Zona Curva

Política

Uma luz para você entender um pouco sobre o imbróglio político em que o país está metido.

No Brasil das maravilhas

Nem mesmo os mais mirabolantes enredos do realismo fantástico podem fazer páreo à realidade brasileira capitaneada pelo atual presidente. Fatos que em outros tempos poderiam ser catalogados como completos absurdos neste período obscuro que vivemos são nada mais nada menos do que o cotidiano normal do poder político brasileiro. Poderia enumerar aqui as criminosas queimadas na Amazônia e no Pantanal, a destruição da Funai, a entrega do patrimônio público, a proteção aos mineradores e latifundiários, a tentativa de lucrar com a pandemia, o atraso na vacinação, o escárnio com os milhares de mortes, a ocupação do governo pelos militares e pastores, e muito mais. Mas, vou ficar em apenas dois fatos recentes que, apesar de gravíssimos, ao que parece entraram para a conta do “normal”. Um deles foi a divulgação da existência de uma espécie de gabinete paralelo dentro do Ministério da Educação orquestrado por pastores evangélicos que decidia, a partir de propinas em dinheiro ou em ouro, para onde iam as verbas da educação. A história foi divulgada pelo jornal Folha de São Paulo que conseguiu uma gravação com a voz do próprio ministro Milton Ribeiro dizendo que priorizava a liberação de verbas a prefeituras ligadas ou indicadas por pastores a mando do presidente. Os pastores em questão são Gilmar Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil Cristo Para Todos (Conimadb), e Arilton Moura, ligado à Assembleia de Deus. Eles fazem parte do círculo de “assessoria” de Bolsonaro, embora não tenham cargo no governo. Essa denúncia já tinha circulado, a partir de depoimentos de prefeitos, mas quase sem repercussão. Com a gravação, a coisa avolumou. Ainda assim, apesar do grotesco da situação, o caso não esquentou a chapa. A mídia comercial anunciou sem os alardes que faria caso o escândalo acontecesse em outro governo. O presidente, que só se comunica pelas redes sociais, disse que colocava a cara no fogo pelo amigo ministro/pastor. A pressão por uma atitude no caso veio dos aliados, que temiam que a coisa crescesse e atrapalhasse a candidatura. Por fim, o ministro pediu para sair e o presidente aceitou a demissão. Queimou a cara, mas tudo bem. Agora, o episódio deve ficar por aí mesmo, sem respingar no mandatário geral, que segue fazendo campanha alegando fazer um governo sem corrupção. O que nisso tudo é digno de pasmo? Ainda têm uns 20% da população que acredita piamente. O Congresso, para dar uma de bom moço, anunciou que vai chamar o ministro deposto para dar explicações, mas quem viveu uma CPI da Covid que acabou em nada sabe que isso é só um show para a torcida. O fato é que enquanto a educação brasileira retrocede séculos, com escolas destruídas, professores destroçados, ensino médio piorado, o ministro barganha a troco de ouro. Um caso digno de episódio num clássico “Cem anos de Solidão” tupiniquim. Mas, nada cola do síndico. Já veio um novo ministro, o quinto, com formação em engenharia de redes (?) e tudo seguirá como antes no quartel de Abrantes. Os trabalhadores públicos federais da educação, que amargam um congelamento de salário desde 2016, organizaram um protesto em Brasília onde cobraram explicações sobre mais esse escândalo, mas a movimentação só apareceu mesmo nas redes sociais das bolhas. A mídia, como sempre, ignorou. O segundo caso foi a trapalhada da censura à manifestação de artistas num festival de música. Depois que Pablo Vittar decidiu desfilar com uma toalha tendo a cara do Lula estampada, os advogados do partido do presidente entraram com pedido no Tribunal Superior Eleitoral para que fosse proibida a manifestação política que, segundo eles configurava crime eleitoral. Oi? Como assim? Pois é… Ninguém entendeu. O festival é uma festa privada e Pablo não estava ganhando nada para levantar a cara do Lula. Mas, de novo, o pasmo: um dos ministros, Raul Araújo, deu a liminar proibindo qualquer manifestação imputando uma multa de 50 mil reais para quem a fizesse. A censura limpa e descarada. O brasileiro levantou-se em rebelião? Não, nada disso. O povo seguiu sua vidinha e lá no festival os artistas recrudesceram as críticas ao presidente Bolsonaro. A galera vibrou entre o som pesado e o coro de “ei, Bolsonaro, vai tomar no c…”, tudo incorporado ao show. Nas redes sociais, explodiram os memes, que já são assim uma espécie de instituição nacional. Tudo vira piada, pastiche, e se perde na selva dos fatos que se renovam a cada dia, pois sempre tem um escândalo novo para substituir o velho. A coisa é tão surreal que a liminar foi derrubada pelo próprio autor depois que se descobriu que os advogados erraram o CNPJ da empresa do festival. Ou seja, a medida estava sem efeito. Na derrubada, o ministro do TSE diz que foi levado a crer que era crime eleitoral, mas não era. Mais alguns memes e tudo já é passado. Fora isso, mais nada. Lá nas entranhas da floresta seguem matando índios, a fome assola as periferias das grandes cidades, o povo tá sem casa pra morar e o botijão de gás daqui a pouco atinge a soma de 150 reais. Na televisão, em vez de apontar as causas da crise, os jornalistas ensinam como se pode viver fazendo foguinho no chão com lenha e forrando os barracos com folha de bananeira, bem como as apresentadoras de programas de comida ensinam como matar a fome com as folhas que são descartadas nos supermercados e cascas de ovo. “Não se avexem, inventem”. Assim, nesse país de maravilhas, vamos caminhando rumo às eleições de outubro, cujas pesquisas atestam que Lula está em primeiro lugar, com 40% das intenções. Ao que parece, no reino encantado do Brasil, a turma está tranquila, esperando pelo pleito que, conforme atestam os analistas, vai ser limpo e seguro.  Todo mundo acredita nisso, mas se não for, bom, aí teremos mais uma chuva de memes. A dura realidade brasileira Dos horrores do capitalismo Política no TikTok

