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Dilma veta auditoria da dívida

por Elaine Tavares No livro do argentino Alejandro Olmos Gaona, “A dívida odiosa”, vários são os casos de negativa de pagamento de dívidas por conta de contratos ilegais ou porque tenham sido fechados em condições de exceção, com regras abusivas demais. Um dos primeiros exemplos disso é o da Liga Ática, na antiga Grécia, que no ano 454 a.C decidiu não pagar uma dívida por um empréstimo tomado ao Templo de Delfos, justamente por causa das regras exorbitantes. Também durante toda a Idade Média se contam exemplos de casos assim. Eduardo III, da Inglaterra, foi um que em 1345 recusou-se a pagar uma dívida com os banqueiros de Florença, coisa que os levou a bancarrota. Os reis da França, Carlos V e Francisco I, negaram dívidas, bem como vários reis da Espanha nos anos de 1500 e 1600 tiveram grandes embates com prestamistas. Portugal tem um caso que é bastante conhecido no Direito, que envolve o reinado de Miguel I, que usurpou o trono de sua sobrinha Maria e acabou fazendo vários empréstimos com bancos franceses. Quando Maria retomou o trono com a ajuda de seu pai, Dom Pedro II, do Brasil, a primeira coisa que fez foi suspender o pagamento da dívida, considerada ilegal, por ter sido feita por um usurpador. Ela teve ganho de causa. Logo, o debate sobre a legalidade das dívidas contraídas pelos Estados não é coisa nova no mundo. No geral, os questionamentos se referem a questões absolutamente legais e que encontram amparo nas regras do Direito. Um caso contemporâneo é o da dívida externa do Equador, que foi auditada no primeiro mandato de Rafael Correa. Um estudo minucioso dos contratos firmados pelos governantes com bancos internacionais provou claramente a ilegalidade de pelo menos 70% dos mesmos. Seja por conta de regras abusivas ou por não terem qualquer amparo jurídico, ou por terem os empréstimos sido feitos em regimes de exceção, como ditaduras. Na América Latina, desde o surgimento dos primeiros estados, logo após as guerras de independência que resultaram na derrota do sonho de Bolívar, as dívidas começaram a ser contraídas – principalmente com a Inglaterra – para alavancar o crescimento econômico dos países nascentes. Algumas delas efetivamente legais e justas, outras fruto de negociatas e contratos leoninos que sempre foram questionadas. Durante a proliferação das ditaduras militares nos anos 60 e 70, resultado da ação imperialista dos Estados Unidos, essas dívidas cresceram demais, consolidando a lógica de um capitalismo dependente. Governos impostos pela força mandaram e desmandaram, sem que a população pudesse decidir sobre os empréstimos e as obras. Com a retomada da democracia a partir dos anos 80, os movimentos sociais passaram a pressionar os governos para que realizassem uma auditoria dessas dívidas, para conferir a legalidade das mesmas. Ninguém topou, os governos que foram sucedendo aos militares preferiram fazer ouvidos moucos a essas reivindicações e seguiram pagando os juros exorbitantes das dívidas contraídas ilegalmente. Com o discurso moralista de “quem deve, paga”, todos se negaram a conferir as regras com as quais se fecharam os acordos. Só agora, já no século XXI que o governo de Rafael Correa, numa América Latina reconfigurada e com um ascenso das lutas sociais, decidiu enfrentar esse “monstro”. Como já foi dito, a auditoria do estado equatoriano nos contratos das dívidas mostrou que pelo menos 70% delas eram ilegais. Reconheceu apenas 30% e informou aos credores que só pagaria as que a auditoria havia determinado como sem problemas. E, apesar de um pequeno protesto no início por parte dos bancos credores, a coisa ficou por isso mesmo. Os credores não fizeram alarde, e o Equador simplesmente não pagou as dívidas ilegais. Nem quebrou o estado equatoriano, nem quebraram os bancos credores, até porque a dívida mesmo já tinha sido paga por anos e anos a fio. No Brasil, desde há pelos menos 30 anos há uma luta sistemática para a realização de uma auditoria da dívida, que hoje passa dos inimagináveis 2,5 trilhões de reais, tanto dinheiro que quase nem se pode contar. Já foram feitos até plebiscitos populares que mostraram o quanto a população deseja ver as contas colocadas em cima da mesa, bem como as regras com as quais essas dívidas foram contraídas. Ninguém quer dar o calote, como dizem alguns, o que se quer é ver o que foi feito de forma legal e o que foi feito de forma ilegal. O que estiver tudo certinho será pago, mas o que for engano, golpe ou ilegalidade não deve ser pago. É o justo! A dívida brasileira toma conta hoje de quase metade do orçamento da nação (45,11%) e os gastos com juros e amortizações chegaram em 2015 (apenas até 1/12/2015) a um valor de R$ 958 bilhões. Repetindo: só de juros. O principal da dívida segue crescendo. E como diz Maria Lúcia Fatorelli, uma das mais importantes estudiosas da dívida brasileira, ela nada mais é do que um grande esquema de corrupção que precisa ser enfrentado. Por conta disso, causou profundo estupor o veto da presidenta Dilma Roussef à realização da auditoria da dívida pública, divulgado no Diário Oficial da União no dia 14 de janeiro desse ano. O processo de auditagem foi garantido, depois de uma luta gigantesca dos movimentos sociais, a partir de uma emenda do deputado Edmilson Rodrigues, do PSOL/PA, incluída no Plano Plurianual (2016-2019). Surpreendentemente a emenda foi acatada pela Comissão de Finanças e Tributação, que é principal Órgão Colegiado da Câmara dos Deputados sobre o orçamento público. Assim, numa das conformações mais conservadoras do Congresso Nacional, finalmente a auditoria estava aprovada e poucos poderiam supor que quem iria barrar o processo fosse justamente a presidenta. Mas, aconteceu. Como argumento para o veto, o governo salienta: “o conceito de dívida pública abrange obrigações do conjunto do setor público não financeiro, incluindo União, Estados, Distrito Federal e Municípios e suas respectivas estatais. Assim, a forma abrangente prevista na iniciativa poderia resultar em confronto com o pacto federativo garantido pela Constituição. Além disso, a gestão da dívida pública federal é realizada pela Secretaria

