Zona Curva

Memória

Um povo sem memória é um povo sem história.

Micaela Bastidas, guerreira de nuestra América

por Elaine Tavares Micaela Bastidas – Era 1745 na vastidão do Peru. Terra de incas, os filhos do sol.  No povoado de Tamburco, em Abancay, departamento de Apurimac, nascia Micaela Bastidas Puyucahua, uma guria mestiça que iria marcar com sangue e coragem a história da gente peruana. O pai, Manuel, tinha sangue espanhol, mas a mãe, Josefa, era inca da gema. Esta mistura fez de Micaela uma linda mulher de traços fortes e cabelos ondulados, uma “zamba” que, para as gentes de Abancay significa alguém com características distintas a dos andinos, mestiça. Mas, ao logo de sua vida, mostrou que – apesar do sangue espanhol – era verdadeiramente uma mui digna filha de Tawantisuyo, a grande nação do povo dos Andes. E foi em Tamburco que ela cresceu, um povoado rural, pequeno, pobre, mas rota de passagem dos viajantes que circulavam pelo país em lentas mulas na penosa jornada de carregar mantimentos e produção de um lado para o outro. Foi correndo por aqueles pastos e observando a crescente pobreza das gentes que ela desenvolveu seu aguçado senso de justiça que mais tarde iria se transformar em lenda. A história de Micaela se mescla com as grandes lutas de libertação da América Latina quando, em 1760, ainda jovenzinha, casa-se com José Gabriel Condorcanqui, cacique de seu povo e descendente do último Inca rei, Tupac Amaru, morto em Cuzco no ano de 1572. É ele quem vai incendiar as paragens peruanas na revolução que ficou conhecida como a “revolução de Tupac Amaru II”. Naqueles anos do final do 700, a exploração dos trabalhadores indígenas era uma coisa insuportável. A colônia fazia seus estragos, rapinava riquezas, escravizava os seres. Já tinham passados quase duzentos anos desde a invasão e os povos originários estavam começando a despertar da letargia. Rebeliões tinham sido feitas ao longo desses anos, mas todas tinham sido esmagadas. A mais recente, em 1760, justamente o ano do casório de Gabriel e Micaela, fora liderada por José Santos Atahualpa, buscando restaurar o reino dos Incas. Esta última fez os espanhóis ficarem de cabelo em pé, porque perceberam que, nas comunidades indígenas, algo muito poderoso começava a se fortalecer: o desejo de liberdade. Aparte isso, também os criollos (gente nascida na terra, mas com sangue espanhol) estavam insatisfeitos com a coroa em função dos altos impostos. Caldo perfeito para mais confusão. Por conta destes dois elementos incendiários, Tupac Amaru acabou liderando uma revolução vinte anos depois, em 1780. Homem letrado, já cacique de seu povoado, o descendente do Inca já estava impregnado dos ares rebeldes que vinham da França, dos Estados Unidos e do Haiti. Seu primeiro ato revolucionário foi acabar com as obrajes, espécie de fábricas onde os índios eram explorados até a morte, ganhando miseráveis salários. Seu propósito era ir até Cuzco, destruindo todas estas formas de opressão e instaurando um governo indígena. Não foi à toa que em poucos dias já tinha juntado mais de 10 mil índios no seu exército. E, nessa caminhada até o “umbigo do mundo da nação do Tawnatisuyo”, ele ia libertando todos os escravos. Durante o pouco tempo (cinco meses) que durou a revolução de Tupac Amaru, Micaela Bastidas esteve a seu lado. Por várias vezes comandou as tropas e não foram poucas as suas ações como chefe de governo. Seu corpo forte e esguio era visto, manhã cedinho, a cavalgar pelos povoados, arrebanhando gente para a guerra. Ela era quem administrava as provisões, mobilizava os destacamentos e administrava as terras liberadas pela revolução. Era considerada a facção mais radical do movimento. Quando Tupac Amaru vacilava no seu avançar sobre Cuzco, era Micaela quem o impulsionava, seja pessoalmente ou através de cartas que lhes fazia chegar amiúde. Por várias vezes se mostrou mais estrategista do que ele como, por exemplo, quando intuiu que a união com os criollos não ia dar em boa coisa. A história o comprovou. Esperando por um levante das gentes de Cuzco, Tupac Amaru demorou a entrar na cidade. Isso fez com que as tropas reais se rearticulassem e o derrotassem em março de 1781. Cuzco não foi conquistada e tudo se perdeu. Numa de suas cartas a Gabriel, Micaela escreveria: “Chepe, chepe, mi muy querido: bastantes advertencias te dí”. Ela nunca confiara nos brancos e tampouco nos criollos. Sempre acreditou que entrando na cidade, venceriam. Gabriel não lhe deu ouvidos. Assim, vencidos, os líderes rebeldes foram aprisionados. Entre eles, Gabriel (Tupac Amaru), Micaela e seu filho Hipólito. No mês de maio do mesmo ano todos são supliciados na Praça Maior da cidade. Micaela, Gabriel e o filho chegam arrastados por cavalos. Irão sofrer todas as torturas possíveis. O primeiro a morrer na forca é Hipólito, diante dos pais. Mas, antes, lhe arrancam a língua. Micaela fica impávida. Depois, vários outros rebeldes vão sendo mortos nas mesmas condições de crueldade, muitos são parentes, amigos. Micaela é a penúltima. Sobe no cadafalso com a mesma altivez que lhe valera a formosura. Tem a língua arrancada e depois, como não morre em seguida, os carrascos ainda lhe aplicam golpes no estômago e no peito. O filho mais novo, de nove anos, assiste a tudo. Será levado depois, prisioneiro, para a Espanha. O último a morrer é Tupac Amaru. O cacique revolucionário é amarrado a quatro cavalos que são postos a correr em direções opostas para que o corpo do índio seja esquartejado. Os cavaleiros esporeiam os bichos, eles arrancam e o cacique não se parte. Por várias vezes é feito o mesmo procedimento e Tupac Amaru não se parte. Os espanhóis desistem e desamarrando-o o esquartejam a golpes de machado, sendo suas partes espalhadas por várias regiões do Peru.  Dizem que nessa hora sagrada, em que o corpo do inca resistiu, uma chuva grossa caiu do céu. Talvez seja por isso que até hoje, quando chove no Peru, as gentes originárias se ponham a sorrir. Lembram o tempo em que Tupac Amaru incendiou de novo a caminhada para a liberdade, junto com Micaela. Lembram que sempre é possível enfrentar a

