Zona Curva

Política

Uma luz para você entender um pouco sobre o imbróglio político em que o país está metido.

Eleições: por que vencem as mentiras (fake news)?

As novas tecnologias têm sido denunciadas como um grande entrave para a democracia e, em muitos casos, são apontadas como responsáveis pela eleição de alguém, como foi no Brasil, ou pelo rechaço de algo, como foi no Chile. As correntes no uatizapi, a enxurrada de mentiras nas redes sociais, a manipulação nas plataformas, a alienação em outras. Bom, isso pode ser a aparência da coisa, mas seguramente não é a essência. Como já apontou Álvaro Vieira Pinto, todas as épocas são tecnológicas e não são as tecnologias que mudam o mundo. O que move o mundo são as pessoas. A tecnologia potencializa uma ou outra coisa, mas é o sistema organizativo da sociedade, e sua ação concreta na realidade, que orienta rumos. Portanto, culpar a internet pelo resultado da vida política não tem qualquer sentido. A menos que se queira esconder os reais motivos que fazem uma sociedade caminhar para aqui ou ali. Quando, em 2018, o candidato Jair Bolsonaro começou a “bombar” nas redes, usando o artifício da mentira, grande parte da esquerda brasileira ficou surpreendida. Como pode uma pessoa acreditar na existência de uma mamadeira de piroca nas escolas? Por que acreditam que o filho do Lula é dono da Friboi ou de mansões? Como puderam cair no conto da Lava Jato? Então, no estupor do momento, a culpa foi direcionada para o fato de que as novas tecnologias agora permitirem a comunicação sem mediação. Grupos de família se comunicando, grupos de amigos, redes democráticas. Ora, é certo que essas redes potencializaram a mentira, mas seriam elas as responsáveis pela ascensão da mentira como elemento central da política? Obviamente que não. No Brasil, assim como em grande parte dos países da América Latina, já faz muito tempo que a formação da população saiu de pauta nas organizações partidárias. De uma maneira geral, os partidos de esquerda ou progressistas não trabalham mais – ou trabalham pouco – na organização de base. Isso ficou por conta dos movimentos sociais que, em função de suas pautas particulares, muitas vezes não conseguem trabalhar com a totalidade da realidade. Isso lentamente foi reduzindo a capacidade de compreensão do todo. Da mesma forma, dentro dessas organizações, não há a formação de vanguardas capacitadas para disseminar o conhecimento na base. Não é à toa que os partidos perderam credibilidade. Além disso, no campo da educação formal, a população também foi perdendo ferramentas de compreensão crítica a cada nova reforma, sempre trabalhada no sentido de barrar a apreensão da totalidade. Ensino técnico, retirada das humanidades, educação bancária. E isso não foi coisa que aconteceu do nada. Não. Teve planejamento. É a classe dominante determinando o caminho. A luta pelo socialismo é um caminho generoso que aponta uma sociedade nova, capaz de emancipar o humano em todas as suas dimensões: a mulher, o indígena, o negro, o sem-casa, o sem-teto, o ecologista e assim por diante. O particular não é negligenciado, mas o universal é o foco. E o socialismo é uma organização que está absolutamente voltada para a maioria das pessoas, ou seja, os trabalhadores, aqueles que efetivamente constroem a riqueza de um país e do mundo todo. É por isso que o socialismo e o comunismo causam tanto medo àquele 1% da população que hoje detém o controle da riqueza e dos meios de produção. Porque se vier essa sociedade, eles terão de se submeter aos que hoje eles dominam. Então, como o que vivemos é uma guerra de classes, eles – os que conformam o 1% – armam armadilhas o tempo todo visando desorganizar e desestruturar a luta pelo socialismo. Cabe aos trabalhadores conhecer o sistema e identificar as armadilhas. Sobre como nasce e como se organiza o sistema capitalista, o alemão Karl Marx já deu a dica. Ler seu livro luminoso chamado “O Capital” já abre uma infinidade de portas para a compreensão da realidade bem como para a necessidade de mudar a totalidade do processo que nos domina. Não há “empoderamento” da mulher, do indígena, do negro, do sem-terra ou qualquer outro dentro do capitalismo, sem a destruição das estruturas todas. Não há. O machismo não se acaba com decreto. A compreensão sobre o indígena também não. Muito menos o racismo. E distribuir uma terrinha aqui ou acolá também não muda a estrutura fundiária de um país. É preciso que tudo seja derrubado. Tudo ao mesmo tempo, agora. Obviamente que as demandas particulares precisam ser organizadas e lutas devem ser travadas visando as mudanças. Por isso, os movimentos sociais são fundamentais. Mas, precisa ter o horizonte da transformação geral, a revolução de tudo. Senão, não há poder. A realidade material da maioria da população é a que precisa ser o centro da atenção. Comida na mesa, para viver saudável. Educação de qualidade para compreender criticamente a realidade. Saúde preventiva e acessível a toda gente, economia do país voltada aos interesses da maioria, patrimônio público nacional e riquezas servindo aos trabalhadores. Segurança para viver feliz e em paz. Cada pessoa no Brasil ou em qualquer canto do mundo quer isso. Esses são os temas que mexem com a cabeça e o corpo. São temas que exigem radicalidade, no sentido de ir à raiz das coisas. Quando uma população vive sem saúde, sem comida na mesa, sem escola para os filhos, sem posto de saúde para suas dores, sem proteção da violência, é certo que fica vulnerável à mentira. Como um trabalhador vai estudar e compreender a realidade se ele precisa matar 300 leões para garantir um mínimo de pão? A sociedade capitalista, com sua pedagogia da sedução – se tu te esforçares, consegue – embota o sentido, engana, coopta. Ela é danada. E para combatê-la é preciso garantir aos trabalhadores instrumentos para ver a realidade. Formação, organização e um objetivo que alcance toda a gente. O poder para os trabalhadores. Feito isso, as particularidades começam a ser resolvidas e, aí sim, vem o empoderamento. Porque a palavra já diz tudo: poder. E quem tem poder é quem define o caminho. Isso não

