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O desafiador surgimento do “quinto poder” na política nacional

Quinto poder – Até agora as redes sociais eram vistas apenas como um território sem lei onde predominavam a fofoca, os boatos, as fake news e as diatribes pessoais. Mas, desde as eleições do ano passado, e principalmente depois da posse do capitão aposentado Jair Bolsonaro, redes como Facebook, Twitter, YouTube e WhatsApp passaram a ser também o espaço para o exercício do poder presidencial, colocando-nos diante de uma gigantesca incógnita política. A constituição brasileira estabelece que o país seja governado por três poderes (executivo, legislativo e judiciário), mas a realidade é bem outra. No jargão político, garante-se que há um quarto poder — a imprensa. E agora as novas tecnologias digitais dão lugar a um “quinto poder”, formado pelas redes sociais virtuais, que vai nos obrigar a uma ampla reeducação política e mudanças radicais em nosso comportamento social. Inicialmente, acreditava-se que as redes, abertas a qualquer pessoa, seriam a opção preferida da esquerda , historicamente carente de acesso aos meios de comunicação em massa. Mas, para surpresa de muita gente, foram os grupos conservadores e de extrema direita que mais benefícios conseguiram na ocupação política do espaço cibernético no Brasil. As redes sociais viabilizaram o fim dos 14 anos de hegemonia do Partido dos Trabalhadores e foram o principal instrumento para que a direita conquistasse, nas eleições de 2018, a Presidência da República, bem como o controle das duas casas do Congresso Nacional. O surgimento deste “quinto poder” na arena política marca o início de uma verdadeira revolução no comportamento dos eleitores e uma quebra de paradigmas nas normas que regulam o funcionamento das instituições, sem que seja possível, por enquanto, vislumbrar o desfecho do processo que deu ao cidadão comum o inédito poder de opinar e agir em qualquer assunto. A única coisa que é possível prever é que as mudanças serão muitas e grandes já que as redes conferem um maior protagonismo ao eleitor comum num espaço político ainda desconhecido por muitos. Os jornais e as rádios dominaram o cenário político brasileiro desde a Proclamação da República, em 1889, até os anos 70, quando a televisão passou a monopolizar as atenções eleitorais. Segundo os pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas, Marco Aurélio Ruediger e Lucas Calil, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, a evolução das tendências políticas passou a ser medida em horas e não mais em dias e semanas como aconteceu na ultima eleição para a presidência da mesa diretora do Senado Federal. Milhares de micro mensagens de eleitores a senadores via redes sociais levaram os parlamentares a mudar de posição várias vezes num mesmo dia. O vale tudo parlamentar O Partido Social Liberal (PSL , de direita) , ao qual pertence o presidente Bolsonaro, que teve apenas seis segundos de espaço na propaganda eleitoral gratuita na televisão, conseguiu o espantoso feito de passar de um único deputado na câmara federal eleita em 2014 para 52 deputados na atual composição do legislativo nacional. Um resultado obtido basicamente graças à viralização de mensagens conservadoras pelas redes sociais. Os resultados obtidos na manipulação do “quinto poder” levaram tanto Bolsonaro como os 243 novos deputados federais e os 45 senadores também novatos no Parlamento, eleitos no ano passado, a mudarem radicalmente o seu comportamento público. Eles esnobaram a imprensa como canal de comunicação com a sociedade e transformaram seus celulares em verdadeiras metralhadoras giratórias virtuais disparando mensagens políticas em todas as direções e sobre qualquer assunto. Os debates em plenário na Câmara e no Senado passaram a ser apenas panos de fundo para incessantes articulações via Twitter, blogs individuais e Facebook . As negociações entre partidos também ficaram condicionadas ao poder das redes, como pode ser visto na eleição da nova mesa diretora de Assembléia do Estado de São Paulo, quando adeptos dos vários candidatos ao cargo travaram uma batalha online onde os valores éticos tradicionais foram atropelados impiedosamente. A posição dos parlamentares oscilou em função dos desejos dos internautas manifestados de forma passional e caótica em micro mensagens pelo Twitter. As redes sociais criaram também um ambiente propício à veiculação de notícias falsas, fora de contexto ou apenas parcialmente verdadeiras, um fenômeno que deu origem às chamadas “bolhas” políticas. São espaços virtuais formados por pessoas que compartilham as mesmas opiniões e que pelo fato de excluírem vozes divergentes geram sectarismos, xenofobias e o temível discurso do ódio. Esta é a razão pela qual as campanhas eleitorais pelas redes sociais tendem a se tornar tão violentas e sectárias. A revista Épocareproduziu um estudo da organização IDEA-Big Data segundo a qual 98,2% dos eleitores de Bolsonaro receberam notícias falsas pelas redes sociais e 89,77% deles as consideraram dignas de crédito. Os influenciadores O “quinto poder” deu origem a um novo personagem político, os chamados “influenciadores”, ativistas online possuidores de um grande número de seguidores em redes sociais e cujas opiniões são amplamente compartilhadas entre usuários da internet. O auge da participação dos “influenciadores” ocorreu pouco antes das eleições no ano passado, mas a presença deles continuou intensa depois da posse de Bolsonaro por meio de “bolhas” de seguidores pressionando o novo presidente a escolher ministros e projetos de interesse de igrejas evangélicas e movimentos ultraconservadores. Entre os influenciadores mais badalados está Olavo de Carvalho, um controvertido personagem que vive nos Estados Unidos, tem 500 mil seguidores só na rede Facebook, mas que indicou dois ministros (Educação e Relações Exteriores) e é considerado o principal guru da extrema direita brasileira. O que mais preocupa cientistas políticos como Sergio Abranches e Heloisa Starling é a possibilidade das redes sociais virtuais abrirem caminho para a prática de uma “democracia direta” onde as grandes questões nacionais sejam decididas por plebiscitos online nos domínios do “quinto poder”. A abertura do espaço político a qualquer indivíduo dotado de um celular, tablet ou computador com acesso à internet, gera um desafio ao mesmo tempo apaixonante e intimidador. Publicado originalmente na página MEDIUM do professor Carlos Castilho. O binômio fake news/redes sociais nos impõe novos comportamentos políticos A verdade assassinada  

