes, filha do líder comunista Luís Carlos Prestes e de Olga Benário, explica  como funcionam as assembleias populares em Cuba. O sistema pode ser criticado por não contar com eleições majoritárias, mas poucos países contam com um sistema consultivo da população como o da ilha caribenha. Leia texto sobre a eleição de Raúl Castro em 2013 (em espanhol). http://www.elmundo.es/america/2013/02/02/cuba/1359839026.html A ladainha repetida pela mídia corporativa brasileira que insiste em chamar Cuba de ditadura comunista é fruto de quem não conhece a sociedade e história cubana, preferindo replicar informações distorcidas do império yankee, em especial de think tanks  financiados pelos gusanos de Miami. Cuba não é tão pouco comunista, talvez socialista, pois se consome e muito na ilha de Fidel e Raúl. Além das lojas estatais, que vendem os tradicionais charutos, as marcas de rum e artesanato bem diversificado, existem supermercados com boa variedade de produtos (muitos brasileiros) e lojas da Adidas, Puma, Mercedes Benz, além das centenas de restaurantes particulares, cafeterias, hotéis espanhóis, canadenses, alemães e italianos. Se muitos, por desconhecimento ou ideologia, acham que o governo cubano não permite o acesso da população à internet, saibam que estão 100% enganados. Existe internet em toda a ilha, mas o criminoso bloqueio estadunidense contra Cuba impede que se forneça acesso de banda larga para a população, ficando a internet local na era das conexões discadas, fornecido por Universidades que contam com convênios internacionais. Apesar da lentidão da rede, os cubanos possuem e-mail, conta no facebook e montam seus blogs. Adoram estar conectados, só não estão mais presentes na web em função das restrições impostas pelo bloqueio ao país. O socialismo em Cuba efetivamente existe e está na educação de qualidade  para todos, na saúde pública e gratuita, na aceitação das religiões de matriz africana e do homossexualismo como manifestação normal da individualidade, mesmo em uma sociedade de origem machista e cotidianamente militarizada. Também pode ser claramente notado pela profusão de manifestações culturais que vão das artes plásticas ao rock, da rumba ao cinema nacional e internacional com importantes escolas de cinema e festivais, da trova e nova trova cubana ao jazz de qualidade que se ouve com facilidade nas casas de shows em Havana. Me chamou muito a atenção de como hoje se encontra com tranquilidade Coca-Cola, absorvente higiênico e outros produtos de consumo em toda Cuba, e com preços acessíveis atualmente para a população. Isso se dá, diga-se de passagem, sem que se ceda aos excessos da propaganda, deixando todo indivíduo livre para decidir por conta própria o que consumir, sem se transformar em vítima da manipulação de corações e mentes que tão bem o marketing sabe construir. Acho que o país entra agora numa nova fase, onde quem acredita que será uma abertura descontrolada e que, em meses, Cuba voltará a ser um satélite dos EUA, irá quebrar a cara. Afinal a sociedade local efetivamente funciona e seu povo conta com um dos melhores níveis culturais do planeta em função da educação de qualidade e pela valorização dos professores na sociedade. Repito o que ouvi de um cubano: “Fidel Castro venceu mais uma batalha contra seus algozes, provavelmente a última, e agora poderá descansar em paz, já que cumpriu a missão de resistência ao capitalismo desvairado, e apesar de todos os erros cometidos em mais de 50 anos de Revolução, ajudou a construir uma verdadeira Nação. Cuba tem muito a ensinar e claro também muito a aprender com todos nesse conturbado século XXI”. Minha crítica principal ao regime está na militarização da sociedade, com uma presença exagerada das forças armadas no dia-a-dia da população, gerando inevitáveis conflitos, em especial com os mais jovens, que não conheceram as mazelas de antes da Revolução. A foto acima revela o conturbado relacionamento Cuba-Estados Unidos: em 2006, a embaixada norte-americana instalou um telão na janela de seu prédio para transmitir mensagens contra o regime cubano. Fidel revidou: colocou 138 bandeiras em frente ao edifício da embaixada. Sinto que agora todos terão uma grande oportunidade, e que naturalmente se entre numa época em que a sociedade civil terá a missão de assumir as rédeas e o futuro do país, herdando uma base diferenciada com invejáveis índices sociais. Os cubanos se sentem prontos para encarar

