Zona Curva

Tecnologia

Textos sobre os avanços tecnológicos que afetam várias áreas do conhecimento.

Grandes redes sociais acabam com o sonho idílico de uma internet livre

por Carlos Castilho Redes sociais – Quem viveu o surgimento da internet foi inevitavelmente contaminado pela perspectiva de um novo mundo virtual onde a livre criatividade era o grande apanágio de uma nova era. Todos os que estavam desiludidos com a mesmice informativa dominada pelos grandes conglomerados midiáticos foram contagiados pelas possibilidades oferecidas pela rede mundial de computadores para que cada um de nós pudesse criar o seu próprio canal de produção e disseminação de notícias. Mas três décadas depois que Tim Berners Lee criou a Web, fato que lhe deu um status igual ao de Johannes Gutenberg, o inventor das gráficas, os sonhos digitais estão sendo solapados por um duro choque de realidade. A internet que imaginávamos como um paradigma da diversidade informativa transformou-se num oligopólio de cinco ou seis mega empresas. Pior do que isto. A corrida frenética por lucros cada vez mais fantásticos levou corporações, como Facebook, Google, Amazon e Apple, a nos transformarem em mercadorias que alimentam complexas operações de mudança de comportamentos. Até a era digital, a propaganda procurava nos convencer que, por exemplo, um automóvel nos traria muitas vantagens, portanto deveríamos compra-lo, ou seja consumir. Hoje, a maior preocupação dos mega conglomerados digitais é obter o máximo de informações possível a nosso respeito porque disto depende o seu modelo de negócios. Nossas informações são o produto que Facebook e Googlevendem para empresas interessadas em explorar nichos inexplorados de consumo. Quase toda uma geração envelheceu acreditando que a gratuidade no serviço de buscas na internet era um símbolo do desapego às velhas práticas mercantilistas da era industrial. Agora nos damos conta, graças a episódios como o vazamento de informações de usuários do Facebook para a empresa Cambridge Analytica, que na verdade nós fornecemos gratuitamente um bem imaterial, nossos hábitos, preferências, sentimentos, conhecimentos e relações sociais para que um grupo de mega corporações transformasse tudo isto em bilhões de dólares. Não fomos vitimas de um conto do vigário. Foi tudo legal e aberto. O problema é que nós estávamos acostumados a lidar com bens e serviços materiais, coisas palpáveis ou sensíveis, que podíamos comprar e vender com preços conhecidos. Quando chegou a era digital, não conseguimos perceber que a nova cultura econômica estava baseada em bens imateriais como informação e conhecimento cujo preço era volátil e só tinha algum significado financeiro quando comercializado em volumes oceânicos, o que obviamente só poderia ser feito por grandes empresas. As “fábricas de recondicionamento mental” Não foi só uma ingenuidade histórica gerada por uma herança cultural desatualizada no tempo. As informações que fornecermos gratuita e espontaneamente alimentaram gigantescos bancos de dados cujo conteúdo foi processado e analisado por zilhões de bots (robôs eletrônicos pré-programados) produzindo informes cujo principal objetivo é provocar mudanças de comportamentos nos três bilhões de seres humanos, potencialmente com acesso à internet em todo o mundo. Vender produtos acabados através de uma propaganda impositiva virou coisa do passado. Agora o que dá dinheiro é produzir informações capazes de alimentar percepções individuais que condicionam mudanças de comportamentos em milhões de pessoas. Antes da internet, as alterações de comportamentos eram induzidas, majoritariamente, por fatores externos às pessoas, como propaganda na mídia, leis e pressão social. Agora, as atitudes são alteradas por nós mesmos, a partir do consumo de informações previamente condicionadas para gerar um determinado resultado. O cientista computacional e um dos criadores da realidade virtual, Jaron Lanier, definiu as redes sociais atuais como “fábricas de recondicionamento mental” (ver palestra de Jaron no TED). Ele é um dos defensores do movimento para reconstruir a internet, do qual participa Tim Berners Lee. Entre as mudanças de comportamento mais comuns no ambiente digital está a tendência à polarização, identificada em vários estudos acadêmicos sobre atitudes políticas nos Estados Unidos. O historiador escocês Niall Ferguson acaba de lançar um livro onde analisa as mudanças políticas provocadas pela internet, em especial a multiplicação de bolhas ideológicas cada vez mais antagônicas. Ferguson cita estatísticas norte-americanas mostrando que as bolhas integradas por conservadores e ultraconservadores, bem como as reunindo liberais e ultraliberais são quase oito vezes mais numerosas que as produzidas por livre pensadores e ativistas, não comprometidos com posições extremadas. Minha experiência de 12 anos produzindo o blog Código Aberto me mostrou que as postagens sobre questões políticas polêmicas geram até 10 vezes mais comentários do que os textos preocupados em provocar reflexões. Uma nova internet? Trata-se de um contraste brutal com as perspectivas idílicas predominantes num grande número de artigos e livros publicados entre 2013 e 2015, época em que movimentos cívicos apartidários se multiplicaram em países como Líbano, Egito, Turquia e Ucrânia. Jared Cohen e Eric Schmidt, autores do livro The New Digital Age afirmavam taxativamente: “Nunca antes tantas pessoas se relacionaram através de redes virtuais operando em tempo real, criando condições para mudanças generalizadas na política em várias partes do mundo”. Não menos eufórico foi Mark Zuckerberg, o criador do Facebook, quando, em 2015, proclamou que sua rede era uma “contribuição decisiva para a paz mundial”, por meio da criação de uma “comunidade universal baseada no conhecimento compartilhado dos problemas da humanidade”. A dinâmica comercial das grandes redes sociais aliada à polarização política em países como Estados Unidos e Brasil, acabou sepultando a retórica comunitária na internet e a substituiu pela frenética busca das curtidas e retuitagens. A transformação do espaço cibernético num território dominado por megacorporações e por facções políticas beligerantes é uma preocupação concreta, mas ela deve ser vista num contexto mais amplo. Estamos vivendo o fim da era idílica da internet sob o impacto da reação dos segmentos sociais, políticos, militares e econômicos afetados pelas transformações causadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação (TICs). Tudo indica que haverá uma nova internet, só que ainda não sabemos como ela será. Leia outros de Carlos Castilho na sua página no Medium O jornalismo é uma forma de ativismo?  

