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Tecnologia

Textos sobre os avanços tecnológicos que afetam várias áreas do conhecimento.

Os muitos dilemas da imprensa no governo Bolsonaro

A imprensa brasileira tem uma longa tradição de acomodamento com regimes conservadores, mas a relação com o governo Bolsonaro vai incluir a possibilidade de surpresas desagradáveis por conta da aberta simpatia do novo presidente pelo uso do Twitter como forma de se comunicar diretamente com o público. A exemplo do presidente norte-americano Donald Trump, Bolsonaro está quebrando a velha dependência de chefes de governos em relação à grande imprensa, o que configura uma situação inédita tanto aqui como nos Estados Unidos. O fato de dispensarem a intermediação da imprensa na relação com o público permite que os políticos possam dizer o que querem nas redes sociais. Com isto, os jornais, revistas políticas e telejornais perdem o monopólio na divulgação das grandes decisões oficiais e ficam limitados à publicação de reações aos comunicados presidenciais. Para Trump e Bolsonaro, a alternativa das redes sociais é uma estratégia política ultraconservadora para minar o poder das elites partidárias tradicionalmente vinculadas ao liberalismo e aliadas aos grandes grupos midiáticos. As duas plataformas virtuais mais importantes no arsenal midiático da direita são o Twitter e a rede Gab, mas a arma retórica mais efetiva é o uso do rótulo fake news (notícia falsa) para desconstruir críticas vindas da esquerda e dos partidos de centro. O jornal Folha de São Paulo foi escolhido como o alvo predileto de Bolsonaro, que também já elegeu as redes Record e SBT como seus aliados políticos, da mesma forma que nos Estados Unidos, Trump transformou a rede Fox numa espécie de porta-voz semioficial da Casa Branca, na guerra midiática com a rede CNN e os jornais The New York Times e The Washington Post. As fake news como arma política As divergências entre presidentes e os grandes grupos midiáticos refletem uma luta por poder politico, mas o a questão das notícias falsas vai mais longe e afeta o conjunto da população na medida em que ela passa a ter dúvidas sobre o que é publicado na imprensa, a sua referência tradicional em matéria de informação. O rótulo fake news é um instrumento politico para os tomadores de decisões, mas é profundamente desestabilizador para o público porque viraliza a incerteza. A atividade jornalística tende a tornar-se muito complexa num ambiente em que os questionamentos de credibilidade em notícias deixaram de ser um argumento de movimentos e personalidades situados fora do establishment político para se transformar num divisor de águas dentro do próprio sistema de poder. Assim, decidir se uma notícia é fato ou fake passou a mexer com questões como análise de discurso, da conjuntura política e das estratégias de comunicação. Torna-se uma iniciativa que implica ir além das normas de checagem de informações contidas nos manuais de redação. A estratégia comunicacional adotada por Bolsonaro afeta os grandes grupos midiáticos nacionais porque coloca seus donos e editores numa saia justa porque eles serão levados a tomar posição diante eventuais perseguições e ataques a dissidentes como a Folha de São Paulo. A TV Globo, por exemplo, mencionou os ataques à Folha numa entrevista com Bolsonaro, mas eximiu-se de uma defesa mais enfática do jornal paulista. Os grandes jornais também se mostram extremamente cautelosos na divulgação de agressões a jornalistas por parte de simpatizantes do capitão Jair Bolsonaro. A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) relacionou 141 ataques a jornalistas durante a recente campanha eleitoral, a maioria deles atribuídos a militantes de direita. A liberdade de imprensa em questão Diante de notícias que não o agradam, Jair Bolsonaro tende e reagir na base do bateu/levou sem, muitas vezes, ater-se às evidências. Vale o discurso e a repetição passiva da argumentação presidencial em espaços controlados por simpatizantes nas redes sociais. Bolsonaro evitou até agora choques com a TV Globo, mas seus seguidores, especialmente os evangélicos, não fazem nenhuma questão de disfarçar a hostilidade à emissora, gritando “fora Globo” quando veem veículos e repórteres globais. Os filhos de Bolsonaro também são peças importantes nesta estratégia de manter jornalistas e a imprensa na defensiva, como ocorreu no episódio das operações financeiras suspeitas de um ex-motorista de Flavio Bolsonaro. O barulho virtual tende a se sobrepor à razão, expediente já largamente usado por Donald Trump. O novo ocupante do Palácio do Planalto já deixou claro que, além de separar e tratar de forma diferenciada empresas que ele considera amigas ou inimigas, vai usar o atentado de Juiz de Fora e o antipetismo como cortinas de fumaça para tentar desviar a atenção da imprensa e o público quando surgir alguma notícia embaraçosa para o presidente. A imprensa vai precisar de muito cuidado para distinguir fatos e versões na retórica bolsonariana, pois ela irá enfrentar uma situação nova, inexistente em governos anteriores quando o fenômeno das fake news não fazia parte da agenda noticiosa. Desconstruir o discurso oficial para não cair em armadilhas informativas passa a ser uma necessidade para reconquistar a confiança de leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Isto vai exigir alguma audácia jornalística, contrariando a tradicional tolerância dos grandes grupos midiáticos nacionais em relação à estratégia comunicacional do governo Bolsonaro. Publicado originalmente na página MEDIUM de Carlos Castilho A onda Bolsonaro é só a espuma da insatisfação social contra a elite política do país O jornalismo está vivo e brilha

