Zona Curva

ditadura militar

A caçada a Lamarca

Lamarca – Depois de caminhar por mais de 300 quilômetros, o guerrilheiro Carlos Lamarca foi assassinado em 17 de setembro de 1971 por agentes da ditadura militar no sertão baiano. No comando da patrulha que assassinou Lamarca, estava o major Nilton Cerqueira, que, anos mais tarde foi eleito deputado federal e trabalhou como secretário de Segurança do Rio de Janeiro. Um dos comandantes da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e militante do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), Lamarca foi um dos símbolos da resistência ao regime militar e morreu antes de completar 34 anos. Baseado no livro Lamarca, o Capitão da Guerrilha, publicado em 1980 pelos jornalistas Emiliano José e Oldack Miranda, o filme do diretor Sérgio Resende conta a história do guerrilheiro, interpretado por Paulo Betti. Ironicamente, no filme de Resende, Cerqueira é vivido pelo ator Zé de Abreu, conhecido pela defesa implacável de suas posições de esquerda. Resende abordou outra história dos anos de chumbo no filme Zuzu Angel, de 2006. Carlos Lamarca foi o terceiro entre os seis filhos de Antônio e Gertrudes Lamarca, uma família modesta da zona norte carioca. Formou-se, em 1960, pela Escola Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ), obtendo a patente de Capitão em 1967. Mas foi em São Paulo, no quartel de Quitaúna, para onde pediu transferência em 1965, que Lamarca, fez sua opção revolucionária. Na época, Lamarca acompanhava com grande interesse o grupo de ex-sargentos que, inicialmente vinculado ao Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), uniu-se a um setor dissidente da Política Operária (POLOP) e deu origem à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Já como membro da VPR, Lamarca realizou uma ação de expropriação no quartel de Quitaúna em 24 de janeiro de 1969 em que levou 63 fuzis, metralhadoras e muita munição. Sua ideia era seguir imediatamente para uma região onde pudesse preparar a guerrilha, o que o obrigou, de imediato, a separar-se da mulher e dos filhos, enviados para Cuba, via Itália, no mesmo dia de sua deserção. LEIA TAMBÉM “Marighella: a execução do inimigo número 1 da ditadura militar” Em abril de 1971, em discordância com a VPR, ingressou no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). No mês de junho, Lamarca foi para o sertão da Bahia, no município de Brotas de Macaúbas, com a finalidade de estabelecer uma base da organização no interior. Com a prisão em Salvador, em agosto, de um militante que conhecia seu paradeiro e a localização de um aparelho onde se encontrava sua companheira, a psicóloga paulista Iara Iavelberg (que também foi namorada do ex-deputado José Dirceu), os órgãos de segurança iniciaram o cerco à região. A namorada de Lamarca, Iara, foi assassinada por agentes do governo em um apartamento no bairro da Pituba, em Salvador, no dia 20 de agosto de 1971. O regime militar sempre sustentou que ela cometeu suicídio após o cerco policial, o que foi desmentido pelas investigações posteriores. Hoje há provas suficientes de que foi mais uma mentira do governo da época. Um tiroteio travado entre a polícia e os irmãos de José Campos Barreto, o Zequinha, que acompanhava Lamarca, obrigou-os a iniciar uma longa e penosa rota de fuga, de 28 de agosto a 17 de setembro. Ao descansarem à sombra de uma baraúna, foram surpreendidos pela repressão. Lamarca estava desnutrido, asmático e provavelmente com a doença de Chagas.  fontes:  revista Istoé e Grupo Tortura Nunca Mais – RJ. Iara Iavelberg e sua luta contra a ditadura militar