O uso político da informação na cobertura do assassinato de Marielle Franco

por Carlos Castilho A manipulação e enviesamento de informações começam a configurar um fenômeno político cuja eficiência e resultados podem determinar o rumo futuro de eventos que por suas dimensões e transcendência são podem provocar uma ruptura social e institucional. É o que ficou evidente na análise dos desdobramentos do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) no dia 14 de março. A origem social e o perfil político da parlamentar não deixam dúvidas quanto a seu posicionamento como opositora radical dos governos municipal, estadual e federal. Além disso, no dia de sua execução ela publicou no Jornal do Brasil um texto no qual questionava duramente a intervenção militar no Rio de Janeiro. O contexto aponta claramente para um crime político para intimidar opositores de esquerda. Mas o que se viu no dia seguinte ao fuzilamento de Marielle e seu motorista Anderson Gomes foi a preocupação da imprensa e dos políticos, notadamente os conservadores, de classificar o crime como um atentado à democracia. Uma distorção sutil, mas capaz de gerar uma percepção pública bem diferente daquela que poderia ser inferida a partir das posições políticas da vereadora eleita com 45 mil votos, nas eleições de 2016. A manipulação do noticiário logrou deslocar o eixo da comoção pública do terreno ideológico para o institucional, por meio do recurso da identificação do crime como uma ameaça ao regime democrático. O objetivo desta estratégia informativa pode ser interpretado como uma tentativa de dissociar o crime de uma inevitável polarização entre direita e esquerda e, ao mesmo tempo, condicionar a opinião pública a defender um sistema que no momento é controlado por políticos conservadores. O uso da informação para alterar contextos e percepções políticas da população está se mostrando mais eficiente do que o uso da força como fator de mudanças institucionais, como aconteceu no passado. Além de evitar desgaste político dos seus promotores e os traumas provocados por quarteladas e golpes palacianos, a manipulação informativa aumenta o faturamento dos grandes conglomerados midiáticos. Esta nova estratégia de ação política está sendo aplicada com rigor quase científico nos Estados Unidos bem como alguns países europeus e se constitui num desafio inédito para leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Para que a estratégia tenha sucesso, é indispensável que o público não consiga identificá-la por falta de dados e por desconhecer fatos relevantes. A leitura crítica do noticiário da imprensa Para que estas condições sejam preenchidas, é necessário que o condicionamento da opinião pública seja desenvolvido por grandes conglomerados midiáticos atuando na imprensa escrita, nos noticiários audiovisuais e na internet. Quanto mais concentrada e hegemônica for a cobertura da imprensa, maior a chance de um enfoque unilateral dos fatos, dados e eventos em curso. Para o cidadão, o papel da informação como nova e principal ferramenta estratégica no jogo do poder político traz como consequência a necessidade de desenvolver o hábito da leitura crítica, o que noutras palavras significa ter mais informação sobre a informação. É uma responsabilidade adicional, que vai exigir algum esforço de todos nós porque já não poderemos confiar na imprensa como provedor de informações isentas de condicionamentos políticos ou financeiros. Em conjunturas complexas, onde é difícil e, às vezes até impossível, distinguir interesses ocultos embutidos em fatos e notícias, a cobrança de transparência total nos resultados das investigações é uma alternativa disponível para a população, em casos de grande impacto social e midiático. A cobrança de transparência também é o posicionamento político mais adequado porque gera elementos informativos que induzem a população a refletir em vez de refugiar-se em “bunkers” ideológicos polarizados e que não ajudam a identificar o que realmente aconteceu ou está acontecendo. Para ler outros textos de Carlos Castilho, clique aqui.   A morte de Marielle e outras mortes