O binômio fake news/redes sociais nos impõe novos comportamentos políticos

As fake news deixaram de ser apenas um dilema jornalístico para se tornar uma questão politica capaz de mudar os rumos de um país. A ampliação do alcance do problema está diretamente associada à vertiginosa veiculação de notícias falsas através das redes sociais, criando um desafio ainda maior e mais relevante. Esta é mais uma das consequências da ampliação do uso das novas tecnologias de comunicação e informação (TICs), responsáveis por uma sucessão de quebras de modelos sociais, políticos, culturais e econômicos, que pode ser ainda mais importante do que a deflagrada pela invenção dos tipos móveis, no século XV, por Johannes Gutenberg. Estamos diante de um tríplice dilema cuja analise só pode ser feita de forma integrada porque o efeito conjunto é muito maior do que a soma das consequências de cada componente isoladamente. As fake news disseminadas por redes sociais geram percepções também falsas que por sua vez alimentam posicionamentos políticos e ideológicos que por sua vez realimentam o ciclo de polarizações cada vez mais divorciadas da realidade. Os projetos de checagem de informações promovidos por organizações jornalísticas são importantes, mas incapazes de abranger o incomensurável universo informativo que nos cerca. Podem servir para restituir parte da credibilidade perdida pela imprensa, mas se o fact checking não for concebido dentro de uma estratégia mais ampla, a verificação noticiosa acabará sendo pouco atrativa para as pessoas diante da avalancha informativa na internet. A isto se some o papel das redes sociais que hoje se transformaram em negócios bilionários justamente porque facilitam e aceleram o fluxo de mensagens interpessoais, que inevitavelmente incluem também notícias falsas e desinformação. A rede Facebook, por exemplo, está hoje no centro de uma polêmica mundial por sua resistência em abrir a caixa preta dos algoritmos que controlam a veiculação de mensagens entre os seus 2,3 bilhões de usuários no mundo inteiro. Quanto maior o fluxo de mensagens maior o faturamento das redes que logicamente não querem abrir mão de sua mina de ouro, seja ela do Facebook, Whatsapp, Google, Twitter ou YouTube. A dinâmica das redes se apoia no velho principio de “quem narra um conto aumenta um ponto”, o que inevitavelmente alimenta a polarização seja ele política, ideológica ou de costumes. O resultado é combustível para governos ultraconservadores, para terroristas e desequilibrados mentais. O fracasso das iniciativas judiciais visando acabar com a disseminação de mentiras e meias verdades deixou o jornalismo como o principal responsável pela checagem e denúncia de informações falsas, distorcidas ou fora de contexto. A fluidez estrutural do ambiente das redes sociais facilita a migração de usuários para outras redes como as ultra direitistas Gab e Voat, caso Facebook, Twitter ou Whatsapp venham a ser regulamentadas . Há ainda outras redes, como Telegram , que podem servir de refugio para grupos radicais. Pesquisas na Alemanha mostraram que o movimento anti-refugiados árabes é mais forte em cidades com maior número de usuários de redes sociais. Na Ásia, nas Filipinas e Myanmar, o Facebook tornou-se a plataforma mais usada para que grupos xenófobos e racistas organizem atos de violência, incluindo linchamentos e terrorismo. A combinação de fake news com ativismo em redes sociais já configura uma nova realidade politica conservadora com a qual teremos que lidar daqui por diante. Estamos ingressando num período onde o uso da informação como arma politica começa a atingir um patamar inédito em nosso comportamento social. Como já não conseguimos mais verificar o grau de veracidade de todas as notícias que recebemos diariamente, o recurso que nos resta passa a ser buscr ajuda na identificação da origem e possíveis objetivos das notícias sob suspeição. A desinformação deixa de ser um fenômeno episódico para tornar-se um item incorporado aos dados, fatos e eventos com os quais entramos em contato, o que nos obriga a ter que relativizar todas as notícias que recebemos. As “fake news” não são um fenômeno passageiro A máquina eleitoral das fake Uma reportagem da Folha de São Paulo, publicada no dia dois de dezembro, mostrou como as empresas Quickmobile, Croc Services, SMS Market, Yacows, FDeep Marketing e Yaplix usaram CPFs de idosos para fraudar os registros legais para disparar milhões de mensagens visando condicionar a opção de voto de milhares de eleitores. O site Congresso em Foco monitorou identificou 123 notícias falsas na web brasileira e delas, 104 eram contrárias ao candidato Fernando Haddad, do PT. A eleição de Jair Bolsonaro é uma das primeiras consequências concretas da forma como as redes sociais interferem nos julgamentos políticos das pessoas. O uso do Facebook, Twitter e Whatsapp obedeceu a uma estratégia e procedimentos cuidadosamente elaborados contrastando com o uso amador e empírico feito pela campanha de Fernando Haddad. A justiça eleitoral inicialmente ameaçou medidas drásticas no inicio da campanha, mas depois teve que admitir sua incapacidade de garantir uma isenção informativa plena e confiável até o dia da votação. Desconfiar, duvidar e questionar tornaram-se comportamentos obrigatórios para sobreviver na selva das notícias falsas ou distorcidas, das meias verdades e dos fatos fora de contexto. Assistir um telejornal sem uma postura crítica vai chegar cada vez mais perto de uma atitude irresponsável porque nos tornará cúmplices da disseminação involuntária de informações enviesadas ou simplesmente falsas. Não há como fugir desta situação que também não é uma característica desta ou daquela posição politica ou ideológica. O viés, a adulteração e a descontextualização tornaram-se componentes do fluxo de noticias, seja qual for a sua origem ou o seu propósito. Os conservadores foram os que utilizaram a informação como arma politica, de forma mais sistemática e eficiente, mas as ferramentas são de livre acesso e não será surpresa se outros movimentos políticos passaram a usá-las. Publicado originalmente na página Medium de Carlos Castilho