Fascistas, no pasarán

por Fernando do Valle Fascistas, no pasarán – Após as demonstrações explícitas de fascismo nas ruas no último dia 16, muitos internautas voltaram a utilizar a expressão “não passarão” (em espanhol, no pasarán) para rechaçar o ódio da extrema direita. Vale lembrar a origem dessa expressão. Popularizada pelos republicanos na luta contra os franquistas na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), há indícios de que a expressão surgiu na Primeira Guerra Mundial da boca ou do general francês Robert Nivelle ou de seu comandante Philippe Pétain em uma estratégia de batalha.   Em 1936, a militante republicana Dolores Ibárruri, mais conhecida como La Pasionaria, utilizou o lema em discurso contra o avanço das tropas fascistas do general Franco na capital espanhola. Ela a retirou de um cartaz dos republicanos produzido pelo artista Ramón Puyol. Outra expressão conhecida e muito usada nos embates políticos é também creditada a Dolores: “para viver de joelhos, é melhor morrer de pé”. O curioso apelido La Pasionaria surgiu por iniciativa da própria Dolores, que assinou seu primeiro artigo na imprensa operária com o pseudônimo. Era Semana Santa. Franco venceu a guerra na Espanha, mas o slogan continuou popular entre as tropas aliadas na guerra contra o nazi-fascismo. La Pasionaria continuou na luta e foi uma das principais opositoras à ditadura franquista. Em 1960, passou a presidir o Partido Comunista Espanhol e, em 1977, dois anos após a morte de Franco, foi eleita deputada com 82 anos. As várias versões da música Bella Ciao A banda punk polonesa Blade Loki canta a música No pasarán. Como aposto que você não entende polonês, clica aqui para entender a letra, aviso que a tradução não é boa:   Grândola Vila Morena, a canção que embalou a Revolução dos Cravos

Capitalismo x comunismo, por Nixon e Kruschev

Era 24 de julho de 1959, Nikita Kruschev, primeiro-ministro soviético, visita a Exposição Nacional Norte-Americana em Moscou em companhia do vice-presidente norte-americano Richard Nixon em plena guerra fria. A exposição, que foi organizada para a aproximação das superpotências, foi o palco de uma discussão que mostrou o clima polarizado à época. Um mês antes, os soviéticos tinham inaugurado sua exposição em Nova Iorque. A ríspida discussão entre os dois aconteceu em uma típica cozinha norte-americana e foi apelidada pela imprensa, que explorou como nunca o ocorrido, como Debate da Cozinha. Antes da cozinha, o clima já havia esquentado em frente a um aparelho de televisão, que segundo Nixon, era a prova da superioridade tecnológica de seu país. Na chegada de ambos à exposição, Kruschev discursou sobre a superioridade do comunismo com firmeza e humor para um atônito Nixon. O norte-americano partiu para o contra-ataque durante o passeio na feira. Kruschev estava irritado com a aprovação da Resolução das Nações Cativas pelo Congresso norte-americano e assinada pelo presidente Eisenhower que considerava primordial aos Estados Unidos “a libertação de países como Ucrânia, Lituânia, Hungria e outros das políticas imperialistas soviéticas”. Durante uma conversa, Kruschev abraçou um trabalhador russo próximo aos dois e perguntou: “Será que este homem se parece com um trabalhador escravo?” Assista a trecho de programa da History Channel que conta parte do episódio: Nixon tentou colocar panos quentes e disse que os trabalhadores dos dois países se uniram na montagem da exposição e que ambos estavam ali para uma troca de experiências e que “Kruschev não sabia de tudo”. Kruschev não se fez de rogado e respondeu: “se eu não sei tudo, você não sabe nada sobre o comunismo, além de temê-lo”. A diplomacia entre os dois líderes já tinha ido definitivamente para o brejo, como podemos constatar nesta conversa: Nixon: “Quero te mostrar essa cozinha. É como as das casas da Califórnia”. Kruschev: “Nós também temos por aqui”. Nixon: “Queremos tornar a vida da dona-de-casa mais prática”. Kruschev: “Nós não temos essa atitude capitalista perante a mulher”. A competição sobre a superioridade das máquinas de lavar era o pano de fundo para a discussão que realmente acirrava os ânimos dos dois, a superioridade militar: Nixon: “Não seria melhor se competíssemos em máquinas de lavar do que sobre a força dos mísseis?” Kruschev: “Sim, mas seus generais dizem que devemos competir nos mísseis. Nós somos fortes e podemos ganhar de vocês”. Nixon: “Espero que o primeiro-ministro compreenda as implicações do que eu acabei de dizer… Se você colocar nações poderosas em uma posição em que elas não tenham escolhas… então você está brincando com o maior poder destrutivo no mundo”. Kruschev: “Nosso país nunca foi guiado por ultimatos… Isso me parece uma ameaça”. NIXON CONSIDERAVA TIMOTHY LEARY O HOMEM MAIS PERIGOSO DA AMÉRICA, LEIA TEXTO A discussão aconteceu em tempos da acirrada corrida espacial entre os dois países, as viagens pra fora da Terra eram usadas para mostrar a superioridade tecnológica. Em 1957, a União Soviética foi pioneira em colocar um satélite no espaço. Dois anos depois da discussão, em 1961, enquanto os norte-americanos fracassaram com sua invasão na baía dos Porcos com a intenção de derrubar o governo revolucionário cubano, os soviéticos mandavam o primeiro homem em órbita, Yuri Gagarin, o que enfureceu o presidente Kennedy, que sucedeu Dwight Eisenhower. O troco norte-americano veio em 1969, quando Neil Armstrong, comandante da missão Apolo 11, foi o primeiro ser humano a pisar na lua. A guerra fria esquenta