Bolívia segue sonhando com saída para o mar

Bolívia mar – As guerras de independência travadas na América do Sul tendo à frente Simón Bolívar tinham dois objetivos claros. O primeiro era o de libertar os países do império espanhol e o segundo era a constituição da Pátria Grande. O sonho de Bolívar era ver essa região como um bloco sólido de poder para enfrentar não apenas a Europa, mas também os Estados Unidos, que já mostrava suas garras. A ideia era garantir os governos regionais nas chamadas “pátrias chicas” unificados a partir de um governo central, o da Pátria Grande. Mas, como acontece sempre quando a questão do poder se coloca, muitos dos generais que atuaram com Bolívar tinham seus próprios sonhos de grandeza e, na medida em que iam garantindo a libertação dos territórios dos quais eram nativos, almejavam assentar-se sobre um poder próprio. E foi assim que traíram a confiança do Libertador, mataram seu sucessor natural – Sucre – e começaram a tramar o assassinato de Bolívar, que só não aconteceu por conta da valentia de Manuela Saenz. Ainda assim, Bolívar, que já andava fraco dos pulmões, depois de passar uma noite inteira na água, escondido dos assassinos, viu sua saúde deteriorar rapidamente, morrendo em 1830. A partir daí, o sonho da Pátria Grande foi com ele para a tumba e a América do Sul se balcanizou. A balcanização foi vista com muito bons olhos pela Grã Bretanha que passou a colocar seus olhos e seu dinheiro na américa baixa, incentivando as divisões e as escaramuças entre os jovens países, afinal, dividir é a melhor estratégia para assegurar a rapina e manter os países cativos. Assim, tão logo as repúblicas foram sendo consolidadas, também começaram os conflitos envolvendo limites. A Bolívia, que tem esse nome justamente em homenagem ao Libertador, quando se fez República em 1825 tinha uma costa de 400 quilômetros sobre o Pacífico, e foi justamente uma invasão do Chile no seu território, provocada e incentivada pelo império britânico, que tirou do país a sua saída para o mar. O país já tinha enfrentado uma invasão do Peru, que foi vencida. Por volta de 1866, começaram os conflitos com o Chile, por conta do Deserto de Atacama. Tratados foram firmados, mas o Chile seguia de olho na riqueza que dormia no solo desértico. Havia empresas chilenas – de capital britânico – explorando a região e elas não queriam pagar as taxas cobradas pela Bolívia para a extração mineral. A Bolívia tratou de expulsar as empresas estrangeiras que se recusavam a pagar os impostos. Não bastasse isso, o guano e o salitre produzidos na região próxima do mar viraram uma espécie de “ouro” cobiçado também pelo Chile. Foi assim que, com o apoio da Grã Bretanha, em 1879, o Chile invadiu Antofagasta, que era território boliviano, disposto a tomar o porto e as reservas de guano e salitre. Estoura a guerra entre os países, um conflito largo que durou até 1884, quando a Bolívia, derrotada militarmente, foi obrigada a ceder sua área frente ao mar. No acordo de paz, o Chile se comprometeu a permitir que a Bolívia usasse a saída para o mar com vantagens alfandegárias e livre trânsito para os produtos, mas a soberania do território estava perdida. Essa guerra e essa perda seguem sendo uma fratura exposta na relação Chile/Bolívia e ao longo dos anos provocaram muitas tensões, tanto que desde 1978 os dois países não têm relações diplomáticas formais, com embaixadas. Evo Morales quando presidente tentou movimentar a justiça internacional acerca do tema, mas não teve sucesso. Uma decisão da Corte Internacional de Justiça em 2018 deu ganho de causa ao Chile e apontou que o país não teria qualquer obrigação de negociar com a Bolívia a soberania territorial para garantir uma saída ao mar. Agora, com a posse do novo presidente chileno, Gabriel Boric, a Bolívia deve voltar à carga na sua reivindicação. No último dia 23 de março, celebrado como o “Dia do Mar Boliviano”, fazendo referência ao 143º aniversário da Defesa de Calama, o presidente boliviano Luis Arce voltou a reiterar que esta é uma reivindicação irrenunciável e que o governo deverá seguir buscando o diálogo na tentativa de fechar definitivamente as feridas do passado. Para isso, a saída para o mar é condição irrevogável.  Uma situação de difícil solução visto que também encontra barreiras na população chilena que não aceita perder território ou nacionalidade. Existem algumas propostas de tríplice fronteira, com áreas soberanas, envolvendo também o Peru, mas nada tem avançado nesse sentido. O fato é que se a américa hispânica fosse uma Pátria Grande como sonhava Bolívar todos esses dramas seriam evitados, pois seria tudo uma grande e mesma nação. O golpe e a justiça na Bolívia América Latina e as lutas sociais Unasul: golpeada a proposta de um bloco na América Latina Colômbia e a silenciada guerra contra o povo