A batalha pelo controle do fluxo de notícias

por Carlos Castilho A imprensa mundial está enfrentando um novo e poderoso concorrente na guerra pelo controle do fluxo de informações levadas ao público. Trata-se nada mais nada menos do que os governos nacionais, um velho e conhecido aliado da grande imprensa e que agora, na era das redes sociais, descobriu que não precisa mais depender do humor político dos donos de conglomerados midiáticos. Quem escancarou a nova estratégia de comunicação pública foi o presidente norte-americano Donald Trump que transformou o Twitter e o rótulo fake news (notícias falsas) nas principais ferramentas para enfrentar a grande imprensa norte-americana, também conhecida como o Quarto Poder. O bate boca entre Trump e jornais como The New York Times e The WashingtonPost, bem como a rede de TV CNN, não é uma mera questão de divergências entre um presidente conservador e uma imprensa liberal. Trata-se da quebra de uma parceria histórica que vigora desde o século XIX onde imprensa e governos procuraram apoiar-se mutuamente por meio de uma estratégia comum de alimentação e monitoramento da agenda pública de debates visando o controle do fluxo de notícias levadas ao público. Além da coincidência de interesses pontuais, os parceiros compartilham posições ideológicas comuns baseadas no ideário democrático liberal. A internet quebrou o monopólio da imprensa no controle do fluxo de notícias mas foi só depois que os políticos conservadores descobriram como usar as redes sociais para uma comunicação direta com os seus eleitores e simpatizantes, que o rompimento entre as duas partes se transformou num problema político de primeira grandeza. A parceria governos/imprensa foi muito proveitosa para ambos. A imprensa, especialmente os grandes jornais e emissoras de TV com alcance nacional, recebeu fatias milionárias da publicidade estatal oferecendo em troca um tratamento preferencial aos interesses dos governantes de turno. O benefício mútuo consolidou uma aliança que sempre foi negada , mas que informalmente deu origem a um modelo político que poderia ser definido como liberal conservador, apesar de assumir formas diferenciadas por país. A partir da virada do século XXI , partidos e movimentos de extrema direita bem como de políticos de tendência populista descobriram que as redes sociais e a internet podiam substituir a imprensa na intermediação com o público. Isto favoreceu o protagonismo de políticos como Trump, mas também de outros líderes de direita como Lech Kaczynski, presidente da Polônia, e Viktor Orban, primeiro ministro da Hungria, sem falar em dirigentes de partidos ultra conservadores na França, Holanda, Suécia e Itália. O Trump brasileiro Aqui no Brasil, Jair Bolsonaro está usando a mesma estratégia para divulgar seu discurso extremista, sem depender das simpatias da grande imprensa nacional. Jornais como a Folha de São Paulo, O Globo e a Rede Globo de TV, por enquanto, mantém-se neutros no que se refere à cobertura da campanha eleitoral do ex-capitão do exército. Mas se ele conseguir se eleger , a divergência de interesses econômicos e políticos pode azedar, e muito, a relação entre Bolsonaro e a imprensa. A batalha pelo controle do fluxo de notícias tende a se agravar porque os interesses políticos e econômicos agregados aos grandes conglomerados da comunicação mostram-se dispostos a usar todas as armas possíveis para não perder sua hegemonia. Mas por outro lado, as plataformas digitais de comunicação vieram para ficar e a dúvida agora é saber quem vai utilizá-las melhor do ponto de vista político e ideológico. Os movimentos e grupos extremistas, especialmente os de direita e os fundamentalistas tem mostrado muito mais agilidade e eficiência no uso das redes sociais como ferramenta para influir na formação da opinião pública. Com isto a batalha pelo controle do fluxo de notícias capazes de condicionar o debate público acabou se transformando também num confronto ideológico, que ainda está muito longe de acabar. Publicado originalmente no MEDIUM.

O lado retrógrado da avalancha informativa digital

A revolução digital criou oportunidades inéditas para a democratização do acesso à informação, mas também deu origem a um novo e mais sofisticado sistema de exclusão informativa que afeta especialmente a população de baixa renda. Não se trata mais apenas de falta de acesso à informação pelos mais pobres, mas principalmente da carência de conhecimentos sobre como usá-la em beneficio próprio. Um estudo recente dos pesquisadores norte-americanos Fiona Morgan e Jay Hamilton mostra como a imprensa dos Estados Unidos ignora a agenda das populações de baixa renda ao seguir incondicionalmente a lógica financeira na produção de noticias gerando conteúdos que ficam fora do alcance monetário dos moradores de áreas pobres. Segundo Jay Hamilton, um economista, “produzir noticias custa dinheiro, logo alguém precisa pagar por elas, quem paga são os anunciantes e os leitores que, obviamente só compram aquilo que lhes interessa”. A exclusão social gerada por esta lógica mercantil do jornalismo da era analógico/industrial foi, em tese, muito enfraquecida pela multiplicação das plataformas de informação surgidas com a popularização dos computadores, tablets, smartphones e da internet. Mas a democratização que muitos proclamaram como um avanço social acabou ficando pela metade do caminho, se olharmos o ambiente informativo digital de uma forma mais ampla. A ditadura noticiosa alimentada por leitores e anunciantes capazes de pagar pela informação (os primeiro lendo e os segundos pegando carona na atenção dos leitores) foi complementada pelo surgimento de complexos e sofisticados sistemas de filtragem, processamento e veiculação da avalancha de dados, fatos e eventos que circulam na internet. Sociólogos da informação, como o italiano Alberto Menucci mostram que o novo sistema de exclusão social dos mais pobres é uma consequência do que ficou conhecido como “analfabetismo digital”, ou seja, além de conhecer minimamente os princípios da computação e da internet, para usufruir das vantagens das novas tecnologias é necessário saber identificar os códigos da comunicação digital. Para Menucci, “no contexto contemporâneo, podemos definir a exploração (de outras pessoas) como uma forma de participação dependente nos fluxos informativos, em especial, a impossibilidade de controlar a construção de sentido e significados” na massa de notícias que circulam na internet. Menucci conclui: “Até mesmo os favelados estão hoje imersos na informação graças aos smarphones, mas eles não têm o poder de organizar esta informação em proveito próprio”. Combinando os estudos de Hamilton e Menucci é possível chegar a um dos grandes nós cegos do contexto atual que é a polêmica em torno da chamada Economia Política da Informação Digital. É um debate onde as inovações tecnológicas são analisadas de forma multidisciplinar, mas com ênfase na economia. Analisando os agentes econômicos, como Jay Hamilton fez no seu livro All the News That’s Fit to Sell (Todas as notícias que podem ser vendidas, sem tradução ao português) é possível identificar como e porque a avalancha informativa por um lado libera transformações revolucionarias, por outro abre espaço para sofisticadas fórmulas de manutenção da desigualdade social e econômica. Exclusão informativa e polarização política Quando a lógica comercial da imprensa dificulta ao acesso dos segmentos de baixa renda à informação, Hamilton e Morgan afirmam o resultado é uma dupla perda para o conjunto da sociedade: queda de consumo popular o que afeta a produção geral de bens e serviços; e a perda da capacidade de incorporar a informação produzida entre os mais pobres na geração global de conhecimentos, o principal motor da inovação na economia digital. A exclusão informativa é, cada vez mais, também um fator de polarização política, conforme ficou evidenciado na campanha eleitoral norte-americana de 2016, quando as pesquisas identificaram que o presidente Donald Trump obteve uma alta votação entre os eleitores mais pobres e que, coincidentemente, são os que tem menos acesso às notícias políticas publicadas pelos grandes jornais. A brecha informativa entre ricos e pobres , nos Estados Unidos, e também aqui no Brasil, está dificultando a sobrevivência da imprensa local e regional, um fenômeno que a a ex-ombudsman do jornal The New York Times, hoje no The Washington Post, Margareth Sullivan qualificou de “emergência jornalística” de consequências imprevisíveis. As grandes corporações da imprensa que, até agora, usufruíram das vantagens da avalancha informativa na geração de lucros, começam agora a ver o outro lado da super oferta de notícias.