O grito da Passeata dos Cem Mil contra a ditadura militar

A barra estava pesada em junho de 1968. Em março daquele ano, o estudante Edson Luís tinha sido assassinado pela repressão no restaurante Calabouço no Rio. Em 21 de junho, o dia que ficou conhecido como a sexta-feira sangrenta, a ditadura militar reprimiu com violência uma manifestação: quatro manifestantes foram assassinados, outros 23 baleados e centenas de opositores acabaram detidos no centro da cidade do Rio de Janeiro.  Depois do episódio, o receio dos militares com a crescente impopularidade do governo foi a deixa para a Passeata dos Cem Mil. A revolta com mais de quatro anos de regime de exceção reuniu estudantes, religiosos, intelectuais, artistas e trabalhadores no protesto do dia 26 de junho de 1968.  Estiveram presentes, entre os artistas, Gilberto Gil, Glauber Rocha, Caetano Veloso, Nana Caymmi, Torquato Neto, Tônia Carrero, Paulo Autran, Marieta Severo, Clarice Lispector, Milton Nascimento, entre outros. Pela manhã, milhares de pessoas já se reuniam na Cinelândia, em frente à Assembleia Legislativa. No início da tarde, os manifestantes subiram a avenida Rio Branco em direção à Candelária gritando palavras de ordem e receberam o apoio dos ocupantes dos prédios no caminho que aplaudiam e jogavam papel picado. Os estudantes gritavam “desce, desce!” O DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) prendeu cinco estudantes que panfletavam, o que foi um número baixo para a época. Não houve incidentes. Discursaram alguns representantes da Igreja, um representante dos favelados da cidade, o psicanalista e escritor Hélio Pellegrino e outros, mas o discurso que marcou o dia foi do líder estudantil Vladimir Palmeira, perseguido pela repressão e vivendo clandestino em um apartamento há um mês. Palmeira desmentiu que foi pedida permissão para o protesto. O governo repetia a falsa versão de que tinha sido benevolente e havia permitido o ato. Palmeira, que havia chegado ao local ao meio-dia, desmentiu os militares: “para a realização da passeata não foi pedida autorização e é uma derrota do governo, ela custou o sangue e muita pancada nos estudantes”. “Não pense que aplaudir e gritar ‘abaixo a ditadura’ é uma vitória. Hoje a repressão não veio porque não pôde. E a nossa vitória é esta: ter saído na raça porque achava que tinha que sair. Mas a gente vai voltar pra casa, o estudante pra aula, operário pra fábrica, repórter pro jornal, artistas pro teatro. E é em casa, no trabalho, que a gente vai continuar a luta” (trecho do discurso de Vladimir Palmeira na Passeata dos Cem Mil em 26 de junho de 1968 no Rio de Janeiro). O apoio popular à manifestação forçou o ditador de plantão, general Costa e Silva, a receber uma comissão eleita pelos participantes do protesto formada pelos estudantes Franklin Martins e Marcos Medeiros, o escritor Hélio Pellegrino, o professor José Américo, o padre João Batista e o advogado Marcello Alencar. Costa e Silva exigiu o fim definitivo de qualquer manifestação estudantil, deixando claro que nenhum acordo seria possível. Os estudantes marcaram nova manifestação para 4 de julho. Em 13 de dezembro do mesmo ano, a ditadura endureceu ainda mais o regime com a edição do AI-5 em que o governo fechou o Congresso Nacional, deu-se a prerrogativa de suspender os direitos políticos de qualquer cidadão por 10 anos, cancelou o habeas corpus para crimes políticos e proibiu atividades e manifestações. Saiba mais sobre o AI-5.   10 músicas contra a ditadura militar (2)