5 perguntas sobre o conflito Rússia x Ucrânia

Rodrigo Amaral, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, responde 5 perguntas do Zonacurva sobre a guerra no leste europeu O Zonacurva procurou o analista de políticas internacionais e professor de relações internacionais da PUC-SP, Rodrigo Amaral, para entendermos a origem do conflito entre Rússia e Ucrânia e sua relação com o Brasil.   ZONACURVA- As relações entre Ucrânia e Rússia estão estremecidas desde a tomada da Crimeia pelos russos em 2014? Por que os ataques só começaram agora?  RODRIGO AMARAL -Sim, as relações estão estremecidas desde 2014. Mas, para compreender o atual conflito, é necessário voltar até um pouco antes da questão da Crimeia. Em 2008, começa a intenção de integrar a Ucrânia à OTAN, com a intenção de conter as políticas intervencionistas da Rússia sobre o leste europeu. Os países europeus que pertencem à OTAN, como a França e a Inglaterra, eram receosos da entrada da Ucrânia no bloco, exatamente porque a Rússia sempre deixou claro que não aceitaria um “vizinho” tão próximo como parte do grupo. Outro ponto significativo é o fato da Ucrânia ser a nação mais ocidentalizada dentre os outros 15 países que fizeram parte da antiga União Soviética. Além disso, esse país também conta com diversas disputas separatistas dentro de seu território. Isso ocorre pois há regiões que se identificam mais com a Rússia, considerando que há uma proximidade cultural, enquanto outras são mais próximas ao ocidente. É o que acontece com Donetsk e Lugansk, ambas regiões separatistas da Ucrânia e pró-Rússia. A discussão sobre a entrada da Ucrânia na OTAN retornou  no final de 2021. Agora com a gestão de Joe Biden, há um interesse americano em reativar as forças multilaterais, visto que isso foi deixado de lado durante o governo de Donald Trump. Desde então, os Estados Unidos têm se mostrado empenhados na inserção da Ucrânia no bloco.   ZONACURVA– A visita do presidente Jair Bolsonaro à Rússia inseriu, de alguma forma, o Brasil no conflito? RODRIGO AMARAL- Na minha opinião, a visita de Bolsonaro à Putin foi uma tentativa de colocar o Brasil em uma posição de importância internacional, quando atualmente não tem relevância alguma. A política externa brasileira também é historicamente de neutralidade em conflitos internacionais. ZONACURVA- Como a invasão da Ucrânia impacta a economia e a política brasileira? RODRIGO AMARAL- A Rússia é um grande consumidor da carne brasileira, e pode ser que haja um decréscimo de consumo de carne por conta das sanções econômicas impostas pela comunidade internacional. Outro ponto é a questão energética, a Rússia é um grande exportador de petróleo, ou seja, todos os seus derivados devem ficar mais caros, como o plástico e a gasolina, que já está inflacionada no Brasil. Além disso, com o conflito, o dólar também subiu, afetando o mundo inteiro.    ZONACURVA- Você acredita que os EUA e os membros da OTAN vão tomar providências além das sanções econômicas? RODRIGO AMARAL- É improvável que haja uma guerra de proporções globais, os países da OTAN não vão se envolver militarmente, então as medidas de não comercialização com a Rússia virão juntamente com condições para que o conflito cesse. Uma destas condições talvez seja o não reconhecimento internacional das regiões separatistas Donetsk e Lugansk, visto que Putin afirma defender a autodeterminação dos povos, ou até mesmo exigir a retirada de tropas da Ucrânia.   ZONACURVA- Qual a influência da China na invasão russa da Ucrânia? RODRIGO AMARAL- Em termos militares, não há nenhuma influência. Historicamente a posição da China e da Rússia é muito próxima, por isso, o governo chinês está defendendo que o conflito é reflexo da política internacional de tentativa de integração da Ucrânia na OTAN. Rasputin: entre o místico e a figura histórica O fascista mora ao lado A paz é possível? A inevitável escalada da guerra nas fronteiras russas  