A morte de Vladimir Herzog e o Brasil que não queremos

Bem-vindo ao Fatos da Zona, onde adaptamos icônicos textos do site do Zonacurva Mídia Livre. Explore a extraordinária vida de Vladimir Herzog, ícone da luta pela justiça e liberdade no Brasil durante a ditadura militar. Neste vídeo, mergulhamos nos momentos cruciais de sua trajetória e em seu compromisso incansável com a verdade e a democracia.   por Fernando do Valle Vladimir Herzog – Noite de 24 de outubro de 1975, agentes da ditadura chegam à redação da TV Cultura com a ordem de levar o diretor de jornalismo da TV Cultura, Vladimir Herzog, para depor sobre suas ligações com o PCB – Partido Comunista Brasileiro no II Exército. Iniciou-se ali uma negociação entre os jornalistas da redação e os agentes para que Herzog se apresentasse no dia seguinte. Os policiais aceitaram o acordo e um jornalista comprometeu-se a acompanhar Herzog no outro dia até as instalações militares, esse jornalista inclusive dormiu na casa do diretor da TV Cultura. Se tivesse descumprido esse acordo e escapado na madrugada, Herzog não teria sido torturado até a morte no dia 25 de outubro de 1975, ele tinha apenas 38 anos. A brutal morte do jornalista indignou parte da sociedade civil contra o regime e tornou Herzog símbolo da liberdade de pensamento e de imprensa no país. A nomeação de Herzog como diretor do canal de televisão pública do Estado de São Paulo pelo secretário de Cultura José Mindlin foi aprovada pelos órgãos de segurança do regime militar e pelo governador Paulo Egydio antes de sua contratação. Mesmo assim, a chamada linha dura do governo militar fazia campanha com a conhecida cantilena de “infiltração esquerdista” contra a equipe liderada por Herzog através do jornalista Claudio Marques, do Shopping News, praticamente porta-voz dos setores de informação do governo. LEIA TAMBÉM “10 músicas contra a ditadura militar”  Vladimir Herzog nasceu Vlado Herzog em 27 de junho de 1937 em Osijek, hoje a quarta maior cidade da Croácia e morreu há 40 anos, em 25 de outubro de 1975. O apoio da grande mídia ao golpe de 64 O momento político da morte do jornalista foi marcado por uma disputa pelo poder entre a linha dura do exército e setores da ditadura que pretendiam estabelecer certo diálogo com a sociedade civil. Três meses depois de Herzog, em janeiro de 1976, o metalúrgico Manoel Fiel Filho também foi assassinado pelo governo e o ditador Geisel destituiu o comandante do II Exército, general Ednardo D’Ávila Mello, um dos principais líderes da chamada linha dura entre os militares. Políticos também insuflavam os militares da linha dura para a perseguição aos jornalistas da TV Cultura. O deputado da ARENA (partido do governo), José Maria Marin, que atualmente está preso na Suíça por corrupção como dirigente de futebol, pediu um aparte ao discurso do deputado do mesmo partido, Wadih Helu, futuro presidente do Corinthians, na Assembleia Legislativa de São Paulo e exigiu “providências aos órgãos competentes em relação ao que está acontecendo no canal 2 [TV Cultura…]”, que, segundo ele “sofria infiltração de elementos comunistas”. Este blog já abordou a trajetória da triste figura José Maria Marin. Episódio narrado no livro Bendito Maldito, ótima biografia de Plínio Marcos escrita por Oswaldo Mendes, mostra o nível da truculência dos militares. O diretor Ademar Guerra enfureceu um coronel ao escalar o “subversivo” Plínio como São Francisco de Assis em um teleteatro produzido na TV Cultura. Guerra relembra o tumulto naquele 24 de outubro no departamento de jornalismo da emissora: “o clima era de muito medo”. No meio desse clima de incerteza, ele lembra no livro que “alguém disse que um coronel do 2º Exército tinha telefonado à minha procura”. O diálogo de Guerra com o coronel: – Por que o senhor está fazendo a história de São Francisco? – Porque é uma história bonita, a história de um santo… – Mas é perigoso… – O que há de perigoso na história de um santo, coronel? Quer que eu mande o texto para o senhor ler? – Não quero ler nada, não.  Ademar Guerra escapou da brutalidade que vitimou Herzog. O jornalista Leandro Konder, amigo do jornalista assassinado e também detido pelos militares, não e também foi torturado. Ele relata o sofrimento de Vlado nas mãos dos torturadores do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna): “podíamos ouvir nitidamente os gritos, primeiro do interrogador, depois, de Vladimir, e ouvimos quando o interrogador pediu que lhe trouxessem “pimentinha” [máquina de choques elétricos para tortura] e solicitou ajuda de uma equipe de torturadores. Alguém ligou o rádio e os gritos de Vladimir confundiam-se com o som do rádio. Lembro-me bem que durante essa fase, o rádio dava notícia de que Franco [ditador espanhol] havia recebido a extrema-unção, e o fato me ficou gravado, pois naquele mesmo momento Vladimir estava sendo torturado e gritava. A partir de um determinado momento, o som da voz de Vladimir se modificou, como se tivessem introduzido coisa em sua boca; sua voz ficou abafada como se lhe tivessem posto uma mordaça. Mais tarde, os ruídos cessaram” (trecho do depoimento de Leandro Konder no livro “Brasil nunca mais”).   Não satisfeitos, os agentes da ditadura forjaram a cena de um suposto suicídio de Vlado “em um surto de arrependimento”, a foto divulgada pelos órgãos de repressão ainda mostra um bilhete rasgado com “a confissão de seu envolvimento com os comunistas”. Amigos, familiares e a comunidade judaica não aceitaram a inverossímil versão do governo sobre a morte do jornalista, que era judeu, e o enterraram no centro da Sociedade Cemitério Israelita. Pela tradição dos judeus, os suicidas são enterrados em uma área específica. A imprensa alternativa teve papel importante para desmontar a versão oficial do governo. O jornalista Mylton Severiano relata no documentário Resistir é Preciso como ele, Narciso Kalili e Hamilton Almeida Filho produziram uma detalhada matéria de 8 páginas sobre o assassinato de Vlado para o jornal EX-. O título foi retirado do Hino à República: “Liberdade Liberdade abre as asas sobre nós”. A edição de 50 mil exemplares esgotou

Onde estamos? E que dia é hoje?