Viva Pagu

PAGU – Em 1931, Pagu desancava a burguesia paulistana e suas grã-finas ociosas na coluna “A mulher do povo”. Lá também criou uma história em quadrinhos em que Kabeluda, uma garota revolucionária, ironizava os costumes da época. O nome da seção capitaneada por Pagu foi batizada como contraponto ao título do jornal em que ela escrevia, O Homem do Povo, jornal criado por ela e seu companheiro, o escritor Oswald de Andrade. Depois de causar muita polêmica em oito edições na aristocrática cidade de São Paulo, o jornal daquele casal de intelectuais comunistas foi invadido pelos estudantes caretas da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, e proibido pela polícia. Essa é só uma das muitas histórias dessa mulher única que foi Pagu. Jornalista, escritora, desenhista, tradutora, crítica e militante política, Patrícia Galvão, a Pagu, teve coragem quando raríssimas tinham e questionava o que muitas e muitas aceitavam.  Patrícia Rehder Galvão, a Pagu, nasceu em 9 de junho de 1910 em São João da Boa Vista, interior de São Paulo. Ela morreu em Santos no dia 12 de dezembro de 1962 Pagu foi a primeira mulher brasileira presa por motivos políticos. Também em 1931, o estivador Herculano de Souza foi morto pela polícia em comício na cidade de Santos, em homenagem aos operários anarquistas Sacco e Vanzetti, injustamente acusados de homicídio nos Estados Unidos e executados na cadeira elétrica. Herculano caiu nos braços de Pagu, que pediu a todos que cantassem a Internacional. Ela e outros militantes foram presos pela polícia. Pagu foi presa 23 vezes, amargando quatro anos e meio no cárcere, onde foi maltratada e torturada. Em 1930, Pagu havia viajado para Buenos Aires para encontrar o líder comunista Luís Carlos Prestes, que vivia no exílio, acaba conhecendo o escritor Jorge Luis Borges na capital argentina e Prestes ali ao lado, em Montevidéu. Na volta ao Brasil, ela filia-se ao Partido Comunista. Seguindo os ditames do Partido Comunista, Pagu passa a viver como uma proletária e trabalha como metalúrgica e empregada doméstica. Em cumprimento a ordens partidárias, ela foi para a cama com quem não queria para obter informações políticas. Em 1939, o Comitê Regional do partido, em decisão absurda e repleta de falso moralismo, a expulsa da agremiação desqualificando-a como “conhecida pelas suas atitudes escandalosas de degenerada sexual”, como revela o livro Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo, do jornalista Mário Magalhães. Em 1945, Pagu escreve o livro A Famosa Revista a quatro mãos com seu marido, o jornalista Geraldo Ferraz, que satiriza o personalismo e a burocracia do Partido Comunista. Em 1950, ela candidata-se a deputada estadual pelo Partido Socialista e publica o panfleto Verdade e liberdade, expondo os motivos que a levaram a romper com o partidão.  “Pagu tem uns olhos moles/ uns olhos de fazer doer/ Bate-coco quando passa/ Coração pega a bater/ Eh Pagú eh!/ Dói porque é bom de fazer doer (…)” (poema de Raul Bopp em homenagem a Pagu). Toda mulher é meio Leila Diniz* Foi Raul Bopp, poeta modernista, quem apelidou Patrícia Galvão de Pagu, que nasceu de uma confusão: Bopp trocou o sobrenome Galvão por Goulart. O apelido pegou. Teria sido Bopp quem apresentou a pós-adolescente Pagu ao casal Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. Com apenas 15 anos, Patrícia já tinha conhecido outro modernista, Mário de Andrade, seu professor no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Aos 19 anos, Pagu forja lua de mel em Santos, cidade que tanto amou, com o pintor Waldemar Belisário, primo de Tarsila do Amaral. Esposa de Oswald à época e amiga de Pagu, Tarsila colabora na farsa por acreditar que Pagu desejava se libertar das amarras familiares. Na cidade litorânea, Oswald e Pagu enfurnam-se em uma pensão longe da vista de todos. Tarsila jamais perdoou os dois. No dia 5 de junho de 1930, Pagu e Oswald firmam um compromisso matrimonial em frente ao jazigo da família Andrade, no cemitério da Consolação. Em 25 de setembro, nasce o filho do casal, Rudá Poronominare Galvão de Andrade. A jornalista conviveu pouco com o filho, criado pelas futuras esposas de Oswald e por Nonê, primeiro filho do escritor. Oswald de Andrade e Pagu separam-se em 1935. “Esse crime, o crime sagrado de ser divergente, nós o cometeremos sempre” (Pagu). Com 23 anos e procurada pela polícia, Pagu viaja pela Ásia e Europa. Na França, tem contato com o escritor André Breton e outros surrealistas. Na China, como jornalista, conhece o imperador chinês Pu-Yi e traz as primeiras sementes de soja que foram plantadas no Brasil. Neste mesmo ano, 1933, publica sua obra literária mais conhecida, “Parque Industrial”, sob o pseudônimo de Mara Lobo, considerado o primeiro romance proletário do Brasil. Com estética modernista, o texto utiliza linguagem coloquial e é composto por blocos de escrita. Tendo como cenário o pobre bairro operário do Brás, Pagu pratica uma literatura panfletária e ativista. Novamente presa na repressão que se seguiu à Revolta Comunista de 1935, ao ser libertada anos mais tarde, passa a viver com o jornalista Geraldo Ferraz. Da união, nasce Geraldo Galvão Ferraz em 1941. “Tenha até pesadelos, se necessário for, mas sonhe” (Pagu). Sua atividade jornalística intensifica-se nos anos 40 e 50. Pagu escreve crônicas, artigos, poemas e críticas em diversos veículos de comunicação. Divulga sempre autores marcados pelo inconformismo e de vanguarda como Alfred Jarry, Fernando Arrabal e Samuel Beckett. Nesse período, também é pioneira na tradução de autores como Artaud e Apollinaire. Também realiza leituras públicas de textos teatrais em Santos, onde passa a viver. O dramaturgo Plínio Marcos mostrou seus primeiros textos para Pagu em um bar de Santos. Eles se conheceram quando um dos atores da montagem realizada por Pagu de peça infantil Pluft, o Fantasminha, adoeceu e Plínio o substituiu. A escritora gostou do que leu e incentivou o novato. Manifesto antropofágico de Oswald de Andrade Há um século, o modernismo atropelou o conservadorismo e abriu as portas ao progresso Oswald de Andrade telefona para cinco brasileiros Perdi a chance de comprar livros das mãos de Plínio Marcos  