O maior condomínio de luxo do mundo

Não sei quantos amigos meus têm contato direto com os pobres, além de faxineiras, cozinheiras, garagistas etc. Mas quase todos sabem que faço ponte entre pessoas muito pobres e/ou excluídas e o mundo dos remediados e ricos. Com frequência, promovo campanhas, como a de Quaresma, e coleto cestas básicas, medicamentos e outros bens imprescindíveis. A pobreza é aterradora e humilhante. Ninguém a escolhe. A rigor, o que existem são empobrecidos. Pessoas que foram levadas pelas estruturas de nossa sociedade a ficarem privadas de direitos básicos, como alimentação, saúde e educação. Morei cinco anos em uma favela, em Vitória. E há décadas assessoro movimentos populares. Por isso, conheço casos como o de dona Rosa, que nunca teve oportunidade de passar do segundo ano do ensino fundamental. Empregada doméstica (sem carteira assinada), casou e teve cinco filhos. O marido, desempregado, deu pra beber. E espancá-la. Rosa se separou e foi despedida do emprego porque passou a levar o filho mais novo, de dois anos, por não ter com quem deixá-lo. Agora sobrevive da solidariedade de vizinhos e amigos. Em novembro de 1989 caiu o Muro de Berlim. Em outubro, estive em Berlim Oriental. Vi a muralha desabar. E brotou a grande esperança de que, a partir de então, o mundo não mais teria muros segregadores. Vã expectativa. Dois acontecimentos fizeram surgir novos muros: a queda das torres gêmeas, nos EUA, a 11 de setembro de 2001, e a crise dos refugiados em 2015, quando um milhão deles ocuparam a Europa. Como estrutura física dois muros se destacam: o erguido por Israel para segregar os palestinos, e o que a Casa Branca estende na fronteira dos EUA com o México (3.145 km) para tentar conter a onda migratória. Segundo Frank Jacobs, atualmente há pelo menos 70 fronteiras muradas em todo o mundo. A União Europeia é, hoje, o maior condomínio fechado do mundo. Outros países também trancam as portas, como Japão, Austrália, Nova Zelândia e Coreia do Sul. Esse seleto grupo de países, incluídos EUA e Canadá, abriga apenas 14% da população mundial e, em 2009, possuía 73% da riqueza global. Os 86% da população mundial extramuros sobrevivem com apenas 27% da renda total. Dentro do condomínio, a renda média mensal é de 2.500 euros. Fora, apenas 150 euros. As 50 melhores cidades do mundo em qualidade de vida estão dentro do condomínio. A guerra da Coréia, na década de 1950, rachou a península coreana em duas. A zona desmilitarizada, que separa a Coréia do Sul da Coréia do Norte, e serve de “muro”, se estende por 248 km. É considerada intransponível, a ponto de os desertores do Norte preferirem escapar pela fronteira com a China. No norte da África, se destaca a cerca de fronteira que separa as cidades espanholas de Ceuta e Melilla do território de Marrocos. Toda em arame farpado e construída em 1993, a cerca, equipada com sofisticados sensores, tenta deter o fluxo de migrantes da África subsaariana. O Muro de Evros, edificado em 2012, separa a Turquia da Grécia e impede que imigrantes ilegais acessem por ali a União Europeia. A Índia constrói, atualmente, a cerca de 4.000 km – o Muro de Bengala – que a separa de Bangladesh, sob a alegação de evitar a entrada de contrabandistas e terroristas. Na realidade, ali o fluxo migratório se caracteriza por fuga da pobreza e das mudanças climáticas. Algumas barreiras são entre bairros, como os Muros de Paz que, em Belfast, na Irlanda do Norte, separa as comunidades católicas/nacionalistas das comunidades protestantes/loyalistas. O maior deles, com 1 milhão de tijolos, divide a propriedade protestante Springmartin do Parque Católico de Springfield. No Brasil, proliferam condomínios fechados, como Alphaville, em São Paulo, e o AlphaVilla, em Belo Horizonte. No Rio, eles se multiplicam sobretudo na Barra da Tijuca, onde se ergue uma réplica da Estátua da Liberdade. Um dos projetos dos bilionários para desfrutarem com tranquilidade seus excessivos luxos é construir ilhas móveis, nas quais teriam seus condomínios privados. Com a vantagem de se moverem pelos mares do mundo, escaparem das leis e se protegerem de qualquer risco de assaltos ou sequestros. Isso enquanto não conseguem colonizar o planeta Marte e transferir para lá suas utopias paradisíacas. Contudo, o muro mais maciço e intransponível se situa no coração humano. É o preconceito, o fundamentalismo, a discriminação e a arrogância que mais criam barreiras entre os seres humanos e cimentam as gritantes desigualdades sociais. Retratos do Brasil e da América Latina Ricos pagam menos impostos

