Zona Curva

50 anos do golpe militar

Nem só as mães eram infelizes na ditadura militar

“Cabelo comprido e minissaia. Se tivéssemos proibido, se todas as mães do mundo tivessem proibido essa liberdade quando começou, protegido os corpos de nossos filhos, se nós tivéssemos proibido que eles se juntassem para aquelas danças de uns anos atrás eles não estariam assim, loucos, se nós tivéssemos proibido a pílula, proibido que se falasse em pílula nos jornais, meu Deus, se eu tivesse uma filha eu acho que morreria de preocupação, ficava doida, ter de olhar dentro da bolsa, ler as cartas escondidas, ouvir as conversas, proibir certas leituras, isso sim, se os jornais não pudessem falar de sexo, se tivéssemos proibido que tirassem a roupa nos teatros, nos cinemas, nas praias, esses hippies sem-vergonha fumando maconha e fazendo sem-vergonhices pelados na frente dos fotógrafos, isso deveria ser proibido publicar, é nossa obrigação defender os olhos dos nossos filhos contra essas liberdades, a gente deveria ter obrigado todos eles a cortarem o cabelo, agora é tarde, estão aí pelas ruas, correndo e gritando, brincando com fogo, fumando maconha, Carlinhos não, Deus me livre, até se ofendeu quando eu perguntei: “tá por fora, mãe, a minha é outra”, outra?, que linguagem é essa?, você quer o que na vida?, “tudo”, disse ele, “nós queremos tudo”” — trecho do capítulo Preocupações (de uma senhora mãe de um rapaz) do livro A Festa, do jornalista e escritor mineiro Ivan Ângelo, em que uma mãe reacionária está aflita com  o engajamento de seu filho Carlinhos no movimento estudantil na ditadura militar. O livro A Festa, de 1976, foi um dos primeiros  livros a retratar os conflitos políticos do período. Para isso, o escritor monta um caleidoscópio com contos que narram supostos acontecimentos da época. Reunidos, os textos podem também formar um romance. Com o livro, Ângelo venceu o Prêmio Jabuti de 1976.  

50 anos do golpe militar: Instituto Moreira Salles revive o clima cultural de 64

O Instituto Moreira Salles (IMS) do Rio de Janeiro dedica boa parte de sua programação deste ano a eventos relacionados ao clima cultural de 1964, ano do golpe militar, que completa 50 anos no próximo mês. O projeto denominado Em 1964 conta com uma exposição que faz o visitante reviver o momento do golpe militar de 1964. Com base em seu extenso arquivo fotográfico e documental, o instituto criou um site especialmente para o evento, acesse! Imagens, textos e crônicas, trechos de filmes, depoimentos da época, entre outros, e mais material produzido hoje completarão a experiência numa espécie de túnel do tempo para o ano do golpe. Leia mais sobre os 50 anos do golpe militar Em 1964 propõe uma imersão neste momento decisivo para o país a partir do ponto de vista de artistas e intelectuais cujos acervos estão sob a guarda do IMS ou que têm vínculos diretos com suas atividades. O instituto irá organizar outros shows ao longo do ano (um deles dedicado à obra de Baden Powell), além de debates e encontros. Como parte do evento, o instituto pretende lançar em março o DVD do filme Cabra Marcado Para Morrer, de Eduardo Coutinho (1933-2014), com material inédito produzido pelo documentarista nos últimos anos. Serviço Em 1964 Instituto Moreira Salles (Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea). Entrada franca. Visitação de terça a domingo, das 11h às 20h. Até novembro de 2014.