por Antonio Lassance Esse presidente que foi xingado, odiado, constrangido e humilhado se chamava Juscelino Kubitschek. Seus detratores foram esquecidos, ele sobreviveu.   Publicado originalmente na Agência Carta Maior O Brasil está em polvorosa. Os ânimos estão extremamente exaltados e as acusações contra o governo são cada vez mais graves. Para piorar o quadro, na economia só se vê e se ouve notícia ruim. Com o intuito de conter a inflação e garantir a confiança de investidores externos, o governo lançou um duro programa de arrocho com o objetivo de reverter expectativas negativas. Passado um tempo, mudou de ideia e desapertou o torniquete, pois as expectativas, ao invés de melhorarem, pioraram. No entanto, essa presidência, desde o início, já dava sinais de que não acabaria bem. Seria fustigada por tentativas de golpe. Um dia, acabaria sucedida por uma oposição raivosa sustentada na crista de uma onda pretensamente moralizadora. A ânsia de limpeza ética do país vinha todos os dias embrulhada para presente em manchetes que denunciavam fatos muito graves; alguns completamente verdadeiros, outros absolutamente falsos – uma diferença que, no final das contas, se tornou mero detalhe sem importância. O cúmulo da decepção ainda estaria por vir. Começaram a surgir boatos de que um presidente outrora tão popular havia enganado a todos, em proveito próprio. Tinha presumivelmente montado uma camarilha, um bando que se organizava para assaltar os cofres públicos, durante o período em que ele esteve à frente do poder. Muitos brasileiros haveriam de pensar: se ele era o presidente, e se as falcatruas de fato aconteceram, como poderia ele simplesmente não saber? Como, sendo o chefe do poder, não seria o próprio chefe da quadrilha? Enquanto acenava com proselitismo, com uma mão, o presidente roubava com a outra. Certa imprensa autointitulada “livre” e “isenta” – faltou dizer “modesta”? Ou “presunçosa” e “hipócrita” seriam adjetivos mais apropriados? – chegou a afirmar que o presidente havia amealhado dinheiro suficiente para figurar como a sétima maior fortuna do mundo. Haja dinheiro para se chegar a tal patamar! Diante do malfeito, porém, não restaria pedra sobre pedra. Em uma república, ninguém está livre de acusações. Anos depois de terminado seu mandato, esse presidente, candidatíssimo a alguma eleição seguinte, tratado por “corrupto” e “ladrão”, como se fossem parte de seu sobrenome, foi finalmente indiciado e chamado a depor para responder por seus “crimes”. Intimado e intimidado, o ex-presidente apareceu e depôs. Ficou sentado em uma cadeira no centro da sala, sendo inquirido por trogloditas. Crispado, ali estava quem um dia foi muito poderoso. Agora, não mais. Devidamente enquadrado, quem antes era um líder, dessa vez, produzia a imagem ideal para que fosse lembrado, na posteridade, como um criminoso. Os mais ávidos por destruí-lo cotidianamente poderiam guardar no bolso essa fotografia recortada e esfregá-la nas fuças de admiradores. Um artefato que pode ser sacado para provocar a vergonha no rosto de quem o encare, isso vale ouro. Mas, afinal, onde estamos? Que dia é hoje? De quem estamos falando? Estamos no Brasil, nos anos de 1956, 1958 e 1965. Esse presidente que foi xingado, odiado, constrangido e humilhado se chamava Juscelino Kubitschek. Pensou que se tratasse de quem? A maior façanha do povo brasileiro diante dessa História foi ter garantido que a memória de JK pudesse sobreviver ao cerco que contra ele montaram os grandes veículos de imprensa e o aparelho repressivo do Estado. Em alguns períodos, quando a democracia não é capaz de sustentar uma imprensa verdadeiramente livre, focada em seu trabalho de informar e revelar, e não de distorcer; não no trabalho de derrubar governos; e quando as organizações repressivas (policiais, militares ou judiciais) ganham vida própria e se acham a própria República (como foi a tal República do Galeão, feita contra Vargas em 1954), ambas se tornam cães de aluguel de interesses escusos. Por sorte, enquanto hoje todos sabem quem foi JK, ninguém mais se lembra dos nomes dos que o humilharam; dos que fingiam estar honrando a nação, limpando a República e salvando o país. Seus nomes figuram em letras muito miúdas dessa “página infeliz de nossa História”. O azar é que, como dizia Voltaire, a história não se repete, mas as pessoas sim. Haverá sempre uma multidão de trogloditas renascidos, dispostos a lustrar armaduras ocas de velhos cavaleiros e a empunhar vistosos estandartes que, por trás de uma ilusão de nobreza, fazem tremular um ódio insepulto contra adversários políticos. Adversários teimosos. Parecem que só podem ser derrotados se forem massacrados fisicamente. O que mais uma vez se repete é a sina por atacar uma democracia que, embora cheia de defeitos, ainda é melhor que qualquer regime ditado por trogloditas, os corruptos, os armados ou os togados.

