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Tecnologia

Textos sobre os avanços tecnológicos que afetam várias áreas do conhecimento.

O leitor não é um penduricalho dos blogs

Acho que já está na hora de vocês leitores opinarem de forma mais efetiva sobre o que vai acontecer com o jornalismo e com a imprensa daqui para frente. A profissão e o negócio da notícia estão mudando por causa da internet e isto afeta todos os que consomem informações, ou seja, praticamente os quase 7,8 bilhões de habitantes do planeta Terra. Os jornalistas e os executivos da imprensa não têm claro o que precisa e pode ser feito porque a informação digital recém está começando a ser entendida. Os profissionais ainda não têm o domínio das narrativas pela internet, principalmente o uso da multimídia. Não é o uso técnico e sim o humano. Qual a melhor maneira de transmitir uma mensagem e para quem, por exemplo. Já os executivos ainda não descobriram uma forma de tornar novamente rentável o negócio da informação. Estão na base do erro e do acerto, mais do primeiro do que do último. O que as duas partes estão perdendo é a perspectiva de que sem o público, ambos vão errar muito mais, além de jogar fora muito dinheiro e esforços. A participação das pessoas é essencial para garantir a diversidade de visões, dados e fatos, capazes de ampliar o alcance e a profundidade das soluções propostas para a comunicação digital. Se eu sei o que as pessoas desejam, eu posso fornecer-lhes o que procuram. Hoje não basta mais fazer pesquisas de opinião para saber o que o público pensa e quer. É preciso ir muito mais fundo porque quanto mais detalhado for o conhecimento do que as pessoas desejam, mais específico pode ser o produto ou serviço a ser oferecido, o que faz uma brutal diferença em matéria de satisfação e faturamento. Mas para chegar a este nível de detalhamento é indispensável o envolvimento de leitores, ouvintes e telespectadores na produção de informações. Não como uma plateia e nem como um júri, tipo auditório. Mas como protagonista de discussões de igual para igual com jornalistas e executivos. Isto não é mais uma utopia. Já existem comunidades de leitores nos Estados Unidos, Inglaterra, Finlândia, França, Espanha e Austrália, só para citar alguns exemplos. Na cidade de Boulder, no Colorado, Estados Unidos, um jornal montou uma comissão participativa de executivos, jornalistas e leitores para procurar um novo modelo de negócios para uma publicação de notícias pela internet. Os leitores, ouvintes e telespectadores não devem esperar convites formais para começarem a palpitar na sua publicação digital de preferência. Jornalistas e executivos ainda são muito autossuficientes para admitirem que precisam da ajuda do público. Mas se as pessoas começarem a dar sugestões e fazer propostas, eles não vão recusar porque toda participação será benvinda , diante da enormidade dos problemas que jornalistas e executivos enfrentam neste inicio da era digital. Se você lê e segue este blog, porque não começar por ele? Afinal não sou nenhuma exceção no meio dos jornalistas online. Também estou tateando em busca de melhores formas de comunicar ideias via internet. Publicado originalmente no Medium de Carlos Castilho. https://urutaurpg.com.br/siteluis/o-jornalismo-vive-o-conflito-entre-novas-tecnologias-e-velhos-valores/ Era pós Trump põe a imprensa diante de novos desafios editoriais Da mídia de consenso à de conflito    

Ainda é possível acreditar na isenção do jornalismo?

O jornalismo nunca foi e nem pode ser 100% isento ao produzir uma notícia. A afirmação pode chocar muita gente, inclusive profissionais do jornalismo, mas ela espelha uma realidade que raramente é levada em conta no julgamento de uma informação. Isto porque o uso de processos digitais no jornalismo relativizou o conceito de isenção permitindo uma maior diversificação nas notícias, o que ampliou muito o universo informativo das pessoas.  ideia de que o jornalismo é, por princípio, isento foi construída a partir de uma motivação financeira que nada tem a ver com o exercício da profissão. No final do século XVIII os grandes barões da imprensa norte-americana, Joseph Pullitzer e Randolph Hearst distorciam e falsificavam notícias com o objetivo de conquistar leitores numa guerra feroz por audiências e por faturamento em publicidade. Foi o período áureo da chamada “imprensa marrom” ou sensacionalista, que após 20 anos deixou como saldo uma desconfiança generalizada de parte do público norte-americano em relação aos grandes jornais. A queda dos índices de leitura assustou tanto Pullitzer como Hearst, bem como os donos de outros jornais e até mesmo os políticos, o que levou a imprensa a tentar reverter a situação ao levantar a bandeira da imparcialidade nas coberturas jornalísticas. Foi um maciço esforço de marketing corporativo apoiado pelas elites políticas e empresariais, iniciativa que acabou levando a incorporar o tema da isenção nos manuais jornalísticos usados até hoje. Mas com a generalização do uso das tecnologias digitais na produção de informações, surgiu a avalanche noticiosa e com ela a multiplicação de versões diferentes de um mesmo dado, fato ou evento, produzidas por jornalistas e não jornalistas, através de redes sociais. O fato de jornalistas, supostamente isentos, estarem publicando notícias diferentes sobre um mesmo evento tornou evidente algo que os pesquisadores do conhecimento já conheciam há muito tempo. Todo indivíduo capta dados, fatos e eventos da realidade que o cerca através dos seus cinco sentidos. Estes dados são depois inseridos na memória individual onde cada pessoa desenvolve percepções e opiniões, que variam de indivíduo para indivíduo dependendo do seu nível cultural, experiência de vida, grau de informação e situação econômica para citar só os fatores mais importantes. Assim, qualquer notícia é o resultado da recombinação mental de vários dados captados pelo jornalista, dando origem a um conteúdo que incorpora a visão de mundo do profissional. O conceito tradicional de isenção ou imparcialidade no jornalismo foi alterado também por mudanças provocadas pela digitalização no processo de produção das notícias. Até agora, elas resultavam basicamente do trabalho de um grupo restrito de profissionais, mas na era digital o tradicional muro separando o jornalismo da publicidade está começando a cair. Trata-se de uma alteração de rotinas que ainda prevalece nos grandes veículos, mas que aos poucos começa a ganhar espaço na imprensa local e regional. Engajamento, a nova palavra mágica no jornalismo O jornalismo na era digital está incorporando às suas rotinas a preocupação com o engajamento social, ou seja, desenvolver uma crescente relação de interatividade entre jornalistas e o público. Os profissionais já não assumem mais a postura de quem sabe o que as pessoas precisam saber, mas buscam nelas os temas e a orientação sobre o que deve ser noticiado e como. O engajamento é cada vez mais visto como uma ferramenta indispensável na produção de notícias que incorporem diferentes versões e, até mesmo, no desenvolvimento da sustentabilidade financeira de um veículo digital. Este mesmo princípio começa a ser aplicado no relacionamento das redações com um tipo especial de público formado por possíveis anunciantes. No Canadá, Suécia e Austrália já existem jornais locais online que mantêm uma relação permanente de troca de informações com empresários locais, anunciantes ou não. As experiências ainda não permitem avaliações definitivas, mas artigos publicados por revistas acadêmicas revelam que os empresários que aceitaram um diálogo com as redações passaram a contribuir com dados e fatos para conteúdos jornalísticos. Já os jornalistas envolvidos nestas experiências, adotaram a transparência total nos contatos e informações fornecidas por eventuais anunciantes como forma de manter a autonomia editorial sem comprometer a credibilidade junto ao público. É o caso do Sopris Sun, da cidade de Carbondale, no estado norte-americano do Colorado, cuja associação comercial local mantém reuniões mensais com a redação para troca de ideias sobre problemas da cidade e sobre a responsabilidade dos empresários na sustentabilidade do jornal. Na nova realidade digital, a imparcialidade passa claramente a ser vista como uma meta e não mais como um atributo intrínseco de uma notícia. As ciências da cognição, sobre as quais se baseia o contato do jornalista com a realidade, atestam que a busca da isenção e da objetividade são objetivos permanentes, mas inalcançáveis em sua plenitude. Isto muda muita coisa no jornalismo atual. A maior delas é a necessidade de ter que abandonar dogmas como o da isenção no exercício da profissão. https://www.zonacurva.com.br/o-jornalismo-vive-o-conflito-entre-novas-tecnologias-e-velhos-valores/ O discurso jornalístico e as fake news Em busca do jornalismo perdido O jornalismo no salve-se quem puder da desinformação em escala planetária