Um muro na República Dominicana

Muro República Dominicana – Os Estados Unidos seguem sendo o maior exemplo para o mundo, principalmente no que diz respeito ao combate à pobreza que é criada pelos seus governos, sucessivamente. A técnica sempre é a de combater o empobrecido e não a pobreza em si. Por isso, desde há décadas fortalecem suas fronteiras com o restante da América Baixa usando soldados fortemente armados e muros. A ideia é não permitir a entrada das hordas de desesperados e famintos que fogem dos seus países acossados pelas políticas impostas por eles, evitando assim que essa gente reivindique seu quinhão. A exceção é com os cubanos que desistem de viver no socialismo. Esses são recebidos com honras e ainda recebem casa e trabalho. A ideia de muro foi reproduzida também em Israel, seu parceiro econômico e político. Lá, os sionistas invadem o território palestino e vão erguendo imensos muros para controlar a entrada e a saída dos verdadeiros donos das terras, impondo humilhação e violência. Quilômetros e quilômetros de concreto que eles julgam ser capaz de deter a fome de liberdade. Não detém! Assim como os muros da fronteira estadunidense não conseguem deter os desesperados que sonham em viver no tal “mundo livre”. Pois agora um pequeno país do Caribe decidiu adotar o mesmo exemplo dos EUA e apostar na construção de muro para impedir a entrada dos desesperados. É a República Dominicana, que faz fronteira com o Haiti. Essa semana o presidente Luis Abinader iniciou – com pompa e circunstância – essa infâmia contra os vizinhos. O muro terá uma primeira etapa de 54 quilômetros e custará um bilhão de pesos. Será um misto de concreto e estrutura metálica, com 19 torres de vigilância e 10 portas de acesso, que contarão com patrulha armada. Esta obra terá sequência num segundo momento quando serão investidos outros tantos milhões em tecnologia inteligente, com sensores de movimentos, câmeras de segurança e drones de alta capacidade. O total do muro será de 173 quilômetros, praticamente a metade da linha de fronteira que soma 391 quilômetros. O presidente diz que a medida é para evitar o tráfico de drogas e armas e controlar o fluxo migratório intenso. Atualmente vivem mais de 500 mil hatianos no país. É sempre importante lembrar que o Haiti é um país devastado desde 2004 quando os Estados Unidos decidiram depor o presidente democraticamente eleito e impuseram uma invasão que eles chamam de “ocupação humanitária”. Com soldados das Nações Unidas, liderados pelo Brasil, teve início mais um ciclo de desgraça para o povo haitiano, tudo para “manter a ordem” da desordem causada pelo imperialismo estadunidense. Ou seja, a mesma velha fórmula: eles desestabilizam para depois anunciarem a estabilização que só gera mais desestabilização e dependência. Pois a ação dos soldados das Nações Unidas no Haiti gerou exatamente o esperado e hoje, depois de anos ocupando o país, a tal da Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti) deixou o Haiti ainda mais destroçado, sem um governo capaz de conduzir os destinos da nação de maneira soberana e autônoma. O que resta são os títeres, muitos deles mergulhados em corrupção, que vão engordando suas contas bancárias com a ajuda internacional que, apesar de generosa, não se expressa na vida dos haitianos. Por isso, mesmo muitos deles encontram na fuga desesperada a saída para sobreviver. E a República Dominicana, por estar ali, ao alcance dos pés, é a primeira opção.  Mas, em vez de acolher os irmãos que coabitam a mesma ilha, a resposta é o muro. E tem a aprovação de grande parte da população. Conforme anunciou o presidente Abinader, a República Dominicana seguirá tendo relações comerciais com o Haiti, mas “não podemos tomar para nós a responsabilidade sobre a instabilidade política que ali existe e tampouco resolver seus problemas”. Outros políticos locais afirmam que o muro pode mandar uma “boa e poderosa mensagem” ao mundo, fazendo com que os demais países ajudem o Haiti. Que estranha solidariedade. Pelo que se sabe, ao rememorar a história dos muros, não há registros de que eles suscitem ajuda. O muro dos Estados Unidos segue sendo a cova de milhares de latino-americanos todos os anos, o muro de Israel é a prova viva do horror e outros tantos muros nas fronteiras só servem para oprimir e causar sofrimento. Não é surpreendente lembrar que apenas a queda do muro de Berlim tenha sido tão esperada e saudada. Alguém arrisca explicar por quê? https://urutaurpg.com.br/siteluis/o-caminho-da-america-latina/ Eleição de Gabriel Boric no Chile traz esperança para a esquerda da América Latina