3ª Conversa Pública da Clínica do Testemunho

No dia 28 de agosto, às 20 horas, acontecerá a terceira conversa pública da Clínica do Testemunho, do Instituto Sedes Sapientiae. O evento discutirá a Lei da Anistia, os próximos passos da Clínica além de outros assuntos. A Clínica do Testemunho é uma parceria do Instituto com a Comissão da Anistia do Ministério da Justiça e atende anistiados políticos afetados direta ou indiretamente pela violência de Estado da ditadura militar. Na conversa pública, estarão presentes: Pompéia Maria Bernasconi (Associação Instrutora da Juventude Feminina e diretora do Sedes Sapientiae), Paulo Abrão (presidente da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça), Adriano Diogo (deputado estadual), Marlon Weichert (procurador da República e Conselheiro da Comissão da Anistia), Celeste Fon (integrante do Comitê Brasileiro pela Anistia de São Paulo – CBA/SP), Maria Auxiliadora Arantes (integrante da CBA/SP), Yanina Stasevskas (psicóloga e psicanalista) e Maria Cristina Ocariz (psicóloga e coordenadora da Clínica do Testemunho Instituto Sedes Sapientiae). O lançamento da Clínica foi realizado no dia 16 de abril, em evento que lotou o auditório do Sedes e contou com debate entre Ivan Seixas (ex-prisioneiro político), a professora do Sedes, Maria Cristina Ocariz, a cineasta Marta Nehring, entre outros (leia a cobertura do Zonacurva em http://www.zonacurva.com.br/o-medo-da-falta-de-memoria/ ). O Instituto Sedes Sapientiae cuida da saúde mental dos paulistanos há mais de 35 anos. Serviço: O Instituto Sedes Sapientiae fica na rua Ministro Godoy, 1484, Perdizes. A entrada é gratuita e não é necessária inscrição prévia.

Saudades dos tempos orgiásticos

Em uma de suas poucas entrevistas, o jornalista Ivan Lessa explicou um dos motivos de seu auto-exílio em Londres. Ele tinha medo da realidade destruir suas memórias da joie de vivre desfrutada no Rio nas décadas de 60 e 70: “eu era feliz e sabia, aquilo era de uma intensidade orgiástica”. Me contamino de saudosismo e imagino um tempo em que jornalistas não se fechavam em discussões provincianas e divisões em turminhas de fora ou de dentro do eixo. Os que valiam a pena eram a priori e naturalmente sem eixo e não se jactavam disso. Lessa morreu em 8 de junho de 2012, aos 77 anos e morou em Londres de 1978 até sua morte no ano passado. Na redação do lendário Pasquim, conheceu dois de seus maiores amigos, Paulo Francis e Jaguar. Com o último, Lessa criou o ratinho Sig, de Sigmund Freud, símbolo do Pasquim, baseado na anedota que dizia que se “Deus criou o Sexo, Freud criara a sacanagem”. Ainda no Pasquim, Lessa conviveu com figuras como Millôr Fernandes, Ziraldo, Tarso de Castro, entre outros. Na última década de vida, passou a andar em má companhia, tornou-se amigo do deplorável Diogo Mainardi, que despeja suas sandices no panfleto ordinário que atende por Veja e no Manhattan Connection, do canal GNT. Tradutor de inúmeras obras, Lessa foi autor do livro de contos Garotos da Fuzarca (1986) e dois de crônicas: Ivan vê o mundo (1999) e O luar e a rainha (2005). Lessa trabalhou por anos na rádio e no site da BBC Brasil, onde escrevia três colunas por semana quando morreu (vale a pena dar um pulinho por lá). A inspiração para a carreira jornalística e literária veio do sangue. Bisneto de Julio Ribeiro, autor do romance A Carne, de 1888, que causou escândalo na época de sua publicação por abordar temas como o amor livre e o divórcio, Ivan Lessa é filho do escritor Orígenes Lessa e da cronista Elsie Lessa. Segundo o filho, sua mãe “foi meio injustiçada”, referindo-se à falta de reconhecimento de seu trabalho (Elsie escreveu para o jornal O Globo sem cessar por inacreditáveis 48 anos). Além de cronista e jornalista, Lessa foi também ótimo frasista. “Baiano não nasce, estreia” e “todo brasileiro vivo é uma espécie de milagre” exemplificam sua mordacidade. Em entrevista concedida ao jornalista Alberto Dines em 2001, Lessa fala sobre o Pasquim, sua paixão pela música brasileira, Paulo Francis, os jornais ingleses, sua família e outros assuntos. Dois anos antes, em 1999, em outra entrevista ao jornalista Geneton Moraes Neto, Lessa nos recorda da canção Nossos Pais, imortalizada por Elis Regina. Na canção, Elis canta a plenos pulmões que “qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa”. Para Lessa, o mesmo pode se aplicar à literatura: “ao ler Ana Karenina, você se empolga, acompanha a mulher até ela se jogar embaixo de um trem, mas, se você se lembrar dessa meia hora na praça ou num jardim, evidentemente essas experiências, têm, em você, um impacto pessoal que a literatura jamais vai dar”. http://www.zonacurva.com.br/cinco-anos-sem-o-velho-lobo/