O jornalismo no salve-se quem puder da desinformação em escala planetária

por Carlos Castilho A sensação de incerteza e desorientação que nos contamina a cada grande acontecimento midiático, se tornou, agora, um fenômeno permanente no jornalismo da era digital. Isto porque cresce a tendência ao uso das ferramentas de desinformação para obter prestígio e seguidores num mercado informativo onde a visibilidade pública é condição básica para a sobrevivência profissional e pessoal. Governantes, políticos, empresários e personalidades públicas são os principais usuários das técnicas de formatação de dados visando destacar os aspectos que mais lhes interessam ou beneficiam na hora de divulgar uma notícia, dado ou evento. Mas as pessoas comuns também fazem a mesma coisa, a maioria de forma inconsciente, porque as omissões, distorções e descontextualização de notícias já foram incorporadas ao nosso cotidiano. Mas depois do surgimento da internet, o fluxo de informações cresceu tanto que as consequências da desinformação começaram a se tornar potencialmente catastróficas, especialmente depois do fenômeno das notícias falsas (fake news). A generalização do recurso às chamadas meias verdades complicou extraordinariamente o processamento de produção de notícias pelos jornalistas, que, em teoria, têm como obrigação profissional separar o joio do trigo na complicada arena da informação. Quando a imprensa percebeu que a desconfiança crescente de leitores, telespectadores e internautas poderia minar o negócio da venda de notícias, ela reagiu de duas maneiras: apostando em sistemas eletrônicos de verificação de credibilidade e autenticidade das informações, ao mesmo tempo que intensificou o lobby a favor da regulamentação da internet, por meio de normas para preservar o controle das empresas sobre as notícias que circulam nas redes sociais. A grande imprensa elegeu a rede Facebook como o principal alvo em seu esforço para levar os leitores, ouvintes, telespectadores e internautas a acreditarem que é possível acabar com as fake news. Nada menos que 150 projetos de checagem de informações (fact checking) foram criados em 53 países diferentes financiados por grandes fundações, organizações não governamentais e entidades ligadas aos conglomerados jornalísticos privados. Todos os grandes jornais do mundo têm algum tipo de software ou grupo de profissionais para fazer a checagem de dados, fatos e eventos. No início de fevereiro, o Institute of Law and High Technology, da Universidade Santa Clara, na Califórnia, Estados Unidos, reuniu especialistas acadêmicos em ética, direito e computação, dirigentes de sete grandes empresas de tecnologia, jornalistas dos principais jornais norte-americanos, pesquisadores autônomos e congressistas dos Estados Unidos, com o propósito de tentar, por todos os meios, chegar a propostas mínimas para enfrentar a desinformação em escala planetária. A síndrome da indiferença informativa Mas apesar do esforço em difundir a ideia de que é possível controlar a disseminação de fake news, os especialistas em segurança informativa garantem que se pode reduzir a incidência de notícias falsas, mas que é impossível eliminá-las totalmente. A possibilidade de que tenhamos de conviver com a insegurança informativa por um longo tempo gerou exasperação entre os estudiosos da mídia, como a inglesa Emily Bell, fundadora e diretora do Tow Center for Digital Journalism, da Universidade Columbia, de Nova Iorque. Ela escreveu um artigo onde expressava sua angústia já no título: “Como poderemos regular o selvagem mercado de mensagens instantâneas?” O público, que precisa de informações para sobreviver nesta selva informativa, não tem a quem recorrer e começa a apelar para a apatia noticiosa. Mas ninguém assume a responsabilidade de dizer às pessoas que não há inocentes e nem ingênuos no vale-tudo diário pelo acesso aos corações e mentes das audiências. Os que não aderiram ao niilismo noticioso tentam se proteger da incômoda sensação de vulnerabilidade refugiando-se em guetos informativos onde acabam contagiados pela xenofobia, radicalismo e extremismos. No meio de tudo isto, ressurge o velho recurso à regulamentação da atividade informativa na internet, em especial nas redes sociais. No Congresso Nacional, em Brasília, há pelos menos 20 projetos prevendo leis mais draconianas e punições mais duras para quem for considerado autor e disseminador de notícias falsas, distorcidas ou intencionalmente descontextualizadas. Propor e votar a favor é fácil em comparação aos problemas que surgirão na aplicação de uma eventual regulamentação. A complexidade das notícias online vai exigir uma não menos complexa interpretação legal, sem falar que provavelmente haverá uma avalanche de processos, tendo em vista o volume de informações digitalizadas diariamente. Para dar um exemplo das dimensões do problema da desinformação, minutos após o tiroteio numa escola da cidade de Parkland, na Florida, que deixou 17 alunos e professores mortos, as redes sociais já estavam atulhadas de mensagens com notícias falsas ou distorcidas sobre o massacre. E não eram só pessoas revoltadas. As “fábricas” de fake news localizadas em países do Leste europeu exploraram o caso para aumentar a polarização entre políticos e eleitores norte-americanos usando a polêmica questão da livre compra de armas pesadas nos Estados Unidos. Quase todos os protagonistas do jogo da desinformação têm seus interesses próprios e tratam de defendê-los a todo custo, nem que seja recorrendo à mesma desinformação. O grande órfão em tudo isto é o público que teoricamente, deveria ter a imprensa e a universidade como parceiros. Acontece que nem um e nem o outro assumiram, até agora, a espinhosa missão de dizer a leitores, telespectadores e internautas que não há saída fácil para o problema e que a solução só virá quando cada cidadão se encarregar de verificar os dados e notícias que repassa para seus amigos, parceiros e parentes. Para ler outros textos de Carlos Castilho, clique aqui. Grandes redes sociais acabam com o sonho idílico de uma internet livre

