Eric Hobsbawm – A história em uma vida
Eric Hobsbawm – Neste primeiro de outubro, é lembrado em todo o mundo o gênio de Eric Hobsbawm, que faleceu em um dia como hoje em 2012. Se não nos enganamos, ele foi o maior historiador do século vinte. Talvez a sua obra se mantenha ainda acima dos demais até mesmo nos mais recentes dias deste século. Como agora, quando atravessamos um Brasil de governo fascista. É uma pena, é lastimável, que em alguns estudos acadêmicos ele seja posto de lado, porque possuiu até o fim da vida uma filiação marxista. A direita e seus liberais não o suportam. E por quê? Antes de taxá-lo e tachá-lo de indivíduo comunista, como se isso fosse um grau menor de ética em um homem, deveriam pelo menos ver as contribuições e conceitos inovadores que a sua obra inaugurou. Como a “invenção da tradição”, sobre a qual Hobsbawm trouxe esta luz: “Muitas vezes, ‘tradições’ que parecem ou são consideradas antigas são bastante recentes, quando não são inventadas. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado… A propósito, deve-se destacar um interesse específico que as ‘tradições inventadas’ podem ter, de um modo ou de outro, para os estudiosos da história moderna e contemporânea. Elas são altamente aplicáveis no caso de uma invenção histórica comparativamente recente, a ‘nação’, e seus fenômenos associados: o nacionalismo, o Estado nacional, os símbolos nacionais, as interpretações históricas, e daí por diante”. Observe-se a propósito o que o grande historiador Evaldo Cabral de Mello pensa sobre a tradição da Batalha dos Guararapes, até hoje ensinada nas escolas e monumentos cívicos como o cerne da nacionalidade brasileira. No livro “O Negócio do Brasil – Portugal, os Países Baixos e o Nordeste, 1641/1649”, o historiador pernambucano escreve que a expulsão dos holandeses não foi resultado de guerra heroica, da Batalha dos Guararapes, mas de um acordo pelo qual Portugal pagou 4 milhões de cruzados (equivalentes a 63 toneladas de ouro) para ter o Nordeste brasileiro de volta. Um fato que não entra na tradição inventada. Lembremos ainda, de passagem, o seu conceito de “banditismo social”. Em seu livro Bandidos, moderno e clássico à semelhança de poesia, Eric Hobsbawm fala: “Convém que comecemos com a ‘imagem’ do ladrão nobre, que define tanto seu papel social quanto sua relação com os camponeses comuns. Seu papel é o do paladino, aquele que corrige os erros, que ministra a justiça e promove a equidade social. Sua relação com os camponeses é de solidariedade e identidade totais. O ladrão nobre inicia sua carreira de marginalidade não pelo crime, mas como vítima de injustiça, ou sendo perseguido pelas autoridades devido a algum ato que estas, mas não o costume popular, consideram criminoso”. Notem que Hobsbawm possuía o talento raro, raríssimo, de extrair o que é universal de características locais. Ele escreve Bandidos a partir do estudo partícular de casos de famosos marginais na Inglaterra, China, México, Estados Unidos, Itália, Espanha… Mas é impossível para um nordestino do Brasil não ver no trecho acima um retrato de Lampião! E, de fato, o bandido social do Nordeste é referido em vários pontos do livro, como aqui: “Quando Virgulino Lampião tinha 17 anos, os poderosos fazendeiros Nogueira expulsaram os Ferreiras (da família de Lampião) da fazenda onde viviam, acusando-os falsamente de roubo. Assim começou a rixa que o levaria à marginalidade. ‘Virgulino’, recomendou alguém, ‘confie no divino juiz’, mas ele respondeu: ‘A Bíblia manda honrar pai e mãe, e se eu não defender nosso nome, eu perderei minha humanidade’… (Diante da sua morte) a reação de um sertanejo talvez seja mais típica. Quando os soldados chegaram com as cabeças dos cangaceiros, de forma a convencer todos que Lampião estava realmente morto, um sertanejo disse: ‘Mataram o Capitão porque a reza forte nada adianta na água’. É que o último refúgio de Lampião havia sido o leito seco de um ribeirão, e de que outra forma, senão pelo fracasso da magia, podia-se explicar a derrota de Lampião?”. Mas esses livros acima, de conceitos inovadores, são apenas duas de suas muitas contribuições publicadas, que vão do jazz à recriação original da história. A sua fama se fez nos livros que se tornaram best-sellers: A Era das Revoluções, que fala da transformação do mundo entre 1789 e 1848, da Revolução Francesa de 1789 à revolução industrial inglesa; A Era do Capital, que trata da expansão da economia capitalista em todo o planeta, de 1848 a 1875; A Era dos Impérios, de 1875 a 1914 ; A Era dos Extremos – o breve século XX, que interpreta o período de 1914 a 1991, do qual fala no prefácio: “o meu tempo de vida coincide com a maior parte da época de que trata este livro e durante a maior parte de meu tempo de vida — do início da adolescência até hoje — tenho tido consciência dos assuntos públicos”. Trata-se, portanto de um historiador de vista larga e profunda, que refletiu sobre as dores e alegrias dos séculos sobre os quais escreveu. Ou melhor, dos séculos sobre os quais participou escrevendo. Neste momento, tenho diante de mim a biografia “ERIC HOBSBAWM Uma vida na história”, um tijolaço agradável, suave de 728 páginas, anotado, mastigado e digerido. Pois é, quando um assunto nos interessa, também mastigamos tijolos como a mais apetitosa iguaria. Mas o melhor virá a seguir. Em um resumo da vida de Eric Hobsbawm, o seu biógrafo Richard Evans fala em uma entrevista: “Eric Hobsbawm nasceu em Alexandria, cresceu em Viena e Berlim e se estabeleceu no Reino Unido (nasceu e continuou sendo um cidadão britânico). Hobsbawm passou muito tempo na França na década de 1930 e novamente na de 1950. Seus relatórios escolares indicam que sua língua nativa era inglês/alemão – sua mãe, uma tradutora, insistia que a família falasse em inglês em casa. Ele tinha um francês fluente e, mais tarde, aprendeu italiano e espanhol. Hobsbawm esteve sob vigilância do MI5 desde a guerra – por quanto tempo, não sei, já que não tive permissão para