Ecocídio & genocídio

Ecocídio – A política antiindigenista adotada pelo atual governo federal se baseia no tripé: desconstitucionalização dos direitos; desterritorialização; e tentativa de integração dos indígenas à sociedade majoritária. Essa antipolítica inviabiliza os procedimentos de regularização fundiária dos territórios indígenas; não coíbe invasões, exploração ilegal dos recursos naturais, desmatamento (que, em 2021, ultrapassou 8 mil km2 na Amazônia), queimadas, grilagem, loteamentos e arrendamentos de terras. De acordo com o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), houve 263 casos de invasões, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio registrados em 2020. Isso representa um número maior do que o de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, quando houve 256 registros. Há, por parte do governo federal, uma premeditada ação de extermínio. Enquanto isso, o STF faz vista grossa ao protelar a votação sobre o Marco Temporal, em que um ‘não’ asseguraria aos povos indígenas a defesa e os direitos previstos na Constituição de 1988, sem subterfúgios jurídicos que visam a restringir o alcance dos preceitos constitucionais. Ruralistas, madeireiros, mineradoras e garimpeiros se unem para legitimar a especulação criminosa dos recursos ambientais e legalizar o ecocídio e o genocídio que afetam as florestas e as nações indígenas. Enquanto isso, o presidente mente descaradamente. Afirmou, em Dubai, que a floresta amazônica está “exatamente igual quando o Brasil foi descoberto em 1500”. E que “mais de 90% daquela área estão (sic) preservados”. Indígenas de três aldeias Munduruku no Pará estão sendo intoxicados por mercúrio que contamina os rios, devido ao garimpo. Segundo pesquisa da Fiocruz, mais de 200 indígenas têm mercúrio no organismo acima dos níveis tolerados pela OMS. Crianças Munduruku de 12 a 14 anos, que comiam peixes três vezes por semana, apresentam problemas de visão, tremores e perda de memória. O corpo humano não consegue eliminar o mercúrio quando o ingere através de animais e água contaminados. O metal tóxico causa malformação de bebês e doenças neurológicas como demência, tonturas, tremores, problemas de audição e visão. O peixe deixou de ser uma alimentação segura na Amazônia. Naquela vasta região, as maiores áreas de garimpo estão em terras Munduruku e Kayapó, no Pará, e Yanomami, no Amazonas e em Roraima. Entre 2010 e 2020, segundo o InfoAmazônia, a atividade garimpeira cresceu 495% em terras indígenas e 301% em parques nacionais e outras unidades de conservação da maior floresta tropical do mundo. Segundo Rômulo Batista, porta-voz do Greenpeace Brasil, “infelizmente, em relação aos alertas de desmatamento, o novo ano (2022) começa como foram os últimos três. A destruição da Amazônia e outros ecossistemas naturais não só não é combatida pelo governo, como impulsionada por atos, omissões e conluios com os setores mais retrógrados da nossa sociedade, que priorizam o lucro e a economia da destruição, agravando cada vez mais a crise climática em que vivemos na atualidade.” Os movimentos sociais, os partidos progressistas e os candidatos de 2022 não podem ignorar a devastação de nossas florestas (ecocídio) e o extermínio dos povos indígenas (genocídio). Eles não representam um número significativo de eleitores, mas são os únicos capazes de assegurar às gerações futuras um planeta habitável, sustentável, no qual haja harmonia entre a natureza e os seres humanos, que são também filhos e filhas da Mãe Terra. Para o professor José Ribamar Bessa Freire, coordenador, na UERJ, do Programa de Estudos dos Povos Indígenas, precisamos extirpar de nossas cabeças cinco equívocos em relação aos povos originários: Primeiro equívoco: o indígena genérico. Hoje, vivem no Brasil, mais de 200 etnias, falando 188 línguas diferentes. Cada povo tem sua língua, sua religião, sua arte, sua ciência, sua dinâmica histórica própria, diferentes de um povo para outro. Por essa razão, o padre Antônio Vieira denominou o rio Amazonas de “rio Babel”. Segundo equívoco: considerar as culturas indígenas atrasadas e primitivas. Elas produzem saberes, ciências, arte refinada, literatura, poesia, música, religião. Suas culturas não são atrasadas, como durante muito tempo pensaram os colonizadores e ainda pensa muita gente ignorante. As línguas indígenas, por exemplo, foram consideradas pelo colonizador, equivocadamente, “inferiores”, “pobres”, “atrasadas”. Ora, os linguistas sustentam que qualquer língua é capaz de expressar qualquer ideia, pensamento, sentimento e, portanto, não existe uma língua melhor que a outra, nem língua inferior ou mais pobre que outra. As religiões indígenas também foram consideradas, no passado, pelo catolicismo colonizador um conjunto de superstições, o que é uma estupidez. Basta entrar em contato com as formas de expressão religiosa de qualquer grupo indígena, para verificar que essa visão é etnocêntrica e preconceituosa. Os Guarani foram classificados, por alguns estudiosos, como “os teólogos da América”, devido à sua profunda religiosidade, que se manifesta em todo momento, no cotidiano, penetrando nas diversas esferas da vida. Em qualquer aldeia Guarani, a maior construção é sempre a Opy – a Casa de Reza. Nas atuais aldeias do Rio de Janeiro, a reza ou porahêi é feita diariamente, todas as noites, durante os 365 dias do ano, de forma comunitária, contando com a participação de quase toda a aldeia. Começa por volta das 19 horas e vai até meia-noite, podendo algumas vezes estender-se até de manhã. O cacique toca maracá e dirige as rezas, acompanhadas de cantos e danças. Não conheço nenhum grupo da população brasileira que reze mais do que os Guarani. Acho que eles rezam mais do que todos os bispos reunidos numa assembleia geral da CNBB. Um desses erros foi percebido no início de 1985, durante o sério acidente sofrido pela usina nuclear de Angra dos Reis, construída num lugar que os índios Tupinambá haviam denominado de Itaorna e que, até hoje, é conhecido por este nome. Nesta área, na década de 1970, a ditadura militar começou a construir a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto. Os engenheiros responsáveis pela construção não sabiam que o nome dado pelos indígenas podia conter informação sobre a estrutura do solo, minado por águas pluviais, que provocavam deslizamentos de terra das encostas da Serra do Mar. Só descobriram que Itaorna quer dizer “pedra podre”, em fevereiro de 1985, quando fortes chuvas destruíram o Laboratório de Radioecologia que mede a contaminação do ar

Dos horrores do capitalismo

Um homem foi queimado vivo na Beira-Mar (morada dos ricos) em Florianópolis. Estava rolando uma festa ali, mas ninguém viu. O homem era pobre e preto. A mídia diz que ele tinha passagem pela polícia, como se isso justificasse. O horror. Ele lembra que ouviu risos. Ou seja, quem ateou fogo nele, riu, achou engraçado. E foi embora, certo da impunidade. A polícia não sabe de nada, não tem imagens no local (coisa bem estranha, visto que é a região mais nobre da ilha) e chegou a pensar que ele tinha sumido do hospital, aparentemente sem se importar muito. Um velho morreu congelado em Paris, França, num bairro elegante. Sentiu-se mal, caiu no chão e ninguém, absolutamente ninguém, se importou de ver o que estava acontecendo. Era uma noite fria, de inverno. Ele ficou ali caído por nove horas e a primeira pessoa que se acercou dele pra ver se estava vivo foi um morador de rua. Provavelmente as pessoas que passaram por ele acharam que era um bêbado ou um homem da rua e, isso, por si só, era uma indicação de que deveria ser deixado ali. Quando na manhã seguinte soube-se que era um fotógrafo famoso, a comoção foi grande. Teria sido se fosse só um andarilho? Com certeza não. Moïse Kabamgabe, de apenas 24 anos, pobre e preto, foi espancado, amarrado, e espancado de novo, por ter ido cobrar seu salário do dono de um quiosque no Rio de Janeiro. Se alguém viu o horror, não se manifestou. E cerca de cinco caras mataram o jovem africano porque ele ousou pedir o que lhe era de direito. Essas são cenas de horror que acontecem praticamente todos os dias em quase todos os lugares do mundo onde impera o capitalismo. Porque neste modo de produção, no qual a exploração do outro é a base, há uma completa falta de preocupação com o pobre, o caído, o oprimido, o trabalhador. Não há empatia, não há comprometimento. No geral as pessoas preferem não se envolver. Se está apanhando, alguma coisa fez! Se está aí no chão, boa coisa não é. Se foi queimado é porque estava incomodando. É o que a maioria pensa. https://urutaurpg.com.br/siteluis/nao-existem-racas-existe-racismo/ Para nós, que nos horrorizamos, é sempre importante lembrar o óbvio: as saídas não são individuais. A saída é coletiva. Para que isso não mais aconteça há que mudar a maneira como a sociedade se organiza. Por isso que a única forma de acabar com essas tragédias é a construção de um modo de vida no qual a cooperação, a solidariedade e a justiça existam de verdade. É necessário que venha o socialismo e depois o comunismo. Claro que ainda acontecerão tragédias, é do humano, mas, certamente não será algo cotidiano como é hoje no mundo capitalista. Disso eu tenho a mais absoluta certeza. Queria que todos pudessem ter essa certeza também e, desde aí, construir esse mundo novo, a partir da revolução. Afinal, apenas chorar não resolve…

