Morte de Jango – Ontem, dia 1º de dezembro de 2014, a equipe de peritos coordenada pela Polícia Federal informou que não encontrou veneno na perícia nos restos mortais de João Goulart. Porém, a análise que durou cerca de um ano pode ser considerada inconclusiva já que a passagem do tempo pode ter apagado os vestígios de um possível envenenamento. A família de Jango não está satisfeita com o resultado e diz que continua na busca pelos motivos da morte do ex-presidente.
Jango morreu em 6 de dezembro de 1976 e, há 38 anos, não há resposta conclusiva para uma das perguntas mais intrigantes da recente história brasileira: o ex-presidente João Goulart foi envenenado por agentes da ditadura brasileira? Jango morreu na cidade de Mercedes, na Argentina, no exílio. Desde 2007, a família de Jango pedia a exumação do corpo, já que não houve autópsia na ocasião da morte e sua certidão de óbito indica como causa: enfermidad.
Em novembro do ano passado, os restos mortais do ex-presidente foram exumados e transportados pela Força Aérea Brasileira (FAB) para Brasília no dia 14 de novembro, quando foi realizada uma cerimônia com honras de chefe de Estado. Após os exames necessários, o corpo de Jango voltou para sua cidade natal em 6 de dezembro.
O documentário Dossiê Jango (lançado em julho de 2013), de Paulo Henrique Fontenelle, conta como a presença de Goulart incomodava a ditadura argentina e investiga a teoria de envenenamento do presidente deposto em operação dos governos do Brasil e da Argentina, com o auxílio da CIA. O filme reconstrói a história do golpe de 64, que completa 50 anos.
O documentário O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares, também abordou o golpe civil-militar de 64. Leia texto sobre o filme.
O filme de Fontenelle tenta esclarecer outra dúvida histórica: por que Jango não resistiu ao golpe militar? O ex-governador baiano Waldir Pires, que ocupou o cargo de consultor-geral no governo Jango, afirma que “Jango temia muito uma divisão do Brasil como aconteceu na Coréia e Vietnã”. O filho de Jango, João Vicente, faz coro, orgulhoso da sensatez paterna: “meu pai evitou uma guerra civil no Brasil”.
João Vicente protagoniza o clímax de Dossiê Jango quando, sob o disfarce de repórter da TV Senado, revela sua real identidade ao ex-agente uruguaio da Operação Condor (ação conjunta dos governos militares do Cone Sul na caça aos opositores), Mario Barreiro Neira. O último afirma que participou da espionagem e do cerco a Jango na Argentina e revela que Jango foi envenenado por ordem direta do presidente militar Ernesto Geisel. Neira atualmente está preso no Brasil por roubo e contrabando de armas.
O envenenamento de Jango teria sido feito por meio da troca de medicamentos que Jango tomava por sofrer de problemas cardíacos. O filme mostra a terrível coincidência da morte de 16 pessoas que, de alguma forma, tiveram conexão com o assassinato. O filme ainda aborda a improvável coincidência das mortes consecutivas de Lacerda, Juscelino e Jango em circunstâncias suspeitas.
E se Jango foi assassinado?
Em exercício de futurologia, imaginemos o que ocorrerá caso as suspeitas revelem-se verdadeiras. No mínimo, outras perguntas ficarão no ar: quem são os culpados pelo envenenamento? eles serão punidos? quem foi o responsável pela ordem de assassinar o presidente deposto? Uma coisa é certa: no mínimo, existirá a necessidade de reimpressão dos livros de História.
A exumação de Jango acontece em momento curioso. A um ano da eleição presidencial, os ânimos entre direitistas e esquerdistas transformaram a web e, em particular o twitter, em ambiente conflagrado. A investigação da morte de Jango deve acirrar ainda mais as opiniões contrárias.
O diretor Silvio Tendler, autor do documentário Jango, de 1984, foi vítima de um episódio que demonstra o retorno de uma certa truculência no debate político. Em março do ano passado, houve um tumulto entre policiais e manifestantes no protesto contra a ‘celebração’ do aniversário do golpe no Clube Militar do Rio de Janeiro.
Tendler foi intimado a prestar depoimento na delegacia em queixa-crime movida pelo Clube Militar. O surreal do episódio é que Tendler não estava presente no protesto, estava em casa recuperando-se de uma cirurgia. Há quase um ano, o diretor está em uma cadeira de rodas. A única atitude do documentarista relacionada ao protesto foi a gravação de um vídeo de apoio ao ato.
Jango, por Tendler
O documentário Jango, de Tendler, mostra em quase duas horas uma verdadeira biografia cinematográfica de João Goulart. Tendler já abordou em seus documentários figuras ímpares como Glauber Rocha (Glauber, o filme – Labirinto do Brasil, de 2003) e Juscelino Kubitschek (Os anos JK, de 1980).
Em entrevista à jornalista Eleonora Lucena, o diretor lembra como surgiu a ideia de realizar seu filme. “Li no jornal que o Raul Ryff, que tinha sido secretário de imprensa do Jango, estava com umas cópias de filmes de visitas do Jango a China e a URSS. Telefonei para ele – eu não o conhecia – e pedi para vê-las … Ele me convidou para jantar e atacou de bate-pronto: ‘Por que não fazes um filme sobre o Jango?'”
O filme lotou as salas durante o período das Diretas Já e chegou a um milhão de espectadores. Inclusive a música “Coração de Estudante”, que acompanha o final do documentário, foi a música que simbolizou a luta pelas eleições diretas para Presidente. Assista ao filme na íntegra:
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(texto atualizado em 2 de dezembro de 2014)