Documentário revive as origens do golpe militar

O documentário 1964, um golpe contra o Brasil, do jornalista Alípio Freire, recria o clima da época do golpe militar de 1964. Lançado em março de 2013, o documentário foi realizado em parceria entre o Núcleo Preservação da Memória Política e a TVT – Televisão dos Trabalhadores. Leia texto sobre o “O dia que durou 21 anos”, filme que também aborda o golpe de 64  O escritor e jornalista baiano Alípio Freire, que foi preso político entre 1969 e 1974, explica que a motivação para a realização do filme veio da falta de informação dos mais jovens sobre o início do regime militar brasileiro. Ele declarou ao blog Viomundo: “o Núcleo [de Preservação da Memória Política] pensou em um vídeo capaz de informar aos mais jovens o que foi o pré-golpe e o golpe para que se entendam os interesses de classe em jogo no Brasil naquele momento”. O fime narra os acontecimentos entre a renúncia de Jânio Quadros e a posse do general Castelo Branco, em 1964. O ministro do Trabalho do governo João Goulart, Almino Afonso, prova como Jânio tentou um golpe com sua renúncia em 1961. Afonso lê trechos do livro A História do Povo Brasileiro, que Jânio escreveu ao lado de seu ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos. O livro revela como a mente delirante de Jânio funcionava: sua renúncia “deixaria o país acéfalo” e com Jango em viagem oficial na China, Jânio, que já tinha acordo e apoio dos ministros militares, voltaria ao poder ‘dentro de novo regime institucional’. Leia texto Zonacurva sobre o papel de Brizola na posse de Jango após a renúncia de Jânio Quadros   O filme também retorna à polêmica sobre a ‘frágil’ reação de Jango diante do avanço dos militares golpistas. O presidente gaúcho temia que tomássemos o rumo de Coréia e Vietnã, que mergulharam em sangrenta guerra civil e foram divididos em dois. O livro Jango, a vida e morte no exílio, do jornalista e professor Juremir Machado da Silva, cita trecho do livro João Goulart: recuerdos en su exilio uruguayo, sobre a ida de Jango ao Uruguai poucos dias após o golpe. Com a palavra, o presidente exilado João Goulart: “Eu me senti isolado do resto do país em Porto Alegre e desolado diante da única perspectiva que tinha pela frente: uma guerra fratricida”. [O senhor foi repetidamente rotulado de comunista e…]  “Não sou nem nunca fui comunista. Minha política foi eminentemente nacionalista. Foram os monopólios nacionais e estrangeiros que fomentaram a revolta, preocupados com as leis de nacionalização do petróleo e da reforma agrária…” Alípio Freire explica as motivações para a realização do documentário: Fontes: Blog Viomundo e livro Jango, a vida e morte no exílio, de Juremir Machado da Silva (editora L&PM, 2013). O grito da Passeata dos Cem Mil contra a ditadura militar