O apoio da grande mídia ao golpe de 64

Golpe de 64 – Além de criar o clima de pânico, em especial na classe média, que passou a aceitar a quebra do Estado democrático, a imprensa apoiou o golpe de 1964 de maneira quase unânime. O livro Cães de Guarda – jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988, da historiadora Beatriz Kushnir, lançado em 2004, e infelizmente pouco conhecido, pesquisou a atuação da imprensa no período da ditadura militar e mostra em cores fortes como as principais empresas de mídia da época (Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo, Jornal do Brasil, Globo e o Correio da Manhã) foram coniventes com o regime. A exceção entre os principais grupos de comunicação do período ficou por conta do Última Hora, jornal criado pelo jornalista Samuel Wainer em 1951. Única voz entre os principais jornais que deu suporte a João Goulart e suas reformas de base, o Última Hora foi praticamente destruído pelos militares após o golpe. Antes disso, o jornal chegou a vender um total de 500 mil exemplares por dia de suas 11 diferentes edições regionalizadas. Kushnir declarou recentemente à revista Carta Capital: “eu reviso essa ideia de resistência e mostro que houve, no lugar disso, um grande colaboracionismo, se houve resistência, está nos veículos alternativos e não na grande imprensa”. O bunker contra a ditadura militar se encontrava mesmo em publicações como Pasquim, Opinião, Movimento, Bondinho, Versus e muitas outras. Em euforia, o editorial do Globo de 2 de abril de 1964 celebrou a tomada do poder pelos militares com o título “Ressurge a Democracia”,  Roberto Marinho vibrava com o golpe militar em seu jornal: “salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos. Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais”. O jornalista Cláudio Abramo que chegou a ocupar a direção do jornal Folha de S. Paulo lembra do clima de março de 64: “Alertei [Darcy Ribeiro, figura próxima a Jango] de que dias antes o dr. Julinho [do jornal O Estado de São Paulo] havia visitado Assis Chateaubriand [conhecido barão da mídia, dono dos Diários Associados], e que aquilo era sinal seguro de que o golpe estava na rua. Porque a burguesia é muito atilada nessas coisas, não tem os preconceitos pueris da esquerda. Na hora H ela se une”. (trecho do livro “A Regra do Jogo” de Abramo)  Em 1977, Cláudio Abramo foi afastado da direção da Folha de S. Paulo atendendo a pressões do ministro do Exército, Sylvio Frota, contra a publicação de uma crônica de Lourenço Diaféria no 7 de setembro e tida pelos militares como ofensiva à memória do Duque de Caxias. Abramo chama em seu livro  o outro jornal do Grupo Folha, a Folha da Tarde, de “jornal sórdido”. Kushnir se debruçou sobre a história da Folha da Tarde. O FT mudou radicalmente de lado com a edição do AI-5. Até 1968 era um jornal inquieto, que concorria diretamente com o irmão mais novo do Estadão, o Jornal da Tarde. A Folha da Tarde foi criada em 1º de julho de 1949 com o slogan “o vespertino das multidões”. Durante uma década e meia sob o comando de policiais, a Folha da Tarde foi apelidada de a de “maior tiragem”. Os jornalistas-tiras, chamados de cães de guarda por Kushnir, que trabalharam por lá, tinham jornada dupla na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Eles “legalizavam” as mortes decorrentes da tortura em seu trabalho na redação, noticiando-as como assassinatos em trocas de tiros. Com informações de dentro do aparelho repressor, a Folha da Tarde chegou ao absurdo de antecipar em suas