O binômio fake news/redes sociais nos impõe novos comportamentos políticos

As fake news deixaram de ser apenas um dilema jornalístico para se tornar uma questão politica capaz de mudar os rumos de um país. A ampliação do alcance do problema está diretamente associada à vertiginosa veiculação de notícias falsas através das redes sociais, criando um desafio ainda maior e mais relevante. Esta é mais uma das consequências da ampliação do uso das novas tecnologias de comunicação e informação (TICs), responsáveis por uma sucessão de quebras de modelos sociais, políticos, culturais e econômicos, que pode ser ainda mais importante do que a deflagrada pela invenção dos tipos móveis, no século XV, por Johannes Gutenberg. Estamos diante de um tríplice dilema cuja analise só pode ser feita de forma integrada porque o efeito conjunto é muito maior do que a soma das consequências de cada componente isoladamente. As fake news disseminadas por redes sociais geram percepções também falsas que por sua vez alimentam posicionamentos políticos e ideológicos que por sua vez realimentam o ciclo de polarizações cada vez mais divorciadas da realidade. Os projetos de checagem de informações promovidos por organizações jornalísticas são importantes, mas incapazes de abranger o incomensurável universo informativo que nos cerca. Podem servir para restituir parte da credibilidade perdida pela imprensa, mas se o fact checking não for concebido dentro de uma estratégia mais ampla, a verificação noticiosa acabará sendo pouco atrativa para as pessoas diante da avalancha informativa na internet. A isto se some o papel das redes sociais que hoje se transformaram em negócios bilionários justamente porque facilitam e aceleram o fluxo de mensagens interpessoais, que inevitavelmente incluem também notícias falsas e desinformação. A rede Facebook, por exemplo, está hoje no centro de uma polêmica mundial por sua resistência em abrir a caixa preta dos algoritmos que controlam a veiculação de mensagens entre os seus 2,3 bilhões de usuários no mundo inteiro. Quanto maior o fluxo de mensagens maior o faturamento das redes que logicamente não querem abrir mão de sua mina de ouro, seja ela do Facebook, Whatsapp, Google, Twitter ou YouTube. A dinâmica das redes se apoia no velho principio de “quem narra um conto aumenta um ponto”, o que inevitavelmente alimenta a polarização seja ele política, ideológica ou de costumes. O resultado é combustível para governos ultraconservadores, para terroristas e desequilibrados mentais. O fracasso das iniciativas judiciais visando acabar com a disseminação de mentiras e meias verdades deixou o jornalismo como o principal responsável pela checagem e denúncia de informações falsas, distorcidas ou fora de contexto. A fluidez estrutural do ambiente das redes sociais facilita a migração de usuários para outras redes como as ultra direitistas Gab e Voat, caso Facebook, Twitter ou Whatsapp venham a ser regulamentadas . Há ainda outras redes, como Telegram , que podem servir de refugio para grupos radicais. Pesquisas na Alemanha mostraram que o movimento anti-refugiados árabes é mais forte em cidades com maior número de usuários de redes sociais. Na Ásia, nas Filipinas e Myanmar, o Facebook tornou-se a plataforma mais usada para que grupos xenófobos e racistas organizem atos de violência, incluindo linchamentos e terrorismo. A combinação de fake news com ativismo em redes sociais já configura uma nova realidade politica conservadora com a qual teremos que lidar daqui por diante. Estamos ingressando num período onde o uso da informação como arma politica começa a atingir um patamar inédito em nosso comportamento social. Como já não conseguimos mais verificar o grau de veracidade de todas as notícias que recebemos diariamente, o recurso que nos resta passa a ser buscr ajuda na identificação da origem e possíveis objetivos das notícias sob suspeição. A desinformação deixa de ser um fenômeno episódico para tornar-se um item incorporado aos dados, fatos e eventos com os quais entramos em contato, o que nos obriga a ter que relativizar todas as notícias que recebemos. As “fake news” não são um fenômeno passageiro A máquina eleitoral das fake Uma reportagem da Folha de São Paulo, publicada no dia dois de dezembro, mostrou como as empresas Quickmobile, Croc Services, SMS Market, Yacows, FDeep Marketing e Yaplix usaram CPFs de idosos para fraudar os registros legais para disparar milhões de mensagens visando condicionar a opção de voto de milhares de eleitores. O site Congresso em Foco monitorou identificou 123 notícias falsas na web brasileira e delas, 104 eram contrárias ao candidato Fernando Haddad, do PT. A eleição de Jair Bolsonaro é uma das primeiras consequências concretas da forma como as redes sociais interferem nos julgamentos políticos das pessoas. O uso do Facebook, Twitter e Whatsapp obedeceu a uma estratégia e procedimentos cuidadosamente elaborados contrastando com o uso amador e empírico feito pela campanha de Fernando Haddad. A justiça eleitoral inicialmente ameaçou medidas drásticas no inicio da campanha, mas depois teve que admitir sua incapacidade de garantir uma isenção informativa plena e confiável até o dia da votação. Desconfiar, duvidar e questionar tornaram-se comportamentos obrigatórios para sobreviver na selva das notícias falsas ou distorcidas, das meias verdades e dos fatos fora de contexto. Assistir um telejornal sem uma postura crítica vai chegar cada vez mais perto de uma atitude irresponsável porque nos tornará cúmplices da disseminação involuntária de informações enviesadas ou simplesmente falsas. Não há como fugir desta situação que também não é uma característica desta ou daquela posição politica ou ideológica. O viés, a adulteração e a descontextualização tornaram-se componentes do fluxo de noticias, seja qual for a sua origem ou o seu propósito. Os conservadores foram os que utilizaram a informação como arma politica, de forma mais sistemática e eficiente, mas as ferramentas são de livre acesso e não será surpresa se outros movimentos políticos passaram a usá-las. Publicado originalmente na página Medium de Carlos Castilho