Bolsonaro contra o Brasil

A Human Rights Watch publicou um relatório sobre os principais acontecimentos do governo Bolsonaro em 2021, entre eles, figuram a má gestão do Brasil na pandemia e os ataques aos jornalistas e à liberdade de expressão Desde o início do governo Bolsonaro, temos enfrentado diversos problemas, e o maior deles é justamente quem deveria liderar a nação e agir contra as mazelas brasileiras. Além dos absurdos recorrentes do presidente como o apoio à ditadura militar e o constante ataque às minorias, o genocídio de milhares de brasileiros pelo governo federal, que deliberadamente trabalhou a favor do coronavírus, coloca Bolsonaro e seus asseclas como réus de crime histórico. Mais do que nunca, o país precisou e precisa de um líder que lute ao lado dos brasileiros contra a pandemia, o presidente relativizou a vida de todos, inclusive de seus apoiadores. Em março de 2020, no início dos casos de Covid-19 no Brasil, Bolsonaro participou e apoiou um ato pró-governo e contra o STF, que conduz investigações contra ele, inclusive sobre interferências  em nomeações na Polícia Federal, segundo relatório da Human Rights Watch Depois do árduo ano de 2020, o relatório da ONG aponta que quando o medo e a instabilidade financeira pairaram sobre a casa de quase todos os brasileiros, surge a esperança de uma vacinação ampla, que pudesse fazer jus ao reconhecimento internacional do Brasil no quesito imunização. Mas também foi o que não aconteceu, além do país iniciar a campanha de vacinação depois de diversas outras nações do mundo, ainda foi descoberto que o presidente não respondeu a dezenas de e-mails da Pfizer, uma das principais produtoras dos imunizantes contra a Covid 19. O epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (RS), afirma à BBC News Brasil que 95 mil vidas poderiam ter sido salvas caso Bolsonaro tivesse respondido aos e-mails da Pfizer.  O descaso e a negligência com a vida dos brasileiros se tornou mais nítida do que nunca, e então o vírus que assolava o mundo ganhou um aliado no presidente brasileiro, situação completamente absurda. Além disso, ainda informa o relatório, Bolsonaro ameaçou pilares importantes da democracia brasileira. Atacou e tentou intimidar o Supremo Tribunal Federal, chegou a pedir o impeachment de um dos ministros do STF, Alexandre de Moraes, e alegou que não acataria as ordens do judiciário. O presidente ainda desacreditou do sistema eleitoral e acusou de forma deletéria fraudes nas urnas eletrônicas das eleições de 2018, mesmo sem nenhuma evidência, e ainda sugeriu que poderia cancelar as eleições de 2022, caso não aceitassem o que ele defendia.  A Human Rights Watch alerta também que a liberdade de expressão esteve em xeque durante 2021, quando foram iniciadas 17 investigações contra críticos ao governo, utilizando inclusive a Lei de Segurança Nacional, oriunda da ditadura militar. O relatório explica que, apesar de muitos casos terem sido arquivados, essas ações sugerem que criticar o presidente pode resultar em perseguição. Jornalistas foram igualmente atacados por Bolsonaro, segundo a ONG “Repórteres Sem Fronteiras” só no primeiro semestre de 2021 a imprensa foi ofendida 87 vezes pelo presidente. Ademais, em setembro do mesmo ano, o presidente impediu redes sociais e plataformas de excluírem postagens com informações falsas e prejudiciais. Informações retiradas do relatório da Human Rights Watch. No Brasil das maravilhas Brasil não está quebrado – é a austeridade que sufoca a economia Norte e Nordeste voltam a ser esquecidos no faminto Brasil de Bolsonaro   O rabo que abana o cão  

