José Falero e a literatura de combate
Colaborou Letícia Coimbra O CONVERSA AO VIVO ZONACURVA do dia 15 de setembro recebeu o escritor José Falero, autor do romance “Os Supridores”, obra indicada ao prêmio Jabuti em 2021 e vencedor do prêmio Ages (Associação Gaúcha de Escritores) de livro do ano. O programa foi apresentado por Fernando do Valle, editor do Zona Curva. Estudo dos livros de Falero nas escolas O escritor diz que, em algumas escolas, suas obras não costumam ser estudadas no ensino fundamental. Segundo ele, os professores afirmam que o livro é “violento” ou “pesado”, mesmo que no cotidiano as crianças vivenciem acontecimentos semelhantes ou piores. “Nessas escolas, os professores caíram de paraquedas ali. Ele não é dali, é um cara classe média que mora numa região de burguês e vai dar aula na periferia e não tem a bagagem cultural e intelectual daquele menino”, analisa. Já dos professores que cresceram na quebrada, diz: “eu ouço deles que ‘o livro é pesado, mas as crianças estão vendo isso o dia todo. Como é pesado uma coisa que faz parte do cotidiano das crianças ali?” Como se tornou escritor José cresceu na periferia de Porto Alegre e conta que só teve acesso aos livros por causa de sua irmã mais velha, Caroline, que ingressou na universidade devido às políticas públicas de educação do governo petista. Ele diz que “não conseguia entender como um amontoado de palavras” iria competir com os videogames e os filmes. “Mas a minha irmã me convenceu da seguinte maneira: ‘não vou ficar tentando te convencer, só quero que tu entendas uma coisa, a tua opinião sobre livros não interessa porque tu nunca leste nenhum’. E eu pensei assim, cara, vou ler o livro inteiro só para ter o prazer de ir lá e dizer que li e não gostei’”. No entanto, para sua surpresa, ele gostou tanto da literatura que nunca mais parou. “Então você se deu mal, hein?”, ironiza Fernando do Valle. “Não, cara, eu me dei bem (risos)”, rebate o escritor. José alega, porém, que é difícil viver da literatura no Brasil e que ele mesmo não vive especificamente do que escreve. “Não vivo apenas do que escrevo, mas do que a escrita me proporciona, quando o livro é traduzido, por exemplo, ou vendido para o cinema, também me chamam para um monte de eventos em que me pagam, como ainda para palestras, oficinas de escrita, rodas de conversa em eventos literários, me chamam para escrever prefácio, em jornal. É isso que tem possibilitado me manter”. Para 2023, ele planeja publicar outro livro, dessa vez com maior enfoque nas mulheres. “Quero refletir sobre isso a partir da perspectiva do meu lugar de opressor enquanto homem. Escrever sobre como se modela essa mentalidade que tem se chamado de masculinidade tóxica, sobre como se modela no imaginário do homem, como é que isso vai acontecendo ao longo da vida de um homem”, conta ao Zonacurva. Sobre o governo atual Ao responder o editor Zonacurva, o autor de “Os Supridores” comenta que a época em que começou a escrever o livro, 2009, a situação do país era menos pior e que a classe mais baixa estava conseguindo avanços, que foram regredidos após 2016. Ele destaca que a recuperação desse retrocesso que vivemos será lenta. “A gente começou a ter políticas públicas e uma preocupação com as pessoas mais pobres, mas isso era muito incipiente, estava começando. Os problemas que o Brasil têm na educação, na precarização do trabalho, na distribuição de renda, esses problemas não se resolvem assim em dois governos ou três, é uma coisa de décadas. A gente estava fazendo um trabalho importante, que foi cortado a partir de 2018. Na verdade, um pouco antes, eu diria a partir de 2016, do golpe contra a Dilma a gente começa a passar por uma série de retrocessos”, afirma José Falero. O escritor alega que a precarização e a violência, como a policial, sempre foram uma constante na vida da população mais pobre. “Por exemplo, agora com a ascensão fascista que temos observado, as pessoas ficam ‘nossa, a gente tem um presidente que fala em tortura, absurdo’. Claro que é absurdo, mas tortura contra as pessoas da periferia sempre aconteceu: a polícia invade tua casa sem mandado, sem nada, te bate, te mata às vezes”, revolta-se. O escritor acredita que o país precisa de um projeto de Estado em vez de um projeto de governo. Para isso, é preciso diálogo com vários espectros políticos, o que Lula faz muito bem. José afirma que é disso que a democracia é feita, e mesmo que não concorde com a direita moderada, afirma a importância de estabelecer acordos com ela. “Isso é a democracia, são as diferenças convivendo”, conclui. Injustiça social “Eu gosto de falar ‘injustiça’ porque tem um agente promovendo essa má distribuição de renda”, diz, explicando o motivo de não utilizar o termo “desigualdade”. O escritor relaciona injustiça social e a violência urbana, afirmando que esse foi um dos motivos que o levou a escrever o livro Os supridores. A obra mostra Pedro e Marques, dois repositores (também chamados de “supridores”) de um supermercado que decidem enriquecer através da venda de maconha após se conscientizarem da exploração que sofrem no trabalho, ou seja, que não importava o quanto trabalhassem, nunca teriam ascensão social. Saiba mais sobre o livro de José Seguindo o tom das críticas feitas no livro, José cita a criação da polícia militar, feita para reprimir a população negra e pobre, especialmente a cartilha que ela tinha para identificar criminosos se baseando em fenótipos. Ele salienta também que os governos petistas implementaram políticas públicas que diminuíram essa injustiça. No entanto, diz que o bolsonarismo surgiu em resposta a esses avanços. A imprensa e o bolsonarismo O escritor ressalta a importância da regulamentação da mídia, Ele afirma que a mídia participou da ascensão fascista” e destaca a importância de conseguir conciliar as diferenças no âmbito político. Segundo José, não dá para desprezar o fato da mídia ter “abraçado