As “fake news” não são um fenômeno passageiro

FAKE NEWS – Quem acha que a desinformação e as notícias falsas (fake news) são um fenômeno passageiro pode ir se preparando para conviver com elas por um longo tempo. Ambas são consequência de uma ruptura de modelos de produção, gestão e disseminação de informações que está afetando todo o modo de vida da sociedade contemporânea. A criminalização das fake news não resolve as incertezas e desorientação informativa que atingem hoje boa parte do público consumidor de notícias. Sanções legais podem reduzir a frequência de atitudes delinquenciais entre políticos, empresários, formadores de opinião e jornalistas, mas não afetam a natureza do fenômeno, cujas bases são muito mais profundas do que um mero desvio de comportamentos. A popularização dos computadores, da digitalização e da internet aumentaram de forma avassaladora a produção e disseminação de informações numa escala nunca vista antes pela humanidade. Tratam-se de inovações tecnológicas que estão provocando mudanças em todos os setores da sociedade, a começar pela quebra do modelo clássico de classificação dicotômica de fatos, eventos e dados. As “fake news” como estratégia eleitoral Desde Aristóteles, na Grécia antiga, a cultura europeia ocidental divide atitudes, ideias e decisões usando apenas dois parâmetros: boas ou más, corretas ou erradas, verdadeiras ou falsas, legais ou ilegais, justas ou injustas etc. Este modelo surgiu da necessidade de classificar fatos e comportamentos humanos num contexto em que a escassez técnica de informações não permitia avaliações mais amplas e detalhadas. Neste contexto, a busca da verdade era inevitavelmente um processo limitado e condicionado pelo poder de algumas pessoas e instituições de definir o que era certo ou errado, legal ou ilegal . A imprensa foi uma das instituições que assumiram um papel chave na determinação do que pode ser considerado verdadeiro ou falso. Ela não decidia sozinha neste tipo de julgamento, mas era o único veículo por meio do qual estes posicionamentos chegavam até as pessoas, condicionavam suas atitudes e sua visão do mundo. Os paradoxos da informação Quando a digitalização e a internet romperam as limitações no fluxo de informações impostas pelas tecnologias analógicas e mecânicas, houve uma quebra de modelos com consequências comparáveis à descoberta do fogo, da roda, da imprensa e da eletricidade. As novas tecnologias digitais alteraram radicalmente o papel que a informação tem na vida da maioria dos habitantes do planeta gerando facilidades nunca antes imaginadas, mas também graves conflitos entre velhos e novos comportamentos sociais, políticos e econômicos. Inevitavelmente a imprensa e o jornalismo acabaram no foco desta transição de modelos porque lidam com a informação, a matéria prima central em todo o processo de digitalização. Dai a relevância assumida pela polêmica em torno das fake news, pois elas afetam diretamente a confiança do público em jornais, revistas, emissoras de radio e televisão, ou conteúdos publicados na internet, justo os maiores fornecedores de insumos informativos para as pessoas. A transição de paradigmas jogou a imprensa num conflito interno do qual ela ainda não conseguiu sair. Se por um lado ela aderiu entusiasticamente às tecnologias digitais que facilitaram e baratearam a produção de noticias, por outro, jornais, revistas e o jornalismo audiovisual continuaram se comportando segundo o velho modelo da dicotomia clássica entre o bom e o mau, do verdadeiro e do falso. O deslumbramento inicial acabou e hoje a imprensa vive o drama da divisão entre duas maneiras de lidar com a informação: a visão da complexidade digital e a da simplicidade analógica limitada a apenas duas posições. As tecnologias digitais permitiram a multiplicação exponencial e diversificada de percepções, opiniões e posicionamentos, tornando evidente a complexidade das relações entre humanos, entre estes e os não humanos, animados ou inanimados. O resultado foi o de que muitos fatos, eventos e atitudes ao serem investigados ou descritos a partir da diversidade e complexidade acabaram apontando para conclusões diferentes das alcançadas por meio de recursos analógicos. O grande dilema É aí que reside o dilema da imprensa e do jornalismo diante das fake news. Um desafio que vai do enfrentamento da repetição incessante de uma mentira grosseira até que as pessoas passem a acreditar nela, como fazem o presidente Donald Trump e seus marqueteiros políticos, até o uso de sofisticadas técnicas de manipulação dos fluxos de informação para condicionar a forma como as pessoas percebem a realidade que as cerca. O surgimento, em todo mundo, de mais de cem iniciativas e projetos jornalísticos para combater as fake news pode até ajudar o público a perceber que nem tudo que é apresentado como verdade, faz jus ao nome. Mas não conseguirá tranquilizar as pessoas de que a aplicação de regras dicotômicas reduzirá a complexidade de fatos e eventos contemporâneos a uma simples decisão entre certo ou errado. Os donos de jornais podem ter a ilusão de que campanhas anti-fake newsrestabelecerão a credibilidade na imprensa. Mas talvez a melhor forma do jornalismo atenuar as dúvidas e incertezas na transição para a era digital seria mostrar para as pessoas como as coisas estão mudando, como aprender a conviver com inúmeras versões diferentes sobre um mesmo fato ou evento, como pesquisar uma notícia antes de passá-la adiante. Enfim como tomar consciência de que a informação está mudando nossos comportamentos, crenças e valores de uma forma absolutamente imprevisível e irreversível. Publicado originalmente na página Medium de Carlos Castilho. As “fake news” como estratégia eleitoral Eleições: por que vencem as mentiras (fake news)?