O AI-5 mergulhou o país na escuridão

AI-5 – Em 13 de dezembro de 1968, o governo militar do Marechal Costa e Silva baixava o Ato Institucional número 5, o infame AI-5. Entre as resoluções do AI-5, o governo fechou o Congresso Nacional, deu-se a prerrogativa de suspender os direitos políticos de qualquer cidadão por 10 anos, cancelou o habeas corpus para crimes políticos e proibiu atividades e manifestações. Quem se atrevesse, sofreria severas penalidades. Para garantir a “ordem”, os quartéis mantiveram-se em rigoroso regime de prontidão, e as Polícias Federal, Militar, Civil e a Guarda Civil foram mobilizadas em todo o seu contingente. O ato foi a resposta do regime militar às mobilizações populares de 1968, “o ano que não terminou”. O pretexto para a promulgação do AI-5 veio do duro pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves no dia 2 de setembro no quase vazio plenário da Câmara em resposta à violência do regime na ocupação da Universidade de Brasília. Alves pediu aos pais que não levassem seus filhos aos desfiles de 7 de setembro e aconselhou às mulheres dos militares a não “estabelecerem relações” com seus maridos até que a democracia fosse restaurada. Os deputados governistas pediram sua cassação e, no dia 12 de dezembro, o Congresso negou o pedido. O próprio Márcio Moreira Alves explica seu discurso: “foi um discurso de cinco minutos baseado na história de Lisístrata que era uma peça sobre as mulheres de Atenas … foi aí que me deu a ideia de fazer essa provocação, mas era uma coisa sem importância”   A peça teatral Lisístrata, do grego Aristófanes, a que o deputado refere-se, estava sendo encenada em São Paulo pela atriz Ruth Escobar. Lideradas pela ateniense Lisístrata, as mulheres decidem instituir uma greve de sexo até que seus maridos parasseem a luta e estabelecessem a paz. No final, graças às mulheres, as duas cidades celebram a paz. A anti-memória de Costa e Silva Em uma homenagem às avessas ao ditador Costa e Silva, hoje pela manhã, o Colégio Estadual Costa e Silva, em Nova Iguaçu (RJ) abandonou o nome e passou a se denominar Colégio Estadual Abdias do Nascimento, em homenagem ao artista e ativista negro.   O documentário “AI-5, o dia que não existiu” Em 2011, com produção da TV Cultura, o jornalista Paulo Markun lançou o documentário AI-5, o dia que não existiu, que narra o dia de 12 de dezembro de 1968 em que a Câmara dos Deputados desafiou à ditadura e negou a cassação do deputado Marcio Moreira Alves. O filme conta com depoimentos de Marcio, Mario Covas, Jarbas Passarinho, entre outros. A ideia do documentário surgiu quando Markun teve contato com os arquivos do dia 12 que tinham desaparecido dos registros da Câmara. A papelada histórica do dia foram preservados graças à funcionária pública na época, Ana Lúcia Brandão, que os divulgou em 2010. Assista ao teaser do documentário: Como a ditadura chegou ao 5 No detalhado trabalho de pesquisa de Beatriz Kushnir no livro Cães de Guarda —jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988, entendemos os outros atos institucionais do regime militar: O AI-1, de 9/4/1964, que nasceu para ser o único e foi apenas o primeiro … permitiu ao Estado que casasse 378 políticos, reformasse 122 policiais, exonerasse cerca de 10 mil funcionários públicos e interrogasse aproximadamente 40 mil pessoas. Em 27/10/1965, o AI-2 baixou 36 atos complementares e puniu 309 políticos. Após a retumbante derrota eleitoral dos candidatos governistas nos pleitos de Minas Gerais e da Guanabara, onde a oposição venceu as eleições disputadas em 1965, veio o AI-3 em 5/2/1966, que estabeleceu pleitos indiretos para governadores, cabendo a estes nomear o prefeito das capitais e dos municípios, transformados em áreas de segurança nacional. A constituição de 1967 teve como meta incorporar os atos de exceção e, no palco das encenações que também é a arena política, apresentar as diretrizes pós-1964 devidamente ordenadas, fazenda da restrição a regra. Pelo AI-4, de 7/12/1966, o Congresso foi reaberto para institucionalizar e sagrar a nova carta. Fontes: livro Cães de Guarda —jornalistas e censores , do AI-5 à Constituição de 1988, de Beatriz Kushnir (editora Boitempo), blog de Mario Magalhães e Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas. Ministério Público de São Paulo denuncia legista Harry Shibata por ocultar assassinato da ditadura Exposição Ai-5 50 ANOS no Instituto Tomie Ohtake  