manchetes algumas mortes de militantes. O outro codinome do FT na época era o Diário Oficial da Oban (Operação Bandeirante). A Oban foi um centro de informações e tortura montado pelo exército para coordenar a repressão e deu origem ao famigerado Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) que, em São Paulo, na rua Tutóia, torturou e matou muitos opositores ao regime. O relatório da Comissão Nacional da Verdade, divulgado na semana passada, confirma os estudos de Kushnir e declara que o Grupo Folha forneceu apoio financeiro, ideológico e material à repressão e que veículos do jornal foram utilizados pelos militares responsáveis pela repressão.   “É a história de 64. A mídia começou a implorar o golpe desde 62. Tão logo o João Goulart assumiu o lugar do senhor Jânio Quadros, inventaram o parlamentarismo, aquela coisa grotesca. Desde aquele momento, a mídia começou a querer… E quem estava  bravo aparentemente, onde estava a espuma? Nos quartéis. Então são eles que vão fazer o serviço sujo. Mas quem pensa que o golpe foi militar, a meu ver, está enganado. O golpe foi desse poder que está aí até hoje. Até hoje. Os militares são os gendarmes que executam o serviço. Depois de um certo momento, eles até gostaram do poder. O poder empolga.”  (jornalista Mino Carta, em entrevista à Revista Caros Amigos número 105, de dezembro de 2005) Nos dias 21/9/1971 e 25/10/1971, carros do Grupo Folha da Manhã foram incendiados por militantes de esquerda. A ação foi uma represália à empresa por ceder automóveis ao Doi-Codi que, com esse disfarce, tinha facilitado seu trabalho de criar emboscadas para a prisão de ativistas. Em editorial na Folha da Tarde e Folha de S. Paulo no dia 22 de setembro de 1971, a Folha se defendeu atacando ‘os que procuram disfarçar sua marginalidade sob o rótulo de idealismo político’ e que ‘da opinião pública, o terror só recebe repúdio’ e emendou loas ao regime: “como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve. E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, e com indiscutível apoio popular, está levando o Brasil pelos seguros

Como ministro de Vargas, Jango revelou as entranhas do Brasil

Bem-vindo ao Fatos da Zona, em que adaptamos os textos mais acessados do site do Zonacurva Mídia Livre. Neste vídeo, mergulhamos na vida e na trajetória política do presidente João Goulart, líder progressista que enfrentou desafios e lutou incansavelmente por justiça social no Brasil. Conheça a história desse presidente popular e suas políticas transformadoras que buscavam garantir direitos trabalhistas e combater as desigualdades.   Jango – Com apenas 34 anos, João Goulart assume o relevante à época Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em junho de 1953, no governo Getúlio Vargas, e passa a receber em seu gabinete pessoas humildes e sindicalistas, muitos deles negros. A reação a nomeação do ministro foi imediata: empresários, militares e imprensa passam a orquestrar uma verdadeira campanha para derrubá-lo. O mandato de Jango como ministro durou apenas 8 meses e mostrou como a proximidade de trabalhadores à esfera do poder politico incomoda uma camada de privilegiados que enxerga o Estado como sua propriedade. Hoje o duro enfrentamento que veio à tona a poucos dias do segundo turno da eleição presidencial demonstra, apesar de nosso considerável amadurecimento democrático das últimas duas décadas, como a sociedade brasileira ainda não equalizou muitas de suas contradições. A oposição a Jango ainda está à espreita e metamorfoseou-se em defensora do MERCADO como a tábua de salvação de nossos ainda sérios problemas. Em 1953, a principal proposta do ministro previa aumento que dobrava o salário mínimo para 2.400 cruzeiros. A virulenta reação da oposição, principalmente dos quartéis, assustou o governo. Para evitar riscos ao mandato de Getúlio, seu padrinho político, João Goulart deixa o ministério em fevereiro de 54 e declara: “os trabalhadores podem ficar tranquilos, porque