Em 1970, os Tupamaros de Mujica contra Dan Mitrione, o mestre da tortura

Mitrione – O policial norte-americano e mestre em tortura Dan Mitrione foi enviado pelo governo daquele país ao Brasil e Uruguai para ensinar seu método de tortura que consistia em “provocar dor com precisão no momento preciso e na quantidade precisa para obter o efeito desejado”. Como cobaias em suas sádicas aulas, Mitrione usava presos e mendigos para demonstrar na prática como torturar sem deixar marcas em São Paulo, Montevidéu e Belo Horizonte. Na plateia, policiais e agentes dos regimes opressores da década de 60. Em uma das cenas do filme Estado de Sítio (1972), do diretor grego Constantin Costa-Gavras e censurado pela ditadura brasileira, que conta a história o rapto de Mitrione pelo grupo Tupamaros, há uma aula de tortura com a bandeira brasileira ao fundo. No início dos anos 80, o filme foi liberado com cortes. Dan Mitrione, com o nome fantasia de Philip Michael Santore, é interpretado pelo ator italiano naturalizado francês Yves Montand. Em 31 de julho de 1970, o grupo armado uruguaio Movimento de Libertação Nacional (MLN) ou Tupamaros, que tinha entre seus dirigentes o ex-presidente Pepe Mujica, raptou Mitrione e outras autoridades. Na ação, o norte-americano foi alvejado com um tiro acidental no ombro e recebeu auxílio dos guerrilheiros no cativeiro. Com o cerco se fechando ao MLN pelo aparelho repressivo montado pelo presidente Jorge Pacheco Areco (1920-1988), os Tupamaros pretendiam trocar Mitrione e os outros raptados por 150 militantes presos. O golpe militar no Uruguai viria cerca de 3 anos depois da ação dos Tupamaros, com o discurso do presidente Bordaberry, que, em 27 de junho de 1973, com o apoio das Forças Armadas, fechou o Legislativo e implanta uma violenta ditadura. Mujica participou de expropriações e raptos nesse período, em confronto com a polícia, foi ferido e preso, amargando mais de 13 anos na prisão. No filme de Gavras, um dos outros sequestrados é o cônsul Roberto Campos (no filme, se chama Fernando Campos), na verdade, o cônsul sequestrado foi Aloisio Gomide, mas Campos, que chegou a ser alcunhado de Bob Fields, pela sua obediência aos ditames do governo norte-americano, substitui Gomide no filme. É como se Gavras fosse guiado por um desejo oculto de incluir no filme um representante legítimo de lacaio de los gringos que pululavam nos governos do Cone Sul no período. Gomide passou 205 dias em poder dos Tupamaros. Foi libertado em troca de US$ 250 mil dólares que seriam usados pela guerrilha em novas ações. Como o governo uruguaio recusou-se a libertar os presos, o pedido de resgate foi a saída encontrada para a libertação do diplomata brasileiro. A esposa de Gomide chegou a participar até do programa do Chacrinha para solicitar colaborações para o pagamento aos Tupamaros. Os telespectadores animados com o recém-conquistado tricampeonato de futebol a ajudaram. Na época, a informação era escassa e a imprensa sofria forte censura. O plano dos Tupamaros começou a fazer água no dia 7 de agosto quando a polícia descobriu um de seus esconderijos e prendeu lideranças do grupo, inclusive a principal delas, o político e advogado Raúl Sendic. Após a ação, o MLN deu um ultimato ao governo uruguaio, que simplesmente o ignorou. O filme de Costa-Gavras mostra como até o próprio Mitrione entendeu que, com a recusa do governo uruguaio de negociar e a resistência dos americanos em intervir em prol de seu cidadão, não restava outra saída para os guerrilheiros. Mitrione foi morto aos 50 anos com dois tiros em 9 de agosto de 1970. O caso mostra como o clima da guerra fria e os recorrentes abusos cometidos pelos governos da época impulsionaram o radicalismo e a prática de ações violentas. Em diálogo do filme, guerrilheiro encapuzado mostra o espírito da época: Guerrilheiro – “Preparar um golpe demora muito tempo?” Dan Mitrione (vulgo Philip Michael Santore): “Na América Latina, não”. Guerrilheiro – “Nos Estados Unidos, vocês são mais rápidos, em alguns segundos, assassinam um presidente [John Kennedy foi assassinado em 1963 em Dallas e Abraham Lincoln em 1865] ”. Os Tupamaros tinham conhecimento das ações criminosas de Mitrione na América do Sul. A trajetória do funcionário do governo dos Estados Unidos, um ítalo-americano que nasceu na Itália em 1920, explicita a interferência do “irmão” do Norte nos assuntos domésticos de seus vizinhos do Sul. Na infância, Dan Mitirone imigrou com sua família para os Estados Unidos, serviu à Marinha durante a Segunda Guerra Mundial e depois começou a trabalhar no departamento de polícia da pequena cidade de Richmond, no estado de Indiana. Em 1955, tornou-se o chefe de polícia local. O FBI o recrutou como agente em 1959, no ano seguinte, ele foi trabalhar na área de assuntos externos do Departamento de Estado. No livro Brasil Nunca Mais, o estudante Afonso Celso Lana Leite, de 25 anos, preso em Minas Gerais e transferido para o Rio, denunciou ao Conselho Militar que o interrogou em 1970, ter sido torturado para uma assistência de oficiais no quartel da PE e na Vila Militar, seu relato: “no dia 8 de outubro, na Polícia do Exército 1, posto de Segurança Nacional, quando era ministrada uma aula, na presença de mais de cem pessoas, foram trazidos para aquela aula companheiros e, nesta ocasião, passaram filmes de fatos relacionados com torturas e em seguida era confimada com a presença do denunciado, sendo, naquela ocasião também torturados; ocasião esta que coincidente com o seu depoimento; que estas torturas, ou seja, as acima descritas se repetiram na Vila Militar”. Em 1960, Dan Mitrione já operava como agente em países da América Latina sob os auspícios do Escritório de Desenvolvimento Internacional de Segurança Pública, que mais tarde, mudaria o nome para Agência de Desenvolvimento Internacional, a conhecida AID (em inglês, Agency for International Development). Atuou na República Dominicana, e foi enviado para o Brasil após o golpe de 64. Na teoria, ensinava “técnicas avançadas de contra-insurgência”, na prática, treinamento anti-guerrilha e tortura. Estima-se que Mitrione treinou centenas de policiais no uso do cassetete elétrico e sobre os lugares mais dolorosos para os choques elétricos, entre