JK foi assassinado, afirma Comissão da Verdade de SP

A Comissão da Verdade da Câmara de Vereadores da cidade de São Paulo afirmou no dia 10 de dezembro de 2013 que o presidente Juscelino Kubitschek foi assassinado em 22 de agosto de 1976. Segundo a versão oficial, JK foi vítima de acidente na Dutra. As suspeitas de assassinato em complô armado pela ditadura militar sempre cercaram a morte do ex-presidente. “Há indícios incontestáveis de que o motorista do carro do ex-presidente fora atingido por um projétil antes do carro colidir contra um caminhão que vinha do lado contrário da Dutra. Toda aquela história de que o Opala onde estava Juscelino e o motorista dele fora atingido por um ônibus da viação Cometa é armação”, afirmou o presidente da comissão, o vereador Gilberto Natalini (PV). As  causas da morte de Jango também têm sido investigadas, saiba mais. A grande novidade da investigação da comissão é o depoimento de Ademar Jahn, que dirigia um caminhão na rodovia Dutra. Segundo matéria do jornal Folha de São Paulo  (11 de dezembro), Jahn declarou que viu “o motorista de JK, Geraldo Ribeiro, debruçado, com a cabeça caída entre o volante e o automóvel, não restando dúvida de que se encontrava desacordado e inconsciente, e já não controlava o veículo antes do impacto”. Outras duas histórias (já de conhecimento público) foram alvo de investigação da comissão. A primeira trata do artefato e o buraco encontrados no crânio do motorista do ex-presidente, Geraldo Ribeiro. O perito criminal Alberto Carlos de Minas relatou que, na exumação de Ribeiro em 1996, foi impedido por agentes do Estado de fotografar o crânio do motorista. A Comissão pediu à Justiça mineira por uma nova exumação do motorista e aguarda uma resposta. Especula-se que o artefato tenha desaparecido. A segunda história tem como protagonista Josias Nunes de Oliveira, o motorista do ônibus que teria colidido na traseira do Opala que viajava JK. Ele sempre negou que tenha causado o acidente. Mais 9 passageiros do ônibus ouvidos pela comissão negaram a colisão. Nunes ainda relatou que foi procurado por dois homens que passando-se por repórteres de um jornal lhe ofereceram uma mala de dinheiro para que assumisse a culpa pelo acidente.  “JK era sobretudo um homem dotado de uma simpatia irradiante, um calor humano excepcional, extremamente bom, generoso, tolerante e liberal”,  jornalista Samuel Wainer no livro “Minha razão de viver”   Juscelino e a Operação Condor Em entrevistas recentes, em ocasião do lançamento de seu livro “O essencial de JK”, o jornalista, escritor e biógrafo de JK, Ronaldo Costa Couto, afirmou que Juscelino estava na lista da Operação Condor. A Condor uniu a CIA e as ditaduras da América do Sul na repressão aos opositores dos regimes da época. A comissão apontou ligações entre a morte de JK e a de Orlando Letelier, na época ex-chanceler do Chile. Letelier foi morto num atentado a bomba na capital norte-americana Washington, em 21 de setembro de 1976, menos de um mês após a morte de Kubitschek. As investigações da comissão basearam-se em carta do coronel chileno Manuel Contreras Sepulveda, chefe do DINA, centro de informações chileno. Na carta de Sepulveda a João Baptista Figueiredo, diretor do SNI (Serviço Nacional de Informações) do Brasil, lê-se: “o plano proposto por você para coordenar nossa ação contra certas autoridades eclesiásticas e conhecidos políticos social democratas e democratas cristãos da América Latina e Europa conta com o nosso decidido apoio”. A união da esquerda progressista em prol de um projeto nacional de desenvolvimento