O jornalismo vive o conflito entre novas tecnologias e velhos valores

A popularização frenética das novas tecnologias digitais na comunicação tornou necessária e urgente uma mudança profunda nos valores que orientam o exercício do jornalismo nos últimos dois séculos. É toda uma cultura profissional consolidada durante quase dois séculos que está sendo submetida a um tratamento de choque. As redações não se discute mais se o computador é melhor ou pior do que a máquina de escrever, nem se o jornalismo online é ou não eficiente na publicação de notícias. Mas em compensação, a maioria absoluta dos profissionais ainda acredita que o jornalismo deve ser imparcial e objetivo, que os conteúdos publicados num jornal, telejornal ou revista são a expressão da verdade. Hoje, a ciência já provou que não existe mais imparcialidade completa, nem objetividade total e muito menos que é possível chegar à verdade absoluta. A avalanche de pesquisas, artigos e debates publicados na internet mostrou a necessidade de relativizar estes valores porque eles já não atendem mais às realidades que motivaram seu surgimento. A imparcialidade, objetividade, isenção e veracidade são valores desenvolvidos pela indústria de jornais e revistas no século XVIII como uma reação de alguns grupos da imprensa contra o chamado “jornalismo marrom” (sensacionalista) que faturava alto ao publicar notícias escandalosas, inescrupulosas ou mentirosas. Foi uma disputa financeira onde grupos midiáticos vinculados às elites sociais apostaram na moralização da imprensa por meio de campanhas contra a imoralidade, mistificação, falsidade e desvirtuamento de dados ou fatos. A imprensa sensacionalista ainda existe em várias partes do mundo, mas ela perdeu o protagonismo de antigamente, porque seus pressupostos perderam validade diante do crescimento de corporações jornalísticas interessadas em participar do jogo político e da luta pelo poder econômico. Os valores da imprensa dos séculos XIX e XX não perderam validade, mas a estrutura de produção sobre a qual se apoia o jornalismo digital do século XXI tornou necessária e inadiável a adoção de novos conceitos e parâmetros ideológicos. O impacto devastador da digitalização Os valores incorporados à atividade jornalística justificam e explicam as normas e rotinas da profissão. Quando se diz que o jornalismo é imparcial, isto justifica a norma de dar espaços iguais aos dois lados de um problema, e a rotina de ouvir todos os protagonistas. Esta atitude igualitária funcionou durante mais de um século como um antídoto ao unilateralismo, sectarismo e partidarismo da imprensa marrom. Serviu também para que a imparcialidade, veracidade e objetividade se tornassem ideias incontestáveis e acima de qualquer questionamento. A digitalização do jornalismo e da imprensa provocou o surgimento de uma nova estrutura de produção de notícias. As empresas jornalísticas entraram em crise por conta da necessidade de buscar outras formas de sustentação financeira porque houve uma migração da publicidade paga para a internet, ao mesmo tempo em que o público passou a preferir publicações online, gratuitas e onipresentes. A crise do modelo convencional de negócios na mídia obrigou as empresas e os profissionais a depender cada vez menos de anunciantes e buscar cada vez mais o apoio financeiro direto de leitores, ouvintes e telespectadores. Isto está obrigando os jornalistas a dialogar com o publico em pé de igualdade em vez da postura de superioridade tradicionalmente adotada pelos profissionais e justificada pela exclusividade no acesso aos tomadores de decisões no âmbito público e privado. A internet quebrou este monopólio na mediação entre autoridades e o cidadão comum, exercida pela imprensa. Agora os presidentes, parlamentares, empresários e até juízes se comunicam diretamente com a população através de redes sociais como o Facebook, Twitter ou canais eletrônicos como WhatsApp. O compromisso com a imparcialidade foi duramente afetado pela avalanche de informações contraditórias publicadas nas várias plataformas de comunicação na internet. Mais do que nunca a metáfora do copo meio cheio ou meio vazio mostrou como existem várias maneiras diferentes de perceber um único fato, dado ou evento. O mesmo fenômeno da diversificação de versões alterou a forma como o jornalismo lida com a questão da objetividade e exatidão de notícias. Ambos os conceitos estão sendo relativizados e é cada vez menor o número de jornalistas que os utilizam no sentido absoluto. Processo similar afeta a questão da credibilidade onde os parâmetros tradicionais estão gradualmente sendo substituídos por processos digitais. Indivíduos e instituições antes tidos como referências obrigatórias em matéria de confiabilidade informativa, cedem espaços para novos paradigmas como os sistemas de reputação baseados em dados estatísticos e em cálculos probabilísticos. A certificação de credibilidade está deixando de ser dicotômica, tipo 100% verdadeira ou 100% falsa, para ser avaliada como mais ou menos próxima da verdade. O desafio do jornalismo de diálogo Todas estas mudanças levam a uma nova conjuntura informativa cujo desdobramento implica o desenvolvimento de novos valores profissionais. O modelo de negócios baseado na publicidade paga está sendo substituído pela participação monetária dos usuários da mídia digital, seja por meio dos chamados muros de pagamento (paywall), seja por doações ou por assinaturas. Todas estas modalidades se baseiam numa estreita relação entre jornalistas e o público. Se antes o jornalista se auto definia como o personagem que “sabia o que as pessoas precisavam saber”, ou seja, as pessoas dependiam dele, agora o profissional é um parceiro em pé de igualdade com o resto da comunidade. Ele depende do conhecimento das pessoas para poder exercer sua atividade como gestor de informações socialmente relevantes para a comunidade. A ideia do jornalismo acima dos problemas ainda é dominante nas redações, especialmente em países como o Brasil. Mas a tendência ao “jornalismo de diálogo” ou “jornalismo cívico” ganha cada vez mais adeptos como mostram os projetos Spaceship Media (https://spaceshipmedia.org) e Engaged Journalism (https://www.engagedjournalism.com) , o primeiro norte-americano e o segundo europeu. Há ainda o projeto Membership Puzzle (https://membershippuzzle.org) cujo objetivo é promover a participação da comunidade na produção de notícias locais por meio de uma colaboração interativa entre moradores e jornalistas. O jornalismo de diálogo é, essencialmente, a reedição ampliada e digitalizada do chamado “jornalismo cívico, dos anos 90, que tentou tirar a profissão de um pedestal para inseri-la no dia a dia dos problemas concretos das comunidades. Apesar de ter recebido um considerável apoio financeiro, o jornalismo cívico