O apocalipse informativo

por Carlos Castilho Se depender do pesquisador Aviv Ovadya, famoso mundialmente por ter previsto em 2016 o surgimento do fenômeno das fake news (notícias falsas), nós estamos caminhando rapidamente para uma situação que ele descreve como um “apocalipse informativo”, cuja principal consequência prática seria uma “apatia noticiosa”. Aviv, formado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) estuda há quase uma década o fluxo de informações na internet, especialmente nas redes sociais virtuais, e suas conclusões são preocupantes. Segundo ele, uma aliança informal de políticos, economistas, publicitários e engenheiros eletrônicos promove o crescimento acelerado da chamada economia da informação, sem qualquer preocupação crítica com relação aos efeitos que ela pode acarretar para o cidadão comum. A economia da informação cresce a partir dos milionários interesses financeiros gerados pela indústria eletrônica, que geram dividendos monetários para os publicitários e enquanto os políticos passam ao largo do tema por ignorância e/ou interesses eleitorais. O resultado é que, apesar dos alertas de pesquisadores acadêmicos, ativistas cibernéticos e alguns poucos legisladores, a insegurança informativa da população cresce alimentada pelo fluxo constante de fake news produzidas por políticos, empresários e governantes. Caso o ritmo de circulação das notícias falsas continue se intensificando, Aviv Ovadya prevê que as pessoas adotarão o que chamou de “apatia informativa” porque simplesmente não conseguirão mais separar desinformação e as fake news dos conteúdos confiáveis. O prognóstico de Aviv faz todo sentido porque o chamado “autismo informativo” é uma reação defensiva já perceptível em muitas pessoas que lidam com grande volume de informações publicadas em jornais, revistas, telejornais, redes virtuais e programas jornalísticos radiofônicos. A dinâmica da economia da informação, alimentada por lucros milionários, acabou criando uma bolha englobando profissionais da tecnologia, dos mercados financeiros e nas consultorias políticas, onde os participantes se retroalimentam em matéria de notícias, sem levar em conta a base social sobre a qual atuam. Estamos entrando numa espécie de “niilismo informativo” onde o descrédito passa a ser uma regra de sobrevivência individual num ambiente noticiosamente caótico por conta da incerteza nos dados, fatos e eventos publicados nos meios de comunicação. Quando passamos a receber mensagens publicitarias inidôneas (spam ou pishing) formatadas exatamente da mesma forma que uma notícia de jornal, perdemos a confiança em nossos referenciais tradicionais e aí o jeito é descrer em tudo. Os paradoxos da era digital Quem mais sai perdendo no apocalipse informativo é a imprensa, por motivos óbvios. A posição dos veículos tradicionais de informação é complicada porque o setor paga o preço por dois processos que antecedem à chegada da internet e da avalanche noticiosa: o fato da imprensa ter se identificado como a porta-voz da verdade, criando a ilusão de que ela teria condições de separar o joio do trigo em matéria de notícias, o que hoje se sabe ser concretamente impossível; e a transformação das empresas de comunicação em instituições participantes do jogo político formal, graças ao controle exercido sobre o fluxo de mensagens entre tomadores de decisões e a grande massa dos cidadãos. Trata-se de uma posição estratégica cuja relevância e poder de influência acabou levando a imprensa a deixar em segundo plano a preocupação com a imparcialidade informativa. A real possibilidade de uma apatia noticiosa generalizada se constitui num dos grandes paradoxos da era digital. Apesar das expectativas de um avanço histórico na liberdade de informação, por conta da internet, acabamos contaminados por dúvidas e inseguranças sobre o mundo que nos cerca. Não há como voltar atrás. Inevitavelmente passaremos por um período de incertezas até que haja uma re-acomodação nos costumes, regras e valores associados à atividade informativa, com base no interesse público e não mais apenas no lucro. A imprensa, de maneira geral, ainda tenta estratégias paliativas para a crise no seu modelo de negócios, dando mais importância a recuperação de sua lucratividade passada do que à preocupação pública com a incerteza informativa entre seus leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Surpreendentemente, a rede Facebook, apontada como uma mega central distribuidora de fake news, resolveu mergulhar de cabeça na tentativa de “desinfetar” o fluxo de informações entre seus dois bilhões de usuários. O “garotão” Mark Zuckerberg parece ter vislumbrado um desastre empresarial que muitos outros, bem mais experientes, ainda não conseguiram detectar. É pouco provável que a iniciativa da rede Facebook dê resultados rápidos e espetaculares, porque as notícias falsas não são só o resultado de erros técnicos e de uma delinquência informativa, passível de punições exemplares. Elas são um subproduto estrutural surgido pela sobrevivência de velhos comportamentos num ambiente digital novo que nós ainda estamos começando a conhecer. Leia outros textos de Carlos Castilhos no Medium. O jornalismo no salve-se quem puder da desinformação em escala planetária Facebook: uma autocracia encurralada Quanto mais informação, mais dúvidas Taxação das plataformas digitais já! O binômio fake news/redes sociais nos impõe novos comportamentos políticos O lado retrógrado da avalancha informativa digital A nova função da notícia na guerra por corações e mentes Grandes redes sociais acabam com o sonho idílico de uma internet livre Era da pós-civilidade Bem-vindo à era da telemática   A Internet não pode ser um jardim murado

A robotização do cotidiano

 por Albenísio Fonseca Passamos a habitar um mundo quase que totalmente robotizado em meio à cena diária da urbanidade contemporânea. Estamos submetidos a vozes que nos comandam idas e vindas. Reconhecimentos biométricos a nos identificar na proliferação das redes de dados, indivíduos estatísticos do miraculoso universo virtual, enquanto transitamos nas ruas ou em ambientes climatizados, sorrindo para câmeras que nos perseguem a cada esquina e monitorados por centrais de monitores a vasculhar nossos passos e atitudes. Desde os anos 70, no século XX, e já nestas últimas décadas, tudo que se presumia por interação humana ganhou novos contornos. Passamos a depender e a despender do trabalho das máquinas. De forma direta ou não, interagimos com elas e bem menos com humanos. Quem quer que se pretenda integrado ao novo cenário não terá “vida” se não dispuser de um endereço eletrônico na Internet junto a portais ou aplicativos de comunicação instantânea, configurados por um avatar (ou duplo) da sua identidade virtual. Antes, a condição da existência exigia um nome; depois, registros e cadastros; agora, ter um e-mail, WhatsApp ou Facebook, entre outros ambientes online, é imprescindível.   Desde a Revolução Industrial, quando a sociedade passou a criar e programar máquinas que pudessem desempenhar as mesmas funções dos humanos – com extrema velocidade, eficiência e de modo incessante – não raramente, o homem viu-se ameaçado ou aviltado em sua própria humanidade. As máquinas passaram a ocupar o labor de trabalhadores derrubando, de imediato, os mais idosos. Nesse admirável mundo novo da “sociedade do controle e da informação”, consolidada por um capitalismo cognitivo, seguimos por entre sinais luminosos e sonoros a nos conduzir, mecanicamente, em veículos automotores – mega máquinas de mobilidade – no tráfego estressante de avenidas e highways ou a transitar por escadas rolantes e a atravessar portas giratórias.Faça um boot. Insira sua senha. Redigite. Coloque o dedo mais acima, para o lado, programe elevadores inteligentes que conduzem a “nuvens” de andares ou de proteção a infindáveis arquivos de computadores. A confirmar o vaticínio de ficções literárias ou cinematográficas, falta pouco para as máquinas assumirem o controle da vida no planeta, à medida que passam a se mostrar mais e mais “humanas”. Agradecemos sua visita à armadilha eletrônica de um Deus Ex-machina desses novos tempos, ao som de “Machine Messiah” da banda Sepultura. Logo, serão apenas nostalgias as características que nos diferenciavam de um robô, vez que o desenvolvimento tecnológico passa a atribuir a ele o poder de simular afetos, desejos e escolhas, nos levando a abdicar de toda presumida consciência. Letra de Machine Messiah: Alone away Lost, darken rage Far from grace a world Betrayed come and free the beast Can you hear me? I want hopeBehold there’s a way A spark A flame Won’t you feed the needs Come and save me I need you I’ll give you everything I’ll cure humanity Shelter security I’ll make you part of me Prepare to feel nothingThe soul is dead Your saviour bled The soul is dead Bow down to machine messiahGive me your praise I’ll keep you safe The soul is dead Bow down to machine messiahThe souls is dead Your saviour bled The soul is dead Bow down to machine messiahGive me your praise I’ll keep you safe The soul is dead Bow down to machine messiahI’ll give you everything I’ll cure humanity Shelter security I’ll make you part of me I have returned Publicado originalmente no Blog do Albenísio. Agoricidade  