A busca pelo fim do mistério sobre a morte de Jango

Morte de Jango – Ontem, dia 1º de dezembro de 2014, a equipe de peritos coordenada pela Polícia Federal informou que não encontrou veneno na perícia nos restos mortais de João Goulart. Porém, a análise que durou cerca de um ano pode ser considerada inconclusiva já que a passagem do tempo pode ter apagado os vestígios de um possível envenenamento. A família de Jango não está satisfeita com o resultado e diz que continua na busca pelos motivos da morte do ex-presidente. Jango morreu em 6 de dezembro de 1976 e, há 38 anos, não há resposta conclusiva para uma das perguntas mais intrigantes da recente história brasileira: o ex-presidente João Goulart foi envenenado por agentes da ditadura brasileira? Jango morreu na cidade de Mercedes, na Argentina, no exílio. Desde 2007, a família de Jango pedia a exumação do corpo, já que não houve autópsia na ocasião da morte e sua certidão de óbito indica como causa: enfermidad. Em novembro do ano passado, os restos mortais do ex-presidente foram exumados e transportados pela Força Aérea Brasileira (FAB) para Brasília no dia 14 de novembro, quando foi realizada uma cerimônia com honras de chefe de Estado. Após os exames necessários, o corpo de Jango voltou para sua cidade natal em 6 de dezembro. O documentário Dossiê Jango (lançado em julho de 2013), de Paulo Henrique Fontenelle, conta como a presença de Goulart incomodava a ditadura argentina e investiga a teoria de envenenamento do presidente deposto em operação dos governos do Brasil e da Argentina, com o auxílio da CIA. O filme reconstrói a história do golpe de 64, que completa 50 anos. O documentário O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares, também abordou o golpe civil-militar de 64. Leia texto sobre o filme. O filme de Fontenelle tenta esclarecer outra dúvida histórica: por que Jango não resistiu ao golpe militar? O ex-governador baiano Waldir Pires, que ocupou o cargo de consultor-geral no governo Jango, afirma que “Jango temia muito uma divisão do Brasil como aconteceu na Coréia e Vietnã”. O filho de Jango, João Vicente, faz coro, orgulhoso da sensatez paterna: “meu pai evitou uma guerra civil no Brasil”. João Vicente protagoniza o clímax de Dossiê Jango quando, sob o disfarce de repórter da TV Senado, revela sua real identidade ao ex-agente uruguaio da Operação Condor (ação conjunta dos governos militares do Cone Sul na caça aos opositores), Mario Barreiro Neira. O último afirma que participou da espionagem e do cerco a Jango na Argentina e revela que Jango foi envenenado por ordem direta do presidente militar Ernesto Geisel. Neira atualmente está preso no Brasil por roubo e contrabando de armas. O envenenamento de Jango teria sido feito por meio da troca de medicamentos que Jango tomava por sofrer de problemas cardíacos. O filme mostra a terrível coincidência da morte de 16 pessoas que, de alguma forma, tiveram conexão com o assassinato. O filme ainda aborda a improvável coincidência das mortes consecutivas de Lacerda, Juscelino e Jango em circunstâncias suspeitas.   E se Jango foi assassinado? Em exercício de futurologia, imaginemos o que ocorrerá caso as suspeitas revelem-se verdadeiras. No mínimo, outras perguntas ficarão no ar: quem são os culpados pelo envenenamento? eles serão punidos? quem foi o responsável pela ordem de assassinar o presidente deposto? Uma coisa é certa: no mínimo, existirá a necessidade de reimpressão dos livros de História. A exumação de Jango acontece em momento curioso. A um ano da eleição presidencial, os ânimos entre direitistas e esquerdistas transformaram a web e, em particular o twitter, em ambiente conflagrado. A investigação da morte de Jango deve acirrar ainda mais as opiniões contrárias. O diretor Silvio Tendler, autor do documentário Jango, de 1984, foi vítima de um episódio que demonstra o retorno de uma certa truculência no debate político. Em março do ano passado, houve um tumulto entre policiais e manifestantes no protesto contra a ‘celebração’ do aniversário do golpe no Clube Militar do Rio de Janeiro. Tendler foi intimado a prestar depoimento na delegacia em queixa-crime movida pelo Clube Militar. O surreal do episódio é que Tendler não estava presente no protesto, estava em casa recuperando-se de uma cirurgia. Há quase um ano, o diretor está em uma cadeira de rodas. A única atitude do documentarista relacionada ao protesto foi a gravação de um vídeo de apoio ao ato.   Jango, por Tendler O documentário Jango, de Tendler, mostra em quase duas horas uma verdadeira biografia cinematográfica de João Goulart. Tendler já abordou em seus documentários figuras ímpares como Glauber Rocha (Glauber, o filme – Labirinto do Brasil, de 2003) e Juscelino Kubitschek (Os anos JK, de 1980). Em entrevista à jornalista Eleonora Lucena, o diretor lembra como surgiu a ideia de realizar seu filme. “Li no jornal que o Raul Ryff, que tinha sido secretário de imprensa do Jango, estava com umas cópias de filmes de visitas do Jango a China e a URSS. Telefonei para ele – eu não o conhecia – e pedi para vê-las … Ele me convidou para jantar e atacou de bate-pronto: ‘Por que não fazes um filme sobre o Jango?’” O filme lotou as salas durante o período das Diretas Já e chegou a um milhão de espectadores. Inclusive a música “Coração de Estudante”, que acompanha o final  do documentário, foi a música que simbolizou a luta pelas eleições diretas para Presidente. Assista ao filme na íntegra: [su_youtube_advanced url=”https://youtu.be/1O4SZQZ-ikk”]   (texto atualizado em 2 de dezembro de 2014) No enterro de Jango, o começo de uma caminhada