Quanto mais informação, mais dúvidas

Este é o grande paradoxo enfrentado que todos nós começamos a vivenciar na era digital quando nos defrontamos com uma avalanche de versões contraditórias sempre que a imprensa aborda um tema complexo, como por exemplo, a reforma da previdência ou na crise na Amazônia. É um fenômeno que contraria nossa maneira de ver a informação e sinaliza um profundo desajuste em todo o sistema de produção, processamento e disseminação de notícias jornalísticas. A avalanche de dados, fatos, ideias e eventos, publicados na internet, multiplicou também as incertezas sobre quase tudo o que conhecemos sobre a sociedade e o mundo em que vivemos. É que a avalanche informativa ampliou exponencialmente o número de percepções e opiniões tanto sobre o que já sabemos como sobre aquilo que começamos a descobrir. Trata-se de uma mega transformação irreversível em nossa cultura informativa e sobre a qual a grande imprensa mantem um intrigante silêncio. O paradoxo mais informação/menos certezas abala um dos princípios básicos da mídia tradicional que é a ideia da notícia instrumento eficaz na definição do que é certo ou errado, verdadeiro ou falso. Trata-se de uma percepção difundida massivamente na opinião pública e que viabiliza o negócio da imprensa, quando ela troca noticias para receitas publicitárias. Quanto mais abstratos forem os processos, fenômenos e ideias tratados pelos meios de comunicação, maior a quantidade de dúvidas e inseguranças, fenômeno que acaba alimentando o discurso do ódio porque diante de incertezas as pessoas tendem a agarrar-se ao que consideram seguro rejeitando o que contraria suas convicções. Para ter uma ideia deste fenômeno basta ver a radicalização nas discussões sobre o governo Bolsonaro em redes sociais como Facegbook, Twitter e Whatsapp. A avalanche informativa é um fato concreto e irreversivel. Até 2010, institutos especializados mediam o volume de material inserido em sites da internet, mas a quantidade cresceu tanto que os números se tornaram pouco significativos. O IDC ( International Data Corporation) afirma que até o final de 2020, cerca de 1,7 megabytes de novas informações estarão sendo disponibilizados online por segundo e por ser humano. As estimativas sinalizam que até dezembro do ano que vem, o total de dados digitalizados na web deve atingir os 44 zetabytes, ou 44 trilhões de gigabytes. Trata-se de um volume tão grande que supera em muito a nossa capacidade de imaginá-lo. A era da complexidade O aumento vertiginoso das incertezas no trato diário com a realidade que nos cerca configura aquilo que os especialistas batizaram de era da complexidade. Não há mais coisas simples, tipo preto ou branco. Tudo agora é potencialmente complicado dependendo da intensidade de dois fenômenos conhecidos como visibilidade seletiva (selective exposure) e percepção seletiva (selective perspective), ambos estudados pelos psicólogos norte-americanos Albert Hastorf e Hadley Cantril (*) , a partir da comparação das reações dos torcedores ao resultado de um jogo de futebol americano. A pesquisa mostrou que as pessoas tendem a se informar, preferencialmente, em jornais, revistas, livros, rádio e televisão com os quais possui algum tipo de simpatia política, ideológica, religiosa ou social. A selective exposure, no jargão acadêmico, é uma forma que o indivíduo usa por dois motivos predominantes: sentir-se confortável porque compartilha as mesmas ideias políticas, religiosas, econômicas ou sociais da publicação; e filtrar os conteúdos a que tem acesso para reduzir o índice de complexidade da leitura, audição ou visualização. Já a selective perception é um processo pelo qual as pessoas avaliam um novo dado, fato, evento ou notícia em função daquilo que já sabem ou conhecem. Os dois processos acabam por consolidar opiniões e conhecimentos pré-existentes sendo fundamentais na formação das chamadas “bolhas informativas”, um recurso que a maioria das pessoas usa para evitar a perturbadora sensação de dúvida, incerteza e vulnerabilidade a posições antagônicas. As bolhas informativas estão em rota de colisão direta com a irreversível avalanche informativa na internet. Não é mais possível frear o aumento de dados digitalizados e disponibilizados pela internet, o que gera o também inevitável corolário de que as incertezas também tendem a se tornar mais intensas e permanentes. Tudo indica que já estamos sendo levados a optar entre aderir a alguma das milhares de “bolhas informativas” ou aprender a conviver com a dúvida e a incerteza. A primeira opção é a mais fácil porque não implica grandes dilemas ou conflitos, mas nos coloca num ambiente irreal. Já a convivência com a dúvida altera fundamentalmente a nossa maneira de ver o mundo e as pessoas, porque nos obriga a levar sempre em consideração a possibilidade de que nossas opiniões ou percepções estejam equivocadas. Significa admitir que alguém sabe o que eu não sei, e que a solução de qualquer dilema, ou dificuldade, exige um diálogo. É o mundo das novas tecnologias nos forçando a assumir novos comportamentos, regras e valores. (*) They saw a game; a case study. The Journal of Abnormal and Social Psychology, 49(1), 129–134. http://dx.doi.org/10.1037/h0057880 Publicado originalmente na página Medium de Carlos Castilho. https://www.zonacurva.com.br/o-discurso-jornalistico-e-as-fake-news/ A nova função da notícia na guerra por corações e mentes Facebook: uma autocracia encurralada Taxação das plataformas digitais já!        