Anonymous foi o nó que desatou os protestos em 2013

por Fernando do Valle Anonymous – As manifestações que ocuparam as ruas no mês de junho de 2013 no Rio e em SP marcaram época. Ainda pouco conhecida pelo grande público, a rede de ativismo hacker Anonymous informou pelas redes o turbilhão in loco e dominou os nós de relevância no Facebook nos dias 13, 17, 18 e 20 de junho de 2013, segundo estudo capitaneado pelo cientista social Sérgio Amadeu, doutor em ciência política pela USP. A pesquisa baseou-se em 500 mil comentários e mensagens postadas na rede social com 50 palavras-chave relacionados aos protestos e mostrou o poder influenciador do coletivo hacker nesses dias. Da Praça Tahir egípcia, passando pelo Occupy em Nova Iorque ao Acampamento do Sol espanhol, 2013 no Brasil está inserido no novo fazer político do século XXI, fortemente influenciado pelas redes digitais. Via 3G e wi-fi, vídeos ao vivo, textos e informações produzidas pelos Anonymous e outras fontes como Mídia Ninja e o Movimento Passe Livre circularam pela web em junho de 2013. Enquanto isso, a mídia corporativa vendia a tese de que as ruas das principais capitais brasileiras eram invadidas por “vândalos” ou “revoltosos de classe média que não valem nem 20 centavos”, como afirmou o comentarista Arnaldo Jabor na Rede Globo. Os professores Fábio Malini e Henrique Antoun dissecam no livraço @Internet e #Rua  o surgimento do Anonymous. Segundo eles, da reação contra o monitoramento de “mensagens suspeitas” por parte do governo do presidente George W. Bush após os ataques às torres gêmeas em 11 de Setembro de 2001, que passava por cima da liberdade e da privacidade, surgiu o sítio do 4chan para comunicação anônima e rápida. No início, eram trocadas mangás e fotos pornográficas. Com o tempo, passou a trafegar pelo sítio informação de todo tipo. Em um canal do site, /b/ do 4chan, se concentrou uma vasta atividade envolvendo fotos pornográficas e exibicionistas de adolescentes mescladas a uma conversa sem começo nem fim entre perfis que não se identificam, preferindo permanecer anônimos. Daí se originou um grupo que vai se autodenominar Anonymous, usando a máscara do anarquista do século XVII, Guy Fawkes, transformado em herói da história em quadrinho “V de Vingança”, em manifestações de rua. O fato é que este canal tornou-se um poderoso instrumento de defesa anônima da liberdade na Internet e de contrapoder ao discurso da mídia corporativa. Os Anônimos formam um coletivo entre várias outras iniciativas que mostram a força da mídia livre e como o jogo mudou para a grande mídia: esconder a verdade factual está mais difícil, o que não é pouca coisa. Como o velho Luther Blissett  já mostrava nos anos 90, os ventríloquos engravatados podem continuar entorpecendo sentidos pelas telas na sala de jantar, mas agora há espaço nas redes para o contra discurso e esse papel cabe aos midialivristas que são “os hackers das narrativas”, conforme escreve a professora Ivana Bentes no prefácio do livro de Malini e Antoun. Fontes usadas: MALINI, Fábio e ANTOUN, Henrique. @ Internet e # rua – ciberativismo e mobilização nas redes sociais. Porto Alegre: Editora Sulina, 2013. VALENTE, Rubens e Magalhães, João Carlos, ‘Anonymous’ lidera ativismo digital nos protestos, diz estudo, Folha de S Paulo, 14/7/2013 Cotidiano, página 8. O jornalismo é uma forma de ativismo? O mundo despertou do pesadelo neoliberal em Seattle