Como Brizola adiou o golpe militar após a renúncia de Jânio Quadros

Em 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou à Presidência da República. O abandono do cargo por Jânio jogou o país no colo dos militares. Graças à atuação do governador do Rio Grande do Sul na época, Leonel de Moura Brizola, os planos de golpe dos setores conservadores do país foram adiados. Infelizmente, a tomada do poder pelos militares aconteceu dois anos e meio mais tarde, o que afundou o país no obscurantismo político por mais de duas décadas. Na ocasião da renúncia de Jânio, o vice-presidente João Goulart estava em viagem oficial a China e os ministros militares queriam impedir sua posse no retorno. Os ministros chegaram a ameaçá-lo de prisão quando retornasse ao país por suas supostas ‘ligações como o comunismo internacional’. Do mesmo partido de Jango (o PTB de Getúlio Vargas) e seu cunhado, Brizola liderou a chamada Cadeia da Legalidade, movimento que mobilizou vários setores da sociedade em apoio à posse de Goulart. O vice-presidente Jango havia sido eleito legitimamente na eleição de outubro de 1960. Ele era o candidato a vice da chapa de Henrique Teixeira Lott, que foi derrotado por Jânio. Na época, as eleições de presidente e vice eram separadas. Opondo-se aos militares, o governador Brizola formou uma rede de estações de rádio e passou a transmitir da sede do governo gaúcho, o Palácio Piratini, programas e discursos em defesa da Constituição, que garantia a posse do vice. Brizola chegou até a propor que João Goulart marchasse do Rio Grande do Sul até Brasília para tomar posse. Jango não aceitou. Para evitar o confronto, foi adotado o Parlamentarismo. Jango assumiu como chefe de Estado em 7 de setembro de 1961 e Tancredo Neves assumiu como primeiro-ministro. Documentário Brizola – tempos de luta O documentário Brizola – tempos de luta, de 2007, realizado pelo escritor e cineasta Tabajara Ruas, mostra vários momentos da trajetória do político gaúcho: sua infância, o casamento com Neusa com Getúlio Vargas como padrinho, o exílio, a volta ao Brasil e vários outros episódios de sua agitada biografia. Os vários trechos de entrevistas de Brizola em seu tom teatral são um aperitivo de seu forte carisma. O ex-presidente Lula afirma que as carreatas com Brizola na Baixada Fluminense impressionavam pela verdadeira adoração que a população local tinha por ele. Os esforços de Brizola para democratizar o acesso à educação tanto nos primórdios de sua carreira política no Rio Grande do Sul como com os CIEPS (Centro de Integração de Educação Pública) no Rio de Janeiro, e os desafios à Vênus Platinada nos recordam de sua luta contra duas chagas brasileiras: os gargalos sociais do acesso à educação e o enfrentamento do oligopólio das telecomunicações. Rever Cid Moreira em leitura de duro texto de Brizola contra Roberto Marinho no JN da TV Globo é sempre impagável. No filme, ainda assistimos a presidente Dilma Rousseff, originária do PDT (partido de Brizola), e o líder do MST (Movimento dos Sem Terra) João Pedro Stédile tecendo loas ao líder gaúcho, além de muitos outros depoimentos de personagens da vida política brasileira e mundial, como o ex-primeiro ministro português Mário Soares. O autor do documentário, o também escritor Tabajara Ruas já havia abordado os anos de chumbo no Brasil em seu belo romance histórico O amor de Pedro por João, de 1998, em que narra a história de dois exilados políticos. Ruas produziu a obra quando vivia também exilado em Copenhague, na Dinamarca. Em relatório recentemente divulgado pela CIA (central de inteligência estadunidense), e, que na época foi enviado ao governo brasileiro, comprova como, mesmo no exílio no Uruguai, no final da década de 60, Brizola tentou organizar a resistência à ditadura. (Texto atualizado em 24 de agosto de 2014) Brizola: “julgamento de Lula foi um teatro” Brizola: “eu tirei o dó da minha viola“    