O discurso jornalístico e as fake news

Desde 2016, a discussão sobre as notícias falsas (fake news) monopolizou, em todo mundo, a atenção dos profissionais da imprensa e do público, mas agora começamos a nos dar conta que elas não são o maior problema enfrentado pelo jornalismo. As fake news são apenas um componente do chamado discurso, ou narrativa jornalística, que é o principal responsável pela formação da opinião pública. O discurso pode ser convincente mesmo baseado em notícias falsas, desde que o autor, ou autores, o construa usando fatos, dados, ideias e eventos organizados e publicados, tendo em vista dar a eles um significado especifico. Isto é inevitável em qualquer discurso jornalístico, pois ele é sempre construído e moldado conforme a experiência, cultura, conhecimento e condicionamentos empregatícios do profissional da comunicação. A identificação dos significados embutidos numa notícia, reportagem ou comentário é uma das principais funções do jornalismo investigativo, cuja missão é desconstruir discursos para verificar também a exatidão, relevância, confiabilidade e pertinência dos dados, fatos, eventos e ideias incluídos na narrativa. Acontece que o jornalismo contemporâneo está muito mais preocupado em flagrar mentiras e meias verdades do que na analise do discurso. A denúncia de falsidades tem um efeito muito mais impactante do que a identificação de significados embutidos numa notícia, em geral um trabalho mais teórico e sujeito a interpretações polêmicas. A checagem de fatos, dados e eventos é uma obrigação do jornalismo, mas ela por si só não garante a credibilidade do discurso. É necessária uma integração entre as duas atividades, fato que não vem acontecendo na nossa cobertura diária, especialmente em setores como política, economia e até nos esportes. O discurso jornalístico que permite identificar o contexto dos fatos mencionados e consequentemente o tipo de mensagem (significado) que é transmitido ao leitor, ouvinte ou telespectador. Sem uma definição de contexto, um mesmo fato, dado ou evento pode ter diferentes leituras, dependendo o nível intelectual, grau de informação e experiências prévias de quem acessa um texto, áudio ou imagem. As modernas teorias da cognição garantem que não há fato ou dado puro, isento de significado, porque eles são sempre percebidos pelos nossos sentidos humanos e ao serem incorporados à nossa memoria são condicionados pelas informações nela armazenadas. Assim, a identificação de significados passa a ser tão importante quanto a verificação da veracidade de um dado ou evento. O fenômeno das notícias falsas aumentou a importância da desconstrução de um discurso adotado por autoridades governamentais diante da complexidade crescente de quase todos os temas incluídos na agenda pública. A desconstrução de um discurso é bem mais complicada, demorada e sujeita a muitas controvérsias, razão pela qual a maioria dos jornais confere à atividade uma baixa prioridade para evitar conflitos com autoridades públicas e privadas, deixando o público sem condições de entender uma notícia ou reportagem. Goebells revisitado As estratégias de comunicação adotadas por presidentes como Donald Trump e Jair Bolsonaro enfatizam o discurso e minimizam a preocupação com a veracidade de fatos, dados e ideias. Para ambos e também para seus seguidores, as notícias falsas são toleráveis desde que se enquadrem nos objetivos pretendidos. Atitude que passou a ser tratada nos meios acadêmicos pelo neologismo de “pós-verdade”, ou seja, uma “verdade” condicionada por interesses e não pela realidade. Na política da chamada era da pós-verdade, os fins ( discurso e objetivos políticos) justificam os meios (fake news). O discurso público produzido por presidentes como Donald Trump e Jair Bolsonaro, por exemplo, usa intensamente as meias verdades e as fake news, repetidas dezenas de vezes através dos meios de comunicação sem a devida contextualização, até que leitores, ouvintes e telespectadores passem a considera-las “normais”. É a versão moderna da famosa frase de Joseph Goebells, o marqueteiro mor de Adolf Hitler, para quem “uma mentira repetida mil vezes se torna uma verdade”. O público dos meios de comunicação vai aos poucos se dando conta de que a chamada “guerra da informação”, não envolve mais apenas um confronto entre o verdadeiro e o falso em matéria de notícias, mas uma batalha pela supremacia no discurso, na narrativa. É claro que a denúncia do uso de dados, fatos e eventos falsificados pode desacreditar um discurso, mas como este, geralmente envolve elementos muito complexos, é improvável que as pessoas comuns consigam separar, sozinhas, o joio do trigo informativo. Com isto muitos leitores, ouvintes e telespectadores assumem um ceticismo diante do noticiário da imprensa e acabam buscando outras fontes de informação. A migração dos desiludidos é o preço pago por jornais, revistas, telejornais e páginas jornalísticas na web por falhar na identificação dos interesses ocultos na fala de políticos, empresários e formadores de opinião. https://medium.com/@ccastilho/o-discurso-jorna%C3%ADstico-e-as-fake-news-e5de06ab61fa   Eleições: por que vencem as mentiras (fake news)?