As “fake news” não são um fenômeno passageiro

FAKE NEWS – Quem acha que a desinformação e as notícias falsas (fake news) são um fenômeno passageiro pode ir se preparando para conviver com elas por um longo tempo. Ambas são consequência de uma ruptura de modelos de produção, gestão e disseminação de informações que está afetando todo o modo de vida da sociedade contemporânea. A criminalização das fake news não resolve as incertezas e desorientação informativa que atingem hoje boa parte do público consumidor de notícias. Sanções legais podem reduzir a frequência de atitudes delinquenciais entre políticos, empresários, formadores de opinião e jornalistas, mas não afetam a natureza do fenômeno, cujas bases são muito mais profundas do que um mero desvio de comportamentos. A popularização dos computadores, da digitalização e da internet aumentaram de forma avassaladora a produção e disseminação de informações numa escala nunca vista antes pela humanidade. Tratam-se de inovações tecnológicas que estão provocando mudanças em todos os setores da sociedade, a começar pela quebra do modelo clássico de classificação dicotômica de fatos, eventos e dados. As “fake news” como estratégia eleitoral Desde Aristóteles, na Grécia antiga, a cultura europeia ocidental divide atitudes, ideias e decisões usando apenas dois parâmetros: boas ou más, corretas ou erradas, verdadeiras ou falsas, legais ou ilegais, justas ou injustas etc. Este modelo surgiu da necessidade de classificar fatos e comportamentos humanos num contexto em que a escassez técnica de informações não permitia avaliações mais amplas e detalhadas. Neste contexto, a busca da verdade era inevitavelmente um processo limitado e condicionado pelo poder de algumas pessoas e instituições de definir o que era certo ou errado, legal ou ilegal . A imprensa foi uma das instituições que assumiram um papel chave na determinação do que pode ser considerado verdadeiro ou falso. Ela não decidia sozinha neste tipo de julgamento, mas era o único veículo por meio do qual estes posicionamentos chegavam até as pessoas, condicionavam suas atitudes e sua visão do mundo. Os paradoxos da informação Quando a digitalização e a internet romperam as limitações no fluxo de informações impostas pelas tecnologias analógicas e mecânicas, houve uma quebra de modelos com consequências comparáveis à descoberta do fogo, da roda, da imprensa e da eletricidade. As novas tecnologias digitais alteraram radicalmente o papel que a informação tem na vida da maioria dos habitantes do planeta gerando facilidades nunca antes imaginadas, mas também graves conflitos entre velhos e novos comportamentos sociais, políticos e econômicos. Inevitavelmente a imprensa e o jornalismo acabaram no foco desta transição de modelos porque lidam com a informação, a matéria prima central em todo o processo de digitalização. Dai a relevância assumida pela polêmica em torno das fake news, pois elas afetam diretamente a confiança do público em jornais, revistas, emissoras de radio e televisão, ou conteúdos publicados na internet, justo os maiores fornecedores de insumos informativos para as pessoas. A transição de paradigmas jogou a imprensa num conflito interno do qual ela ainda não conseguiu sair. Se por um lado ela aderiu entusiasticamente às tecnologias digitais que facilitaram e baratearam a produção de noticias, por outro, jornais, revistas e o jornalismo audiovisual continuaram se comportando segundo o velho modelo da dicotomia clássica entre o bom e o mau, do verdadeiro e do falso. O deslumbramento inicial acabou e hoje a imprensa vive o drama da divisão entre duas maneiras de lidar com a informação: a visão da complexidade digital e a da simplicidade analógica limitada a apenas duas posições. As tecnologias digitais permitiram a multiplicação exponencial e diversificada de percepções, opiniões e posicionamentos, tornando evidente a complexidade das relações entre humanos, entre estes e os não humanos, animados ou inanimados. O resultado foi o de que muitos fatos, eventos e atitudes ao serem investigados ou descritos a partir da diversidade e complexidade acabaram apontando para conclusões diferentes das alcançadas por meio de recursos analógicos. O grande dilema É aí que reside o dilema da imprensa e do jornalismo diante das fake news. Um desafio que vai do enfrentamento da repetição incessante de uma mentira grosseira até que as pessoas passem a acreditar nela, como fazem o presidente Donald Trump e seus marqueteiros políticos, até o uso de sofisticadas técnicas de manipulação dos fluxos de informação para condicionar a forma como as pessoas percebem a realidade que as cerca. O surgimento, em todo mundo, de mais de cem iniciativas e projetos jornalísticos para combater as fake news pode até ajudar o público a perceber que nem tudo que é apresentado como verdade, faz jus ao nome. Mas não conseguirá tranquilizar as pessoas de que a aplicação de regras dicotômicas reduzirá a complexidade de fatos e eventos contemporâneos a uma simples decisão entre certo ou errado. Os donos de jornais podem ter a ilusão de que campanhas anti-fake newsrestabelecerão a credibilidade na imprensa. Mas talvez a melhor forma do jornalismo atenuar as dúvidas e incertezas na transição para a era digital seria mostrar para as pessoas como as coisas estão mudando, como aprender a conviver com inúmeras versões diferentes sobre um mesmo fato ou evento, como pesquisar uma notícia antes de passá-la adiante. Enfim como tomar consciência de que a informação está mudando nossos comportamentos, crenças e valores de uma forma absolutamente imprevisível e irreversível. Publicado originalmente na página Medium de Carlos Castilho. As “fake news” como estratégia eleitoral Eleições: por que vencem as mentiras (fake news)?