A resistência de jornalistas na ditadura

O curta-documentário Imprensa Paulista na Ditadura (1964-1985) dá voz a algumas figuras do jornalismo paulista, como Raimundo Rodrigues Pereira e Bernardo Kucinski, que sofreram nas redações os anos de chumbo da Ditadura Militar. Produzido pelos alunos do curso de comunicação da FITO (Faculdade Instituto Tecnológico de Osasco), o vídeo demonstra o interesse de jovens estudantes na história de resistência de abnegados jornalistas contra o arbítrio e censura do regime de exceção. O esforço dos estudantes nos faz ignorar a locução amadora do vídeo. Entrevistado pelos estudantes, o professor da ECA-USP Bernardo Kucinski é autor de profundo estudo sobre a imprensa alternativa na época. No livro Jornalistas e Revolucionários, Kucinski escreve: “a imprensa alternativa surgiu da articulação de duas forças igualmente compulsivas: o desejo das esquerdas de protagonizar as transformações institucionais que propunham e a busca, por jornalistas e intelectuais, de espaços alternativos à grande imprensa e à universidade. É na dupla oposição ao sistema representado pelo regime militar e às limitações à produção intelectual-jornalística sob o autoritarismo, que se encontra o nexo dessa articulação entre jornalistas, intelectuais e ativistas políticos”.   O apoio da grande mídia ao golpe de 64

Cinco flashes do gigante que acordou

Flash 1 Na semana passada, a morena de legging colorido e polainas pretas vivia em pânico. Passou a ouvir a CBN e a Jovem Pan AM no caminho para a academia. Se tivesse protesto, perderia a aula de spinning. Nada podia atrapalhar a rotina de exercícios e o regime que já a tinha feito perder três quilos nos últimos dois meses. Flash 2 Ontem ele ligou o dia inteiro em seu Iphone 5 e nada. Irritado, o diretor da empreiteira finalmente consegue encontrar o assessor do Secretário de Obras: – Tá difícil te achar, hein. E aí, alguma novidade? – Xiii, o pessoal por aqui anda paranóico, tá tudo de cabeça pro ar, a secretária do Cleison me disse que pararam de liberar as verbas, pelo menos até a poeira abaixar. – Sacanagem, o dinheiro já tá na conta faz três meses. – Calma, calma, o negócio vai virar… Flash 3 Anderson não foi trabalhar três dias nas últimas duas semanas. Anda feliz da vida. Nas folgas, faz visitas rápidas à casa de Clotilde pela porta dos fundos. Clotilde, loirinha e magrinha, largou seu emprego de atendente de papelaria para cuidar de seu segundo filho, Manoel Júnior. Manoel sai cedo para o trabalho, vai de bicicleta. Anderson acha que “essa molecada tá certa, eles tão mudando o Brasil”, falou para colega no boteco do bairro. Flash 4 O policial aposentado entra no elevador e vocifera contra o estudante de Ciências Sociais com cartolina embaixo do braço: – Isso aqui tá uma baderna, tem que descer o pau nessa molecada folgada! – O senhor está me provocando? – Nem te conheço mas, pra mim, vagabundo que quebra tudo tem é que levar bala! – Santa ignorância, nem sabe o que fala! O elevador chega ao térreo. Flash 5 A professora universitária chorou muito ao lado de seu gato preto na sala do apartamento de um quarto ao ver as imagens das manifestações na tv a cabo. Lembrou dos anos 60, lembrou de como tinha um corpão e de que nunca mais sentiu-se tão livre como naquela época, mesmo sob a ditadura militar.