As “fake news” como estratégia eleitoral

por Carlos Castilho Ao que tudo indica não vamos discutir apenas candidaturas e propostas na campanha eleitoral para a votação do dia 7 de outubro. As notícias falsas, mais conhecidas pela expressão inglesa fake news, também entrarão no debate porque os candidatos e líderes partidários já incorporaram a manipulação informativa e o questionamento de credibilidade como estratégias eleitorais tão ou mais eficientes do que a temática política. A campanha eleitoral ainda está morna, mas o poder judiciário e os grandes conglomerados industriais da imprensa já se lançaram numa ofensiva midiática para marcar seu controle na definição dos códigos informativos que condicionarão o comportamento dos eleitores no debate sobre quem diz a verdade e quem está mentindo. A estratégia da justiça e da grande imprensa é condicionar o debate sobre credibilidade aos padrões adotados por ambas instituições, seja através de normas legais, seja por meio do uso de ferramentas informativas como verificação de veracidade ou checagem de fontes, mecanismos também conhecidos pelo jargão jornalístico fact checking. Nem o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e nem a mídia hegemônica informarão ao público que existe uma diferença significativa entre discurso e realidade na questão das fake news. O discurso assumido por quem tenta controlar os códigos informativos eleitorais vincula a questão da credibilidade a princípios morais e supostamente científicos sobre o que é ou não verdade. A eficiência do discurso depende da insistência com que ele for repetido com o objetivo de fixar determinadas ideias, ou códigos informativos, na mente dos eleitores. A realidade do debate sobre credibilidade noticiosa é bem outra. É muito difícil determinar o que é verdade e o que é mentira porque ambas são caracterizadas pela subjetividade, ou seja, são condicionadas pela visão de mundo de cada individuo. Já está provado cientificamente que não existe uma verdade absoluta, da mesma forma que uma mentira sempre tem alguma base real para que possa ter um mínimo de veracidade. Aceitar esta constatação implica diminuir o impacto das decisões do binômio justiça/imprensa, o que nenhuma das partes admite. Hoje, a avalancha de informações publicadas na internet aumentou incrivelmente a quantidade de versões e opiniões sobre um mesmo fato, dado ou evento, o que torna muito difícil estabelecer qual delas tem o privilégio de ser considerada a verdadeira. O máximo que se pode estabelecer é qual delas é a mais veraz, mas isto implica relativizar os padrões da justiça e da imprensa. Nossos dilemas diante da desinformação eleitoral A moderna luta pelo poder político A polêmica em torno das fake news é um exemplo clássico da moderna luta pelo poder na sociedade moldada pela informação digital. Não se trata mais de empregar a força para impor um conceito de verdade, o que equivaleria a usar o mesmo princípio da censura, mas de determinar quais os critérios, ou códigos informativos, que a opinião pública usará para condicionar a tomada de decisões individuais ou coletivas. A partir desta visão, o tema fake newstorna-se essencialmente político e não um problema moral. A classificação de uma notícia como falsa ou verdadeira é um processo complexo, demorado e sujeito a controvérsias. Os juízes TSE não dispõem de elementos técnicos e muito menos de tempo para promover uma investigação consistente sobre a veracidade de fatos, dados e eventos durante a campanha eleitoral. Por isto atribuíram à imprensa e aos institutos de verificação de dados a responsabilidade de promover a checagem das informações formalizando uma aliança informal que sujeitará os eleitores a critérios estabelecidos por organizações cujos métodos de verificação estão submetidos a questionamentos. Os Estados Unidos são hoje o cenário do mais sofisticado uso de estratégias políticas baseadas em fake news. O presidente Donald Trump diz o que bem entende partindo do princípio de que a repetição de uma notícia falsa e da desinformação acabará por tornar socialmente verdadeira uma afirmação. Por outro lado, tudo aquilo que contradiz a versão presidencial é taxado como notícia falsa, o que atinge a credibilidade da imprensa. Os posicionamentos e interesses políticos atropelaram a preocupação com a checagem dos fatos porque tanto o governo como a imprensa norte-americana têm estratégias sobre como manipular o debate público na questão das fake news. Isto leva o eleitor a ter que decidir sozinho o que pode ser mais ou menos verdadeiro. É uma tarefa difícil, mas de certa maneira benéfica porque nos leva a vivenciar concretamente as dúvidas e incertezas da era digital. LEIA OUTROS TEXTOS DE CARLOS CASTILHO EM SUA PÁGINA NO MEDIUM