A nova função da notícia na guerra por corações e mentes

por Carlos Castilho Vocês já notaram como a TV Globo aumentou a frequência na divulgação de mensagens não comerciais envolvendo temas como direitos da mulher, respeito às diversidade social, igualdade de sexos, importância do agronegócios? A mesma estratégia está sendo utilizada por instituições governamentais como a justiça eleitoral, ministério público, sem falar na publicidade de empresas privadas. Trata-se da nova modalidade de apropriação de ideias, valores e preocupações por empresas e instituições interessadas em influir na formação do chamado discurso público, uma expressão que define os posicionamentos predominantes dos indivíduos nas conversas sobre temas e preocupações coletivas. A apropriação de ideias, valores e preocupações é concretizada na forma de códigos informativos, outra expressão nova e meio complicada para definir um conjunto reduzido de palavras que expressam ideias geralmente complexas. Quando a Globo cria uma serie de mensagens em vídeo baseadas na palavra respeito ela está cunhando um código informativo para representar a defesa do princípio da igualdade entre indivíduos de classes, etnias, religiões, culturas e gêneros diferentes. O jornalismo é uma forma de ativismo? Os códigos informativos são estratégicos no condicionamento do debate público sobre temas relevantes no dia a dia de um país ou de uma comunidade social. Por isto quem tem capacidade de influir na apropriação de ideias, valores e preocupações visando a produção de códigos informativos assume um considerável poder politico junto à população. O uso dos códigos ganhou importância estratégica na era da avalancha informativa digital porque diminuiu o tempo disponível pelas pessoas para refletir sobre as noticias. O caso da mensagem “agro é tec, agro é pop, tá na Globo” é um caso especifico de promoção da ideia de que os brasileiros dependem do agronegócio , o que confere a este segmento empresarial um enorme poder politico e serve para neutralizar propostas como a reforma agrária e a percepção de que os grandes proprietários de terras são predadores do meio ambiente e promotores da exploração dos trabalhadores rurais. As mensagens da Globo são dirigidas ao público urbano e visa mudar a imagem do agronegócio, até agora visto como um segmente ultra conservador e preocupado apenas em obter vantagens do governo. O uso de temas relacionados a comportamentos e valores vem crescendo exponencialmente nos meios audiovisuais depois que os estrategistas da comunicação verificaram os efeitos das mensagens que pretendem “vender” novas atitudes, princípios ou preocupações. Empresas farmacêuticas, por exemplo, usam intensivamente a produção de códigos informativos para condicionar as atitudes de consumidores em questões como controle da obesidade ou da natalidade. Na alimentação, já nos acostumamos às campanhas pela redução do consumo de açúcar e gorduras. Estes códigos criados a partir de informações publicadas na mídia orientam nossos hábitos de consumo. O caso da corrupção e a estratégia comunicacional dos investigadores da Lava Jato é exemplar dentro da nova tendência no marketing politico-ideológico. A expressão Lava Jato foi transformada num código que transmite em duas palavras todo um conjunto de ideias, práticas e posicionamentos no debate sobre corrupção no Brasil. As novas formas de exclusão informativa A produção de códigos informativos é parte de um processo de uso maciço da informação como suporte para estratégias de controle do debate público. O objetivo é tanto condicionar a forma como as pessoas organizam seu mapa mental como também uma forma de excluir determinados segmentos sociais do debate público. Até agora esta exclusão era ostensiva e até violenta, mas agora a manipulação da informação permite o uso de estratégias mais sutis e que incluem até mesmo uma aparência de inclusão, como mostrou o falecido sociólogo italiano Alberto Menucci. “A definição estrutural das diferenças já está incorporada ao sistema sem recorrer a fatores externos…Os códigos máster tendem a incluir os excluídos ou neutralizar possíveis focos de oposição…Se antes a exclusão era visível e forçada, hoje os códigos tendem a fixar pré-condições para participação no discurso público, onde até mesmo os excluídos acabam incorporados”. (Alberto Menucci, Challenging the Codes, Cambridge University Press. 1996). Tudo isto é operado através da disseminação maciça de dados, fatos e eventos na forma de conteúdos jornalísticos e de publicidade comercial. Isto confere à imprensa um papel político chave neste processo, o que intensifica a polêmica em torno da função do jornalismo no fluxo de informações em grupos sociais. As empresas de comunicação estão descobrindo a alta rentabilidade politica e econômica do uso da estratégia de apropriação de códigos informativos e esta preocupação tende a contagiar todos os demais segmentos noticiosos. Isto cria cada vez mais dificuldades para que as pessoas possam distinguir entre a informação de interesse público e a produzida para atender grupos de pressão privados. Na conjuntura brasileira atual, o uso estratégico dos códigos informativos está sendo facilitado pela crise na esquerda cujas bandeiras, slogans e projetos estão sendo gradualmente apropriados por grupos que antes eram avessos ou não davam tanta importância aos temas que agora promovem. A discriminação racial e os direitos das minorias eram quase uma marca registrada dos movimentos de contestação da ordem vigente. Agora estão gradualmente se tornando num patrimônio informativo da TV Globo. Texto publicado originalmente no site objETHOS

As “fake news” como estratégia eleitoral

por Carlos Castilho Ao que tudo indica não vamos discutir apenas candidaturas e propostas na campanha eleitoral para a votação do dia 7 de outubro. As notícias falsas, mais conhecidas pela expressão inglesa fake news, também entrarão no debate porque os candidatos e líderes partidários já incorporaram a manipulação informativa e o questionamento de credibilidade como estratégias eleitorais tão ou mais eficientes do que a temática política. A campanha eleitoral ainda está morna, mas o poder judiciário e os grandes conglomerados industriais da imprensa já se lançaram numa ofensiva midiática para marcar seu controle na definição dos códigos informativos que condicionarão o comportamento dos eleitores no debate sobre quem diz a verdade e quem está mentindo. A estratégia da justiça e da grande imprensa é condicionar o debate sobre credibilidade aos padrões adotados por ambas instituições, seja através de normas legais, seja por meio do uso de ferramentas informativas como verificação de veracidade ou checagem de fontes, mecanismos também conhecidos pelo jargão jornalístico fact checking. Nem o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e nem a mídia hegemônica informarão ao público que existe uma diferença significativa entre discurso e realidade na questão das fake news. O discurso assumido por quem tenta controlar os códigos informativos eleitorais vincula a questão da credibilidade a princípios morais e supostamente científicos sobre o que é ou não verdade. A eficiência do discurso depende da insistência com que ele for repetido com o objetivo de fixar determinadas ideias, ou códigos informativos, na mente dos eleitores. A realidade do debate sobre credibilidade noticiosa é bem outra. É muito difícil determinar o que é verdade e o que é mentira porque ambas são caracterizadas pela subjetividade, ou seja, são condicionadas pela visão de mundo de cada individuo. Já está provado cientificamente que não existe uma verdade absoluta, da mesma forma que uma mentira sempre tem alguma base real para que possa ter um mínimo de veracidade. Aceitar esta constatação implica diminuir o impacto das decisões do binômio justiça/imprensa, o que nenhuma das partes admite. Hoje, a avalancha de informações publicadas na internet aumentou incrivelmente a quantidade de versões e opiniões sobre um mesmo fato, dado ou evento, o que torna muito difícil estabelecer qual delas tem o privilégio de ser considerada a verdadeira. O máximo que se pode estabelecer é qual delas é a mais veraz, mas isto implica relativizar os padrões da justiça e da imprensa. Nossos dilemas diante da desinformação eleitoral A moderna luta pelo poder político A polêmica em torno das fake news é um exemplo clássico da moderna luta pelo poder na sociedade moldada pela informação digital. Não se trata mais de empregar a força para impor um conceito de verdade, o que equivaleria a usar o mesmo princípio da censura, mas de determinar quais os critérios, ou códigos informativos, que a opinião pública usará para condicionar a tomada de decisões individuais ou coletivas. A partir desta visão, o tema fake newstorna-se essencialmente político e não um problema moral. A classificação de uma notícia como falsa ou verdadeira é um processo complexo, demorado e sujeito a controvérsias. Os juízes TSE não dispõem de elementos técnicos e muito menos de tempo para promover uma investigação consistente sobre a veracidade de fatos, dados e eventos durante a campanha eleitoral. Por isto atribuíram à imprensa e aos institutos de verificação de dados a responsabilidade de promover a checagem das informações formalizando uma aliança informal que sujeitará os eleitores a critérios estabelecidos por organizações cujos métodos de verificação estão submetidos a questionamentos. Os Estados Unidos são hoje o cenário do mais sofisticado uso de estratégias políticas baseadas em fake news. O presidente Donald Trump diz o que bem entende partindo do princípio de que a repetição de uma notícia falsa e da desinformação acabará por tornar socialmente verdadeira uma afirmação. Por outro lado, tudo aquilo que contradiz a versão presidencial é taxado como notícia falsa, o que atinge a credibilidade da imprensa. Os posicionamentos e interesses políticos atropelaram a preocupação com a checagem dos fatos porque tanto o governo como a imprensa norte-americana têm estratégias sobre como manipular o debate público na questão das fake news. Isto leva o eleitor a ter que decidir sozinho o que pode ser mais ou menos verdadeiro. É uma tarefa difícil, mas de certa maneira benéfica porque nos leva a vivenciar concretamente as dúvidas e incertezas da era digital. LEIA OUTROS TEXTOS DE CARLOS CASTILHO EM SUA PÁGINA NO MEDIUM