Comissão da Verdade suspeita de plano da ditadura para matar Glauber Rocha

Acusado de difundir calúnias contra regime militar no Brasil e classificado como “um dos líderes da esquerda no cinema”, sendo o que “mais atuava na campanha contra o país, na Europa”, o cineasta Glauber Rocha foi vítima de espionagem e perseguição pela ditadura. Na última sexta (16), a Comissão Estadual da Verdade do Rio revelou documentos produzidos pelas Forças Armadas contra o diretor. A entrega do dossiê militar à família foi feita no Parque Lage, na zona sul do Rio de Janeiro, com uma série de atividades que marcaram os 50 anos do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, completados no último dia 10. Oficialmente, Glauber morreu de septicemia, uma infecção, em 22 de agosto de 1981. Em outubro de 1976, Glauber Rocha gravou o velório de seu grande amigo, Di Cavalcanti. Assista ao curta e leia o texto. Produzidos pelo Serviço Nacional de Informação (SNI), os documentos compilam atividades do cineasta, declarações dadas aos jornais fora do país e lista artistas ligados a Glauber e que criticavam o regime militar, como, também o cineasta Luiz Carlos Barreto, apontado como “porta-voz da esquerda cinematográfica nacional”. Um dos documentos lembra que Glauber foi preso, por ter vaiado o presidente Castelo Branco, em 1965 e acusa o diretor de ter “difundido calúnias” ao denunciar a jornais ingleses torturas e perseguições no Brasil pela ditadura. O ator Othon Bastos, um dos personagens principais do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol é mencionado no dossiê do SNI como o favorito de Glauber e citado por “conhecido envolvimento político e ideológico”. Presente ao evento na Comissão da Verdade, Bastos disse que ficou surpreso com a revelação. “São tantas pessoas famosas aqui e estou entre um deles, eu não sabia de nada”. A presidenta da Comissão Estadual da Verdade, Nadine Borges, destacou que os documentos encontrados no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro contém marcas que expressam a intenção dos militares de eliminar Glauber. Ela se referia as palavras “morto”, em lápis, no alto do dossiê, na primeira página. “Recebemos a informação de um agente da repressão que atuou na época, que, em geral, era hábito escrever à mão um indicativo de ordem. Então, isso nos faz pensar que ele estava marcado para morrer. Por sorte, ele se exilou antes”, comentou. A presidenta cobra que o general José Antonio Nogueira Belham, que assina um dos documentos, preste depoimento para esclarecer esse e outros casos. Durante a revelação dos documentos, o cineasta Zelito Viana, parceiro de Glauber no filme o Dragão da Maldade, que venceu o Festival de Cinema de Cannes, e o Terra em Transe, que concorreu no mesmo festival poucos anos antes, lembra os tempos difíceis da ditadura. “Viver era arriscado no Brasil”, ressaltou. Ele levou Terra em Transe clandestinamente para participar do festival no França. Amigo de Glauber, Silvio Tendler destacou que a perseguição a Glauber, que se exilou em 1971, e às pessoas que contestavam o regime prejudicou o Brasil. “Aliás, prejudicou os artistas, os estudantes, os sindicalistas. A ditadura foi um preço muito alto para Nação. Sou de uma geração que desaprendeu a falar e estamos aprendendo a falar depois de velho. Antes, era tudo proibido”. Tendler lembrou também que Glauber foi um artista brilhante, mas não o único alvo da ditadura. “Eu e muito outros fomos perseguidos, como Joaquim Pedro de Andrade, que foi preso, e Olney São Paulo, barbaramente torturado”. No dossiê, estão transcritos ainda trechos de artigos de Glauber. Entre eles, uma justificativa para sua atuação, contra o regime. “O cinema não será para nós uma máscara, porque, o cinema não faz revolução – o cinema é um dos instrumentos revolucionários e para isto deve(-se) criar uma linguagem latino-americana, libertária e revelador”, disse à revista Cine Cubano, em 1971, segundo o SNI. Tribunal Regional Federal do RJ deve julgar acusados da morte de Rubens Paiva Ex-delegado Cláudio Guerra revela envolvimento de coronel da ditadura militar na morte de Zuzu Angel Decisão histórica da Justiça acata denúncia contra militares envolvidos na morte de Rubens Paiva Justiça barra ação contra militares acusados no caso Riocentro Instituto Vladimir Herzog denuncia Bolsonaro na ONU por comemorações do golpe de 64    

Lula alerta para o perigo da negação da política

Lula discursou por mais de uma hora no 4º Encontro de Blogueiros e Ativistas Digitais na sexta (dia 16 de maio) e falou sobre a imprensa, Copa do Mundo, protestos e uma perigosa onda de despolitização que contamina boa parte da sociedade brasileira. Se, de um lado, uma juventude ocupa constantemente às ruas em busca de um novo protagonismo político, de outro, parte significativa da classe média (nova ou velha, pouco importa) tem glorificado o discurso apolítico. Faça um teste simples: comente em um elevador de um prédio de classe média que a política não serve para nada e todo político é corrupto e sua chance de agradar é alta. O blog Zonacurva esteve presente no discurso de Lula ao lado de blogueiros,  ativistas digitais e políticos como o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, o candidato ao governo de São Paulo pelo PT, Alexandre Padilha. A midiazona como Folha de São Paulo, O Globo e TV Bandeirantes (programa CQC) também estiveram no evento organizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. “Se não estivermos dispostos a discutir, a negação da política prevalece e todo mundo passa a ser igual. Ninguém presta. Todo mundo vai para a mesma vala. E quando se tenta negar a política, o que vem depois da política é muito pior. Citem um exemplo de um país que melhorou depois da negação da política? A negação da política dá em Musolini, Hitler ou no golpe militar como foi aqui no Brasil em 64… Temos que convencer as pessoas que, em vez de negar a política, que elas façam política” (trecho do discurso de Lula) Ao tentarmos entender os porquês desse cenário, nos deparamos com algumas motivações como a ausência da consciência do papel da política no cotidiano, a falta de educação política nas escolas e que os 25 anos de democracia não foram suficientes em preencher o vácuo no debate político entre a maioria dos brasileiros durante os 21 anos de ditadura militar. Mas o que me parece mais relevante como causa desse clima é a aposta da imprensa corporativa em um discurso raso e alienador baseado no ódio  que subestima a capacidade de análise do leitor/espectador. O exemplo disso foi a própria cobertura do discurso de Lula. A manchete da Folha no sábado distorceu uma fala de Lula e estampou uma manchete tragicômica: Para Lula, cobrar metrô em estádio é babaquice. A Folha só fez mais do mesmo. O irônico é que a Folha ‘cobre’ um evento que aborda, entre outros assuntos, os abusos da grande imprensa e lá comete mais um. A história completa da ‘cobertura’ da midiazona ao evento pode ser lida no Blog da Cidadania. Para a formação de uma imprensa mais livre não basta apontar a sordidez e os absurdos praticados pela mídia corporativa, apelidada de forma certeira de PIG (Partido da Imprensa Golpista). Vale frisar que há exceções na grande imprensa, é claro, mas, infelizmente, exceções nesse caso só confirmam a regra. “Nunca vi tanta violência de ataque preconceituoso contra um governo como eu vejo contra a Dilma hoje” (Lula na sexta) Não resta dúvida sobre a relevância da luta pela pluralidade na imprensa e o combate à concentração dos meios de comunicação nas mãos de meia dúzia de famílias no Brasil. Mas cabe a nós, jornalistas, também a busca de soluções criativas que consigam furar os esquemas viciados da grande imprensa. Muitos blogues e sites estão aí para provar que é sempre possível. Infelizmente, a imprensa alternativa resiste a duras penas sem ou com pouca grana. Enquanto isso, os anúncios do governo recheiam com milhões de reais a burra dos barões da mídia. Em recente pesquisa, os Marinhos da Rede Globo foram apontados como os mais ricos do país. “Hoje eu tenho mais consciência da briga pela regulação da mídia do que eu tinha ontem e Deus queira que amanhã eu tenha mais consciência do que eu tenho hoje porque quanto mais aumenta a consciência da gente, sentimos mais vontade de lutar” (Lula) A quem serve o Judiciário brasileiro? Protestos na Copa Como nos estádios a venda de bebida alcoólica está proibida, Lula afirmou que não vai aos jogos e prefere assistir aos jogos em casa bebericando sua cerveja. O ex-presidente afirmou que sente orgulho de ter trazido a Copa e as Olimpíadas para o Brasil.. “O México já fez duas Copas e na última Copa no Brasil, a gente só exportava café. A Copa é uma oportunidade extraordinária de mostrar a beleza desse povo alegre que é resultado de uma miscigenação. A Copa do Mundo é mais do que um evento esportivo, é um encontro de civilizações”. Descontraído, Lula afirmou que não tem medo de que os protestos possam atrapalhar o evento e sim de que o Brasil perca novamente o Mundial em casa como na Copa de 1950. “Agora vou ficar com medo de greve, de passeata, sempre tivemos isso, a minha bursite é de carregar faixa de greve, eu vou ser contra agora… nós temos que tentar garantir que as pessoas assistam aos jogos” (Lula)   Assista à entrevista completa de Lula: Lula no covil do pato Este texto não é sobre Lula  