Como Augusto Sandino enfrentou os Estados Unidos

A pequena Nicarágua, na América Central, sofria os ataques dos impulsos imperialistas norte-americanos bem antes da Guerra Fria, período de disputa da hegemonia geopolítica no mundo entre os Estados Unidos e a União Soviética que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. A América Latina sofreu as agruras desse embate. Nas décadas de 20 e 30 do século passado, o revolucionário nicaraguense Augusto Sandino foi o precursor em enfrentar a intervenção dos Estados Unidos nos assuntos internos dos países latino-americanos. Ainda adolescente, Sandino testemunhou o enterro do general Benjamín Zeledón, que lutou contra a primeira intervenção militar norte-americana em seu país, iniciada em 1909. O general foi assassinado pelas tropas invasoras em 2 de outubro de 1912. Sandino sempre lembrava que a centelha de sua obstinada resistência ao invasor do Norte nasceu naquele momento. Ali se iniciava a fascinante história do líder revolucionário Sandino, que ainda vive no imaginário da auto-afirmação da identidade latino-americana. A mãe do guerrilheiro nicaraguense, Margarita Calderón, era muito pobre e sobrevivia como camponesa e empregada doméstica. Seu pai, Gregorio Sandino, vinha de uma família com um pouco mais de recursos e era proprietário de um pequeno lote de terra. Já com os pais separados, Sandino trabalhou durante a infância na difícil colheita de café ao lado da mãe na região do Pacífico nicaraguense. Aos 11 anos, Augusto foi viver com o pai. Augusto César Sandino  nasceu há 120 anos na pequena Niquinohomo no dia 18 de maio de 1895. Morreu na capital nicaraguense Manágua em 21 de fevereiro de 1934, com apenas 38 anos. Entre 1920 e 1923, Sandino trabalha na Guatemala nas plantações da United Fruit, multinacional norte-americana que comercializava frutas tropicais. Trabalha também em empresas produtoras de petróleo nas cidades mexicanas de Tampico e Cerro Azul, entrando em contato com militantes socialistas e anarquistas embalados pelo clima de mobilização sindical criado pela Revolução Mexicana. Em agosto de 1925, depois de mais de 13 anos de ocupação, os Estados Unidos retiram suas tropas de Nicarágua e confiam seus interesses a grupos paramilitares. Em 1926, Emiliano Chamorro assume através de um golpe militar e após somente um ano, os marines dos Estados Unidos desembarcam novamente na Nicarágua já que não reconhecem a legitimidade de Chamorro. Em outubro deste ano, Sandino volta à Nicarágua e se une às tropas constitucionalistas. No dia de Natal, Sandino e outros constitucionalistas combatem os invasores com a colaboração das prostitutas que trabalham na região portuária da cidade litorânea de Puerto Cabezas. Durante o ano de 1927, Sandino acompanha de perto o armistício entre o general Moncada e o governo do presidente republicano Calvin Coolidge, que governou os Estados Unidos entre 1923 e 1929. Sandino não se convence que a soberania nicaraguense foi respeitada pelo acordo entre os dois países e continua sua luta pela expulsão das tropas norte-americanas do país. Para isso, recebe o apoio de combatentes estrangeiros de países como El Salvador, Guatemala, México e Venezuela, inclusive do dirigente comunista salvadorenho Farabundo Martí.  No final de 1928, Moncada é eleito presidente em eleição organizada pelos marines e contestada por Sandino. “Iremos até o sol da liberdade ou até a morte; se morrermos, nossa causa seguirá vivendo. Outros nos seguirão” (Sandino). Entre 1930 e 1932, o Exército Defensor da Soberania da Nicarágua, comandado por Sandino, chegou a possuir em suas fileiras 6 mil soldados. Após uma longa guerra civil, no primeiro dia de janeiro de 1933, a causa sandinista consegue expulsar as tropas norte-americanas do país. Juan Bautista Sacasa assume a presidência e o general Anastacio Somoza passa a comandar a Guarda Nacional, que ainda sofre forte influência dos Estados Unidos. Em fevereiro, Sandino firma um acordo de paz com o governo central mesmo se queixando das perseguições e assassinatos perpretados pela Guarda Nacional a combatentes do Exército Defensor. Sob as ordens do embaixador norte-americano, Somoza desobedece ao salvo conduto fornecido pelo governo ao líder nicaraguense e arquiteta seu assassinato no dia 21 de fevereiro de 1934 após uma reunião de Sandino com o presidente Sacasa. Em junho de 1936, Somoza derruba Sacasa e assume a presidência. Ele e seu filho dominaram o governo nicaraguense durante décadas. Em 1939, o presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, ironizou: “Somoza pode ser um filho da puta, mas é o nosso filho da puta”. O curioso é que Anastasio “Tachito” Somoza Debayle, filho do algoz de Sandino, foi derrubado do governo pela FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), grupo político que segue o ideário político de Augusto Sandino, em 1979. O ditador Somoza Debayle fugiu para o Paraguai onde foi assassinado em 17 de dezembro de 1980.  “Minha maior honra é ter surgido do seio dos oprimidos, que são a alma e o nervo da raça” (Sandino). Micaela Bastidas, guerreira de nuestra América