prosseguirei ao lado deles, mudando apenas de trincheira”. Em primeiro de maio (Dia do Trabalho) do mesmo ano, três meses antes do suicídio, Getúlio dobra o salário mínimo. “Os detratores das classes operárias não compreendem que um ministro de Estado possa falar com espontaneidade e estabelecer laços de afeto com criaturas de condição humilde… enquanto uns estão ameaçados e morrem mesmo de fome, outros ganham num ano aquilo que normalmente deveriam ganhar em 50 anos e até mesmo em um século” (JANGO) Jango alterou as relações entre Estado, classe trabalhadora e empresários. Com isso, os coronéis lançaram manifesto contra ele, os empresários enfureceram-se e a imprensa o atacou. Jango enfrentou a acusação da oposição de maquinar, com a ajuda do presidente argentino na época, Juan Domingo Perón, a implantação da República Sindicalista no Brasil. O jornalista Carlos Lacerda atacava o governo em seu jornal Tribuna da Imprensa. Em surtos de verdadeira psicose, conclamava o Congresso e a opinião pública a reagir contra “a República Sindicalista, a esdrúxula república jangueira, que fará do Sr. Getúlio Vargas, amorfo e dócil homem de quase 80 anos, mal vividos, um ditador que cochila, enquanto Jango age”. O barão das comunicações e à época senador, Assis Chateaubriand, subiu à tribuna do Congresso e disparou: “o político rio-grandense não faz outra coisa senão desenvolver a mais cruel e atormentada luta de classes até hoje vista. Nem o Partido Comunista já produziu uma campanha de atrito de classes tão perfeita, com o colorido que o Sr. Goulart tem desenvolvido”. Em pouco tempo no ministério, Jango conquistou a simpatia dos trabalhadores e passou a mediar inúmeras negociações entre empregados e patrões, o que era inédito na época. Em alguns casos, o ministro até chegava a estimular as mobilizações por melhores condições de trabalho. Em março de 53, a chamada greve dos 300 mil agitou São Paulo e fez surgir o Pacto de Unidade Intersindical (PUI), organização não alinhada à estrutura sindical pelega, comum à época. Em junho, a greve dos marítimos, inaugurou uma estratégia de negociação entre governo e sindicatos. Ao mesmo tempo, desencadeou o temor de muitos, a começar pelo ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, defensor de uma política de contenção de gastos e crítico de qualquer elevação salarial. O I Congresso de Previdência Social no Rio de Janeiro reuniu representantes de todo o país e estabeleceu um maior acesso dos sindicatos aos serviços assistenciais da previdência, além de um maior acesso dos sindicalistas (e também dos petebistas, partido de Jango) aos cargos da administração dos inúmeros Institutos de Pensões e Aposentadorias. A paciência e simplicidade de Goulart davam o tom para longas conversas com diversas lideranças sindicais, empresariais e políticas. Sua jornada estafante de trabalho começava às dez da manhã e terminava no meio da madrugada. Em outubro de 1953, Jango viajou pelo Norte e Nordeste do país e visitou inúmeros sindicatos. No retorno, 78 sindicatos tinham organizado uma recepção consagradora. Cerca de 4 mil pessoas o esperavam no aeroporto do Rio e o celebraram, Jango teve que subir na capota de um carro para que todos o vissem. Goulart mostrou indignação com as condições de trabalho daquela região do Brasil e relatou que havia trabalhadores com jornadas de 30 dias por mês, sem um único dia de descanso. Como pagamento, recebiam 10 quilos de farinha ou 15 de carne. “Acabo de percorrer vários Estados do Norte e do Nordeste e senti de perto a miséria e as privações dos nossos irmãos daquelas plagas. Ouvi trabalhadores de todas as categorias. Esses trabalhadores que vivem abandonados e sem o mínimo conforto” (Jango) Apesar dos esforços de Goulart e do governo, a crise econômica e a inflação deflagraram várias greves no segundo semestre de 1953. No congresso, integrantes da bancada da UDN (União Democrática Nacional), partido de oposição, chamada ironicamente de ‘banda de música’, subiam ao palanque inúmeras vezes para atacar o governo de Getúlio Vargas e em particular, Jango. Não resta dúvida de que a atuação de Jango no Ministério aproximou setores reacionários das Forças Armadas à UDN. O trabalho de Jango no governo colaborou para transformar Getúlio Vargas do ditador do Estado Novo em um líder de massas. Ambos se aproximaram quando Getúlio, após sofrer o golpe de 45, vivia na Estância Itu, a 80 quilômetros de São Borja (RS), terra natal de Getúlio e João Goulart. Isolado,