Saudades dos tempos orgiásticos

Em uma de suas poucas entrevistas, o jornalista Ivan Lessa explicou um dos motivos de seu auto-exílio em Londres. Ele tinha medo da realidade destruir suas memórias da joie de vivre desfrutada no Rio nas décadas de 60 e 70: “eu era feliz e sabia, aquilo era de uma intensidade orgiástica”. Me contamino de saudosismo e imagino um tempo em que jornalistas não se fechavam em discussões provincianas e divisões em turminhas de fora ou de dentro do eixo. Os que valiam a pena eram a priori e naturalmente sem eixo e não se jactavam disso. Lessa morreu em 8 de junho de 2012, aos 77 anos e morou em Londres de 1978 até sua morte no ano passado. Na redação do lendário Pasquim, conheceu dois de seus maiores amigos, Paulo Francis e Jaguar. Com o último, Lessa criou o ratinho Sig, de Sigmund Freud, símbolo do Pasquim, baseado na anedota que dizia que se “Deus criou o Sexo, Freud criara a sacanagem”. Ainda no Pasquim, Lessa conviveu com figuras como Millôr Fernandes, Ziraldo, Tarso de Castro, entre outros. Na última década de vida, passou a andar em má companhia, tornou-se amigo do deplorável Diogo Mainardi, que despeja suas sandices no panfleto ordinário que atende por Veja e no Manhattan Connection, do canal GNT. Tradutor de inúmeras obras, Lessa foi autor do livro de contos Garotos da Fuzarca (1986) e dois de crônicas: Ivan vê o mundo (1999) e O luar e a rainha (2005). Lessa trabalhou por anos na rádio e no site da BBC Brasil, onde escrevia três colunas por semana quando morreu (vale a pena dar um pulinho por lá). A inspiração para a carreira jornalística e literária veio do sangue. Bisneto de Julio Ribeiro, autor do romance A Carne, de 1888, que causou escândalo na época de sua publicação por abordar temas como o amor livre e o divórcio, Ivan Lessa é filho do escritor Orígenes Lessa e da cronista Elsie Lessa. Segundo o filho, sua mãe “foi meio injustiçada”, referindo-se à falta de reconhecimento de seu trabalho (Elsie escreveu para o jornal O Globo sem cessar por inacreditáveis 48 anos). Além de cronista e jornalista, Lessa foi também ótimo frasista. “Baiano não nasce, estreia” e “todo brasileiro vivo é uma espécie de milagre” exemplificam sua mordacidade. Em entrevista concedida ao jornalista Alberto Dines em 2001, Lessa fala sobre o Pasquim, sua paixão pela música brasileira, Paulo Francis, os jornais ingleses, sua família e outros assuntos. Dois anos antes, em 1999, em outra entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto, Lessa nos recorda da canção Nossos Pais, imortalizada por Elis Regina. Na canção, Elis canta a plenos pulmões que “qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa”. Para Lessa, o mesmo pode se aplicar à literatura: “ao ler Ana Karenina, você se empolga, acompanha a mulher até ela se jogar embaixo de um trem, mas, se você se lembrar dessa meia hora na praça ou num jardim, evidentemente essas experiências, têm, em você, um impacto pessoal que a literatura jamais vai dar”. http://www.zonacurva.com.br/cinco-anos-sem-o-velho-lobo/