Da mídia de consenso à de conflito

Fake news -Definha o interesse por notícias impressas ou televisivas. Pesquisas revelam que o público prefere notícias online. Nos séculos 19 e 20, o modo de pensar da sociedade tendia a ser moldado pelos grandes meios de comunicação: mídia impressa, rádio e TV. Tudo indica que termina aquela era. Trump se elegeu atacando a grande mídia dos EUA. Só a Fox o apoiou. Os principais veículos da mídia britânica se opuseram ao Brexit. Ainda assim a maioria dos eleitores votou a favor dele. Bolsonaro fez campanha presidencial quase ausente da grande mídia. Criticou os principais veículos, e ainda assim se elegeu. O que acontece de novo? O novo são as redes digitais, as novas tecnologias ao alcance da mão. Elas deslocam a notícia dos grandes veículos para computadores e smartphones. Têm o mérito de democratizar a informação, rompendo a barreira ideológica que evitava opiniões contrárias à orientação editorial do veículo. Contudo, pulverizam a notícia. O que é manchete na TV não merece destaque na comunicação interpersonalizada na internet. O receptor corre o risco de perder ou não adquirir critérios de valoração das notícias. Pode ser que lhe seja mais importante ficar ciente de que seu colega tem nova namorada do que inteirado do golpe de Estado no país vizinho ou da nova lei que regula o trânsito em seu bairro. Essa informação individualizada, embora mais cômoda, prêt-à-porter, tende a evitar o contraditório. Cada interessado se isola no interior de sua tribo no Whatsapp, no Twitter, no Facebook, no Instagram, no YouTube, no Telegram, nos serviços de mensagens no Google e do Periscope. Não há interação dialógica. Não interessa o que dizem as tribos vizinhas, potenciais inimigas. O que transmitem não merece crédito. A única verdade é a que circula na tribo com a qual o internauta se identifica. Ainda que essa “verdade” seja fake news, mentira deslavada, farsa. Apenas um dialeto faz sentido para o internauta. Desprovido de visão conjuntural, ele se agarra ao que propagam seus parceiros como quem acolhe oráculos divinos. Querer mudar-lhe o foco é como se alguém tentasse convencer os astecas contemporâneos de Cortés de que o sol haveria de despontar no horizonte ainda que eles não despertassem de madrugada para celebrar os ritos capazes de acendê-lo. Com certeza não ousariam correr o risco de ver o dia inundado de escuridão. Eis a privatização da notícia. Essa seletividade individualizada faz com que o internauta se encerre com a sua tribo na fortaleza virtual dotada de agressivas armas de defesa e ataque. Se a versão emitida pela tribo inimiga chegar a ele, será imediatamente repelida, deletada ou respondida por uma bateria de impropérios e ofensas. É dever de sua tribo disseminar em larga escala a única verdade admissível, ainda que careça de fundamento, como a teoria do terraplanismo. Os efeitos dessa atomização das comunicações virtuais são deletérios: perda da visão de conjunto; descrédito dos métodos científicos; indiferença ao conhecimento historicamente acumulado; e, sobretudo, total desprezo por princípios éticos. Qualquer um que se expresse em linguagem que não coincida com a da tribo merece ser atacado, injuriado, difamado e ridicularizado. O que fazer frente a essa nova situação? Desconectar-se? Ora, isso seria bancar a tartaruga que recolhe a cabeça para dentro do casco e, assim, se julga invisível. A saída deve ser ética. O que implica tolerância e não revidar no mesmo tom. Como sugere Jesus, “não atirar pérolas aos porcos” (Mateus 7,6). Deixar que chafurdem na lama sem, no entanto, ofendê-los. A vida é muito curta para que o tempo seja gasto em guerras virtuais. Quanto a mim, prefiro ignorar ataques e atuar propositivamente. Sobretudo, não trocar a sociabilidade real pela conflituosidade virtual. E muito menos livros por memes e zaps que nada acrescentam à minha cultura e à minha espiritualidade. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. As “fake news” não são um fenômeno passageiro O leitor não é um penduricalho dos blogs

Jornalismo para ou com o leitor?