Como as novas tecnologias e as notícias falsas impactam o jornalismo

por Elaine Tavares As novas tecnologias e a criação das redes sociais colocaram uma novidade na vida cotidiana de bilhões de pessoas: o acesso rápido às informações e também a possibilidade de produzi-las e distribuí-las. Assim, o que era até bem pouco tempo quase que exclusividade dos jornalistas ou formadores de opinião ligados aos meios de comunicação, passou a ser comum para qualquer pessoa no planeta que tenha acesso à rede mundial de computadores. Mas, o que parecia ser uma vitória da democracia tem mostrado que, no sistema capitalista de produção, nada mais é do que mais do mesmo. Isso porque nos últimos tempos o que se percebeu foi que as informações  que circulam na internet também estão dentro da forma-mercadoria geradora de mais-valia ideológica. A enxurrada de notícias falsas, fabricadas por empresas especializadas nesse fazer, tem servido para produzir “verdades” que servem aos interesses do capital e das forças que conformam o poder político e econômico do sistema. Conforme dados divulgados pelas Nações Unidas, nos países desenvolvidos 81% da população já tem acesso à internet, conformando 2,5 bilhões de usuários. Os países considerados em desenvolvimento têm 40% de conectados e nos empobrecidos 15%, somando juntos apenas um bilhão.  Já os que estão fora da bolha internética somam 3,7 bilhões, sendo que a maioria dos “desconectados” se encontra na África. Mas, apesar de tantos ainda estarem fora da rede, a possibilidade de entrarem está dada visto que a cobertura de celular já está disponível para 95% da população global. E também avançam os planos de internet para pobres no celular, que inclui apenas a possibilidade de acesso ao facebook e uatizapi, o que significa uma única empresa no controle do que as pessoas recebem de informação. Mesmo assim, ainda conforme as Nações Unidas, houve uma desaceleração do uso da internet, possivelmente provocada pelos altos preços do serviço. Já o acesso da internet nos domicílios tem outra geografia. No momento existem um bilhão de lares conectados, sendo que desse total 230 milhões estão na China, 60 milhões na Índia e 20 milhões nos 48 países menos desenvolvidos do mundo. Ou seja, a desigualdade é visível. Enquanto 84% das casas europeias têm internet, no continente africano apenas 15,4% possuem acesso em casa. Mas, apesar de a rede estar distribuída de maneira desigual, claramente conforme as possibilidades econômicas de cada país, a repercussão do que circula nas famosas “redes sociais” acaba chegando também nas pessoas que não tem acesso, visto que os meios de comunicação massivos tais como o rádio e a televisão estão tendo de subordinar-se ao que “bomba” na rede, reproduzindo assim os conteúdos mais compartilhados. Basta uma tarde de domingo na frente da TV aberta brasileira, por exemplo, e isso fica patente. Os programas de auditório das principais redes trazem as figuras e os temas que mais tiveram repercussão nas redes sociais. Esse é um dado importante porque tanto para a mídia eletrônica aberta, que é a que chega nos “desconectados”, quanto nas redes internéticas, o que vale é o que “bomba”, o que tem mais curtidas e comentários, mesmo que a informação ali contida não seja verdadeira ou não passem de bobagens. E é justamente nesse nicho que estão concentradas as notícias falsas, geralmente fabricadas por empresas especializadas a serviço de políticos ou de redes de poder. No Brasil, recentemente, a Câmara de Deputados promoveu um debate sobre esse tema visto que já existem na casa mais de vinte projetos de lei buscando regular ou coibir as notícias falsas na internet.  Para os representantes das entidades populares que participaram da reunião, esse é um tema que não pode ficar relegado a um parlamentar. Seria necessário um amplo debate público para que a sociedade pudesse participar e sugerir coisas. Isso porque a maioria dos projetos em tramitação trata de criminalizar os usuários ou as plataformas pela prática de compartilhamento das notícias falsas. Ora, isso não tem sentido algum. É preciso controlar aquelas empresas ou mesmo entidades que são as geradoras das mentiras. O fantasma da censura também aparece em muitas das falas dos representantes de entidades civis que discutem o tema porque muitos projetos apontam para saídas bastante complicadas como, por exemplo, tipificar criminalmente informações sem aprofundamento, sem deixar claro quem julgaria o que é sem aprofundamento ou qual nível de aprofundamento seria necessário para que fosse uma notícia veraz. Igualmente criminalizar as plataformas poderia gerar uma censura prévia, algo também muito complicado de se aceitar. Bia Barbosa, do Intervozes, acredita que a única lei em tramitação no Congresso que pode trazer contribuição de fato para o debate é a lei de proteção de dados pessoais, pois, segundo ela, é justamente a partir da coleta e do tratamento massivo de dados que se promove a construção de perfis individualizados de cidadãos na rede e é para esses perfis que as chamadas notícias falsas são disseminadas. Esse é, inclusive, o debate que acontece em nível mundial, tendo sido desatado pelas revelações de Edward Snowden, ao tornar público os programas de vigilância global efetuado por agências estadunidenses. Não por acaso ele está ameaçado de morte. Ele tocou no centro da questão: o controle dos dados pessoais. O mais sério de tudo isso é que a maior das redes sociais, o facebook, deixa bastante claro nas regras que apresenta para o usuário que todos os dados sobre ele estarão coletados e já se sabe que essas informações são usadas para oferecer produtos e ideias políticas. Tanto que o famoso “algoritmo” que define como a informação é distribuída na rede, cada dia mais se aperfeiçoa no sentido de criar guetos nos quais a pessoa é colocada, sem condições de receber outras informações divergentes. E a pessoa aceita isso. O tema é largo e ainda vai provocar muitos debates no campo da cidadania. Afinal, como já foi dito, qualquer pessoa pode produzir conteúdo. Mas, algo precisa ficar bem claro. Produção de conteúdo pessoal, feita por qualquer criatura no mundo, não é a mesma coisa que notícia. A notícia é um fazer específico do jornalista