Igualdade na política pode levar mais de um século

Apesar de avanços, se comparada à participação de homens brancos, cis ou héteros, ainda é pouco comum no Brasil a participação de mulheres e pessoas da comunidade LGBT+ na política. Segundo o relatório Desigualdade de Gênero e Raça na Política Brasileira lançado no dia 25 de  julho pela Oxfam Brasil, instituição independente e sem fins lucrativos que atua com o objetivo de diminuir as desigualdades, em parceria do Instituto Alziras, revelou que a igualdade de gênero e raça no campo da política pode demorar mais de um século.  O estudo foi feito a partir de comparação entre os perfis das pessoas candidatas e eleitas para o poder executivo e legislativo municipal entre 2016 e 2020 com divisão por gênero e raça. Mas há esperança, como no caso da vereadora mais votada do Brasil em 2020, Érika Hilton (PSOL), entrevistada recentemente pelo ZONACURVA, que foi a primeira mulher trans a ocupar assento na Câmara Municipal da cidade de São Paulo em tantos anos de República. Algo semelhante ocorreu em Belo Horizonte onde Duda Salabert também foi a vereadora mais votada da história do município e a primeira mulher trans eleita para um mandato na Câmara da capital mineira.  Representatividade feminina O relatório mostra que o percentual de candidaturas femininas teve pouco aumento entre as duas últimas eleições municipais. Apenas 13,6% das candidaturas à prefeitura em 2020 foram de mulheres, com uma variação positiva de meio ponto percentual em relação a 2016. Já nas câmaras municipais, elas representaram 35% das candidaturas no mesmo ano. Na capital paulista, por exemplo, existem apenas 13 vereadoras contra 42 vereadores, o que equivale a 24% do total. Apesar disso, é a maior bancada feminina já eleita na cidade. A Oxfam atribui o aumento no executivo das cidades à política de cotas vigente desde 2009, que obriga os partidos a manterem pelo menos 30% da legenda com candidaturas de cada sexo.   Comparativo dos candidatos à prefeitura Tanto em 2016 quanto em 2020, os locais com menor quantidade de candidaturas femininas concorrendo à prefeitura foram as regiões Sul e Sudeste.  Segundo o documento, apesar de pequeno, a quantidade de candidatas negras no executivo é proporcional ao porte dos municípios. Em quatro anos, sua presença aumentou 4% nos municípios de forma geral e 23% nas metrópoles. Em relação às candidaturas à prefeitura dentro dos partidos, as mulheres ocupam menos de 20% em quase todos, com exceção do PSTU (38%), UP (27%) e PMB (24%). No entanto, esses partidos, somados, disputam eleições em apenas 2% dos municípios.  No Brasil, de 2016 para 2020, a parcela de prefeitas aumentou de 11,5% para apenas 12,1%.  Para cada prefeita mulher, há 9 prefeitos homens. Caso o ritmo permaneça o mesmo, conseguiremos alcançar igualdade de gênero nas prefeituras brasileiras apenas em 2166.   Comparativo dos candidatos à vereança No legislativo dos municípios, os piores índices de participação de mulheres nas câmaras de vereadores pertencem aos Estados do Rio de Janeiro (9,7%) e Espírito Santo (10,5%), enquanto o Rio Grande do Norte tem o maior (21,7%). Com relação às vereadoras negras, o melhor percentual é no Norte e Nordeste e os piores se encontram no Sul e Sudeste. Por outro lado, em 2020, a maior parte das candidaturas foram de pessoas negras, com 51,5%. Em 4.983 cidades, as mulheres negras ocupam menos de 20% das cadeiras nas câmaras municipais, e em 57% delas, elas não ocupam assento algum. Em contrapartida, vereadoras negras ficaram entre as 10 mais votadas em 11 capitais.     Representatividade indígena Prefeitura Apesar do aumento de 32% entre 2016 e 2020, o número de candidaturas de indígenas é ainda menor. Em relação à proporção, o PT é o partido com maior quantidade tanto em 2016 quanto em 2020, com 14%.  Em todo o Brasil, existem apenas 8 prefeituras gerenciadas por eles, sendo que 4 delas estão na região Norte. Os partidos com maior proporção de indígenas são o PP e PSD, que juntos elegeram metade deles, cada um com 25%. Câmara dos vereadores No legislativo municipal, o panorama é um pouco melhor, se comparado com o executivo. Nas eleições de 2016, as candidaturas indígenas aumentaram em 32%. Enquanto o índice de candidatos indígenas do gênero masculino cresceu 21%, as candidaturas de mulheres indígenas subiram 60%.  Entretanto, a taxa de crescimento entre os eleitos avançou apenas 5%. Os representantes indígenas no legislativo municipal estão concentrados principalmente nos Estados do Norte e do Centro-Oeste. O Rio de Janeiro foi o único estado onde não houve indígenas eleitos. O PT também lidera em assentos na câmara, com 12,4% deles, junto ao MDB, que também possui 12,4%. Representatividade LGBT+ De acordo com o relatório, existe maior dificuldade em fazer análises aprofundadas sobre a participação LGBT+ na disputa eleitoral devido à falta de coleta de informações sobre orientação sexual pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).  Os partidos e os tribunais eleitorais fizeram a atualização de seus cadastros com a autodeclaração relacionada à orientação sexual e identidade de gênero a partir de marcadores não binários. Além disso, apesar de candidaturas trans poderem usar o nome social no registro em 2020, o sistema do tribunal apresenta falhas, pois mostra que pessoas cisgêneras também o fizeram.  Nessa área, a representatividade partidária também é baixa. Infelizmente não é de se surpreender que o Brasil, país onde mais mata pessoas dessa comunidade em todo o globo, onde personalidades políticas como Érika Hilton (PSOL), Duda Salabert (PDT) e Filipa Brunelli (PT) sofrem constante ameaça à vida, demandando reforço na segurança, tenha tão pouca representação da mesma no campo político.   Executivo municipal Foram identificadas somente 10 candidaturas LGBT+ para o poder executivo em 2020, sendo 6 para o cargo de prefeito e 4 para vice. 100% delas são de partidos de esquerda, com 8 do PSTU e 2 do PSOL. Com relação à cor, 6 eram brancas, 3 negras e 1 indígena. No que diz respeito às candidatas trans, foram identificadas apenas duas.   Legislativo municipal Foram identificadas 546 candidaturas LGBT+ para o legislativo municipal, com a eleição de 97 destas. Dos