A dúvida põe em evidência uma das mais radicais transformações pelas quais passam o jornalismo, a indústria da informação e o conjunto de leitores, telespectadores e ouvintes consumidores de notícias. Assistimos a passagem de uma era da informação produzida para as pessoas para outra onde a notícia resulta de uma colaboração entre jornalistas e o público. Há mais de três séculos predomina no jornalismo profissional a preocupação em produzir notícias para o público leitor que se posicionava diante do que lhe era oferecido como sendo relevante. A imprensa parte, até agora, do pressuposto de que ela sabe o que é importante para os cidadãos. Esta estratégia tinha como base limitações tecnológicas que forçavam o público a interagir com os jornalistas apenas pelas cartas do leitor, publicadas em espaços reduzidos e selecionadas por editores. Mas o surgimento da internet e do processo de digitalização criou uma nova realidade, onde o jornalismo praticado com a participação das pessoas passou a ser, não apenas possível, mas indispensável. Trata-se de uma mudança radical nos comportamentos tanto dos profissionais, como dos donos de empresas jornalísticas e do público consumidor de notícias. Os jornalistas perderam a exclusividade na produção e disseminação de notícias enquanto as empresas vivem a crise de seu modelo de negócios e porque a indústria da comunicação jornalística deixou de ser altamente rentável. Por sua parte, o público consumidor de notícias está tendo que alterar o seu comportamento passivo, pois a sobrevivência de jornais, emissoras de rádio, telejornais e páginas noticiosas na Web passou a depender da participação de leitores, ouvintes, telespectadores e internautas no processo de produção e disseminação de notícias. As pessoas passaram ter que assumir responsabilidade pela veiculação, no Facebook, Twitter, YouTube ou Instagram, de notícias falsas, rumores, meias verdades ou mensagens de ódio. O exercício do jornalismo com o público envolve o desenvolvimento de um novo tipo de relação entre repórteres, editores e comentaristas com as pessoas comuns. Já não se trata mais de publicar fatos, dados e eventos ignorados pelo público, mas de oferecer aos leitores, ouvintes, telespectadores e internautas os elementos para que eles possam tomar decisões. A principal diferença entre o jornalismo na era analógico/industrial e agora, na era digital, é que antes a imprensa geralmente oferecia ao público duas opções (a favor ou contra), enquanto que agora a oferta envolve uma multiplicidade de opções fruto da variedade de percepções e opiniões publicadas em redes sociais, páginas web, blogs e fóruns online. O patrulhamento por leitores Talvez a mais significativa das mudanças em curso na atividade dos profissionais do jornalismo é a de que eles já não são mais os “cães de guarda” encarregados de patrulhar políticos, governantes e funcionários públicos. Hoje, é o público que começa a exercer esta vigilância cívica porque as pessoas, sendo mais numerosas e tendo mais acesso à informação passaram a fornecer aos jornalistas a maior parte das denúncias sobre erros e omissões de parlamentares, presidentes, governadores, prefeitos e magistrados. Isto faz com que os jornalistas tenham que se preocupar agora não mais em buscar dados, fatos e eventos noticiáveis, mas em priorizar a contextualização, verificação e detalhamento notícias trazidas pelas pessoas para adequar este material às necessidades e desejos da população. O jornalismo com o público inverte a lógica da atividade, quando é levado a atuar mais como assessor, curador ou orientador do público no manejo de notícias, em vez de ser o provedor exclusivo de insumos informativos para os cidadãos. A avalancha informativa gerada pela internet e pela digitalização diminuiu consideravelmente a capacidade dos jornalistas produzirem “furos” noticiosos, mas em compensação aumentou enormemente a demanda do público por certificação de credibilidade e confiabilidade nas informações publicadas em redes sociais, páginas web e blogs pessoais. A principal preocupação das pessoas, no que tange à relação com o jornalismo, deixou de ser apenas saber o que está acontecendo para a ser a de eliminar dúvidas e incertezas sobre os fatos, dados e eventos que lhes são fornecidos como notícia. Este é o contexto que promove a parceria entre repórteres, editores e os seus leitores, ouvintes e telespectadores. Publicado originalmente na página MEDIUM de Carlos Castilho. As armadilhas ocultas na narrativa jornalística online

As armadilhas ocultas na narrativa jornalística online

Narrativa jornalística – Nós ainda não estamos plenamente conscientes e acostumados com uma mudança que altera radicalmente nossa forma de lidar com notícias. Hoje, as narrativas, ou o que muitos chamam de versões, são mais importantes do que os fatos quando se trata de condicionar percepções e opiniões alheias. Narrativa é a forma pela qual os fatos são organizados e apresentados, seguindo uma ordem de importância estabelecida por narrador ou jornalista, no caso da imprensa. Isto implica, é claro, uma dose variável de subjetividade porque todos nós vemos o mundo de acordo com nossa bagagem cultural, conhecimento, experiência, interesses e inserção na realidade. A subjetividade sempre esteve presente no jornalismo porque ele é feito por seres humanos, mas o discurso das empresas jornalísticas criou a ideia de que as notícias são isentas e objetivas. O que assistimos hoje é uma supervalorização das narrativas porque é por meio delas que os veículos de comunicação procuram diferenciar-se uns dos outros para aumentar receitas com publicidade e assinaturas. Até a era da internet, o fluxo de dados, fatos e eventos noticiáveis era muito reduzido, o que permitia notícias exclusivas, os “furos” no jargão jornalístico. Hoje, os “furos” são raros por conta da avalanche informativa nas redes sociais e blogs, o que deu margem a que as narrativas se tornassem ferramentas de condicionamento da opinião pública. O condicionamento envolve uma operação ampla, complexa e demorada porque o interessado na formação ou desconstrução de opiniões precisa impedir que o público alvo da ação perceba que está recebendo informações distorcidas, parciais ou totalmente falsas. Também é essencial a produção de um fluxo constante e massivo de fatos noticiosos que, ao se sobreporem uns aos outros, ocupam os espaços nobres na mídia, praticamente anulando a credibilidade de narrativas divergentes. A falta de informações sobre como as notícias são produzidas e difundidas faz com que o público ainda confunda fatos e narrativas, acreditando que só os primeiros são publicados. O uso de narrativas disfarçadas de fatos está substituindo o recurso à força bruta, como intervenções militares em crise nacionais e internacionais, porque os custos financeiros e humanos são muito menores. O caso da invasão do Iraque é um exemplo claro onde foi usada intensivamente a narrativa baseada no suposto arsenal de armas de destruição em massa em poder de Saddam Hussein, fato que nunca foi comprovado. O polêmico “nihilismo informativo” A nova estratégia para conquistar corações e mentes colocou em evidência os especialistas em manipulação de fatos na forma de narrativas com algum tipo de viés político, social, financeiro ou ideológico. É o que ficou conhecido como políticas de desinformação baseadas em notícias falsas (fake news), meias verdades e em narrativas distorcidas para atingir uma determinada finalidade. Estes especialistas raramente aparecem para evitar que a narrativa, criada por eles, seja associada a contratos comerciais, capazes de comprometer a credibilidade do projeto. A manipulação de fatos na construção de narrativas com algum tipo de viés torna ainda mais complicada nossa tarefa de identificar o que é digno ou não de crédito. Missão esta que é ainda mais complexa se levarmos em conta que vivemos num mundo cada vez mais midiatizado, onde somos obrigados a consumir não apenas a informação, mas também a informação sobre a informação. Questionar dados, fatos e eventos não é mais um luxo intelectual de professores e pesquisadores, mas uma necessidade permanente de cada indivíduo. Aqui está o nosso principal dilema contemporâneo em matéria de informação. Já não dá mais para terceirizar integralmente o questionamento para a imprensa, como era feito até agora, porque ela não tem condições de contextualizar todas as notícias que circulam diariamente em todas as plataformas informativas na internet. Também não é mais possível o que muitos classificam como “ nihilismo noticioso”, ou seja, o desligamento total do noticiário diário. Tudo bem, alguém pode decidir tornar-se um ermitão informativo, mas isto significa também alienar-se socialmente. A digitalização da informação e a internet nos condenaram, portanto, a ter que dedicar parte do nosso tempo a refletir sobre o bombardeio de notícias a que estamos sujeitos 24 horas do dia, sete dias por semana. Publicado originalmente na página MEDIUM de Carlos Castilho. O jornalismo é uma forma de ativismo? Em busca do jornalismo perdido O jornalismo no salve-se quem puder da desinformação em escala planetária Como as novas tecnologias e as notícias falsas impactam o jornalismo