Ato público “Justiça para Olavo Hanssen”

Amanhã (sábado), dia 25 de maio, será realizado um ato público em memória ao militante Olavo Hanssen, morto pela ditadura militar. Hanssen foi capturado pelo Dops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) de São Paulo, junto com outros 17 manifestantes, em comício de 1 º de maio de 1970, e nunca mais foi visto. Segundo o Dossiê de Mortos e Desaparecidos no Brasil, Hanssen foi torturado até a morte sete dias após a prisão. Em documento oficial da época, sua morte foi relatada como natural. Metalúrgico, estudante da USP e militante do sindicato dos Químicos do ABCD na época, Hanssen será lembrado por familiares e movimentos sociais e sindicais. O evento contará com a exibição de um vídeo sobre Olavo Hanssen, apresentação do Grupo Cultural Luther King e confraternização. Serviço: O ato Justiça para Olavo Hanssen será realizado no Salão da Sociedade Amigos da Vila Zélia (Rua dos Prazeres, bairro do Belenzinho, cidade de São Paulo) a partir das 15h30.

O medo da falta de memória

A exibição do filme Hoje, da cineasta Tata Amaral, em evento da Clínica do Testemunho no Sedes Sapientiae, foi na noite anterior (dia 9 de maio) ao depoimento do coronel Carlos Brilhante Ustra na Comissão da Verdade, em Brasília. Em verdadeiro surto, Ustra negou qualquer responsabilidade nas torturas praticadas pelo famigerado DOI-CODI, que comandou nos anos 70. O Zonacurva descreveu como o medo ainda assombra as vítimas do regime militar no texto sobre o lançamento da Clínica do Testemunho (leia em http://zonacurva.com.br/presos-politicos-no-diva/). O sentimento torna-se mais que justificável ao constatarmos que Ustra goza tranquilamente sua aposentadoria e tem a coragem de enfrentar a nossa memória (ou a falta dela) com arrogância. O criminosos Ustra tenta se defender. Assista:   A exibição do filme de Tata Amaral e posterior debate da cineasta com a documentarista e psicanalista Miriam Chnaiderman e a psicanalista Maria Cristina Ocariz lotou o auditório do Sedes. A Clínica do Testemunho é parceria do Instituto Sedes Sapientiae com a Comissão da Anistia do Ministério da Justiça. A clínica atenderá todos os anistiados políticos afetados direta ou indiretamente pela violência de Estado no regime militar. O belo filme de Tata Amaral foi lançado nos cinemas no momento em que as discussões sobre as arbitrariedades do regime militar voltam à tona. Inexplicável é que, após poucas semanas de seu lançamento, Hoje ocupe poucas salas de cinema em horários ingratos. O longa trata da história de Vera (Denise Fraga), que recebe indenização pelo desaparecimento do marido, Luiz (interpretado pelo ator uruguaio César Troncoso), e compra apartamento no centro da cidade de São Paulo. O filme coloca a protagonista em situação de estresse que beira à claustrofobia, cenário semelhante ao primeiro filme de Tata, Um céu de estrelas (1996). O clima favorece um verdadeiro acerto de contas de Vera com o passado. O desinteresse do grande público pelo filme de Tata talvez tenha explicação em sua fala no debate após o filme: “somos uma sociedade que ainda aceita a tortura, nesse momento, muitos ainda são torturados no país”. Fantasmas à solta