Evento debate a estratégia da extrema direita nas redes sociais

A Fundação Fernando Henrique Cardoso (FHC) realizou no dia 19 de julho um webinar sobre “A força da extrema direita nas redes sociais: ideologia e estratégia” para entender como opera o bolsonarismo. Para debater a respeito, convidaram dois pesquisadores que coordenam o Observatório da Extrema Direita (OED): Guilherme Casarões, doutor e mestre em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), e Isabela Kalil, mestre e doutora em antropologia social pela USP. O evento foi mediado por Sérgio Fausto, cientista político e diretor geral da Fundação FHC. Nossa repórter Letícia Coimbra participou do evento e nos conta o que de melhor rolou no papo.  Internet amplificou o alcance da extrema direita Abrindo os trabalhos, Isabela Kalil, uma das maiores estudiosas do bolsonarismo no país, afirmou que a internet não criou pessoas de extrema direita. Segundo ela, essas pessoas já conviviam conosco, mas as redes sociais abriram a possibilidade de que certas atitudes e discursos ganhassem visibilidade. “Essas práticas não são novas, mas ganham um meio de se amplificar”, afirmou.  Segundo Guilherme, a extrema direita tem conexões por todo o mundo e considera que, no Brasil, Olavo de Carvalho foi o maior influenciador da sua articulação, quando ainda em 2013, fazia transmissões no Google Hangouts com Bia Kicis, Allan dos Santos, família Bolsonaro e outras figuras desse campo no país. Grupos bolsonaristas Guilherme Casarões separa o bolsonarismo em três categorias: Grupos de interesse (não são necessariamente nativos das redes, mas usam as plataformas): evangélicos, armamentistas, empresários e médicos; Criadores de narrativas que sustentam a extrema direita: ultracatólicos, jornalistas e influenciadores; Tropa de choque (disseminam as ideias): vaporwave (memes com estética retrô e futurista), gamers, cidadãos de bem e robôs do Bolsonaro. De acordo com ele, os grupos agem no movimento em quatro etapas: emulação: reprodução de ideias da extrema direita global; adaptação: traduzir para a realidade brasileira; coordenação: articulação entre os membros dos grupos; legitimação: adesão de seguidores, corroboração interna e validação externa (com grupos da extrema direita estrangeira intensificando o movimento). Um dos exemplos citados pelo pesquisador é o caso do grupo dos armamentistas, que reproduzem discursos como o de Marjorie Taylor-Greene, política e teórica da conspiração da extrema direita que atua na Geórgia, nos Estados Unidos, coordenado por olavistas, influenciadores e jornalistas. Esse grupo também se legitima através da ocupação de espaços políticos no governo e no legislativo. Como exemplo de armamentista é citado o deputado Daniel Silveira, que foi preso por ordem do STF. Como age a extrema direita brasileira Segundo Kalil, a manifestação do dia 15 de março de 2020, que pedia o fechamento do Congresso Nacional, inaugurou a sequência de atos antidemocráticos e “o uso de uma tecnologia política”. A pesquisadora explica que devido à pandemia, a estratégia foi transportada para a internet e desembocou em evento negacionista em relação à pandemia. Ela diz que os bolsonaristas falam em códigos nas redes, usando, por exemplo, o artigo 142 para se referir  indiretamente à intervenção militar. Além disso, para entrar nos trending topics do Twitter, tendem a usar termos em inglês ou antigos, como, por exemplo, a hashtag #bolsonaroday porque têm maior chance de ficar nos assuntos mais comentados da plataforma. Isabela Kalil lembra de pesquisa da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FespSP), realizada em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que mostrou que 55% dos compartilhamentos dessa hashtag foram feitos por usuários com comportamento inautêntico, ou seja, por robôs (máquinas) e ciborgues (robôs administrados por seres humanos). A pesquisadora ressalta que robôs não votam, mas podem influenciar a opinião pública. Casarões diz que o grupo olavista abriu caminho no serviço digital e que a extrema direita se utiliza de pessoas que nasceram na era digital para montar sua estratégia, se valendo de uma comunicação simples e direta, enquanto a esquerda brasileira tem um vocabulário academicista, que torna mais difícil o entendimento da população. Kalil destacou que a direita não tem medo de errar, e o efeito que estão colhendo agora é fruto de pelo menos uma década de empenho.   Mais audiência para o bolsonarismo A pesquisadora afirmou também que a esquerda tende a se comunicar com a própria bolha, enquanto a extrema direita tende a falar para a oposição. Ela explica que, para os bolsonaristas, é rotineiro e comum o que eles dizem, e por isso não se dão tanta relevância. Segundo ela, os progressistas tendem a repercutir e compartilhar esses absurdos, dando audiência e em alguns casos aumentando a popularidade da extrema direita. “A verdade é que o campo progressista trabalha de graça para a extrema direita, o tempo todo”, afirma Isabela Kalil. Sobre o que compartilhar ou não, Kalil explica que se a insanidade foi proferida por alguém que ocupa um cargo elevado como Bolsonaro, não adianta evitar repercutir, porque ele já tem muito destaque. Mas, no caso de influenciadores médios ou pessoas anônimas, é importante não repassar porque aumenta a visibilidade da pessoa em questão. Presença da extrema direita nas redes independe do resultado eleitoral “Bolsonaro é uma figura sebastianista que representa o movimento, mesmo fora do governo, não sairá dos holofotes”. Como referência, Guilherme Casarões cita o movimento conservador nos EUA, e afirmou que apesar de Trump não estar mais na presidência, o trumpismo se enraizou na sociedade. Se mesmo em democracias consolidadas, a extrema direita tem o seu lugar, no Brasil, não será diferente e que o lugar ocupado pode ser ainda maior. Isabela Kalil acredita que o movimento veio para ficar, principalmente no meio digital. Ela diz que o número de ultradireitistas usando a internet representa pouco em comparação com a população em geral, mas eles podem influenciar a opinião pública sem que percebam. A pesquisadora usou como exemplo a desconfiança do sistema eleitoral mesmo entre as pessoas moderadas, que podem se sentir desmotivadas a votar devido a isso.  “Por que eu vou sair da minha casa e votar se é tudo fake, manipulado?”, disse. Segundo ela, esse movimento de Bolsonaro descredibilizar as urnas eletrônicas e todo o processo eleitoral