Livro ‘Estádio Chile, 1973’ traz de volta Victor Jara, um homem armado de música

por Milton Ribeiro (do SUL21) Victor Jara – Com o livro-reportagem Estádio Chile, 1973 – Morte e Vida de Victor Jara, a voz da Revolução Chilena (Editora Unijuí, 328 páginas), o jornalista Maurício Brum finaliza um projeto de três anos. Foram várias viagens ao Chile — passou lá seis meses, somados todos os períodos –, mais de 50 entrevistas e visitas aos locais onde viveu e morreu o compositor, cantor, diretor teatral e militante político Victor Jara. No livro, Maurício busca reconstruir a trajetória do artista e a multiplicidade de versões sobre sua morte. As entrevistas e relatos permitiram a elaboração de uma vasta crônica sobre a vida e morte de Jara, explicando não somente os fatos e as lendas, mas sua permanência na memória do Chile a da América Latina. Maurício falou ao Sul21 no último 11 de setembro, dia dos 41 anos do infame Golpe Chileno. Sul21: Qual foi a origem de Estádio Chile, 1973 – Morte e Vida de Victor Jara, a voz da Revolução Chilena? Maurício Brum: Ao todo foram três anos de trabalho. Comecei a apuração das informações em meados de 2011 e a parte mais importante da pesquisa foram os seis meses que passei no Chile – somadas todas as viagens que fiz para lá. No Chile, pude obter um material muito rico. Ao todo, fiz cerca de 50 entrevistas, inclusive com pessoas que estiveram com ele no Estádio Chile, local onde ocorreu seu assassinato. Também coletei materiais na Fundação Victor Jara. O material era tão rico que me permitiu organizar não apenas tudo o que se sabe sobre sua morte, reconstituindo os acontecimentos no Estádio Chile, como quem era este personagem, escrevendo uma crônica de sua vida. Não tenho a pretensão de ter escrito a biografia definitiva, mas sei que no livro há muito do homem Victor Jara. Sul21: Essas entrevistas foram com amigos, músicos… Maurício Brum: Sim, com pessoas que conviveram com ele, seja na Escola de Teatro, seja como músicos, companheiros de partido, integrantes do Quilapayún, do Inti-Illimani — que foram grupos da Nueva Canción Chilena, movimento do qual ele participou. Também conversei com a viúva Joan Jara Turner, amigos pessoais e outros que se encontraram com ele na prisão política. É um grupo de personagens distintos que cruzaram com ele e que eu procurei juntar. Então, a primeira parte do livro é sobre a vida de Victor Jara e a segunda sobre a prisão política e a morte. Os músicos me ajudaram muito na biografia, mas, obviamente, contribuíram menos para a descrição dos acontecimentos dos dias de prisão, pois não estavam lá. Os povos “chicos” Sul21: Vamos falar sobre a prisão? O golpe foi na manhã de 11 de setembro, há exatos 41 anos…  Maurício Brum: Pois é, neste horário os militares estavam entrando no Palácio. Talvez Allende já estivesse morto. Sul21: Como aconteceu a prisão? Maurício Brum: Na manhã do dia 11, havia uma convocação da CUT chilena — não se imaginava que o Golpe ocorreria, é claro — para que os trabalhadores ocupassem seus postos de trabalho. E eles atenderam ao chamado. Victor Jara foi até a UTE (Universidade Técnica do Estado), pois tinha um compromisso lá. Naquela manhã, Salvador Allende iria ao campus, abriria uma exposição sobre os riscos de uma Guerra Civil e os meios da esquerda pensavam que ele, o presidente, convocaria um plebiscito para definir a continuidade ou não de seu governo. Quando se soube que não haveria o discurso, todos permaneceram na UTE em parte