Presos políticos no divã

A luta contra o medo e a superação de traumas psíquicos causados pelas torturas e prisões no período do regime militar foram a tônica do evento Conversas Públicas da Clínica do Testemunho, semana passada, no Instituto Sedes Sapientiae. Parceria do Instituto, que há mais de 35 anos cuida da saúde mental dos paulistanos, com a Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, a clínica atenderá todos os anistiados políticos afetados direta ou indiretamente pela violência do Estado. Com o colaboração de outras instituições, o projeto pretende ajudar até 700 pessoas nos próximos dois anos nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife, segundo o blog do Ministério. Dois relatos mostraram como o medo ainda perturba às vítimas do regime de exceção, que governou o país de 1964 a 1985 (inexplicavelmente, a comissão da anistia retroage sobre os traumas dos perseguidos políticos entre 1946 a 1964 também). A ex-prisioneira da ditadura militar e integrante da comissão de anistia Rita Sipahi (integrante da mesa) contou que uma colega militante política escreveu texto teatral sobre as agruras do cárcere já na vigência do regime democrático e teve medo de assinar o texto com medo de nova perseguição dos torturadores. Em outro depoimento, Marta Nehring, integrante da mesa e que teve o pai assassinado no período, disse que durante muito tempo achou que era normal acordar, almoçar e dormir com medo. Um belo dia, Marta percebeu que a vida não precisava ser assim e buscou auxílio psicológico. Ao lado de Maria Oliveira, Marta é diretora do filme 15 filhos (1996), em que filhos de presos políticos narram suas histórias. Veja em:   Outros dois depoimentos também emocionaram o público, o da argentina Maria Cristina Ocariz, professora do Instituto, e de Ivan Seixas, que narrou as agruras que passou nas mãos do regime. Capturado com apenas 16 anos pelos agentes do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), Seixas ficou preso por 6 anos. Ele e seu pai eram militantes da ALN (Ação Libertadora Nacional). Seu pai foi assassinado, acusado de executar Henning Albert Boilensen. Segundo ele, “Boilensen era uma das tetas que mantinha financeiramente o aparelho repressor”. Formada por 90% de mulheres, a plateia que lotou o auditório do Sedes Sapientiae chegou a ocupar a escadaria do local. As demoradas salvas de palmas indicam que os relatos ainda emocionam. Próximo ao estacionamento, ouvi de uma senhora entendida nos meandros de Freud e companhia, “isso tudo é muito triste, até chorei”. Serviço: Para participar, os interessados podem se inscrever até o dia 30 de abril pelo email clinicas.testemunho@mj.gov.br

E se não existissem as aulas de Educação, Moral e Cívica

Nos início dos anos 80, o adolescente classe média que não estava diretamente ligado ao combate ao regime de exceção que os militares nos impuseram por 21 anos, percebia algo errado quando ia assistir ao seu programa favorito e era avisado que o mesmo tinha sido liberado por uma tal de censura federal. Para quem não se lembra: Noutro dia pela manhã, entre as aulas do colegial, o estudante estranhava os livros recheados de bandeiras, símbolos pátrios e palavras de ordem daquelas duas matérias de nome pomposo: Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira. Ele não sabia que ambas foram impostas por um decreto lei a partir de 1969 em substituição às aulas de Filosofia e Sociologia, consideradas subversivas pelo regime. Ao assistir ao documentário O dia que durou 21 anos, imagino como teria sido diferente o destino brasileiro sem a censura federal e o OSPB. Como viveríamos hoje se os milhares presentes no histórico comício de Jango na Central do Brasil, em 13 de março de 1964, que exigiam mudanças na estrutura do Estado brasileiro, tivessem suas demandas atendidas? E, se, a Reforma Agrária tivesse sido feita no início dos anos 60? Com respostas não tão fáceis, recorro à máxima de um folclórico comentarista de futebol que sempre dizia que no esporte bretão o ‘se’ não entra em campo, na política, também não. Leia mais sobre o Comício de Jango na Central do Brasil O filme de Camilo Tavares, filho do jornalista Flávio Tavares (um dos 15 presos trocados pelo embaixador norte-americano Charles Elbrick em sequestro de 1969), poderia ser adotado nos colégios para elucidar o adolescente de hoje sobre como se deu o golpe militar de 1964. O forte envolvimento do governo Lyndon Johnson no golpe militar foi provocado em grande parte ao medo patológico do perigo vermelho por parte do governo dos Estados Unidos e da possibilidade do surgimento de uma revolução semelhante à cubana (1959) na América do Sul. No filme, John Kennedy, que foi assassinado em 22 de novembro de 1963, poucos meses antes do golpe, discursa no sentido de que tudo seria feito para impedir que os aliados do governo norte-americano se aproximassem do comunismo. Detalhe: Jango nunca foi comunista. Em conversa do embaixador americano Lincoln Gordon, um dos artífices do golpe de 64, e o presidente Kennedy, antecessor de Johnson, Gordon alerta que é melhor dar um basta em Jango já que ele pode ser um novo “ditador populista como Perón”. Os áudios originais das conversas entre a alta cúpula da Casa Branca e, principalmente, Gordon, e os telegramas entre a embaixada ianque e a Casa Branca, presentes no documentário, são testemunhos históricos irrefutáveis da ingerência dos Estados Unidos na política interna brasileira. Creio que uma de nossas tarefas mais importantes consiste em fortalecer a espinha militar. É preciso deixar claro, porém com discrição, que não somos necessariamente hostis a qualquer tipo de ação militar, contanto que fique claro o motivo. (Lincoln Gordon) Em 20 de março de 1964, Johson autorizara a formação de uma força naval para intervir no Brasil. A decisão foi tomada em reunião na Casa Branca e contou com a presença de Gordon e a cúpula do Departamento de Defesa. Assista ao trailer do filme: O mentiroso discurso pela democracia e liberdade de Kennedy (sensação déjà vu de ter ouvido o mesmo na boca de Bush, pai e filho, Ronald Reagan…) justificou a criação de institutos de pesquisa pelos Estados Unidos como o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) para o financiamento das campanhas de deputados federais e estaduais e de até 8 candidatos a governador. O professor Peter Kornbluh explica que essa é a política “feijão com arroz da CIA para desestabilizar governos”. Os vídeos produzidos pelos institutos e exibidos em cinemas e empresas criaram o pânico que levou às senhoras da Tijuca e do Catete a lotar as ruas na Marcha da Família com Deus pela Liberdade em oração contra Jango e Brizola. A marcha deu coragem ao general Mourão Filho, que reuniu uma pequena tropa e resolveu antecipar o golpe. O cômico depoimento da filha de Mourão conta que seu pai tomou um pito de Castelo Branco pela pressa. Mourão não esmoreceu e foi entregar o golpe a Costa e Silva, que segundo ela, “estava dormindo, de cuecas”. Segundo presidente do regime militar, Costa e Silva deslumbra-se em cena do filme ao ser recebido na Casa Branca. De certa forma, somos um país mais moderno ao menos pelo fato de não convivermos mais com figuras dantescas como Costa e Silva no coração do poder. Políticos lamentáveis como Jair Bolsonaro e Coronel Telhada infelizmente são eleitos, mas são mantidos bem distantes dos centros decisórios de nossa política. Hoje, após mais de uma década dos fatos narrados no documentário de Tavares, a história deve ser contada com detalhes às novas gerações para que estudantes não tenham que aprender EMC, somente o E= mc². (texto atualizado em 31 de março de 2015)   O grito da Passeata dos Cem Mil contra a ditadura militar