Alckmin de vice é autossabotagem

Lula e Alckmin – Nem as melhores intenções do mundo justificam a proposta de tornar Geraldo Alckmin candidato a vice na chapa de Lula. O arranjo é duplamente desnecessário. Além de não fortalecer as supostas prioridades da campanha e do país, gera problemas evitáveis que só atrapalham o favoritismo e o eventual governo do petista. Alckmin desagrega. Desde que foi aventado, seu nome causa discussões entre militantes de esquerda nas redes digitais. Conflitos minoritários, talvez, mas precoces, inflamados e potencialmente corrosivos. Nesse ritmo, em semanas de campanha oficial os debates internos ficariam tomados por agressões, “cancelamentos” e cizânias rancorosas. Seria difícil abafar a memória de lutas da esquerda contra o tucanato paulista, inclusive pela óbvia conveniência dessa propaganda negativa para os adversários. E não podemos desprezar o estrago eleitoral de uma avalanche de registros sobre escândalos impunes dos governos Alckmin, ataques a professores e estudantes, amizades nefastas etc. O esforço dos defensores da ideia para torná-la menos indigesta agrava a discordância. Afinal, se até o rótulo “conservador” parece lisonjeiro em Alckmin, situá-lo no centro político beira mesmo o escárnio. Sua simpatia pela Opus Dei, que abriga também parte do fascismo judicial, denota valores incompatíveis com qualquer agenda progressista. Nunca haverá plena harmonia ideológica numa coligação, mas além de certo limite a diferença vira mau agouro. Ao contrário de José Alencar, Alckmin nutre ambições presidenciais. Embora isso não o torne conspirador, tampouco o sintoniza com os planos lulistas. Aliado relutante, inamovível, tratado pela mídia como sucessor natural de Lula, o vice representaria uma contínua ameaça de ruptura na cúpula do governo. Ao mesmo tempo, os benefícios prometidos são duvidosos. As pesquisas apontam que Alckmin levaria ganho minúsculo de votos à chapa, decerto incapaz de compensar a dissidência de esquerda no primeiro turno e irrelevante para a adesão inercial dos oposicionistas no segundo. A expectativa de reforço à governabilidade não considera o ressentimento da antiga base partidária do ex-tucano pela derrota em São Paulo. É desonesto chamar os críticos a Alckmin de sectários. A rejeição a ele vai muito além de purismos esquerdistas ou de horror a pactos moderados. Trata-se de formular estratégias aglutinadoras que não recorram a pragmatismos capengas, nem desperdicem a enorme vantagem de Lula adotando uma das piores soluções possíveis. Por que rachar a militância faltando pouquíssimo para o triunfo imediato? O comando da campanha não vê os benefícios que essa perspectiva daria ao futuro governo e às candidaturas da aliança? Que simbologia conciliadora já não foi transmitida pelos amorosos diálogos com Alckmin, com os órfãos da terceira via e até com golpistas? A obsessão em tratar a disputa eleitoral como sacrifício expiatório sugere que parte do lulismo internalizou a culpa alheia pela tragédia fascista. Vendo na escolha do vice um fardo necessário para “salvar a democracia”, o PT responde por erros que não cometeu em 2018 e assume responsabilidades que não lhe cabem agora. Essa autocrítica solidária desrespeita o próprio espírito do voto popular em Lula. É o famoso medo de ser feliz. Texto publicado originalmente no Blog de Guilherme Scalzilli. Prato do dia: Lula com Chuchu O golpe preventivo contra Lula Lula e Boulos Não há meia democracia

O jornalismo atual usa rótulos velhos para uma nova realidade

O jornalismo brasileiro precisa se dar conta de que está usando rótulos velhos para tentar identificar ou descrever novas situações e personagens políticos. Trata-se de uma prática que se automatizou na rotina diária do jornalismo e que começa agora a esbarrar na complexidade do nosso cotidiano neste início da era digital. A lista de exemplos é grande, mas alguns rótulos aparecem com mais frequência na cobertura diária, como as dicotomias direita/esquerda, capitalismo/comunismo e estado/sociedade civil. São categorias surgidas no século passado, cujo significado está associado a situações e personagens que já viraram história, mas que apesar disto ainda continuam sendo usadas mesmo tendo perdido sua base na realidade atual. O caso da classificação esquerda, centro ou direita ainda é padrão na maioria dos jornais, revistas e programas jornalísticos em rádios e TVs, na cobertura de eventos políticos nacionais e internacionais. É uma classificação surgida durante a Revolução Francesa, no século XVIII quando os parlamentares se agrupavam à direita ou à esquerda do plenário, conforme sua posição sobre a realeza. Na época, a política era extremamente simples e os fluxos informativos limitadíssimos se comparados com a situação atual. Mas hoje a situação mudou e os rótulos esquerdista, direitista ou centrista já não conseguem dizer muita coisa sobre as situações e personagens mencionados em reportagens e entrevistas. Os termos esquerda/centro/direita usados atualmente remetem aos tempos da Guerra Fria, quando a direita virou sinônimo de anticomunismo e a esquerda passou a ser vista como simpática ao comunismo, categorias que hoje perderam boa parte de sua consistência conceitual, devido ao surgimento de uma realidade digital muito mais complexa. É o caso do presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, rotulado de esquerdista, adjetivo que o associa a uma posição radical, quando na verdade todo o seu discurso eleitoral e a sua plataforma política podem ser classificados como de centro esquerda. Trata-se de um caso típico de uso distorcido de um rótulo muito comum nas manchetes da imprensa nos anos 60 e 70 do século passado. Aqui no Brasil, sucede o mesmo, com o ex-presidente Lula. A imagem construída pela grande imprensa nacional ainda o associa ao radicalismo político/ideológico dos anos 80, quando na verdade o discurso atual do provável candidato presidencial do Partido dos Trabalhadores poderia ser classificado de centro esquerda. Tanto no caso chileno como no brasileiro, o discurso político mudou, mas a imprensa não atualizou o seu vocabulário. A empedernida herança da Guerra Fria No caso dos rótulos comunismo versus capitalismo, a situação é semelhante. Quando alguém ou algo é classificado como comunista, o leitor ou telespectador médio é levado a associar o conceito à imagem do regime soviético existente na Guerra Fria. Hoje, a China herdou o rótulo “comunista” mas numa realidade totalmente diferente pois o gigante asiático incorporou várias práticas capitalistas em seu modelo econômico e social. Paralelamente, o capitalismo dos “nerds” digitais norte-americanos e europeus está mais próximo do socialismo do que gostariam os ideólogos de Wall Street. E se formos analisar a velha polêmica entre estado e sociedade civil, é cada vez mais evidente que a fronteira entre ambos os conceitos é cada vez mais nebulosa. Quanto mais a sociedade civil aumenta a sua visibilidade pública e se diversifica, mais ela reclama uma ação estatal para normatizar o caos gerado pela avalanche informativa, por exemplo. Em compensação, os seguidores de um estado forte admitem que a complexidade dos processos sociais aumentou de tal maneira que se tornou inevitável a descentralização administrativa e financeira das questões públicas, como por exemplo, nas áreas da segurança, educação e saúde. Estes três casos, que representam uma minoria dentro de toda a complexidade do noticiário nacional e internacional, mostram como a maior parte da imprensa mundial acabou prisioneira de um vocabulário condicionado por uma realidade passada e com isto acaba distorcendo as percepções do público em relação aos fatos e fenômenos contemporâneos. O leitor, ouvinte ou telespectador comum passa batido pela desatualização da narrativa política na grande imprensa, mas como a realidade dos fatos aponta noutra direção, o resultado é um distanciamento em relação às fontes de informação usualmente consultadas pela maioria das pessoas. Esta é uma das razões da migração das audiências para a diversidade informativa na internet. A atualização do vocabulário político no jornalismo é um processo inevitável, mas ao mesmo tempo complicado, porque torna compulsória a adoção de uma nova maneira de repórteres, editores e comentaristas perceberem o contexto político contemporâneo. Grosso modo, significa abandonar o simplismo e dicotomia nas categorias usadas até agora para mergulhar na complexidade dos fenômenos atuais, onde cada personagem e situação tem características especificas e que muitas vezes são contraditórias e paradoxais. É normal que ideias e conceitos complexos ou abstratos sejam associados, na imprensa, a expressões simplificadas, principalmente quando incorporados à linguagem corrente. É uma forma usual de comunicação. Acontece que estamos na transição do analógico para o digital, o que implica mudança de contextos e, consequentemente, dos significados atribuídos a palavras e conceitos. A tarefa do jornalismo é, nestas circunstâncias, detalhar os novos contextos para evitar que velhos rótulos acabem distorcendo nossa percepção de uma realidade que muda cada vez mais rápido. O papel da imprensa no esvaziamento das bolhas extremistas A imprensa ainda não sabe lidar com a mentira em campanhas eleitorais O futuro do jornalismo depende da sua sustentabilidade financeira Jornalismo eleitoral: mais do que só notícias Era pós Trump põe a imprensa diante de novos desafios editoriais O caso El País e a reinvenção do jornalismo https://urutaurpg.com.br/siteluis/o-jornalismo-diante-de-um-divorcio-complicado/