por causa desse chamado da CUT e em parte por causa do toque de recolher imposto pelos militares. Eles ficam o dia inteiro e a noite lá. O campus é cercado e atacado pelos militares. Na manhã do dia 12 eles são presos. As mulheres são quase todas liberadas, mas os homens permanecem detidos e depois são levados para Estádio Chile — que, apesar do nome, é um ginásio, hoje chamado Victor Jara. As mulheres, mesmo liberadas, foram deixadas no centro de Santiago sob toque de recolher. Ou seja, sem transporte, tinham que correr para casa de qualquer maneira passando o risco de serem mortas ou novamente presas. O Estádio Chile era um dos recintos que eles improvisaram como prisão política, era próximo do campus. Dá menos de um quilômetro. Eles foram levados de ônibus e em caminhões. Sul21: Victor Jara foi logo reconhecido? Maurício Brum: Sem dúvida! Victor Jara era uma pessoa extremamente conhecida, um cantor popular. Suas fotos estão em todos os lugares. Primeiro ele tenta se livrar da carteira de identidade. Ele a joga no chão para dificultar a identificação, mas não dá certo. Logo na entrada ele já é identificado e apartado dos demais prisioneiros. E ali mesmo já começa a ser golpeado. Os relatos que temos é que já na fila os militares batiam em Victor Jara. Foram para trás da porta do ginásio e vinham coronhadas, de golpes de fuzil, chutes… Aí ele é isolado e permanece dois ou três dias num corredor interno do Estádio que fica atrás da quadra. Neste período, ele é levado ao menos uma vez por dia aos porões — na verdade os vestiários do ginásio –, onde aconteciam os interrogatórios e as torturas. Em torno do dia 13 ou 14, não se sabe precisamente, há uma chegada grande de prisioneiros que ocupa os militares. Então Jara fica sozinho no corredor. É o momento que os detidos da arquibancada dão um jeito de carregá-lo para as arquibancadas e tentam enfim disfarçá-lo com o que é possível. Cortam seus cabelos com cortadores de unha e tentam que ele passe desapercebido. Era uma tentativa desesperada, claro. É nesse convívio nas arquibancadas que surge a maior parte das versões e lendas que depois ficaram famosas. Ele teria tido suas mãos cortadas em frente aos demais prisioneiros. Nada disso aconteceu. Sul21: Na autópsia posterior, ele tinha as mãos, mas quebradas, certo? Maurício Brum: Sim, ele teve as mãos quebradas provavelmente pelas coronhadas, pelos chutes, pelas pisadas. Era chutado e humilhado o tempo todo. Havia tremendo ódio em relação à figura dele. Era um personagem importante da

Justiça de Nova Iorque condena militante do Occupy

Occupy – No início desta semana, a manifestante do movimento Occupy Wall Street Cecily McMillan foi condenada a até 7 anos de prisão por um júri popular em tribunal de Nova Iorque (EUA). Ela foi acusada de agredir um policial em março de 2012, na comemoração de seis meses do início do Occupy. Em entrevista ao portal Democracy Now, o advogado de McMillan, Martin Stolar, considerou o julgamento abusivo e que o juiz negou o pedido de fiança. O policial Grantley Bovell ficou com um olho roxo por uma suposta cotovelada da manifestante. Stolar diz que ela balançou o braço instintivamente após ser agarrada no seio direito por trás e que o vídeo usado pela acusação como prova não deixa claro a agressão de sua cliente. A sentença para McMillan foi a mais severa entre os vereditos expedidos pela Justiça contra 56 manifestantes do Occupy. A polícia nova-iorquina agiu com violência contra manifestantes em várias ocasiões, mas até hoje, nenhum policial foi julgado pela justiça. Assista ao vídeo usado pelos promotores para acusar a militante: 99% contra 1% O movimento Occupy Wall Street teve início quando manifestantes ocuparam em 17 de setembro de 2011 o Parque Zuccotti, em Manhattan, no coração do sistema financeiro dos Estados Unidos. O mote do movimento 99% contra 1% representa o fim da paciência da maioria com a espoliação do bem público pelos financistas. O detonador do movimento foi o