A próxima visita de Lula a Pernambuco

Já se anuncia, como uma injeção de resistência para todos os pernambucanos, que Lula vem aí, que ele está voltando. Então já nos pomos a esperar pelo dia, em 20 em Serra Talhada e Garanhuns, em 21 no Recife. Lula em Pernambuco é um filme que nunca para de passar. É o cinema do Recife, onde o povo entra na tela e participa da ação. Mas que filmes, que epopeias de amor político despertam e passam a sua presença entre nós? Vemos Os Companheiros ou Eles não usam black-tie? Se assim fosse, o filme seria mais relacionado à história do trabalhador Luiz Inácio Lula da Silva. Mas penso que o filme de Lula, que não para de passar nestes tempos sombrios, é O Grande Ditador, de Charlie Chaplin. E por quê? No filme, Chaplin dá um discurso de esperança, que projeta o fim do fascismo para multidões que se encontram na angústia e desespero: “Mesmo agora que a minha voz chega a milhões de pessoas pelo mundo afora, milhões de desesperados, homens, mulheres, crianças, vítimas de um sistema que faz o homem torturar e prender pessoas inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não se desesperem!” O sofrimento que está entre nós agora é apenas a passagem da ganância, a amargura de homens que temem o progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. Vocês, o povo, têm o poder — o poder de criar máquinas, o poder de criar felicidade! Vocês, o povo, têm o poder de fazer desta vida livre e bela, de fazer desta vida uma aventura maravilhosa. Portanto — em nome da democracia —vamos usar desse poder, vamos todos nos unir! Vamos lutar por um mundo novo, um mundo decente, que dê ao homem uma chance de trabalhar, que dê um futuro a juventude e segurança aos idosos”. O Grande Ditador pode ser o filme, porque as palavras acima são dignas de Lula e destas horas. Mas antes, na saudação ao futuro presidente, qual cântico coletivo poderia ser cantado pela multidão? Para os recifenses, poderia e poderá ser um frevo, ou frevos. Mas de quem, de Capiba ou de Nelson Ferreira? A “Evocação número um” poderia ser cantada em mais uma das infinitas, necessárias e belas vezes. Ou “Madeira que cupim não rói” que Ariano Suassuna tanto gostava de cantar nos palanques (nos desculpem pela baixa qualidade do vídeo): Não temos que escolher entre duas belezas. Os dois frevos cabem em momentos diferentes. Mas se houver dúvida, como ponto de pacificação geral, Lula bem poderá ser saudado pelo imortal Hino de Pernambuco: É história e presente. Antes, em 2010 quando esteve no Recife, ouvimos pelo microfone Lula contendo o choro. Na plateia, milhares de ouvintes o copiavam. Ali, a fala de Lula durou 33 minutos. Cerca de oitenta mil pessoas estavam no Marco Zero da cidade, com emoção e verdade no reencontro do presidente com a gente que o ama. E carinho e coragem e pulsar de afetos são coisas que mexem nos nervos até das pedras. Naquele dia, se os repórteres não olhassem a multidão à distância, teriam visto no interior do povo cadeirantes pedindo passagem, senhoras velhinhas apoiadas nos netos, indivíduos cegos a tatear com suas bengalas, jovens, muitos jovens, negros, muitos negros, negros na pele e no peito, que ouviam sérios, com absoluta atenção o presidente que lhes dizia, apontando para um menino da favela que toca violino: “Ele, Daniel, só queria uma oportunidade”. Nesta sua volta agora, diante dos homicídios, crimes e cerco fascistas no Brasil, é impossível não lembrar o que Lula falou, quando amargou uma injusta prisão: “Eu sou um construtor de sonhos. Sonhei que era possível um metalúrgico, sem diploma, cuidar mais da educação do que os diplomados e concursados cuidaram da educação. Sonhei que era possível pegar os estudantes da periferia e colocá-los nas melhores universidades do país. Daqui a pouco vamos ter juízes e procuradores nascidos na favela, nascidos na periferia”. Enfim, ou dizendo melhor, por enquanto: para o fenómeno da existência do maior líder popular da América Latina, para a sua vida, bem cabem os versos finais de Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto: “— Ô seu Lula, retirante, deixe agora que lhe diga: eu não sei bem a resposta da pergunta que fazia, se não vale mais saltar fora da ponte e da vida; nem conheço essa resposta, se quer mesmo que lhe diga é difícil defender, só com palavras, a vida, ainda mais quando ela é esta que vê, Severina mas se responder não pude à pergunta que fazia, ela, a vida, a respondeu com sua presença viva. E não há melhor resposta que o espetáculo da vida: vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida; mesmo quando é assim pequena a explosão, como a ocorrida; como a de há pouco, franzina; mesmo quando é a explosão de uma vida Severina”. E mais não podemos falar. Lula no covil do pato https://urutaurpg.com.br/siteluis/lula-sus/ O golpe preventivo contra Lula Lula e Boulos

“A ameaça é o pão de cada dia”, diz indigenista exilado

Colaborou Letícia Coimbra   O CONVERSA AO VIVO ZONACURVA de 23 de junho recebeu Ricardo Rao, indigenista que está exilado em Roma, na Itália, devido às ameaças que sofreu quando trabalhava como agente da Funai no Maranhão. O programa foi apresentado por Fernando do Valle, editor do Zona Curva, e contou com a participação do advogado Roberto Lamari. Hostilidade a partir do governo Bolsonaro Segundo Ricardo, as ameaças feitas ao seu trabalho antecedem à gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL), mas foi a partir daí que passaram a ser cumpridas. O indigenista acredita que antes não os atacavam devido à proteção do Estado, porém o “discurso de ódio” que o atual chefe do Executivo vocifera contra os indígenas desde 2018 funcionou como um aval para fazerem ataques deliberadamente. De acordo com ele, o presidente utiliza os indígenas como “inimigo interno”. “Nunca foi [tranquilo]. A ameaça é o pão de cada dia de quem na Funai trabalha na proteção das aldeias […] mas a gente conseguia fazer uma triagem.  E eram ameaças só, ninguém cumpria” Quando questionado por Lamari, Ricardo disse que seu trabalho não costumava incomodar as instituições governamentais, mas alegou que, após a posse de Bolsonaro, a relação entre os funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a polícia piorou, e muito.  “A polícia sempre teve uma participação muito relutante, era muita má vontade, e o exército também… ‘Não tem verba, não tem isso, não tem aquilo’. Mas a partir do governo Bolsonaro, passou para uma hostilidade muito grande. Hostilidade aberta ” Ameaça e exílio No início de 2019, Rao apreendeu uma moto usada por madeireiros que estavam cometendo crime ambiental. Alguns dias após a apreensão, um oficial da PM apareceu no seu local de trabalho exigindo o veículo de volta, porém o indigenista não atendeu o pedido e o destruiu, o que é permitido pela lei. A medida é autorizada para que o criminoso não recupere seu material. A partir disso, o indigenista percebeu que os órgãos governamentais estavam corrompidos e que não poderia exercer livremente sua função. Em meados daquele ano, teve uma discussão com um servidor que, segundo ele, estava sabotando seu trabalho.  Poucos dias depois, funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) apareceu na base da Funai em Imperatriz, no Maranhão, procurando por Ricardo. No dia seguinte, a Funai abriu um processo administrativo disciplinar contra ele devido à discussão, mas o indigenista alega não ter cometido delito algum. A situação ficou ainda pior depois que um investigador conhecido como  “Carioca” o ameaçou com uma pistola, dizendo que “quem fica lambendo cu de índio aqui não dura” e que “aqui namoradinho de índio morre cedo”. Após a morte de Paulino Guajajara, indígena, ativista ambiental e uma das lideranças locais, que foi morto por madeireiros ilegais em uma emboscada, o sentimento de desconfiança sobre as autoridades policiais locais aumentou. Com isso, Ricardo começou a preparar dossiê relatando as atividades criminosas, denunciando milícias, madeireiras e traficantes no Maranhão, e o encaminhou para a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Partindo do princípio que a Polícia Federal não iria defendê-lo, ligou para alguns indígenas que vivem na Noruega, protocolou o dossiê na Câmara dos Deputados e foi para Oslo dois dias depois. De acordo com o indigenista, o relatório entregue não resultou em nada. “A ideia era fazer espuma naquele momento […] Um oficial da PM invadindo a sala de servidor federal, me pedindo para devolver produto de crime”, disse. “Foi muito grave o assassinato do Maxciel (servidor da Funai assassinado com dois tiros na cabeça no Amazonas em 2019), foi muito grave o assassinato do Paulino, foi muito grave a Abin indo na Funai. Eu esperava que esse dossiê criasse um escândalo que talvez tivesse evitado a morte de Bruno” Ricardo, que fez o treinamento com Bruno e esteve junto com o indigenista assassinado recentemente em algumas missões, lamenta o homicídio do colega de profissão e afirma acreditar que o relatório entregue por Bruno à PF pouco antes de seu desaparecimento no dia 5 de junho motivou sua morte.  “Tanto o Bruno quanto o Travassos (antecessor do indigenista) conheciam aqueles homens. Por que nunca houve nenhuma violência? Qual o fato novo? Eu parto do que foi divulgado pelo g1, que informou que pouco antes de ser assassinado o Bruno entregou (o relatório) no MPF e na ‘milícia federal’ […]”, afirmou Ricardo, que exaltou o trabalho feito por Bruno. “Nunca antes foram vítimas de violência. Por que agora, quando nem na Funai o Bruno estava? Eu acho que a minha teoria faz muito sentido” Ricardo acredita que a mudança virá, mesmo que distante.  “O retrocesso que Bolsonaro nos impôs é grande demais para que não haja uma reação dos oprimidos”. Queixa-crime contra Bolsonaro Atualmente Ricardo vive na região central de Roma com apenas 150 euros que sua mãe lhe envia todo mês. Junto a alguns colegas, ele está mapeando ítalo-brasileiros que morreram em decorrência da covid-19 no Brasil, a fim de montar uma queixa-crime contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) pela má condução do governo durante a pandemia. A justificativa para a ação é o precedente do coronel brasileiro Átila Rohrsetzer, que assassinou um cidadão ítalo-uruguaio durante a Operação Condor e foi julgado pela justiça italiana. Indigenista Ricardo Rao conta como escrachou Marcelo Xavier Segue o massacre aos povos indígenas Os trabalhadores e os indígenas