As atrocidades da tortura na ditadura militar

O realismo do documentário Brazil: A Report on Torture (1971) nos relembra dos atos de barbárie cometidos pela ditadura. Os métodos violentos utilizados pela tortura na ditadura militar não tinham limites. Realizado pelo jornalista americano Saul Landau em parceria com o diretor de fotografia Haskell Wexler, o filme é composto de uma sequência de relatos e simulações das sessões de tortura realizadas pelas próprias vítimas, exilados políticos que viviam no Chile. O grupo de prisioneiros do regime de exceção libertado em troca do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher havia chegado a Santiago do Chile quando conheceram Landau, que aguardava na cidade sua entrevista com o presidente Salvador Allende. Entre outros, o documentário entrevista Frei Tito, na época com 25 anos. O religioso da ordem dominicana foi sequestrado em 1969 no convento em que vivia e levado ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), onde foi torturado por 3 dias seguidos. Tito suicidou-se em 1974 na França. Outra protagonista do documentário, que também suicidou-se, em 1976 na Alemanha, é a estudante de medicina Maria Auxiliadora Lara Barcelos, que descreve em meio a risos nervosos os intensos choques que sofreu nos seios e na vagina. A brutalidade da tortura do regime militar não tinha limites. O advogado de defesa de alguns militantes de esquerda, Antonio Expedito Pereira, de 40 anos, um dos mais velhos do grupo, narra que sua filha apanhou de torturadores. Sua mulher também foi seviciada para forçar a quebra de sigilo de Pereira sobre os depoimentos de seus clientes. As vítimas citam vários nomes dos covardes agentes da ditadura. Por onde andam esses sádicos? Garanto que muitos vivem como cidadãos comuns tranquilamente gozando suas aposentadorias. http://www.zonacurva.com.br/em-1970-os-tupamaros-de-mujica-contra-dan-mitrione-o-mestre-da-tortura/  

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