Era da pós-civilidade

por Frei Betto Por que tanto ódio nas redes so­ciais? Por que muitos ex­põem ali o que há neles de mais per­verso e mal­doso? Agora, o ad­ver­sário vira ini­migo; o opo­sitor, de­sa­feto; o di­fe­rente, an­tagô­nico. A razão nau­fraga sob o ni­i­lismo exa­cer­bado e a emoção ex­plode a flor da pele em sur­pre­en­dente fe­ro­ci­dade. Freud, em “O mal-estar na cultura”, frisa que a vida em sociedade nos induz a reprimir as pulsões. O outro é o nosso limite. E Lacan nos faz entender que, na tensão entre a pulsão e a cultura, não temos outro recurso além da linguagem. E ela é sempre dúbia. Assim, na vida social como no trânsito, somos capazes de ler a sinalização e procuramos nos conduzir de modo a evitar acidentes. As redes sociais, no entanto, são o somatório de individualidades recolhidas a seus respectivos nichos ou trincheiras. Muitos se encastelam no próprio ego e perdem horas no pingue-pongue narcísico em torno de vidas alheias. Não comunicam ideia, sugestão ou atividade. Apenas praticam o onanismo cibernético. O outro deixa de ser real. É virtual. E o emissor canibal já não precisa conter as suas pulsões e moderar a sua linguagem. Julga-se inatingível. Acima de qualquer padrão civilizatório, capaz de ditar regras de educação recíproca, ele se arvora em juiz implacável com direito de ofender e ridicularizar os réus de suas amargas emoções. Na infovia, o ego implode o superego e abre o canal para que venham à tona as pulsões mais primitivas. O assassino virtual promove a morte simbólica de todos que estão focados no alvo de seu ódio: Marisa Letícia; Maria Júlia Coutinho; Leonardo Vieira; réus da Lava Jato etc. A diferença é que não aperta o gatilho, apenas digita. Esse gozo pulsional, que impele à satisfação imediata, ignora toda escala de valores. E infantiliza, faz a pessoa retroceder à fase da irresponsabilidade. Destitui-se o sujeito racional que ela deveria ser. As “feras” do inconsciente afloram. O réptil que habita cada um de nós expele, enfim, o seu veneno. O sujeito racional exerce vigilância sobre si mesmo e delega poderes às instituições (judiciais, policiais etc.) que têm por função assegurar à sociedade um mínimo de harmonia. Essa repressão cria as condições de sublimação e, portanto, de cultura e civilidade. Sem ela, o outro se torna objeto de abjeção. Não podemos saciar todos os nossos desejos. Os limites são intrínsecos à nossa liberdade, que se funda nas opções, nas escolhas, e não na pulsão. Porém, na era pós-civilidade o inconsciente se vê livre de suas amarras e rejeita a sublimação. Isso favorece a postura anti-humanista de desprezo pelos direitos humanos e pela democracia. É hora de famílias, escolas e outras instituições sociais cuidarem da educação digital das novas gerações. Não basta dominar as novas tecnologias. Elas são apenas ferramentas. Uma sociedade de conhecimento se constrói com conteúdos humanísticos respaldados pela ética e pela globalização da solidariedade. Sem avançar nessa direção, corremos o risco de inviabilizar o projeto de uma humanidade ancorada na justiça e vocacionada à paz. Publicado originalmente no Correio da Cidadania. Facebook: uma autocracia encurralada Quanto mais informação, mais dúvidas Taxação das plataformas digitais já! O binômio fake news/redes sociais nos impõe novos comportamentos políticos O lado retrógrado da avalancha informativa digital A nova função da notícia na guerra por corações e mentes Grandes redes sociais acabam com o sonho idílico de uma internet livre O apocalipse informativo Quanto mais informação, mais dúvidas Bem-vindo à era da telemática   A Internet não pode ser um jardim murado

Ignacio Ramonet defende Julian Assange como paladino da liberdade

Assange divulgou em seu portal Wikileaks milhares de documentos secretos da diplomacia norte-americana Da Prensa Latina, retirado da Agência Carta Maior Julian Assange não é culpado de nada, é um paladino da liberdade desta época, segundo afirmou hoje, no Equador, o jornalista espanhol Ignacio Ramonet, após certificar o valor da informação divulgada por Wikileaks. O site fundado pelo programador australiano é conhecido por publicar documentos vazados com conteúdo sensível e enorme interesse público. Durante recente conferência realizada no Centro Internacional de Estudos Superiores para a América Latina (Ciespal), o professor de relevante trajetória considerou inquestionáveis as revelações realizadas pelo site Wikileaks, e as classificou como um grande progresso para a humanidade em termos de direito à informação. Assange trouxe problemas ao governo dos Estados Unidos há alguns anos atrás ao divulgar em seu portal milhares de documentos secretos da diplomacia norte-americana. Pouco depois, o ciberativista pediu asilo na Embaixada do Equador em Londres, e ali permanece desde o dia 19 de junho de 2012, privado de sua liberdade de forma injusta, segundo Ramonet. Deste modo, evitou ser extraditado à Suécia, onde é acusado de um suposto delito de abuso sexual, que ele nega ter cometido. Assange teme que as autoridades do país europeu visam entregá-lo aos Estados Unidos, onde ele poderia ser condenado inclusive à pena de morte, por divulgar informação considerada secreta pelo governo daquela país. Para Ramonet, o Equador teve um comportamento exemplar no caso de Assange, que estava convencido de escolher este país sul-americano para pedir asilo porque seu governo não cederia às pressões internacionais. O diretor do Le Monde Diplomatique recordou que vivemos num mundo onde todas as atividades estão informatizadas, e que, graças à evolução do ciberespaço, as grandes potências puderam criar um ciberexército com o intuito de defender sua hegemonia nesse novo espaço. Este investigador radicado na França acredita que vários dos principais políticos do planeta já entenderam, há algum tempo, que deveriam mudar a sua forma de fazer política, e incorporaram o uso de novas tecnologias da informação e o conhecimento de suas práticas cotidianas. Ao seu lado na conferência estava o presidente da consultora estadunidense de software ThoughtWorks, Roy Singham, que alertou a respeito do monopólio sobre as ideias, a propriedade intelectual e o poder econômico continuam sendo um privilégio nas mãos de poucos no mundo, e pediu ao público que não seja ingênuo e que não se deixe enganar por belas palavras. Pobre de quem acredite que seus dados digitais estão numa nuvem. É uma grande mentira, eles estão num disco duro controlado por Facebook e outra grande companhia que trabalha em colaboração com a Agência Nacional de Segurança (NSA, por sua sigla em inglês) e outros departamentos, segundo comentário de Singham. Para o analista, hoje temos uma nova luta, a de quem obtém o controle dos dados. Ele também chamou a atenção sobre como empresas como Google e Amazon podem gastar mais dinheiro em infraestrutura anual que os bancos. De acordo com Singham, Google investe 15 bilhões de dólares por ano somente em hardware, mas tais empresas sabem que privatizar os dados é a questão central para o controle das cidades. Segundo este especialista em software, o perigo do controle das informações com a tecnologia que existe hoje é muito maior que o imaginado pelo escritor e jornalista britânico George Orwell quando escreveu 1984, seu célebre livro de ficção científica.