A resistência de jornalistas na ditadura

O curta-documentário Imprensa Paulista na Ditadura (1964-1985) dá voz a algumas figuras do jornalismo paulista, como Raimundo Rodrigues Pereira e Bernardo Kucinski, que sofreram nas redações os anos de chumbo da Ditadura Militar. Produzido pelos alunos do curso de comunicação da FITO (Faculdade Instituto Tecnológico de Osasco), o vídeo demonstra o interesse de jovens estudantes na história de resistência de abnegados jornalistas contra o arbítrio e censura do regime de exceção. O esforço dos estudantes nos faz ignorar a locução amadora do vídeo. Entrevistado pelos estudantes, o professor da ECA-USP Bernardo Kucinski é autor de profundo estudo sobre a imprensa alternativa na época. No livro Jornalistas e Revolucionários, Kucinski escreve: “a imprensa alternativa surgiu da articulação de duas forças igualmente compulsivas: o desejo das esquerdas de protagonizar as transformações institucionais que propunham e a busca, por jornalistas e intelectuais, de espaços alternativos à grande imprensa e à universidade. É na dupla oposição ao sistema representado pelo regime militar e às limitações à produção intelectual-jornalística sob o autoritarismo, que se encontra o nexo dessa articulação entre jornalistas, intelectuais e ativistas políticos”.   O apoio da grande mídia ao golpe de 64

O medo da falta de memória

A exibição do filme Hoje, da cineasta Tata Amaral, em evento da Clínica do Testemunho no Sedes Sapientiae, foi na noite anterior (dia 9 de maio) ao depoimento do coronel Carlos Brilhante Ustra na Comissão da Verdade, em Brasília. Em verdadeiro surto, Ustra negou qualquer responsabilidade nas torturas praticadas pelo famigerado DOI-CODI, que comandou nos anos 70. O Zonacurva descreveu como o medo ainda assombra as vítimas do regime militar no texto sobre o lançamento da Clínica do Testemunho (leia em http://zonacurva.com.br/presos-politicos-no-diva/). O sentimento torna-se mais que justificável ao constatarmos que Ustra goza tranquilamente sua aposentadoria e tem a coragem de enfrentar a nossa memória (ou a falta dela) com arrogância. O criminosos Ustra tenta se defender. Assista:   A exibição do filme de Tata Amaral e posterior debate da cineasta com a documentarista e psicanalista Miriam Chnaiderman e a psicanalista Maria Cristina Ocariz lotou o auditório do Sedes. A Clínica do Testemunho é parceria do Instituto Sedes Sapientiae com a Comissão da Anistia do Ministério da Justiça. A clínica atenderá todos os anistiados políticos afetados direta ou indiretamente pela violência de Estado no regime militar. O belo filme de Tata Amaral foi lançado nos cinemas no momento em que as discussões sobre as arbitrariedades do regime militar voltam à tona. Inexplicável é que, após poucas semanas de seu lançamento, Hoje ocupe poucas salas de cinema em horários ingratos. O longa trata da história de Vera (Denise Fraga), que recebe indenização pelo desaparecimento do marido, Luiz (interpretado pelo ator uruguaio César Troncoso), e compra apartamento no centro da cidade de São Paulo. O filme coloca a protagonista em situação de estresse que beira à claustrofobia, cenário semelhante ao primeiro filme de Tata, Um céu de estrelas (1996). O clima favorece um verdadeiro acerto de contas de Vera com o passado. O desinteresse do grande público pelo filme de Tata talvez tenha explicação em sua fala no debate após o filme: “somos uma sociedade que ainda aceita a tortura, nesse momento, muitos ainda são torturados no país”. Fantasmas à solta

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