Retrocesso: efeitos de quatro anos de governo Bolsonaro no Brasil

Em quase quatro anos de (des)governo Bolsonaro, o Brasil continua a andar para trás. De novo, a fome (33,1 milhões de pessoas), a insegurança alimentar, a inflação (há nove meses acima de 10%), o aumento dos combustíveis e da energia elétrica, o desemprego, a evasão escolar, a escalada dos juros, o endividamento progressivo das famílias (65 milhões de endividados), o retorno de doenças endêmicas. E poderíamos multiplicar os exemplos. Até a Covid dá mostras de voltar. Quem anda seguro pelas ruas do Brasil? Hoje, o PIB do país é igual ao de 2013. A produção de veículos automotores equivale à de 2006. A de eletrodomésticos retrocedeu 18 anos! Desde o golpe parlamentar que derrubou a presidenta Dilma, o PIB engatinha em torno de 1,5% ao ano. Em 2013 o seu valor real per capita foi de R$ 44 mil. Segundo o Boletim Macro do Ibre/FGV, só em 2029 – daqui a sete anos – voltaremos ao patamar de 2013! Em 2014, o Brasil comemorou sua saída do Mapa da Fome. Zerou as 9,5 milhões de pessoas (5% da população) que, diariamente, esperavam em vão um prato de comida. Hoje são 33,1 milhões de brasileiros em fome crônica (15% da população), mesmo índice de 1992. É a política da marcha à ré! O governo extinguiu o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar) e desmontou as políticas de proteção social. Nos últimos 40 anos, nosso país avançara consideravelmente na escolarização fundamental das crianças. Agora, a evasão escolar na faixa de 5 a 9 anos é igual à de 2012. O aprendizado de matemática regrediu a 2007, enquanto o de português a 2011. Entre 2019 e 2021, o número de crianças de 6 e 7 anos que não sabem ler nem escrever aumentou 66%, passou de 1,4 milhão para 2,4 milhões. No segundo trimestre de 2021, o número de crianças e jovens, entre 6 e 14 anos, fora da escola atingiu o espantoso índice de 171% (em relação ao período anterior). Bolsonaro, como demolidor, teve êxito sobretudo ao desmatar nossas florestas, em especial a Amazônia. Nesta região, a área desmatada era, em 2012, de 4.571 km². Em 2021, abrangia 13.235 km². E as motosserras continuam decepando árvores de madeiras nobres, graças ao incentivo governamental a grileiros, garimpeiros e fazendeiros que invadem áreas indígenas e de preservação ambiental. A falta de demarcação das terras indígenas e a transformação da Funai em Funerária Nacional dos Índios abrem espaço ao ecocídio. O demolidor extinguiu o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e inviabilizou o Fundo Amazônia, de quase R$ 2 bilhões. Ao contrário dos 13 anos de governo do PT, quando o salário mínimo era anualmente corrigido acima da inflação, Bolsonaro corrige abaixo. Assim, o consumo das famílias retrocedeu a 2015 e a indústria, a 2009, de acordo com as Contas Nacionais Trimestrais do IBGE. A troca do Bolsa Família pelo Auxílio Brasil dobrou o valor com o piso de R$ 400, mas esvaziou o Cadastro Único que mapeia as famílias necessitadas. Isso significa que 700 mil famílias que ficaram fora do Cadastro se encontram, literalmente, ao deus-dará. E os recursos para adquirir alimentos da agricultura familiar, que somavam R$ 550 milhões em 2012, agora se reduzem a míseros R$ 53 milhões. Como uma nação pode se desenvolver com tais índices? Como progredir se o crédito é mais caro, a renda familiar ficou reduzida, o mercado de trabalho está precarizado e milhões de brasileiros são empurrados para a pobretarização? Cada dia o governo derruba mais um pilar da democracia brasileira. Além de fazer a apologia das armas e ignorar a gravidade da pandemia, agora em junho decidiu extinguir a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Só falta ao governo revogar a lei da gravidade, enquanto cantamos a música “Caranguejo”, de Latino, Alan & Alisson: “Caranguejo é quem anda pra trás / Se não deu valor / Então vai / Vai na paz e não volta jamais.” É o recado que as urnas devem dar em outubro próximo. Comida no prato ou no tanque de combustível? Quatro anos de Bolsonaro: desastre para os trabalhadores, alegria para os empresários No capitalismo, o governo é dos ricos Querida democracia Alerta à classe média