Comissões da verdade preparam relatório sobre a relação entre empresas e ditadura

A Comissão Nacional da Verdade e a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” realizaram o seminário “Como as empresas se beneficiaram e apoiaram a ditadura militar” no dia 15 de março na Assembleia Legislativa de São Paulo. O evento foi uma iniciativa do grupo de trabalho “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical” e reuniu pesquisadores, jornalistas e sindicalistas que apresentaram publicamente estudos que apontam diversos nomes de empresas que contribuíram com o Golpe de 1964. A advogada Rosa Cardoso, membro da CNV que coordena o GT Trabalhadores, disse que é importante conhecer esse capítulo da história para entender a participação civil e empresarial na ditadura. “Vamos esclarecer no nosso relatório um conjunto de questões que fazem parte do pedigree da ditadura. A responsabilização tem que ser discutida com aprofundamento”. Para Adriano Diogo, presidente da Comissão “Rubens Paiva”, o detalhamento das ações das empresas em apoio à ditadura e a repressão é importante. “Defendemos punição aos torturadores e podemos fazer uma analogia com as empresas que induziram ou fizeram crimes similares aos que os militares perpetram contra o povo brasileiro”, destacou. A jornalista Denise Assis, que trabalha na Comissão Estadual da Verdade do Rio, identificou em suas pesquisas fundamentos ideológicos usados pelos golpistas para convencer empresários a apoiar a Ditadura que estava sendo planejada. Os mesmos fundamentos foram aplicados em escolas para convencer os jovens. Enquanto isso estava sendo feito, às vésperas do Golpe, uma pesquisa de opinião pública sobre as reformas de base do governo de João Goulart apontava aprovação de mais de 70% da opinião publica, mostrando que os conspiradores não tinham apoio popular, lembrou Ivan Seixas, coordenador da Comissão “Rubens Paiva”. A jornalista encontrou no Arquivo Nacional 14 vídeos de propagandas que deram origem ao seu livro intitulado “Propaganda e Cinema a Serviço do Golpe (1962-1964)”. Os filmes eram exibidos na televisão e nos cinemas. Segundo Denise Assis, as empresas Listas Telefônicas Brasileiras, Light, Cruzeiro do Sul, Refinaria e Exploração de Petróleo União e a Indústria de Comércio e Minerais (Icomi) arcavam com mais de 70% das contribuições. “Os filmes foram utilizados para convencer os principais empresários do país a financiar os golpistas. Um conjunto de 125 empresas contribuiu. Na época, o valor arrecadado foi de quatro milhões de cruzeiros que fora utilizado na compra de espaço na mídia, para plantar o sentimento de insatisfação na população. Conseguiram, em 1964, com domínio da opinião publica, incutir que o país estava um caos. Com o desdobramento do Golpe, o Ipês, que tinha equipe de quase 500 espiões, ajudou a formar o Serviço Nacional de Informação (SNI) que foi denunciado pelo deputado federal Rubens Paiva. E este pagou com a vida [e está desaparecido até hoje]”, destacou Denise. O jornalista Jorge José de Melo analisou o financiamento da Operação Bandeirantes (OBAN), que antecedeu o DOI-Codi paulista, responsável pela tortura, morte e desaparecimentos durante a Ditadura. Melo participou da realização do documentário “Cidadão Boilesen”, sobre Henning Albert Boilesen, executivo do Grupo Ultragás que fazia a arrecadação de financiamento ilegal da ditadura, principalmente equipando os centros de tortura e extermínio. Entre os entrevistados do filme, está o ex-governador paulista Paulo Egydio Martins, que detalhou abertamente sobre doações feitas ao II Exército com dinheiro e equipamentos. Pedro Henrique Pedreira Campos, mestre em história, estudou sobre empresas nacionais de construção civil, principalmente no setor de obras públicas. Segundo Pedro Campos, as principais empresas do setor foram formadas no período anterior à ditadura e entre 1964-1985 tiveram grande crescimento do seu capital. “Hoje essas empresas são conglomerados. Se multiplicaram com outros nomes, de porte internacional, como a Odebrecht e a Camargo Correa. Os grupos que se fortaleceram naquele momento hoje possuem amplo poder econômico e político no Brasil atual”, contou o pesquisador. Marlon Weichert, procurador regional da República, disse que a responsabilidade de empresas é um tema até o momento negligenciado. “O Direito Internacional já se dedicou bastante sobre a responsabilidade das empresas e dos empresários. Após o Tribunal de Nuremberg, a ONU aprovou diversos princípios de direito internacional em relação a crimes de guerra e crimes contra a humanidade. A partir daí, houve a discussão sobre a responsabilização das empresas”, explicou o procurador. “Um caso bastante famoso é relativo ao produto Zyklon B, um inseticida que proporcionava morte rápida de pessoas e que os nazistas utilizaram nas câmaras de gás de Auschwitz contra judeus. O fornecedor foi condenado. Segundo a Comissão Internacional de Juristas, sem o auxilio das empresas não seria possível realizar os crimes de guerra. Quando as empresas delatam seus funcionários ou apoiam com fornecimento de armas, veículos, combustível, transporte, compra de bens, a iniciativa privada assume a posição de cúmplice”, explicou Weichert. O sindicalista Sebastião Neto, articulador do GT dos Trabalhadores, afirmou que é de grande importância mostrar como foi formado o forte esquema de repressão aos trabalhadores, cujo mecanismo foi aperfeiçoado ao longo dos anos.