O desafiador surgimento do “quinto poder” na política nacional

Quinto poder – Até agora as redes sociais eram vistas apenas como um território sem lei onde predominavam a fofoca, os boatos, as fake news e as diatribes pessoais. Mas, desde as eleições do ano passado, e principalmente depois da posse do capitão aposentado Jair Bolsonaro, redes como Facebook, Twitter, YouTube e WhatsApp passaram a ser também o espaço para o exercício do poder presidencial, colocando-nos diante de uma gigantesca incógnita política. A constituição brasileira estabelece que o país seja governado por três poderes (executivo, legislativo e judiciário), mas a realidade é bem outra. No jargão político, garante-se que há um quarto poder — a imprensa. E agora as novas tecnologias digitais dão lugar a um “quinto poder”, formado pelas redes sociais virtuais, que vai nos obrigar a uma ampla reeducação política e mudanças radicais em nosso comportamento social. Inicialmente, acreditava-se que as redes, abertas a qualquer pessoa, seriam a opção preferida da esquerda , historicamente carente de acesso aos meios de comunicação em massa. Mas, para surpresa de muita gente, foram os grupos conservadores e de extrema direita que mais benefícios conseguiram na ocupação política do espaço cibernético no Brasil. As redes sociais viabilizaram o fim dos 14 anos de hegemonia do Partido dos Trabalhadores e foram o principal instrumento para que a direita conquistasse, nas eleições de 2018, a Presidência da República, bem como o controle das duas casas do Congresso Nacional. O surgimento deste “quinto poder” na arena política marca o início de uma verdadeira revolução no comportamento dos eleitores e uma quebra de paradigmas nas normas que regulam o funcionamento das instituições, sem que seja possível, por enquanto, vislumbrar o desfecho do processo que deu ao cidadão comum o inédito poder de opinar e agir em qualquer assunto. A única coisa que é possível prever é que as mudanças serão muitas e grandes já que as redes conferem um maior protagonismo ao eleitor comum num espaço político ainda desconhecido por muitos. Os jornais e as rádios dominaram o cenário político brasileiro desde a Proclamação da República, em 1889, até os anos 70, quando a televisão passou a monopolizar as atenções eleitorais. Segundo os pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas, Marco Aurélio Ruediger e Lucas Calil, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, a evolução das tendências políticas passou a ser medida em horas e não mais em dias e semanas como aconteceu na ultima eleição para a presidência da mesa diretora do Senado Federal. Milhares de micro mensagens de eleitores a senadores via redes sociais levaram os parlamentares a mudar de posição várias vezes num mesmo dia. O vale tudo parlamentar O Partido Social Liberal (PSL , de direita) , ao qual pertence o presidente Bolsonaro, que teve apenas seis segundos de espaço na propaganda eleitoral gratuita na televisão, conseguiu o espantoso feito de passar de um único deputado na câmara federal eleita em 2014 para 52 deputados na atual composição do legislativo nacional. Um resultado obtido basicamente graças à viralização de mensagens conservadoras pelas redes sociais. Os resultados obtidos na manipulação do “quinto poder” levaram tanto Bolsonaro como os 243 novos deputados federais e os 45 senadores também novatos no Parlamento, eleitos no ano passado, a mudarem radicalmente o seu comportamento público. Eles esnobaram a imprensa como canal de comunicação com a sociedade e transformaram seus celulares em verdadeiras metralhadoras giratórias virtuais disparando mensagens políticas em todas as direções e sobre qualquer assunto. Os debates em plenário na Câmara e no Senado passaram a ser apenas panos de fundo para incessantes articulações via Twitter, blogs individuais e Facebook . As negociações entre partidos também ficaram condicionadas ao poder das redes, como pode ser visto na eleição da nova mesa diretora de Assembléia do Estado de São Paulo, quando adeptos dos vários candidatos ao cargo travaram uma batalha online onde os valores éticos tradicionais foram atropelados impiedosamente. A posição dos parlamentares oscilou em função dos desejos dos internautas manifestados de forma passional e caótica em micro mensagens pelo Twitter. As redes sociais criaram também um ambiente propício à veiculação de notícias falsas, fora de contexto ou apenas parcialmente verdadeiras, um fenômeno que deu origem às chamadas “bolhas” políticas. São espaços virtuais formados por pessoas que compartilham as mesmas opiniões e que pelo fato de excluírem vozes divergentes geram sectarismos, xenofobias e o temível discurso do ódio. Esta é a razão pela qual as campanhas eleitorais pelas redes sociais tendem a se tornar tão violentas e sectárias. A revista Épocareproduziu um estudo da organização IDEA-Big Data segundo a qual 98,2% dos eleitores de Bolsonaro receberam notícias falsas pelas redes sociais e 89,77% deles as consideraram dignas de crédito. Os influenciadores O “quinto poder” deu origem a um novo personagem político, os chamados “influenciadores”, ativistas online possuidores de um grande número de seguidores em redes sociais e cujas opiniões são amplamente compartilhadas entre usuários da internet. O auge da participação dos “influenciadores” ocorreu pouco antes das eleições no ano passado, mas a presença deles continuou intensa depois da posse de Bolsonaro por meio de “bolhas” de seguidores pressionando o novo presidente a escolher ministros e projetos de interesse de igrejas evangélicas e movimentos ultraconservadores. Entre os influenciadores mais badalados está Olavo de Carvalho, um controvertido personagem que vive nos Estados Unidos, tem 500 mil seguidores só na rede Facebook, mas que indicou dois ministros (Educação e Relações Exteriores) e é considerado o principal guru da extrema direita brasileira. O que mais preocupa cientistas políticos como Sergio Abranches e Heloisa Starling é a possibilidade das redes sociais virtuais abrirem caminho para a prática de uma “democracia direta” onde as grandes questões nacionais sejam decididas por plebiscitos online nos domínios do “quinto poder”. A abertura do espaço político a qualquer indivíduo dotado de um celular, tablet ou computador com acesso à internet, gera um desafio ao mesmo tempo apaixonante e intimidador. Publicado originalmente na página MEDIUM do professor Carlos Castilho. O binômio fake news/redes sociais nos impõe novos comportamentos políticos A verdade assassinada  