Como as novas tecnologias e as notícias falsas impactam o jornalismo

por Elaine Tavares As novas tecnologias e a criação das redes sociais colocaram uma novidade na vida cotidiana de bilhões de pessoas: o acesso rápido às informações e também a possibilidade de produzi-las e distribuí-las. Assim, o que era até bem pouco tempo quase que exclusividade dos jornalistas ou formadores de opinião ligados aos meios de comunicação, passou a ser comum para qualquer pessoa no planeta que tenha acesso à rede mundial de computadores. Mas, o que parecia ser uma vitória da democracia tem mostrado que, no sistema capitalista de produção, nada mais é do que mais do mesmo. Isso porque nos últimos tempos o que se percebeu foi que as informações  que circulam na internet também estão dentro da forma-mercadoria geradora de mais-valia ideológica. A enxurrada de notícias falsas, fabricadas por empresas especializadas nesse fazer, tem servido para produzir “verdades” que servem aos interesses do capital e das forças que conformam o poder político e econômico do sistema. Conforme dados divulgados pelas Nações Unidas, nos países desenvolvidos 81% da população já tem acesso à internet, conformando 2,5 bilhões de usuários. Os países considerados em desenvolvimento têm 40% de conectados e nos empobrecidos 15%, somando juntos apenas um bilhão.  Já os que estão fora da bolha internética somam 3,7 bilhões, sendo que a maioria dos “desconectados” se encontra na África. Mas, apesar de tantos ainda estarem fora da rede, a possibilidade de entrarem está dada visto que a cobertura de celular já está disponível para 95% da população global. E também avançam os planos de internet para pobres no celular, que inclui apenas a possibilidade de acesso ao facebook e uatizapi, o que significa uma única empresa no controle do que as pessoas recebem de informação. Mesmo assim, ainda conforme as Nações Unidas, houve uma desaceleração do uso da internet, possivelmente provocada pelos altos preços do serviço. Já o acesso da internet nos domicílios tem outra geografia. No momento existem um bilhão de lares conectados, sendo que desse total 230 milhões estão na China, 60 milhões na Índia e 20 milhões nos 48 países menos desenvolvidos do mundo. Ou seja, a desigualdade é visível. Enquanto 84% das casas europeias têm internet, no continente africano apenas 15,4% possuem acesso em casa. Mas, apesar de a rede estar distribuída de maneira desigual, claramente conforme as possibilidades econômicas de cada país, a repercussão do que circula nas famosas “redes sociais” acaba chegando também nas pessoas que não tem acesso, visto que os meios de comunicação massivos tais como o rádio e a televisão estão tendo de subordinar-se ao que “bomba” na rede, reproduzindo assim os conteúdos mais compartilhados. Basta uma tarde de domingo na frente da TV aberta brasileira, por exemplo, e isso fica patente. Os programas de auditório das principais redes trazem as figuras e os temas que mais tiveram repercussão nas redes sociais. Esse é um dado importante porque tanto para a mídia eletrônica aberta, que é a que chega nos “desconectados”, quanto nas redes internéticas, o que vale é o que “bomba”, o que tem mais curtidas e comentários, mesmo que a informação ali contida não seja verdadeira ou não passem de bobagens. E é justamente nesse nicho que estão concentradas as notícias falsas, geralmente fabricadas por empresas especializadas a serviço de políticos ou de redes de poder. No Brasil, recentemente, a Câmara de Deputados promoveu um debate sobre esse tema visto que já existem na casa mais de vinte projetos de lei buscando regular ou coibir as notícias falsas na internet.  Para os representantes das entidades populares que participaram da reunião, esse é um tema que não pode ficar relegado a um parlamentar. Seria necessário um amplo debate público para que a sociedade pudesse participar e sugerir coisas. Isso porque a maioria dos projetos em tramitação trata de criminalizar os usuários ou as plataformas pela prática de compartilhamento das notícias falsas. Ora, isso não tem sentido algum. É preciso controlar aquelas empresas ou mesmo entidades que são as geradoras das mentiras. O fantasma da censura também aparece em muitas das falas dos representantes de entidades civis que discutem o tema porque muitos projetos apontam para saídas bastante complicadas como, por exemplo, tipificar criminalmente informações sem aprofundamento, sem deixar claro quem julgaria o que é sem aprofundamento ou qual nível de aprofundamento seria necessário para que fosse uma notícia veraz. Igualmente criminalizar as plataformas poderia gerar uma censura prévia, algo também muito complicado de se aceitar. Bia Barbosa, do Intervozes, acredita que a única lei em tramitação no Congresso que pode trazer contribuição de fato para o debate é a lei de proteção de dados pessoais, pois, segundo ela, é justamente a partir da coleta e do tratamento massivo de dados que se promove a construção de perfis individualizados de cidadãos na rede e é para esses perfis que as chamadas notícias falsas são disseminadas. Esse é, inclusive, o debate que acontece em nível mundial, tendo sido desatado pelas revelações de Edward Snowden, ao tornar público os programas de vigilância global efetuado por agências estadunidenses. Não por acaso ele está ameaçado de morte. Ele tocou no centro da questão: o controle dos dados pessoais. O mais sério de tudo isso é que a maior das redes sociais, o facebook, deixa bastante claro nas regras que apresenta para o usuário que todos os dados sobre ele estarão coletados e já se sabe que essas informações são usadas para oferecer produtos e ideias políticas. Tanto que o famoso “algoritmo” que define como a informação é distribuída na rede, cada dia mais se aperfeiçoa no sentido de criar guetos nos quais a pessoa é colocada, sem condições de receber outras informações divergentes. E a pessoa aceita isso. O tema é largo e ainda vai provocar muitos debates no campo da cidadania. Afinal, como já foi dito, qualquer pessoa pode produzir conteúdo. Mas, algo precisa ficar bem claro. Produção de conteúdo pessoal, feita por qualquer criatura no mundo, não é a mesma coisa que notícia. A notícia é um fazer específico do jornalista