O uso político da informação na cobertura do assassinato de Marielle Franco

por Carlos Castilho A manipulação e enviesamento de informações começam a configurar um fenômeno político cuja eficiência e resultados podem determinar o rumo futuro de eventos que por suas dimensões e transcendência são podem provocar uma ruptura social e institucional. É o que ficou evidente na análise dos desdobramentos do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) no dia 14 de março. A origem social e o perfil político da parlamentar não deixam dúvidas quanto a seu posicionamento como opositora radical dos governos municipal, estadual e federal. Além disso, no dia de sua execução ela publicou no Jornal do Brasil um texto no qual questionava duramente a intervenção militar no Rio de Janeiro. O contexto aponta claramente para um crime político para intimidar opositores de esquerda. Mas o que se viu no dia seguinte ao fuzilamento de Marielle e seu motorista Anderson Gomes foi a preocupação da imprensa e dos políticos, notadamente os conservadores, de classificar o crime como um atentado à democracia. Uma distorção sutil, mas capaz de gerar uma percepção pública bem diferente daquela que poderia ser inferida a partir das posições políticas da vereadora eleita com 45 mil votos, nas eleições de 2016. A manipulação do noticiário logrou deslocar o eixo da comoção pública do terreno ideológico para o institucional, por meio do recurso da identificação do crime como uma ameaça ao regime democrático. O objetivo desta estratégia informativa pode ser interpretado como uma tentativa de dissociar o crime de uma inevitável polarização entre direita e esquerda e, ao mesmo tempo, condicionar a opinião pública a defender um sistema que no momento é controlado por políticos conservadores. O uso da informação para alterar contextos e percepções políticas da população está se mostrando mais eficiente do que o uso da força como fator de mudanças institucionais, como aconteceu no passado. Além de evitar desgaste político dos seus promotores e os traumas provocados por quarteladas e golpes palacianos, a manipulação informativa aumenta o faturamento dos grandes conglomerados midiáticos. Esta nova estratégia de ação política está sendo aplicada com rigor quase científico nos Estados Unidos bem como alguns países europeus e se constitui num desafio inédito para leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Para que a estratégia tenha sucesso, é indispensável que o público não consiga identificá-la por falta de dados e por desconhecer fatos relevantes. A leitura crítica do noticiário da imprensa Para que estas condições sejam preenchidas, é necessário que o condicionamento da opinião pública seja desenvolvido por grandes conglomerados midiáticos atuando na imprensa escrita, nos noticiários audiovisuais e na internet. Quanto mais concentrada e hegemônica for a cobertura da imprensa, maior a chance de um enfoque unilateral dos fatos, dados e eventos em curso. Para o cidadão, o papel da informação como nova e principal ferramenta estratégica no jogo do poder político traz como consequência a necessidade de desenvolver o hábito da leitura crítica, o que noutras palavras significa ter mais informação sobre a informação. É uma responsabilidade adicional, que vai exigir algum esforço de todos nós porque já não poderemos confiar na imprensa como provedor de informações isentas de condicionamentos políticos ou financeiros. Em conjunturas complexas, onde é difícil e, às vezes até impossível, distinguir interesses ocultos embutidos em fatos e notícias, a cobrança de transparência total nos resultados das investigações é uma alternativa disponível para a população, em casos de grande impacto social e midiático. A cobrança de transparência também é o posicionamento político mais adequado porque gera elementos informativos que induzem a população a refletir em vez de refugiar-se em “bunkers” ideológicos polarizados e que não ajudam a identificar o que realmente aconteceu ou está acontecendo. Para ler outros textos de Carlos Castilho, clique aqui.   A morte de Marielle e outras mortes