Nossas veias ainda não cicatrizaram

Perdemos o escritor uruguaio Eduardo Galeano. Ele morreu hoje pela manhã em hospital de Montevidéu aos 74 anos. Galeano é, junto com o brasileiro Darcy Ribeiro, daqueles poucos intelectuais que nos clareiam o caminho no entendimento de nossas mazelas, latinos do hemisfério sul. Cabe a nós buscarmos as saídas com a ajuda deles. Nesse momento, mais do que nunca. Inevitável dizer que seu livro mais conhecido, As Veias Abertas da América Latina, escrito por Galeano com apenas 30 anos e publicado em 1971, marcou toda uma geração que lutou contra o arbítrio nos países da América do Sul. O livro foi proibido no país natal do escritor, no Brasil, Argentina e Chile durante os governos ditatoriais. “Quanto mais cobiçado pelo mercado mundial, maior é a desgraça que um produto traz consigo ao povo latino-americano que, com seu sacrifício, o cria”. (Trecho de “As Veias Abertas da América Latina”) O setentão Galeano não perdoava a audácia do ainda jovem Galeano de explicar em apenas 300 páginas de As Veias da América Latina a história de séculos de exploração econômica sofrida por nosotros e nuestros hermanos, principalmente pela Inglaterra e Estados Unidos. Em visita ao Brasil no ano passado, o escritor declarou: “eu não seria capaz de ler o livro de novo. Cairia desmaiado. Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é chatíssima” (declaração retirada do site Opera Mundi). O livro foi traduzido para mais de uma dezena de idiomas e vendeu cerca de um milhão de exemplares.  “A pobreza não está escrita no astros; o subdesenvolvimento não é fruto de um obscuro desígnio de Deus. As classes dominantes põem as barbas de molho, e ao mesmo tempo anunciam o inferno para todos. De certo modo, a direita tem razão quando se identifica com a tranquilidade e a ordem; é a ordem, de fato, da cotidiana humilhação das maiorias”. (Trecho da introdução de “As Veias Abertas da América Latina”) A obra de mais de 30 livros de Galeano é diversa e prolixa. Entre eles, O livro dos Abraços (1991), que pode ser definido como histórias curtas e/ou pequenos relatos poéticos; Trilogia Memória do Fogo (publicada entre 1982 e 1986), em que Galeano utiliza a poesia e o conto para narrar a história latino-americana desde o Descobrimento; Dias de Noites de Amor e Guerra, memórias sobre as agruras do período ditatorial no Uruguai e Argentina; e muitos outros. Eduardo Galeano atuou também como jornalista. Começou jovem nos anos 60 como editor do semanário “Marcha”. Após o golpe uruguaio em junho de 1973, Galeano foi para Argentina e fundou a revista Crise e a dirigiu durante seus primeiros 40 exemplares. A repressão da ditadura argentina o levou ao exílio na Espanha em 1976, só retornando ao Uruguai em 1985. Em primeiro de março último, a visita do presidente boliviano Evo Morales lhe deu uma injeção de ânimo em sua luta contra um redivivo câncer de pulmão, que já o tinha hospitalizado em 2007. O escritor admirava Morales, como pode ser visto na entrevista abaixo que deu ao professor Emir Sader: Poema de Eduardo Galeano abre o disco Multiviral (2014) da banda porto-riquenha Calle 13: Disneylândia para intelectuais na Flip 2013