O golpe e a justiça na Bolívia

Não ficou impune o golpe dado contra o presidente Evo Morales na Bolívia em 2019 envolvendo militares, lideranças evangélicas e civis servis. A ex-presidente golpista Jeanine Añez e vários outros chefes militares e policiais foram sentenciados por inúmeros crimes contra a Constituição daquele país nos dias que se sucederam a renúncia de Evo Morales e a assunção de um controle militar. Naquele novembro de 2019, as forças de direita do país, alegando fraude nas eleições e com o apoio da embaixada dos Estados Unidos obrigaram o presidente eleito a renunciar e sair para o exílio. O que se viu em seguida foi um festival de aberrações como a chegada de Luís Fernando Camacho – líder direitista de Santa Cruz –  ao palácio de governo com uma Bíblia na mão, anunciando tempos messiânicos. Não bastasse isso seus comandados incendiaram a casa da irmã de Evo Morales e de outras lideranças do MAS (Movimento ao Socialismo). Também a casa de Evo foi depois invadida e depredada e nos dias que se seguiram várias lideranças do governo legítimo foram perseguidas, agredidas, presas e humilhadas em praça pública. Pouco tempo depois do golpe, os milicos, visando dar uma cara civil à quartelada, convocaram a senadora Jeanine Añez para assumir o governo, também passando por cima da presidente do Senado, que era quem deveria assumir caso seguissem a Constituição. Não, escolheram uma títere, e ela se prestou. Depois de assumir, também teve a sua cota de aberrações como a de desqualificar os povos indígenas e desdenhar de sua bandeira sagrada, a wiphala. Foi ela também quem permitiu e determinou os massacres de Senkata, Sacaba, Montero, Betanzos, Ovejuyo e El Pedregal, quando as forças policiais atacaram e mataram militantes do MAS que se manifestavam contra o golpe. A promessa dos golpistas era a de realizar eleições em pouco tempo para retomar o caminho legal, mas o pleito foi sendo adiado até que grandes manifestações populares, em plena pandemia, obrigaram a presidente ilegítima a desatar o processo eleitoral. Como era esperado, o MAS venceu as eleições e então começou o trabalho de investigar os atos ilegais, os massacres e uma série de outros crimes cometidos pelos que estiveram no comando durante o período golpista. A prisão da ex-presidente foi decretada e ela tentou escapar do país, mas a polícia acabou encontrando Añez escondida dentro de um baú destas camas-box. Ela acabou recolhida ao presídio, junto com outros responsáveis pela condução do país naqueles dias, e todos foram a julgamento. A presidente golpista teve 10 anos de prisão decretados e os demais acusados pegaram penas diferenciadas. A ministra María Nela Prada já anunciou que o governo vai apelar da decisão, visto que o pedido inicial era de 15 anos, pois além dos delitos cometidos contra a Constituição, muitos deles tiveram agravantes, como foi o caso dos massacres e das violações de direitos humanos. Prada ainda afirmou que esta decisão da Justiça chega como um primeiro passo histórico para garantir justiça aos que foram mortos pelo regime golpista e aos feridos e humilhados. Também abre um precedente importante na medida em que deixa bem claro que nada nem ninguém pode, impunemente, rasgar a Constituição do país e pisotear a soberania da população. O exemplo da Bolívia, punindo os golpistas, assoma como um facho de luz por toda a América Latina onde os golpes contemporâneos se sucedem sem que os responsáveis sejam responsabilizados. Haiti, Honduras, Paraguai, Brasil. Expor os crimes cometidos contra o país e contra a população, responsabilizar as pessoas e puni-las é, sem lugar a dúvidas, um alerta importante para que coisas como essas não mais aconteçam, porque, afinal, nada dura para sempre e é obrigação de um povo soberano não esconder os crimes e nem os criminosos sob o tapete. Bolívia segue sonhando com saída para o mar Eleição de Gabriel Boric no Chile traz esperança para a esquerda da América Latina Os novos golpes na América Latina

BenBar com Erika Hilton

Colaborou Isabela Gama Orgulho LGBTQIA+ – No dia 2 de junho, o Zonacurva estreou seu novo programa, o BenBar. A proposta é reunir mulheres em uma conversa descontraída para discutir política e assuntos atuais do Brasil e do mundo. Nesta semana, a convidada foi a vereadora paulistana Erika Hilton (PSOL), a mais votada na eleição de 2020.  Ela é presidente da comissão de direitos humanos da Câmara e atua fortemente nas pautas da população LGBTQIA+, é pré-candidata a deputada federal e um dos principais nomes da esquerda na cidade de São Paulo. Erika começou a live relembrando que junho é o mês do Orgulho LGBTQIA+, e demonstrou certa ambiguidade com a data. A vereadora reforça que trazer visibilidade para a pauta apenas no mês de junho é problemático visto que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans. Outro problema são as marcas utilizarem da data para apoiarem a comunidade de forma superficial e colocá-las apenas como consumidora, trazendo uma falsa representatividade.  Entretanto, ela também explica que, se não houvesse o mês de junho, a comunidade não seria protagonista em nenhum momento do ano. Para ela, é uma forma de afirmar que “vocês não vão passar o mês de junho sem a nossa presença”, e deste modo, de forma gradual conquistar os outros meses do ano, e cada vez mais, tornar o Brasil um país seguro para a comunidade. Erika também comentou sobre a polêmica envolvendo a professora e comunicadora Rita Von Hunty, que apesar de ser um expoente entre os comunicadores de esquerda, declarou que não votará no ex–presidente Lula no primeiro turno. Erika, que já declarou o seu apoio a Lula, afirmou compreender o discurso de Rita, e que ele traz uma análise da conjuntura política de forma equilibrada.  A vereadora ressaltou a importância de se construir um debate público mais profundo, politizado e democrático, e não apenas invocando um grande nome da esquerda. Criando assim, a possibilidade de surgimento de novas lideranças como forma de consolidar a esquerda e o progressismo no país.  Aline, a esquerdogata, uma das integrantes do programa, afirmou que compreende a opinião de Erika, mas afirmou que teve medo de Bolsonaro crescer nas pesquisas após a fala de Rita. Que apesar de concordar com a linha de pensamento, ela acredita que agora, durante a corrida eleitoral não seja o momento ideal de fazer esse tipo de pronunciamento, visto que pode trazer “efeitos colaterais”. Igualdade na política pode levar mais de um século A luta contra a transfobia Poema da ativista trans-travesti Patrícia Borges BENBAR AGOSTO LARANJA Pelos direitos dos refugiados e migrantes LGBTI    