Geração Z sofre com eco-ansiedade, medo da destruição ambiental

Estudos realizados pela Universidade Britânica de Bath mostram que 75% dos jovens se mostram preocupados com a questão climática   Nos últimos anos, a pauta ambiental tem se tornado uma causa quase unânime entre os jovens do mundo todo, principalmente para a geração Z (jovens que nasceram entre a metade da década de 90 e o início deste século). Isso torna-se visível com o protagonismo da ativista sueca Greta Thunberg, que jogou holofotes para a questão ambiental. Durante séculos, houve o uso exacerbado dos recursos naturais, além da sensação de que tudo no planeta era infinito ou renovável. Foi apenas em 1970 que houve a primeira conferência mundial sobre clima e pautas ambientais, a Conferência de Estocolmo . Porém, os alertas dos especialistas sempre foram vistos como exagerados, como se os desastres ambientais só fossem ocorrer dali a séculos. A preocupação com o futuro climático vem se intensificando, a cada ano a data de sobrecarga da Terra, dia que marca quando a humanidade consumiu  todos os recursos naturais que o planeta é capaz de renovar ao longo de um ano, ocorre cada vez mais cedo. Esse ano, por exemplo, a data de sobrecarga da terra foi decretada no dia 29 de julho, ou seja, esgotamos o prazo mais de cinco meses antes do previsto e, operamos com déficit ecológico até o fim deste ano. Os níveis de aquecimento do planeta também assustam, principalmente quando somos alertados que a temperatura do planeta não pode esquentar nem mais um grau.  Tudo isso tem desencadeado a eco-ansiedade, termo que inclusive já foi incluído no dicionário de Oxford como “uma preocupação provocada pelas ameaças ao meio ambiente, como poluição e mudança climática”. Conforme o estudo publicado pela The Lancet Planetary Health, 75% dos jovens veem o futuro como assustador e 56% acham que a humanidade está condenada. A psicoterapeuta Caroline Hickman, que coordenou o estudo afirma* que “a eco-ansiedade é inicialmente uma resposta emocional à ameaça de desastre ambiental, mas pode ir muito mais longe, em virtude de os jovens sentirem que serão os principais prejudicados pelo problema para cuja solução dependem de adultos nos quais não confiam. Isso afeta a maneira como lidam com os relacionamentos e com o futuro.” Com a perspectiva de futuro ameaçada, um terço dos jovens entrevistados afirmam que hesitam em ter filhos, considerando as condições climáticas. Já entre os jovens brasileiros, esse número sobe para 48% dos entrevistados. Tendo em vista que o estudo também revela que a eco-ansiedade é maior entre os jovens que não acreditam na gestão de seus governos. Psicólogos afirmam que, apesar da eco-ansiedade causar efeitos psicológicos, ela não deve ser encarada como uma doença. O professor de psicologia aplicada da universidade britânica de Notthingham, Charles Ogunbode, afirma* que “a solução não é tratá-la como um problema de saúde mental, mas sim deve ser abordada pelo caminho  do problema ambiental que lhe deu origem.” *Declarações retiradas da revista MediaTalks da edição de dezembro.    Papa Francisco defende preservação do meio ambiente em nova encíclica O vexame brasileiro na COP26 Áustria elege ambientalista e escapa da extrema direita  

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