O poema de Jack Kerouac para Charlie Parker

Bird – Apaixonado pelo bebop, ritmo criado pelo revolucionário Charlie ‘Bird’ Parker e sua turma nos anos 40, o escritor Jack Kerouac homenageou seu ídolo com a gravação musicada do poema ‘Charlie Parker’ em 1957. Na gravação, Kerouac declama o poema acompanhado no piano por Steve Allen. Em 1959, o escritor reuniu esse poema a outros no disco Poetry for the Beat Generation. A galera apelidada de geração beat pirava e dançava ao som do bebop em bares frequentados predominantemente por negros em uma vibe que prenunciava a libertação pelo rock nos anos 60. Para inventar o bebop, Parker levou além standards conhecidos da música norte-americana com muita improvisação, virtuosismo em um ritmo frenético. O trompetista Louis Armstrong odiava o ritmo. O saxofonista Charlie Parker morreu há 60 anos, em 12 de março de 1955, e nasceu em 29 de agosto de 1920. Coincidentemente, o escritor Jack Kerouac nasceu na mesma data em que Parker morreu, um 12 de Março, mas de 1922. Considerado um dos principais músicos do século XX, o norte-americano Charlie Parker morreu com apenas 34 anos em Nova Iorque depois de muito abuso de heroína e álcool.  O culto ao músico se viu logo após sua morte estampado nas paredes do bairro negro do Harlem: “Bird Lives”. Antes de sua morte, Parker contabilizou duas tentativas de suicídio e uma longa internação em um sanatório. Destruído pela dependência química, o legista que examinou seu corpo atribuiu ao músico a idade de 65 anos. Lester Young foi um ídolos de Bird. Saiba mais sobre ele. O filme recentemente lançado Whiplash, que conta as agruras de um jovem músico nas mãos de seu professor autoritário, ressuscita a história que marcou o início da carreira de Charlie Parker. Em 1937, o ainda adolescente Bird participou de uma jam com a orquestra do pianista Count Basie, uma das mais conhecidas na época, na cidade natal de Bird, Kansas. Audacioso, Bird improvisou durante a execução da música I Got Rhythm em cima de acordes raramente usados no jazz. Revoltado com a audácia do jovem músico, o baterista Jo Jones desparafusou tranquilamente o prato da bateria e o arremessou em direção a Parker. O público vaiou Parker e caiu na gargalhada, que retirou-se humilhado do palco. No filme Whiplash, o professor sempre lembra ao aluno que se o baterista não tivesse atirado o prato de bateria, Bird não teria se dedicado para superar essa frustração e nunca teria sido Bird. “Koko”, Charlie Parker e Dizzy Gillespie “Now´s the time” O poema completo de Kerouac: “Charlie Parker looked like Buddha. Charlie Parker who recently died laughing at a juggler on TV after weeks of strain and sickness was called the perfect musician and his expression on his face was as calm beautiful and profund as the image of the Buddha represented in the East  the lidded eyes the expression that says: all is well.   This was what Charlie Parker said when he played: all is well. You had the feeling of early-in-the-morning like a hemit’s joy or like the perfect cry of some wild gang at a jam session Wail! Whap! Charlie burst his lungs to reach the speed of what the speedsters wanted and what they wanted was his eternal slowdown. A great musician and a great creator of forms that ultimately find expression in mores and what-have-you. DRUNKEN DUMBSHOW – O fim de Jack Kerouac Musically as important as Beethoven yet not regarded as such at all a genteel conductor of string orchestras in front of wich he stood proud and calm like a leader of music in the great historie worldnight and wailed his little saxophone the alto with piercing, clear lament in perfect tune and shining harmony Toot! As listeners reacted without showing it and began talking and soon the whole joint is docking and talking and everybody talking — and Charlie Parker whistling them on to the brink of eternity with his Irish St. Patrick Patootlestick. And like the holy mists we blop and we plop in the waters of slaughter and white meat — and die one after one in Time. And how sweet a story it is   when you hear Charlie Parker tell it either on records or at sessions or at official bits in clubs (shots in the arm for the wallet). Gleefully he whistled the perfect horn anyhow made no difference… Charlie Parker forgive me. Forgive me for not answering your eyes. For not having made an indication of that which you can devise. Charlie Parker pray for me. Pray for me and everybody.   In the Nirvanas of your brain where you hide — indulgent and huge — no longer Charlie Parker but the secret unsayable Name that carries with it merit not-to-be-measured from here to up down east or west. Charlie Parker lay the bane off me …and everybody.” Embarque no sax de John Coltrane  

Pixinguinha morreu como um santo

O músico Pixinguinha, aos 75 anos, entrou na Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, para batizar o filho de um amigo. Ao chegar perto do altar, sentiu-se mal, teve um enfarte fulminante e morreu em poucos minutos. Albino Pinheiro, comandante da lendária Banda de Ipanema, que desfilava pelas ruas do Rio naquele dia, soube do ocorrido e comandou uma versão de Carinhoso, composição mais conhecida de Pixinguinha, em frente à igreja. A alma de um de nossos maiores gênios ficou dividida entre o sagrado e o profano, mistura encontrada em inúmeras manifestações culturais brasileiras. O músico Alfredo da Rocha Vianna Filho, Pixinguinha, morreu em 17 de fevereiro de 1973 no Rio de Janeiro. Ele nasceu também no Rio em 23 de abril de 1897.   Infância e carreira O cantor viveu rodeado de música desde criança. O pai de Pixinguinha, também chamado Alfredo, funcionário público e flautista amador, abrigava seus amigos músicos em sua casarão de 8 quartos . Muitos de seus 13 irmãos também tocavam instrumentos e China, seu irmão mais velho, era violonista e foi quem ensinou os primeiros passos da música para o pequeno Alfredo. Alfredo virou Pixinguinha após contrair varíola, conhecida na época como bexiga. No começo era chamado de Bexinguinha, com o tempo, de Pixinguinha. Com apenas 14 anos, ele já tocava profissionalmente no Cinematógrafo Rio Branco, centro do Rio. Ele tocou também no Cine Palais, com Donga, autor de “Pelo Telefone”, primeira gravação conhecida de um samba. Nesses locais, Pixinguinha ajudava a dar vida às imagens do cinema mudo. Nos anos 1940, o saxofone de Pixinguinha fez história ao lado da flauta de Benedito Lacerda em 34 registros na gravadora Victor com clássicos como “Um a zero” e “Vou vivendo”. Em sua carreira, o músico liderou vários grupos musicais como Orquestra Típica Oito Batutas, Orquestra Típica Pixinguinha-Donga e Diabo no Céu. Leia também “Gênio da raça foi o violonista Garoto” No aniversário do quarto centenário (1954) da cidade de São Paulo, o fotógrafo Thomaz Farkas registrou uma apresentação ao vivo de Pixinguinha e sua banda, infelizmente um dos poucos registros ao vivo do músico: “Vou Vivendo”: “Ingênuo”: “Sensivel”: Fonte usada: Revista de História da Biblioteca Nacional.   *** Publiquei na primeira versão do texto que Pixinguinha morreu em uma segunda de carnaval. A leitora Lígia Carbonari nos alertou que o dia 17 de fevereiro de 1973 não foi uma segunda de carnaval e que ela própria nasceu em uma segunda de carnaval (dia 5 de março). A Banda de Ipanema saiu, mas o carnaval aconteceu duas semanas após a morte de Pixinguinha. O texto foi retificado em 15 de fevereiro de 2015. Desculpem pelo equívoco. O samba de resistência de Candeia A força do Brasil mestiço no canto de Clara Nunes