Os trabalhadores e os indígenas

A luta dos povos indígenas nunca teve trégua desde a invasão portuguesa aqui nas terras de Pindorama. Primeiro foi a tomada do litoral, depois as bandeiras foram se espraiando pelo interior. Por fim, a Amazônia. Onde havia ocupação tradicional, os invasores foram “limpando”, o que significava, obviamente, extermínio. Até o início do século XX foi assim e foi o Marechal Rondon quem procurou mudar isso, “morrer, talvez, matar, nunca”. Claro que ele ainda estava carregado da ideia de que era preciso integrar os indígenas à sociedade nacional, mas já era uma mudança abissal no trato com as etnias.  Foi ele quem criou o Serviço de Proteção ao Índios (SPI), hoje Funai. A ideia era essa mesmo, proteger. Pois esse conceito de proteção foi totalmente alterado agora no governo Bolsonaro. A Funai, que deveria cuidar e assistir os povos originários, passou a fazer vistas grossas para os ladrões de madeira, os mineradores ilegais e os fazendeiros invasores de terras indígenas. Violências de todo tipo, violações de mulheres e assassinatos de indígenas cresceram demasiado, sem uma intervenção contundente do Estado. Por isso que muitos trabalhadores da fundação, que insistiam em fazer o trabalho para o qual a Funai foi criada, passaram a sofrer perseguição e viver sob ameaças. Bruno Pereira, assassinado junto com o jornalista Dom Phillips, era funcionário da Funai e foi exonerado justamente porque denunciava os criminosos que sistematicamente invadiam terras indígenas. Bruno e Dom eram dois homens brancos que amavam a floresta e os povos da floresta. A vida deles, em atos e palavras, foi testemunha disso. Assim como eles, muitos outros – homens e mulheres – já tombaram naquela região, vítimas da ação de jagunços a soldo de fazendeiros ou de mineradores. São os desgraçados da terra que se transformam em algozes dos que defendem a vida da floresta. Gente que recebe uns 30 dinheiros para “limpar” as terras para que elas passem a abrigar soja, gado ou vire buraco de mineração. As terras indígenas são ricas e abrigam uma biodiversidade preciosa. Uma olhada rápida no Google Earth e já se pode ver que onde tem gente originária, tem preservação. É porque os povos indígenas não separam seus corpos vivos da natureza que os guarda. É tudo uma coisa só. Simbiose, equilíbrio. E são poucos os que, não sendo indígenas, conseguem compreender essa relação. Dom, como jornalista, acostumado a narrar o mundo, compreendeu e se fez amigo dos povos da floresta, procurando mostrar a realidade daquele mundo. Bruno, como trabalhador do Estado, também compreendeu. E foi além, ele ainda mergulhou na cultura e era capaz de falar até quatro línguas originárias diferentes. Ele era parceiro na proteção e no cuidado. Era um amigo e visto como tal. Não é coisa fácil isso. Os povos indígenas são bem desconfiados e há aqueles que não aceitam muito qualquer contato com gente branca. Tem uma memória aí de mais de 500 anos que é difícil de apagar. O invasor era branco e ainda são brancos os que seguem sendo os mandantes dos crimes, dos sistemáticos crimes que são cometidos contra os indígenas. Mesmo que os assassinos sejam caboclos, a mão que manda é branca. E eles sabem. O fato é que a mão que manda matar é a mão do capital. O assassino de Bruno e Dom é o capital. O assassino de Chico Mendes, Irmã Dorothy e de outros tantos lutadores sociais que decidiram se aliar à luta indígena é o capital. Esse sistema que, por sua natureza, é voraz e destruidor e que não se furta a eliminar qualquer um que se coloque no seu caminho de acumulação. Nesse país, onde 13% do território está sob o controle dos povos originários, faz-se mais do que necessária uma aliança entre os trabalhadores e os povos indígenas. Essa é uma luta que se insere na luta de classes, a batalha dos despossuídos contra o capital. Nessa guerra, trabalhadores urbanos, do campo, ribeirinhos, quilombolas, populações tradicionais estão todos no mesmo lado. A vitória de um desses segmentos é a vitória de todos sobre o capital. E, juntos, conformam maioria. Bruno e Dom entenderam isso e estavam fazendo sua parte. Mas, essa precisa ser uma ação coletiva, e de massa. Porque na solidão, os riscos são sempre maiores, como se viu. Não é fácil fazer vingar essa unidade. Mesmo entre os trabalhadores muitas vezes é dificultoso o entendimento sobre as necessidades particulares dos povos indígenas. Ainda há que abrir estradas nessa difícil relação. Lembro-me de um grupo de estudos criado no IELA/UFSC, com estudantes indígenas, no qual uma das garotas defendeu não estudar a obra de Darcy Ribeiro, por ele ser branco e não ter “lugar de fala”. Ora, Darcy foi um homem branco que viveu sua vida inteira estudando e defendendo os povos originários num tempo em que quase não havia entidades indígenas organizadas. Ele tem um lugar na história. Não é sua cor que define sua ação. É o lado que ele ocupou na luta contra o capital – que é o inimigo comum. E assim como ele, Bruno, Dom e tantos outros companheiros e companheiras que não medem esforço para denunciar os que pretendem exterminar os povos indígenas e que se colocam nas fileiras de luta junto com os indígenas nas marchas, atos e manifestações pelo Brasil afora. Há um longo caminho de construção de unidade entre trabalhadores e indígenas e há muita incompreensão e desconfiança em ambos os lados. Mas, exemplos como o de Bruno e Dom mostram que é possível uma relação de confiança e de amizade na luta contra o capital, que se concretiza nos fazendeiros, mineradores, ladrões de madeira, governantes corruptos, empresários e transnacionais. Quando isso for entendido, a luta coletiva derruba o capital. O histórico Ministério dos Povos Originários O Ministério dos Povos Originários Indigenista Ricardo Rao conta como escrachou Marcelo Xavier https://urutaurpg.com.br/siteluis/nos-jornalistas-temos-uma-divida-com-bruno-e-dom/ Segue o massacre aos povos indígenas Governo Bolsonaro agrava a violência contra ativistas

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