Febeapá e o nosso eterno Festival de besteira que assola o país

Febeapá – Basta um breve passeio pelos jornais, twitter ou facebook, para constatar que o FEBEAPÁ (Festival de Besteira que assola o país) continua mais ativo do que nunca. O festival foi criado por Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo do escritor e jornalista Sérgio Porto. Escritos por Stanislaw Ponte Preta, os três volumes do FEBEAPÁ foram publicados entre 1964 e 1968 e atacavam em forma de ácidas crônicas à ditadura militar. Garanto que o ilustre Stanislaw viria a concordar que o festival de sandices não é de uso privativo de regimes de exceção. Nas últimas décadas, o cronista teria volumosa matéria-prima para rechear as páginas de livros e mais livros de FEBEAPÁ. Caso em que a criatura ficou mais popular que o criador, Stanislaw ironizou os primeiros anos do regime dos generais. Porto morreu, com apenas 45 anos, de um fulminante ataque cardíaco em 30 de setembro de 1968, cerca de dois meses antes da decretação do tenebroso AI-5. O próprio Stanislaw Ponte Preta explica melhor seu FEBEAPÁ (a ‘redentora’ do texto era o codinome do golpe militar): “É difícil ao historiador precisar o dia em que o Festival de Besteira começou a assolar o País. Pouco depois da “redentora”, cocorocas de diversas classes sociais e algumas autoridades que geralmente se dizem “otoridades”, sentindo a oportunidade de aparecer, já que a “redentora”, entre outras coisas, incentivou a política do dedurismo (corruptela do dedo-durismo, isto é, a arte de apontar com o dedo um colega, um vizinho, o próximo enfim, como corrupto ou subversivo – alguns apontavam dois dedos duros, para ambas as coisas), iniciaram essa feia prática, advindo daí cada besteira que eu vou te contar” (Febeapá 1, p.5) O carioca Sérgio Porto iniciou sua carreira jornalística como crítico de cinema no Jornal do Povo, de propriedade do Barão de Itararé (pseudônimo do jornalista Aparício Torelly) nos anos 50. Foi também cronista esportivo, repórter policial, além de ter trabalhado na televisão e no rádio. De alguma forma, há parentesco entre o trabalho de Stanislaw e o do ‘nobre cronista’de sangue azul’. Saiba mais sobre o impagável Barão de Itararé   Frases de Stanislaw Ponte Preta  “O sol nasce para todos. A sombra para quem é mais esperto” “Se mosquito fosse malandro, mordia antes e zunia depois” Tirando a própria mulher, a gente deve recomendar tudo aquilo que experimentou e gostou “Mais inútil do que um vice-presidente” “Basta ler meia página do livro de certos escritores, para perceber que eles estão despontando para o anonimato” “O mal do Brasil é ter sido descoberto por estrangeiros” (Deputado Índio do Brasil, Assembleia do Rio)”.   Os personagens de Stanislaw Sérgio Porto criou Stanislaw Ponte Preta quando escrevia para o Diário Carioca, em 1951. Mas, foi em 1955, no jornal Última Hora, de Samuel Wainer, que segundo o amigo Paulo Mendes Campos, “ficou famoso de um mês para o outro”. No jornal de Wainer, Porto criou uma galeria de personagens: Tia Zulmira, Primo Altamarindo, Rosamundo, o superdistraído, entre outros. Sérgio Porto, em entrevista psicografada pelo jornalista Sérgio Cabral ao Pasquim, explica sua relação ‘esquizofrênica’ com Stanislaw: “De fato, Stanislaw foi criado junto comigo e, praticamente, é meu irmão de criação. Moramos na mesma casa, tivemos a mesma infância e muitas vezes comemos do mesmo prato. Hoje, no entanto, embora vivendo ambos do jornalismo, já não somos ligados; raramente nos vemos, poucos são os nossos gostos comuns e acredito que seria uma temeridade da minha parte se continuasse companheiro fraterno do irriquieto autor” O também cronista Paulo Mendes desvenda Tia Zulmira e Primo Altamarindo (vale a pena ler o texto em que Paulo relembra o amigo no blog do Instituto Moreira Salles): Tia Zulmira é uma dessas criaturas que acontecem: saiu de Vila Isabel, onde nasceu, por não achar nada bonito o monumento a Noel Rosa. Passou anos e anos em Paris, dividindo quase o seu tempo entre o Follies Bergère, onde era vedete, e a Sorbonne, onde era um crânio. Casou-se várias vezes, deslumbrou a Europa, foi correspondente do Times na Jamaica, colaborou com Madame Curie, brigou nos áureos tempos com Darwin, por causa de um macaco, ensinou dança a Nijinski, relatividade a Einstein, psicanálise a Freud, automobilismo ao argentino Fangio, tourear a Dominguín, cinema a Chaplin, e deu algumas dicas para o doutor Salk. Vivia, já velha mas sempre sapiente, num casarão da Boca do Mato, fazendo pastéis que um sobrinho vendia na estação do Méier. Não tinha papas na língua e, entre muitas outras coisas, detestava mulher gorda em garupa de lambreta. Primo Altamirando também ficou logo famoso em todo o Brasil. O nefando nasceu num ano tão diferente que nele o São Cristóvão foi campeão carioca (1926). Ainda de fraldas praticou todas as maldades que as crianças costumam fazer dos 10 aos 15 anos, como, por exemplo, botar o canarinho belga no liquidificador: foi expulso da escola primária ao ser apanhado falando muito mal de São Francisco de Assis. Pioneiro de plantação de maconha do Rio. Vivendo do dinheiro de algumas velhotas, inimigo de todos os códigos, considerava-se um homem realizado. E, ao saber de pesquisas no campo da fecundação em laboratório, dizia: “Por mais eficaz que seja o método novo de fazer criança, a turma jamais abandonará o antigo.”   A culpa do Pasquim é toda do Stanislaw O cartunista Jaguar, que ilustrou as crônicas de Stanislaw Ponte Preta, conta como Sérgio Porto inspirou a criação do Pasquim:  “o embrião do Pasquim  foi gerado em setembro de 1968, no dia em que morreu Sérgio Porto, sobejamente conhecido como Stanislaw Ponte Preta. Ele era responsável pela Carapuça, tabloide semanal de humor. Na verdade, o jornaleco poderia continuar indo para as bancas. O autor dos textos, de cabo a rabo, era Alberto Eça, que conseguia fazer uma imitação razoável do jeito de escrever do fero cronista. O pessoal do ramo sabia que o estilo de Stan era inimitável, mas dava para engabelar a plebe ignara… Mas como explicar aos leitores?… Tarso [de Castro] encontrou-se comigo no Jangadeiros [bar carioca] e quis saber minha opinião. “Melhor fechar e abrir outro jornal”, sugeri”