Em busca do jornalismo perdido

por Elaine Tavares O grande livro de Ray Bradbury, Fahrenheit 451, ficção científica escrita em 1953, apontou uma sociedade futura na qual as pessoas teriam uma tela multidimensional na sala de casa e que ali ficaria passando informação sem parar, o dia todo, e a pessoa, viciada naquela algaravia, não conseguiria mais compreender o mundo criticamente. Tudo se resumiria naquele caleidoscópio de palavras desconexas que perpetuavam o poder de quem mandava. Aquela passagem do livro sempre me causou calafrios. Era o mundo perdido no qual vivia a esposa do personagem principal, o que descobre a beleza dos livros num mundo no qual eles não mais existiam. Apesar da mensagem de esperança que o perturbador livro de Bradbury traz, aquela imagem da sociedade futura fica a corroer os miolos, principalmente quando aquilo que era só uma invenção ficcional nos anos 50 do século passado parece ser a realidade dos tempos atuais. Esse é o nosso mundo. As televisões espertas, de 50 polegadas, já conectam a internet e, nela, o facebook, esse espaço multicomunicacional que parece ter abduzido todas as mídias numa só. Ali, no seu mural, as informações passam em velocidade da luz, formando a mesma algaravia enfeitiçante da sala do mundo Fahrenheit. A vida está ali, prisioneira e saltitante. Essa constatação aterrorizante é o que me leva a pensar sobre a minha profissão: o jornalismo. Onde ele está? Quem consegue vê-lo em meio à selva de informações fortuitas, rápidas e mentirosas? Sobreviverá ao buraco negro do facebook, cada vez mais empoderado? Antes de mais nada é preciso entender sobre o que estou falando, visto que há muitos entendimentos sobre o que seja o jornalismo. Falo da análise do dia, a descrição da realidade com impressão de repórter, contexto histórico, narrativa. Falo da produção de textos e vídeos que apresentem criticamente aspectos da realidade, levando o leitor/espectador a pensar sobre os fatos e estabelecer nexos com a vida. É fato que não é o facebook o assassino do jornalismo. Ele agoniza desde há tempos na medida em que foi hegemonizado como mera propaganda, a apontar as belezas do sistema capitalista, da agricultura predadora, do consumo desenfreado e outras facetas mais desse modo de organizar a vida. As notícias que pipocam nas telas de TV, nos jornais, não dizem da realidade. Elas servem para aprisionar e alienar numa verdade inventada, que esconde o discurso da maioria da população. A voz do jornalismo existente é a voz oficial, do presidente, do deputado, do economista, do especialista. Nele não aparecem os trabalhadores, os que lutam, os que realmente criam o mundo. Esses estão fora, sem lugar onde expressar sua voz. Por conta disso que ao longo dos tempos sempre foi necessário constituir um jornalismo de verdade, que se faz em outras instâncias, alternativas e populares. Um jornalismo que abre espaço para a voz do oprimido, da comunidade das vítimas e que contextualiza a realidade. E desde há tempos, esse jornalismo vem se equilibrando no emaranhado de um mundo midiático, criado para o engano. É a luta de classes se expressando no campo da palavra, da informação. De um lado, os poderosos, buscando impor seu modelo de mundo como o modelo universal, e de outro lado – ainda que com menos poder de abrangência, mas valente – as gentes em luta, procurando abrir espaço para a informação crítica que leve as pessoas a pensar sobre a realidade e, desde aí, transformá-la. Com a ascensão da revolução tecnológica, o jornalismo precisou se reinventar. A Rede Mundial de Computadores trouxe uma novidade até então impossível de ser pensada: a possibilidade de a palavra do oprimido também ultrapassar os limites geográficos. Isso parecia bom. Com a popularização da internet, os sindicatos, movimentos sociais, movimentos indígenas, movimentos populares, pessoas, cada um que quisesse externalizar seu pensamento, tinha sua chance. E não apenas para sua aldeia, mas para o mundo inteiro. As incognoscíveis páginas, criadas em linguagem html foram se popularizando, com a criação de modelos facilmente manipuláveis. Vieram então os blogs que se tornaram muito mais acessíveis. A internet não apenas democratizava o espaço para que os movimentos coletivos se expressassem mundialmente, mas também viabilizava que qualquer um, com acesso à rede, pudesse ser um produtor de conteúdo. Aí mais uma vez foi a hora de pensar o jornalismo. Se qualquer um pode divulgar informações, como peneirar o que é apenas informação e o que é jornalismo? Como reconhecer o que é uma opinião? Como estabelecer os nexos entre as informações soltas divulgadas aos borbotões? Como encontrar espaços de informação crítica e contextualizada? O que se viu num primeiro momento foi que as pessoas continuavam a acessar a informação formal, produzida pelos mesmos grupos que já dominavam a informação televisiva ou do papel. Ou seja, a informação/propaganda produzida pelo jornalismo das grandes empresas de comunicação ainda era a referência. E, de novo, os movimentos e entidades da luta popular tiveram de disputar o espaço internético como “ilhas alternativas”, sempre perdendo a batalha para os velhos grupos de poder que controlam a mídia no mundo. Foi então que chegou o facebook, um espaço na rede que começou a abocanhar todas as possibilidades comunicacionais, aglutinando-as numa só. O correio eletrônico foi sendo abandonado e a comunicação agora vai se fazendo – em tempo real – pelo esquema de mensagens do face. A ideia é de que a pessoa esteja o tempo todo conectada, aproximando-nos daquela assombrosa ficção de Bradbury. E assim, no mundo atual, ou a pessoa está conectada, ou não é. É a versão eletrônica do consuma ou te devoro, outro mantra do capitalismo. Agora, a novidade que se aproxima me foi sussurrada por um texto do iraniano Hossein Derakhshan, chamado de o pai dos blogs do Irã, que informa o novo plano de Zuckerman: acabar com a possibilidade da publicação de links no facebook. E o que isso significa? Que se hoje os blogs e os movimentos sociais utilizam o facebook para potencializar suas informações, divulgando os links para serem consultados, amanhã isso já não será possível. A