O jornalismo, a mentira e as redes sociais

O mundo das redes sociais imprimiu um conceito que tem sido bastante utilizado, principalmente pelos acadêmicos, mas que também encontra espaço entre os descolados que gostam de parecer inteligentes. É o tal do conceito da ‘pós-verdade`.   Na verdade, um embuste, tanto quanto o que parece significar. A pós-verdade seria o uso de informações, no mais das vezes falsas, que buscam tocar a pessoa no emocional de na crença pessoal. Ou seja, a partir da coleta dos dados sobre os mais de dois bilhões de pessoas no mundo que usam as redes sociais, como o facebook, por exemplo, é possível saber o que a pessoa pensa, o que gosta, o que odeia, quais seus medos e, desde aí, enviar informações que estejam adequadas aos seus sentimentos e sensações. Esses dados são mercadorias à venda e já existem empresas especializadas em usá-los para os mais variados fins. A distribuição é feita pelos “bots sociais”, os softwares automatizados (robôs), que, fazendo-se passar por pessoas reais,  difundem de maneira viral as mensagens especialmente feitas para o freguês. Ou seja, para usar as palavras corretas isso significa manipulação, engano, mentira. E tem sido assim que políticos e empresas buscam se consolidar no coração e na mente das pessoas. É a maneira moderna de disseminar o falso, a fraude. Isso sempre foi feito, seja pelo boca-a-boca, pelo jornal, pelo rádio, pela televisão. A diferença para a época atual é a magnitude da tramoia. A coisa pode atingir milhões de pessoas em poucas horas, e considerando que o sistema tem sido organizado a partir de grupos fechados baseados na confiança, uma mentira espalhada por esses robôs acaba assumindo contornos de verdade em segundos. Muitos são os casos de acusações falsas de crimes como pedofilia, sequestro etc…  levarem ao linchamento de pessoas, ao assassinato, ao ódio insano. Isso também sempre existiu, mas agora é a velocidade do processo que assusta. Além disso, o uso de programas que reproduzem a voz da pessoa e até imagem são cada vez mais comuns. A cara de uma pessoa pode ser plantada num corpo que está estuprando alguém, por exemplo. Tudo é possível. E uma calúnia tem o poder de atingir a pessoa em questão de segundos. Da mesma forma essa enxurrada de mentiras é igualmente capaz de eleger ou derrubar políticos. Tudo depende do poder de fogo de quem pode pagar os softwares (o trabalho dos robôs). No capitalismo, sabemos, as eleições se definem pelo tanto de dinheiro que o candidato tem para fazer a campanha e não pelas propostas que apresenta. Na campanha presidencial brasileira essa tática de usar empresas que usam o tal do “bot social” foi utilizada, o que configuraria fraude, mas a justiça eleitoral não levou em consideração e as pessoas afetadas pela enxurrada de notícias falsas começaram a fazer piada da denúncia, apresentando-se elas mesmas como os “robôs” do candidato, acreditando piamente que tinham sido suas postagens que levaram à vitória do presidente. Poucos são os que se percebem parte de uma teia gigante que vai sugando e manipulando. Sem pensamento crítico prévio, é quase impossível acreditar que aquela pessoa que manda mensagens não é uma pessoa, mas um sistema que, se utilizando de nomes de pessoas reais, reproduz as mensagens em velocidade estonteante. Assim que o mundo distópico um dia desenhado pelo grande escritor estadunidense Ray Bradbury, no seu Farenheit 451, parece estar bem aqui na nossa frente. Nesse mundo, descrito numa novela publicada em 1953, as pessoas viviam como que dopadas por telas de televisão gigantes que tomavam conta da sala de suas casas, e de todos os lugares da cidade, de maneira onipresente. Nessas telas sucediam-se programas idiotas e sem sentido, que apenas narcotizavam as gentes, tornando-as incapazes de discernir entre o real e o imaginário. Enquanto isso o governo manipulava as informações e criava uma realidade moldada aos seus interesses. Pois hoje existe um contingente muito grande de pessoas nessa situação. Narcotizadas pelas visualizações incessantes das redes sociais, inoculadas com a mentira sistemática, que se dissemina também nos meios massivos de comunicação e nas igrejas, vão se desvinculando da realidade, assumindo a existência de um mundo imaginário, no qual qualquer pessoa que pense diferente da malta, que se expresse diferente, ou sonhe diferente seja considerada um vírus, passível de ser destruída. A questão que se coloca é: é possível fugir disso? A resposta é sim. Não é fácil, pois a materialidade da vida exige que a pessoa esteja conectada o tempo todo. Mas, o caminho pode ser o exercício sistemático do pensamento crítico. Descartes, o filósofo francês, já ensinava lá no 1600: tudo é dúvida. Há que questionar. Há que duvidar. Há que investigar se a informação está correta. Há que checar uma e outra vez. Todos nós já caímos na armadilha da notícia falsa, a qual reproduzimos a partir de nossos círculos de confiança. Mas, nossos círculos de confiança também mentem, então, não dá para vacilar. A manada segue o líder, sem pensar. O sujeito crítico se demora, observa, reflete, pensa. Sou jornalista e na minha formação sempre houve um tema que era perseguido – e ainda é – por todo o profissional dessa área: o furo. E o que é furo? É a gente conseguir dar em primeira mão a informação. Eu sempre achei isso um engodo porque, na verdade, o que importa para o público não é que a gente dê uma informação em primeiro lugar, atabalhoadamente, de forma ligeira e, por vezes, irresponsável, mas sim que essa informação seja 100% segura e repleta do contexto. Ou seja, o que sempre ensinei é que o grande salto do bom jornalista não é dar primeiro, mas dar melhor. Nesse mundo de mentiras, que não é o de pós-verdades, mas da velha e manipuladora mentira, mais do que nunca precisamos do jornalismo de verdade. Esse que descreve, que narra, que contextualiza, que vem carregado da impressão do repórter que viu. É um grande desafio no universo das redes sociais, mas há que perseguir essa meta. Não é fácil, não é

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