O jornalismo no salve-se quem puder da desinformação em escala planetária

por Carlos Castilho A sensação de incerteza e desorientação que nos contamina a cada grande acontecimento midiático, se tornou, agora, um fenômeno permanente no jornalismo da era digital. Isto porque cresce a tendência ao uso das ferramentas de desinformação para obter prestígio e seguidores num mercado informativo onde a visibilidade pública é condição básica para a sobrevivência profissional e pessoal. Governantes, políticos, empresários e personalidades públicas são os principais usuários das técnicas de formatação de dados visando destacar os aspectos que mais lhes interessam ou beneficiam na hora de divulgar uma notícia, dado ou evento. Mas as pessoas comuns também fazem a mesma coisa, a maioria de forma inconsciente, porque as omissões, distorções e descontextualização de notícias já foram incorporadas ao nosso cotidiano. Mas depois do surgimento da internet, o fluxo de informações cresceu tanto que as consequências da desinformação começaram a se tornar potencialmente catastróficas, especialmente depois do fenômeno das notícias falsas (fake news). A generalização do recurso às chamadas meias verdades complicou extraordinariamente o processamento de produção de notícias pelos jornalistas, que, em teoria, têm como obrigação profissional separar o joio do trigo na complicada arena da informação. Quando a imprensa percebeu que a desconfiança crescente de leitores, telespectadores e internautas poderia minar o negócio da venda de notícias, ela reagiu de duas maneiras: apostando em sistemas eletrônicos de verificação de credibilidade e autenticidade das informações, ao mesmo tempo que intensificou o lobby a favor da regulamentação da internet, por meio de normas para preservar o controle das empresas sobre as notícias que circulam nas redes sociais. A grande imprensa elegeu a rede Facebook como o principal alvo em seu esforço para levar os leitores, ouvintes, telespectadores e internautas a acreditarem que é possível acabar com as fake news. Nada menos que 150 projetos de checagem de informações (fact checking) foram criados em 53 países diferentes financiados por grandes fundações, organizações não governamentais e entidades ligadas aos conglomerados jornalísticos privados. Todos os grandes jornais do mundo têm algum tipo de software ou grupo de profissionais para fazer a checagem de dados, fatos e eventos. No início de fevereiro, o Institute of Law and High Technology, da Universidade Santa Clara, na Califórnia, Estados Unidos, reuniu especialistas acadêmicos em ética, direito e computação, dirigentes de sete grandes empresas de tecnologia, jornalistas dos principais jornais norte-americanos, pesquisadores autônomos e congressistas dos Estados Unidos, com o propósito de tentar, por todos os meios, chegar a propostas mínimas para enfrentar a desinformação em escala planetária. A síndrome da indiferença informativa Mas apesar do esforço em difundir a ideia de que é possível controlar a disseminação de fake news, os especialistas em segurança informativa garantem que se pode reduzir a incidência de notícias falsas, mas que é impossível eliminá-las totalmente. A possibilidade de que tenhamos de conviver com a insegurança informativa por um longo tempo gerou exasperação entre os estudiosos da mídia, como a inglesa Emily Bell, fundadora e diretora do Tow Center for Digital Journalism, da Universidade Columbia, de Nova Iorque. Ela escreveu um artigo onde expressava sua angústia já no título: “Como poderemos regular o selvagem mercado de mensagens instantâneas?” O público, que precisa de informações para sobreviver nesta selva informativa, não tem a quem recorrer e começa a apelar para a apatia noticiosa. Mas ninguém assume a responsabilidade de dizer às pessoas que não há inocentes e nem ingênuos no vale-tudo diário pelo acesso aos corações e mentes das audiências. Os que não aderiram ao niilismo noticioso tentam se proteger da incômoda sensação de vulnerabilidade refugiando-se em guetos informativos onde acabam contagiados pela xenofobia, radicalismo e extremismos. No meio de tudo isto, ressurge o velho recurso à regulamentação da atividade informativa na internet, em especial nas redes sociais. No Congresso Nacional, em Brasília, há pelos menos 20 projetos prevendo leis mais draconianas e punições mais duras para quem for considerado autor e disseminador de notícias falsas, distorcidas ou intencionalmente descontextualizadas. Propor e votar a favor é fácil em comparação aos problemas que surgirão na aplicação de uma eventual regulamentação. A complexidade das notícias online vai exigir uma não menos complexa interpretação legal, sem falar que provavelmente haverá uma avalanche de processos, tendo em vista o volume de informações digitalizadas diariamente. Para dar um exemplo das dimensões do problema da desinformação, minutos após o tiroteio numa escola da cidade de Parkland, na Florida, que deixou 17 alunos e professores mortos, as redes sociais já estavam atulhadas de mensagens com notícias falsas ou distorcidas sobre o massacre. E não eram só pessoas revoltadas. As “fábricas” de fake news localizadas em países do Leste europeu exploraram o caso para aumentar a polarização entre políticos e eleitores norte-americanos usando a polêmica questão da livre compra de armas pesadas nos Estados Unidos. Quase todos os protagonistas do jogo da desinformação têm seus interesses próprios e tratam de defendê-los a todo custo, nem que seja recorrendo à mesma desinformação. O grande órfão em tudo isto é o público que teoricamente, deveria ter a imprensa e a universidade como parceiros. Acontece que nem um e nem o outro assumiram, até agora, a espinhosa missão de dizer a leitores, telespectadores e internautas que não há saída fácil para o problema e que a solução só virá quando cada cidadão se encarregar de verificar os dados e notícias que repassa para seus amigos, parceiros e parentes. Para ler outros textos de Carlos Castilho, clique aqui. Grandes redes sociais acabam com o sonho idílico de uma internet livre