Ignacio Ramonet: “a segurança total não existe, mas a vigilância massiva sim”

por Agência Carta Maior Durante 18 anos, Ignacio Ramonet dirigiu o prestigioso Le Monde Diplomatique, um dos jornais mais conhecidos do mundo e principal tribuna do movimento pela via alternativa. Este jornalista espanhol, que vive na França, e que atualmente dirige o LeMondeDiplo, a versão espanhola da publicação, falou sobre como o governo de François Hollande aprova um ataque às liberdades e uma prorrogação de três meses do estado de emergência decretado após os atentados do último dia 13, tentando fortalecer as capacidades de suas forças de segurança. Para o autor do livro “O império da vigilância”, os governos “não podem garantir a segurança total”. Porém, “o estado de emergência supõe um abandono das liberdades democráticas e republicanas”. Também afirmou que “hoje em dia, existem instrumentos capazes de vigiar a todos”. Uma vigilância que ele garante que “é ineficaz”, segundo seu novo livro, convertido quase numa premonição, já que foi publicado no dia 12 de novembro, véspera dos atentados jihadistas que empurraram a intimidada sociedade francesa a aceitar as medidas propostas por Hollande.   A sociedade francesa, que tradicionalmente defende seus direitos de forma férrea, aceitará essa troca de menos liberdade por mais segurança? Ramonet: Estamos num momento mais emocional. Os atentados aconteceram há pouco mais de uma semana, e desde então estamos conhecendo os detalhes do acontecido, com os testemunhos de pessoas que viveram um inferno. Neste momento, o Estado pode pedir praticamente o que quiser à sociedade, que está em condições emocionais de aceitá-lo. Acabamos de ver como o presidente conseguiu uma união nacional em plena campanha eleitoral para o dia 6 de dezembro – eleições regionais. Conseguiu aprovar uma série de medidas, algumas delas propostas pela direita, em meio a um clima de unanimidade geral. Quando ocorrem monstruosidades como essa, as sociedades se intimidam, somente houve críticas à prorrogação do estado de emergência, que significa um abandono das liberdades democráticas e republicanas. Em meu livro, eu falo do que aconteceu após o 11 de setembro de 2001, quando os Estados Unidos promulgou o Patriot Act, com essa mesma ideia, um contrato com os cidadãos: aceite perder um pouco da sua liberdade e eu garanto mais segurança. O problema é que a Patriot Act está vigente ainda hoje. Mais vigilância é garantia a de mais segurança? Ramonet: Não, a vigilância massiva já demonstrou que não é eficaz. A segurança total não existe, ainda que os governantes, obviamente, não possam dizer isso, sobretudo neste momento. O que a sociedade pede ao governante é segurança absoluta, e a resposta dele é essa. Mas a segurança absoluta não existe, menos ainda quando se enfrenta a grupos terroristas. Entretanto, a vigilância massiva sim existe. Nós sabemos disso desde as revelações de Edward Snowden. Hoje em dia, existem instrumentos para vigiar a todos. É uma espécie de coação: eu te dou máxima segurança, mas você permite que eu te vigie totalmente. Só que enquanto eles vigiam você, não vão e nem podem garantir essa segurança máxima. As sociedades devem aceitar essa troca? Ramonet: Claro que não! Esse é todo o sentido do livro que acabo de publicar. O problema é que neste momento é muito difícil emitir críticas, porque quem o faz aparece como um aliado dos terroristas. Qual é a alternativa à vigilância? Ramonet: A vigilância é legítima. É perfeitamente legítimo que um governo vigie, na medida em que o faça de forma democrática, através de uma ordem judicial, com controle democrático. Se um juiz determina que uma pessoa deve ser vigiada, deve haver um motivo. A questão não está em se opor a todo tipo de vigilância, e sim na vigilância massiva, que é o que se pratica atualmente. Massiva e clandestina. O princípio é “vigiar todo mundo para poder, no dia de amanhã, identificar aqueles que podem cometer um atentado”. Estamos perdendo liberdades sem que isso seja suficientemente debatido ou discutido, num momento emocional determinado, favorável a que se aceite qualquer coisa. A França promulgou uma lei, em maio, que permite aos serviços secretos grampear conversas sem necessidade de controle judicial. A lei se impôs com a emoção dos atentados de janeiro contra o Charlie Hebdo. Basta que o primeiro-ministro Manuel Valls autorize. Mas, o primeiro-ministro não é um juiz! Não é o Poder Judiciário, é um político, é o Poder Executivo. A ferramenta para a vigilância massiva é a Internet, que permite um registro exaustivo de todos os nossos movimentos e conversações. Pode-se dizer que já perdemos a liberdade na rede? Ramonet: Quando a Internet surgiu, era um ambiente de liberdade, porque democratizava o acesso à informação. Porém, isso foi sendo centralizado, e hoje, cerca de 99% das pessoas que navegam pela Internet utilizam quase inevitavelmente uma das grandes cinco empresas digitais: Google, Apple, Facebook, Amazon ou Microsoft. Hoje, quando você utiliza a Internet está entrando por essa peneira que permite às autoridades ter acesso a todos os seus dados. Primeiro, porque essas empresas entregam os dados ao governo dos Estados Unidos por lei. Segundo, porque os estados colocaram em marcha seus próprios sistemas de vigilância. Hoje, é muito mais seguro enviar uma carta pelo correio que enviar um email. A carta não é vigiada por ninguém, mas qualquer comunicação digital deixa um rastro, os metadados. De onde você a envia, para quem a envia, quanto tempo durou essa comunicação, quando aconteceu… uma série de dados com os que se pode fazer uma espécie de galáxia de todos os seus contatos e conhecimentos, um verdadeiro atlas da sua vida, sem que você saiba que informações estão sendo guardadas e analisadas sobre você mesmo. Tudo é gravado, embora escutar todas essas conversas seja algo muito mais complicado, porque supomos que é impossível haver gente suficiente para escutar tudo. Mas essa informação existe e está guardada. São dados coletados automaticamente, de forma massiva, de todos nós. Os Estados Unidos têm acesso direto a esses dados, graças às empresas que você citou. Você acredita que existe um neocolonialismo na Internet? Que a rede que aparenta ser aberta e supranacional é um território controlado pelos Estados Unidos?