socorro aos bancos na crise de 2008, realizado com dinheiro público. Enquanto isso, muitos executivos do setor bancário continuavam ganhando bônus exorbitantes e a juventude sentia na pele a precarização do mercado de trabalho. Leia a crônica “O monstro Mercado” O Occupy insere-se numa verdadeira onda de movimentos que levou muita gente de volta às ruas em todo o mundo. Em vários países, a população mobilizou-se e incendiou o debate político. Vimos isso na chamada Jornadas de Junho, no Brasil e na Primavera Árabe (em países do Oriente Médio e norte da África). Os 15M ou Indignados agitaram a Espanha, o #yosoy132 o México, o mesmo ocorreu em Portugal e na Turquia. No livro Occupy, da Editora Boitempo, o professor Giovanni Alves explica quem são os integrantes desses novos movimentos: “no caso europeu, muitos dos manifestantes são jovens empregados, operários precários, trabalhadores desempregados e estudantes de graduação subjugados pelo endividamento e inseguros quanto ao seu futuro — eles constituem o denominado “precariado”; incluem-se também no caso do Occupy Wall Street, veteranos de guerra, sindicalistas, pobres, profissionais liberais, anarquistas, hippies, juventude desencantada, trabalhadores organizados etc”. A origem dessa ebulição popular pode ser encontrada na Ação Global dos Povos, conhecida como AGP, que realizou sua primeira conferência em Genebra em 1998. No ano seguinte, na reunião da OMC em Seattle em 1999 e em Gênova, em 2001, os jovens ativistas surpreenderam o status quo vigente. “Se o século 20 terminou com a queda do muro de Berlim, o século 21 começou com Seattle” (sociólogo francês Edgar Morin) Na luta contra Bush, FMI e a favor do Zapatismo, surgiu o esqueleto desses movimentos. Muitos comparam o que acontece hoje com os protestos que agitaram vários países no final dos anos 60. O jornalista Bernardo Gutiérrez, que estuda o movimento 15M na Espanha, explica a diferença entre a mobilização atual com a dos sixties, em textona Revista Fórum: “não necessitamos daquela utopia do maio de 68, aquela estúpida praia debaixo dos paralelepípedos que nunca apareceu, o 15M já construiu sua própria utopia: dezenas, centenas, milhares de microutopias em rede”. A web exerce um papel essencial para a mobilização dos novos militantes políticos. As redes sociais, blogs e sites criam seu próprio fluxo de informações em organismos descentralizados em prol de novas relações sociais e políticas e liberdade de comportamento. Em uma reunião do movimento Occupy, o filósofo esloveno Slavoj Zizek, tenta entender a motivação da nova geração de manifestantes:  “Em uma velha piada da antiga República Democrática Alemã, um trabalhador alemão consegue um emprego na Sibéria; sabendo que todas as suas correspondências serão lidas pelos censores, ele diz para os amigos: “Vamos combinar um código: se vocês receberem uma carta minha escrita com tinta azul, ela é verdadeira; se a tinta for vermelha, é falsa”. Depois de um mês, os amigos receberam a primeira carta, escrita em azul: “Tudo é uma maravilha por aqui: os estoques estão cheios, a comida é abundante, os apartamentos são amplos e aquecidos, os cinemas exibem filmes ocidentais, há mulheres lindas prontas para um romance – a única coisa que não temos é tinta vermelha.” E essa situação, não é a mesma que vivemos até hoje? Temos toda a liberdade que desejamos – a única coisa que falta é a “tinta vermelha”: nós nos “sentimos livres” porque somos desprovidos da linguagem para articular nossa falta de liberdade. O que a falta de tinta vermelha significa é que, hoje, todos os principais termos que usamos para designar o conflito atual – “guerra ao terror”, “democracia e liberdade”, “direitos humanos” etc. etc. – são termos FALSOS que mistificam nossa percepção da situação em vez de permitir que pensemos nela. Você, que está aqui presente, está dando a todos nós tinta vermelha.” Fontes: livro Occupy e portal Democracy Now.

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