Além do fact checking

por Carlos Castilho O esforço de jornalistas e pesquisadores do jornalismo em combater a proliferação das notícias falsas pela internet deu origem a um outro desafio também relacionado à qualidade da informação levada ao público. É a questão da idoneidade do discurso público, o principal condicionante na formação das opiniões e comportamentos das audiências dos veículos de comunicação. O discurso público é uma expressão genérica usada, principalmente por sociólogos, para definir o conjunto de mensagens produzidas e distribuídas por diferentes instituições, movimentos e comunidades sociais num determinado contexto social. O discurso público sobre combate à corrupção, aqui no Brasil, por exemplo, envolve o conjunto das ideias, posicionamentos e opiniões sobre as investigações da Lava Jato. Para cada problema em discussão na imprensa e na sociedade existe um tipo de discurso público, dentro do qual algumas posições ganham mais importância que outras. A imprensa tem um papel determinante na definição das opiniões predominantes pelo simples fato de serem as mais divulgadas. O conteúdo do discurso público é, por natureza, complexo, contraditório e multidisciplinar. A veracidade, objeto do fact checking é um dos seus componentes, mas não o único na determinação da confiabilidade de um dado, fato ou evento. Fatos considerados verdadeiros podem ser agrupados de forma a produzir um resultado não confiável. Outro desafio é a falsificação de vídeos usando tecnologias sofisticadas, os chamados deepfakes, e que só podem identificados por técnicos capacitados. É o caso do vídeo que viralizou na internet com um pronunciamento falso do ex-presidente Barack Obama. Uma série de recursos altamente sofisticados foram usados para adulterar a voz, movimentos faciais e gestos para transmitir uma mensagem fora do contexto político do antecessor de Donald Trump. Veja e julgue (na segunda metade do vídeo é mostrada a voz do dublador e você pode acompanhar como foi obtida uma sincronia quase perfeita): Diante de tantos complicadores, ganha corpo a proposta de desconstrução do discurso público como um elemento adicional na busca de um ambiente informativo menos sujeito à desinformação, na era digital. O termo desconstrução pode ser comparado ao ato de destrinchar interesses, motivações, estratégias e objetivos das principais propostas, percepções e opiniões dos envolvidos nos debates da agenda da imprensa. O tema ainda está restrito a centros de pesquisas em jornalismo, como da Universidade de Lund, na Suécia, onde jornalistas, sociólogos e antropólogos testam técnicas de desconstrução de notícias com base nas teorias sobre análise de discurso, onde a principal referência é o pensador francês Michel Foucault. Uma primeira etapa no desenvolvimento do processo de desconstrução do discurso público é o que faz, por exemplo, o blog brasileiro Meio ao publicar lado a lado artigos de diferentes analistas políticos e econômicos, oferecendo aos leitores algumas das várias perspectivas integrantes do discurso público sobre eleições presidenciais, dar um exemplo atual. Avalancha informativa Nos anos 90, do século passado, o sociólogo italiano Alberto Menucci foi um dos primeiros a sugerir, em seu livro Challenging Codes, que a imprensa incluísse a desconstrução do discurso público entre suas funções prioritárias na era digital. Mas o próprio Menucci alertou que diante da fluidez e complexidade das informações na internet, seria impossível regulamentar e normatizar integralmente a atividade desconstrutora , o que tornaria indispensável uma parceria entre jornalistas e o público para filtrar e destrinchar a enorme quantidade de informações publicadas diariamente. Um exemplo desta avalancha noticiosa contemporânea, foi dado pelo autor inglês Richard Wurman em seu livro Information Anxiety II, onde ele mostra que uma edição dominical do jornal The New York Times publica atualmente mais informações do que as disponíveis por um cidadão inglês, ao longo de toda a sua vida, no século XVII. Já está provado que a isenção e objetividade absolutas não existem, porque qualquer ser humano tem uma percepção própria dos dados, fatos e eventos que o cercam. Assim, qualquer iniciativa de desconstrução do discurso público terá que tornar transparente o currículo, vínculos políticos, econômicos e profissionais dos jornalistas envolvidos no projeto. Apesar de tudo isto, o jornalismo ainda é a atividade mais capacitada para promover, rotineiramente, a desconstrução do discurso público por sua longa experiência no trato com a informação. Como é inevitável o crescimento da demanda popular por dados que permitam chegar ao DNA das notícias, estão criadas as condições, a médio e longo prazo, para a sustentabilidade financeira de projetos voltados para a desconstrução do discurso público. LEIA OUTROS TEXTOS DO AUTOR EM SUA PÁGINA NO MEDIUM Karl Marx e a Liberdade de Imprensa https://urutaurpg.com.br/siteluis/nao-ha-direito-a-comunicacao-e-a-informacao-veraz-no-capitalismo/