A revolta dos escravos muçulmanos em 1835 na Bahia

  Revolta dos malês – Em janeiro de 1835, os escravos malês, de origem islâmica, organizaram um levante em Salvador. Na língua iorubá, muçulmano é imale, que foi aportuguesado para malê. A maior parte dos escravos na Bahia era muçulmana e eles eram cristianizados, chegando até a serem batizados à revelia. Os malês costumavam pendurar ao pescoço um pequeno saco contendo pedaços de papel com trechos do Corão como forma de proteção. Infelizmente, não os protegia da opressão e dos maus tratos que sofriam. Na noite do dia 24 de janeiro de 1835, os católicos comemoravam, na Igreja do Bonfim, a festa de Nossa Senhora da Guia, protetora dos navegantes e uma das muitas representações de Nossa Senhora. Enquanto isso, os negros africanos celebravam o Ramadã nas senzalas. Foi nessa noite que a revolta começou. O levante envolveu cerca de 600 homens, o que equivale aproximadamente a 24 mil pessoas nos dias de hoje. Salvador tinha na época da revolta em torno de 65,5 mil habitantes, dos quais cerca de 40% eram escravos. Juntando os negros, mestiços e negros livres, os afro-descendentes representavam 78% da população. Os brancos não passavam de 22%. Os rebeldes tinham planejado o levante para acontecer nas primeiras horas da manhã do dia 25, mas foram denunciados por um casal de negros libertos, Domingos Fortunato e Guilhermina Rosa, que temia a possibilidade de que os revoltosos matassem os católicos. Os malês conseguiram aliciar escravos originários de outras nações africanas como os geges e os minas antes da revolta. As reuniões se realizavam em diversos locais de Salvador. Um dos mais importantes ficava nos fundos da casa de um inglês chamado Abraão. Por lá, destacaram-se como dirigentes os negros Diogo e Ramil. Outra liderança da revolta foi Luísa Mahin, mãe do abolicionista e escritor Luís Gama, considerado um dos grandes lutadores pelo abolicionismo no Brasil. Alforriada, Luísa era quituteira e ia de casa em casa articulando a rebelião. De sua união com um fidalgo português foi que nasceu Luiz Gama, para quem ela dizia ter sido princesa na África. Gama morreu em 1882, seis anos antes de ver seu sonho realizado: a Abolição. Luiz Gama escreveu sobre a mãe: “Sou filho natural de uma negra africana livre da nação nagô de nome Luísa Mahin, pagã, que sempre recusou o batismo e a doutrina cristã. Minha mãe era baixa, magra, bonita, a cor de um preto retinto, sem lustro, os dentes eram alvíssimos como a neve. Altiva, generosa, sofrida e vingativa. Era quitandeira e laboriosa“. A revolta foi reprimida com violência pelo governo com setenta revoltosos mortos e outros 500 presos e condenados à pena de morte, prisão, açoite e deportação. A pena de açoite variava de 300 até 1.200 chicotadas, que eram distribuídas ao longo de alguns dias. Do lado repressor, foram 10 baixas. Na primeira metade do século 19, a Bahia foi palco de lutas anticoloniais e motins anti-portugueses. Outros levantes de escravos antes da revolta dos malês ocorreram em 1814, 1823 e 1830 no estado da Bahia. Infelizmente sabemos pouco sobre os planos dos rebeldes se vitoriosos. Há indícios de que não tinham planos amigáveis para as pessoas nascidas no Brasil, fossem brancas, negras ou mestiças. Umas seriam mortas, outras escravizadas pelos vitoriosos malês. As ocupações dos presos por suspeita de participação na revolta de 1835 refletem a variedade de atividades desempenhadas pelos escravos urbanos à época. Havia lavradores, remadores, domésticos, pedreiros, sapateiros, alfaiates, ferreiros, armeiros, barbeiros, vendedores ambulantes, carregadores de cadeira, entre outras atividades.  Para saber mais: Rebelião Escrava no Brasil – A história do levante dos Malês em 1835, do historiador João José Reis, Editora Companhia das Letras. https://urutaurpg.com.br/siteluis/a-escravidao-brasileira-na-holanda-e-em-pernambuco/ Violência contra pessoas negras denuncia a gravidade do racismo A luta de Harriet Tubman contra a escravidão nos Estados Unidos

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