O apocalipse informativo

por Carlos Castilho Se depender do pesquisador Aviv Ovadya, famoso mundialmente por ter previsto em 2016 o surgimento do fenômeno das fake news (notícias falsas), nós estamos caminhando rapidamente para uma situação que ele descreve como um “apocalipse informativo”, cuja principal consequência prática seria uma “apatia noticiosa”. Aviv, formado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) estuda há quase uma década o fluxo de informações na internet, especialmente nas redes sociais virtuais, e suas conclusões são preocupantes. Segundo ele, uma aliança informal de políticos, economistas, publicitários e engenheiros eletrônicos promove o crescimento acelerado da chamada economia da informação, sem qualquer preocupação crítica com relação aos efeitos que ela pode acarretar para o cidadão comum. A economia da informação cresce a partir dos milionários interesses financeiros gerados pela indústria eletrônica, que geram dividendos monetários para os publicitários e enquanto os políticos passam ao largo do tema por ignorância e/ou interesses eleitorais. O resultado é que, apesar dos alertas de pesquisadores acadêmicos, ativistas cibernéticos e alguns poucos legisladores, a insegurança informativa da população cresce alimentada pelo fluxo constante de fake news produzidas por políticos, empresários e governantes. Caso o ritmo de circulação das notícias falsas continue se intensificando, Aviv Ovadya prevê que as pessoas adotarão o que chamou de “apatia informativa” porque simplesmente não conseguirão mais separar desinformação e as fake news dos conteúdos confiáveis. O prognóstico de Aviv faz todo sentido porque o chamado “autismo informativo” é uma reação defensiva já perceptível em muitas pessoas que lidam com grande volume de informações publicadas em jornais, revistas, telejornais, redes virtuais e programas jornalísticos radiofônicos. A dinâmica da economia da informação, alimentada por lucros milionários, acabou criando uma bolha englobando profissionais da tecnologia, dos mercados financeiros e nas consultorias políticas, onde os participantes se retroalimentam em matéria de notícias, sem levar em conta a base social sobre a qual atuam. Estamos entrando numa espécie de “niilismo informativo” onde o descrédito passa a ser uma regra de sobrevivência individual num ambiente noticiosamente caótico por conta da incerteza nos dados, fatos e eventos publicados nos meios de comunicação. Quando passamos a receber mensagens publicitarias inidôneas (spam ou pishing) formatadas exatamente da mesma forma que uma notícia de jornal, perdemos a confiança em nossos referenciais tradicionais e aí o jeito é descrer em tudo. Os paradoxos da era digital Quem mais sai perdendo no apocalipse informativo é a imprensa, por motivos óbvios. A posição dos veículos tradicionais de informação é complicada porque o setor paga o preço por dois processos que antecedem à chegada da internet e da avalanche noticiosa: o fato da imprensa ter se identificado como a porta-voz da verdade, criando a ilusão de que ela teria condições de separar o joio do trigo em matéria de notícias, o que hoje se sabe ser concretamente impossível; e a transformação das empresas de comunicação em instituições participantes do jogo político formal, graças ao controle exercido sobre o fluxo de mensagens entre tomadores de decisões e a grande massa dos cidadãos. Trata-se de uma posição estratégica cuja relevância e poder de influência acabou levando a imprensa a deixar em segundo plano a preocupação com a imparcialidade informativa. A real possibilidade de uma apatia noticiosa generalizada se constitui num dos grandes paradoxos da era digital. Apesar das expectativas de um avanço histórico na liberdade de informação, por conta da internet, acabamos contaminados por dúvidas e inseguranças sobre o mundo que nos cerca. Não há como voltar atrás. Inevitavelmente passaremos por um período de incertezas até que haja uma re-acomodação nos costumes, regras e valores associados à atividade informativa, com base no interesse público e não mais apenas no lucro. A imprensa, de maneira geral, ainda tenta estratégias paliativas para a crise no seu modelo de negócios, dando mais importância a recuperação de sua lucratividade passada do que à preocupação pública com a incerteza informativa entre seus leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Surpreendentemente, a rede Facebook, apontada como uma mega central distribuidora de fake news, resolveu mergulhar de cabeça na tentativa de “desinfetar” o fluxo de informações entre seus dois bilhões de usuários. O “garotão” Mark Zuckerberg parece ter vislumbrado um desastre empresarial que muitos outros, bem mais experientes, ainda não conseguiram detectar. É pouco provável que a iniciativa da rede Facebook dê resultados rápidos e espetaculares, porque as notícias falsas não são só o resultado de erros técnicos e de uma delinquência informativa, passível de punições exemplares. Elas são um subproduto estrutural surgido pela sobrevivência de velhos comportamentos num ambiente digital novo que nós ainda estamos começando a conhecer. Leia outros textos de Carlos Castilhos no Medium. O jornalismo no salve-se quem puder da desinformação em escala planetária Facebook: uma autocracia encurralada Quanto mais informação, mais dúvidas Taxação das plataformas digitais já! O binômio fake news/redes sociais nos impõe novos comportamentos políticos O lado retrógrado da avalancha informativa digital A nova função da notícia na guerra por corações e mentes Grandes redes sociais acabam com o sonho idílico de uma internet livre Era da pós-civilidade Bem-vindo à era da telemática   A Internet não pode ser um jardim murado

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