A resistência de jornalistas na ditadura

O curta-documentário Imprensa Paulista na Ditadura (1964-1985) dá voz a algumas figuras do jornalismo paulista, como Raimundo Rodrigues Pereira e Bernardo Kucinski, que sofreram nas redações os anos de chumbo da Ditadura Militar. Produzido pelos alunos do curso de comunicação da FITO (Faculdade Instituto Tecnológico de Osasco), o vídeo demonstra o interesse de jovens estudantes na história de resistência de abnegados jornalistas contra o arbítrio e censura do regime de exceção. O esforço dos estudantes nos faz ignorar a locução amadora do vídeo. Entrevistado pelos estudantes, o professor da ECA-USP Bernardo Kucinski é autor de profundo estudo sobre a imprensa alternativa na época. No livro Jornalistas e Revolucionários, Kucinski escreve: “a imprensa alternativa surgiu da articulação de duas forças igualmente compulsivas: o desejo das esquerdas de protagonizar as transformações institucionais que propunham e a busca, por jornalistas e intelectuais, de espaços alternativos à grande imprensa e à universidade. É na dupla oposição ao sistema representado pelo regime militar e às limitações à produção intelectual-jornalística sob o autoritarismo, que se encontra o nexo dessa articulação entre jornalistas, intelectuais e ativistas políticos”.   O apoio da grande mídia ao golpe de 64

E se não existissem as aulas de Educação, Moral e Cívica

Nos início dos anos 80, o adolescente classe média que não estava diretamente ligado ao combate ao regime de exceção que os militares nos impuseram por 21 anos, percebia algo errado quando ia assistir ao seu programa favorito e era avisado que o mesmo tinha sido liberado por uma tal de censura federal. Para quem não se lembra: Noutro dia pela manhã, entre as aulas do colegial, o estudante estranhava os livros recheados de bandeiras, símbolos pátrios e palavras de ordem daquelas duas matérias de nome pomposo: Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira. Ele não sabia que ambas foram impostas por um decreto lei a partir de 1969 em substituição às aulas de Filosofia e Sociologia, consideradas subversivas pelo regime. Ao assistir ao documentário O dia que durou 21 anos, imagino como teria sido diferente o destino brasileiro sem a censura federal e o OSPB. Como viveríamos hoje se os milhares presentes no histórico comício de Jango na Central do Brasil, em 13 de março de 1964, que exigiam mudanças na estrutura do Estado brasileiro, tivessem suas demandas atendidas? E, se, a Reforma Agrária tivesse sido feita no início dos anos 60? Com respostas não tão fáceis, recorro à máxima de um folclórico comentarista de futebol que sempre dizia que no esporte bretão o ‘se’ não entra em campo, na política, também não. Leia mais sobre o Comício de Jango na Central do Brasil O filme de Camilo Tavares, filho do jornalista Flávio Tavares (um dos 15 presos trocados pelo embaixador norte-americano Charles Elbrick em sequestro de 1969), poderia ser adotado nos colégios para elucidar o adolescente de hoje sobre como se deu o golpe militar de 1964. O forte envolvimento do governo Lyndon Johnson no golpe militar foi provocado em grande parte ao medo patológico do perigo vermelho por parte do governo dos Estados Unidos e da possibilidade do surgimento de uma revolução semelhante à cubana (1959) na América do Sul. No filme, John Kennedy, que foi assassinado em 22 de novembro de 1963, poucos meses antes do golpe, discursa no sentido de que tudo seria feito para impedir que os aliados do governo norte-americano se aproximassem do comunismo. Detalhe: Jango nunca foi comunista. Em conversa do embaixador americano Lincoln Gordon, um dos artífices do golpe de 64, e o presidente Kennedy, antecessor de Johnson, Gordon alerta que é melhor dar um basta em Jango já que ele pode ser um novo “ditador populista como Perón”. Os áudios originais das conversas entre a alta cúpula da Casa Branca e, principalmente, Gordon, e os telegramas entre a embaixada ianque e a Casa Branca, presentes no documentário, são testemunhos históricos irrefutáveis da ingerência dos Estados Unidos na política interna brasileira. Creio que uma de nossas tarefas mais importantes consiste em fortalecer a espinha militar. É preciso deixar claro, porém com discrição, que não somos necessariamente hostis a qualquer tipo de ação militar, contanto que fique claro o motivo. (Lincoln Gordon) Em 20 de março de 1964, Johson autorizara a formação de uma força naval para intervir no Brasil. A decisão foi tomada em reunião na Casa Branca e contou com a presença de Gordon e a cúpula do Departamento de Defesa. Assista ao trailer do filme: O mentiroso discurso pela democracia e liberdade de Kennedy (sensação déjà vu de ter ouvido o mesmo na boca de Bush, pai e filho, Ronald Reagan…) justificou a criação de institutos de pesquisa pelos Estados Unidos como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) para o financiamento das campanhas de deputados federais e estaduais e de até 8 candidatos a governador. O professor Peter Kornbluh explica que essa é a política “feijão com arroz da CIA para desestabilizar governos”. Os vídeos produzidos pelos institutos e exibidos em cinemas e empresas criaram o pânico que levou às senhoras da Tijuca e do Catete a lotar as ruas na Marcha da Família com Deus pela Liberdade em oração contra Jango e Brizola. A marcha deu coragem ao general Mourão Filho, que reuniu uma pequena tropa e resolveu antecipar o golpe. O cômico depoimento da filha de Mourão conta que seu pai tomou um pito de Castelo Branco pela pressa. Mourão não esmoreceu e foi entregar o golpe a Costa e Silva, que segundo ela, “estava dormindo, de cuecas”. Segundo presidente do regime militar, Costa e Silva deslumbra-se em cena do filme ao ser recebido na Casa Branca. De certa forma, somos um país mais moderno ao menos pelo fato de não convivermos mais com figuras dantescas como Costa e Silva no coração do poder. Políticos lamentáveis como Jair Bolsonaro e Coronel Telhada infelizmente são eleitos, mas são mantidos bem distantes dos centros decisórios de nossa política. Hoje, após mais de uma década dos fatos narrados no documentário de Tavares, a história deve ser contada com detalhes às novas gerações para que estudantes não tenham que aprender EMC, somente o E= mc². (texto atualizado em 31 de março de 2015)   O grito da Passeata dos Cem Mil contra a ditadura militar

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