Nossos dilemas diante da desinformação eleitoral

por Carlos Castilho Nosso principal dilema até as eleições presidenciais deste ano não será a escolha de candidatos, mas como separar as informações distorcidas ou falsas das que podem ser consideradas confiáveis. Teremos que nos preocupar mais com números, fatos e eventos do que com siglas e nomes, na hora de decidir como e em quem votar. Até outubro, estamos condenados a viver uma avalancha de incertezas que tanto pode nos empurrar para escolhas absurdas alimentadas por dados falsos ou enviesados, como pode nos ensinar a conviver com as incógnitas que a internet está gerando nesta fase de transição da era industrial para a digital. Por enquanto, cerca de 1/3 dos 140 milhões de eleitores brasileiros tentam manter-se a margem das incertezas politicas segundo as mais recentes pesquisas do IBOPE, mas esta situação deve mudar a medida que o bombardeio noticioso se intensificar, durante a propaganda pela televisão. A origem de tudo isto está na informação, especificamente na informação eleitoral. Uma campanha eleitoral é por excelência um ambiente de saturação informativa cujo objetivo último é condicionar a decisão de voto do cidadão comum. A grande diferença é que, no passado, nossas escolhas eleitorais eram determinadas basicamente por fatores ideológicos enquanto, agora, as opções dependem fundamentalmente do nosso grau de informação. Era muito mais fácil escolher entre propostas ideológicas porque elas geralmente se limitavam a duas ou três. Hoje, somos confrontados com uma avalancha de informações disseminadas por todos os candidatos, o que nos desorienta e gera insegurança porque estamos despreparados para lidar com a desinformação (informação distorcida) e as notícias falsas (fake news). odo o mecanismo de condicionamento de opiniões individuais tornou-se muito mais complexo na era digital porque não só o volume de informações tornou-se gigantesco como também as modalidades de desinformação e falsificação noticiosa ficaram incrivelmente mais sofisticadas e de disseminação quase instantânea por redes sociais, como Facebook. Grandes redes sociais acabam com o sonho idílico de uma internet livre   O controvertido papel dos “influenciadores” A persuasão eleitoral realizada através de redes sociais utiliza mecanismos que tornam muito difícil identificar a origem, sem falar no fato de que as mensagens são alteradas centenas de vezes durante um curto espaço de tempo. É cada vez mais frequente o uso de robôs eletrônicos para administrar a disseminação de mensagens e a captação de informações sobre os destinatários das mesmas. Entre os vários complicadores do processo de formação de opiniões eleitorais através da internet está o papel, cada vez mais importante, desempenhado pelos chamados influenciadores. Teoricamente seriam pessoas que funcionariam como uma espécie de curadores de informações, recomendando notícias confiáveis. Mas o papel dos influenciadores como pessoas de referência na cacofonia noticiosa na Web foi distorcido de duas maneiras: como disfarce para cabos eleitorais e fator de comercialização de produtos ou serviços. Os grupos políticos de extrema direita foram os primeiros a criar influenciadores para promover candidatos e causas. Eles foram decisivos na eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos em 2016 e, agora aqui no Brasil, com a forte presença nas redes sociais dos cabos eleitorais do capitão reformado Jair Bolsonaro. O outro fator é a comercialização das sugestões feitas no Facebook e Twitter. Os softwares de geração de curtidas inflam a popularidade dos influenciadores através de dados impactantes sobre número de seguidores e de likes para alimentar negócios de indivíduos dispostos a promover marcas e personalidades. Os líderes pensantes Muito recentemente surgiu na internet a figura dos “lideres pensantes”, indivíduos de reconhecido valor intelectual, em geral pesquisadores acadêmicos ou intelectuais, que não se preocupam em buscar seguidores e nem curtidas em massa. Para eles, o principal é a investigação e produção de conhecimentos, sem preocupação com curtidas, seguidores e muito menos com a comercialização de suas ideias. É o caso de muitos autores que publicam textos na plataforma Medium. Geralmente são grupos pequenos que se formam lentamente e que tendem a formar verdadeiras comunidades de indivíduos que compartilham preocupações e objetivos. Os lideres pensantes, a rigor, não funcionam como curadores de informações porque raramente fazem recomendações e seus seguidores. São vistos como desbravadores de áreas inexploradas do conhecimento, escondidos em nichos específicos dentro da internet. A rede Facebook é hoje o centro da grande polêmica sobre a proliferação de notícias falsas e desinformação durante campanhas eleitorais. Há uma tendência crescente rumo à regulamentação do uso da internet, em especial das redes sociais, para tentar neutraliza os efeitos desorientadores da avalancha de fake news. A regulamentação tranquiliza as pessoas mais assustadas com as incertezas geradas pela internet, mas para a maioria dos pesquisadores digitais ela é quase um sinônimo de falta de alternativas. A normatização do espaço cibernético é tecnicamente ineficiente diante da mutação constante das tecnologias digitais de comunicação, vai custar muito dinheiro e sua eficácia politica ainda é uma incógnita. O paradoxo digital Trata-se de uma iniciativa que vai exigir pessoal especializado para varrer a internet em busca de robôs produtores de notícias falsas, funcionários do poder judiciário para julgar e condenar os acusados, e finalmente, instituições encarregadas de administrar o cumprimento das penas. Uma considerável burocracia, paga com dinheiro público, e cujo ritmo de funcionamento dificilmente chegará perto da vertiginosa capacidade de produção dos robôs eletrônicos que alimentam a guerra suja das notícias falsas. O quadro sumariamente descrito acima mostra a necessidade de mudarmos nossos comportamentos políticos em eleições futuras. A disseminação massificada de dados, fatos e eventos, eleitoralmente pré-formatados, já não é vista como um fator positivo na democratização do fluxo online de informações. Há um esforço coletivo de mais de 130 organizações internacionais, a maioria no âmbito jornalístico, buscando instrumentos, processos e leis capazes de controlar a multiplicação da desinformação e das notícias falsas na internet, mas dificilmente os resultados serão sentidos antes de um ou dois anos. Assim, mesmo rodeados pela mais sofisticada e complexa gama de gadgetseletrônicos digitais visando eliminar as fake news , paradoxalmente, as nossas melhores alternativas na hora de decidir o voto ainda parecem ser a preocupação em auto imunizar-nos contra a radicalização gerada pelos influenciadores online e a velha conversa olho no olho. Publicado originalmente na página de Carlos Castilho