Zona Curva

A ideologia trabalhista em prol do desenvolvimento nacional

por Cássio Moreira

Partindo da visão de Moniz Bandeira que o trabalhismo é a versão brasileira da social-democracia europeia, escrevi em artigos anteriores que o PT, a partir de 2006-2007, começou a se tornar um partido trabalhista (social-democrata).

O PT surgiu fruto da organização sindical de operários no final da década de 1970, dentro do vácuo político criado pela repressão do regime militar aos partidos comunistas tradicionais e aos grupos armados de esquerda existentes. Desde a sua fundação, apresenta-se como um partido de esquerda que defende o socialismo como forma de organização social. Contudo, seu principal líder nunca defendeu abertamente esse pensamento. Durante boa parte da sua existência, sempre teve uma postura crítica ao reformismo dos partidos políticos social-democratas (trabalhistas).

Sempre houve uma certa rivalidade entre os dois, entretanto muito é verdade por falta de compreensão histórica do antigo PT. Considero um erro histórico o PT e Lula não terem apoiado Brizola à presidência da república em 1989.

Embora, após a redemocratização, foi o partido herdeiro das massas do velho PTB, foi apenas a partir do final do primeiro mandato do governo Lula que passou a tornar-se um partido social-democrata. De um primeiro governo (2003-2006) social-liberal passou a ganhar contornos de partido social-democrata (trabalhista) no segundo mandato de Lula (2007-2010).

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Brizola e Lula na eleição de 1989

O Brasil mudou muito nesses últimos 15 anos. Pela primeira vez conseguimos manter um período de crescimento com distribuição de renda. As políticas de inclusão social foram os grandes méritos desses governos. Entretanto, muitas questões ainda estão na pauta do dia. Como reformas estruturais e a desindustrialização do país.

Se é verdade que o saldo dos governos do PT são mais do que positivos, o saldo negativo é um profundo desgaste político, com a ausência injustificada de melhores comunicações sociais que alimentam a crise econômica atual. Natural para um partido que há tanto tempo está no poder e que é atacado de forma articulada e sistêmica pelos meios de comunicação, cujo objetivo principal é desconstruir um partido para barrar um projeto nacional de desenvolvimento.

O desafio posto é como manter e aprofundar um projeto trabalhista num contexto político cada vez mais conservador. A questão chave é continuar o projeto, e aprofundá-lo, trocando o partido que o encabeçará?

Além da possível candidatura de Lula do PT para 2018, surge uma nova esperança nas forças progressistas: o casamento perfeito entre Ciro Gomes e PDT. O primeiro pode ter trocado de partido várias vezes, mas nunca trocou de lado. O segundo é o herdeiro teórico do trabalhismo autêntico e um partido orgânico e, conjuntamente com seu irmão, o PT, com a construção teórica de esquerda.

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Ciro Gomes acaba de se filiar ao PDT

A união da esquerda progressista em prol de um projeto nacional de desenvolvimento

O PT vive, assim como os demais partidos, um problema de renovação de quadros. O fato de ser governo traz ao partido uma tendência de ir perdendo espaço no campo eleitoral. Seria muito bom, inclusive para o próprio PT, que surgissem forças políticas consistentes à sua esquerda. Infelizmente, as alternativas existentes ainda não conseguiram superar o pragmatismo, a falta de um projeto consistente e viável à esquerda (baseado na doutrina trabalhista, pois esse é o único projeto viável de esquerda dentro do espectro capitalista) e a obsessão em eleger o PT como principal adversário.

O PDT pode e deve ser essa alternativa. Mas pra isso não deve ser uma alternativa ao PT ou antipetista, e sim uma alternativa de esquerda e não ao PT. Deve crescer cada vez mais ao lado do PT e, aos poucos e de forma natural, ser a continuação (e o aprofundar) desse projeto trabalhista em curso (inclusive com o apoio do próprio PT).

Esse projeto trabalhista atual tem como núcleo o fortalecimento do Estado, da distribuição de renda. O PDT é um partido que pode, finalmente, construir condições para avançar para as sempre atuais Reformas de Base.

 Leia texto do autor deste texto no jornal Correio do Povo sobre Jango e as Reformas de Base.

Em síntese, o projeto trabalhista iniciou com Vargas, depois houve uma tentativa de aprofundamento com Goulart do PTB antigo, e estava sendo resgatado com Lula-Dilma do PT até a crise política de 2015. Mas deve ser continuado com Ciro Gomes e o PDT.

Conforme palavras da presidenta Dilma na campanha em 2010: ”Nós podemos dizer hoje que somos a continuidade desse processo” (referindo-se a história do trabalhismo) e cita que o objetivo do seu governo é mesmo do governo do ex-presidente João Goulart: “promover progresso com Justiça, desenvolvimento com distribuição de renda”.

Em outro discurso na campanha de 2014 faz questão de citar conquistas sociais e econômicas promovidas pelos governos dos presidentes Getúlio Vargas e João Goulart – como a criação da Petrobras, da Vale do Rio Doce e do BNDES e, também, a permanente luta de Brizola e Darcy Ribeiro pela educação pública de qualidade. Dilma salienta a importância e o legado de Getúlio Vargas. “Sem ele não teríamos o Estado nacional e a sua estrutura que temos hoje”. Sobre João Goulart, classificou-o como “um democrata que construía consensos” e que colocou no centro dos debates pautas que até hoje são exigidas pela população. Para definir Darcy Ribeiro, Dilma afirmou que foi “o homem capaz de pensar a Universidade de Brasília, como ela é hoje, e de também projetar os Cieps (Centros Integrados de Educação Pública)”. Por fim, emocionada, referiu-se a Leonel Brizola como o político da legalidade e que “deu início a política de expansão da educação”.

Continua, citando que uma das maiores contribuições do PT a esse projeto é a diminuição das desigualdades sociais alcançada nos últimos anos. Segundo ela, houve um aumento expressivo do salário mínimo real. “Enquanto a renda per capita cresceu para os mais pobres, daqueles que saíram da miséria e ascenderam socialmente. Por isso, conseguimos diminuir as desigualdades sociais (que é um problema histórico) nos últimos anos”, enfatizou. Nesse mesmo discurso a presidenta associou a antiga União Democrática Nacional (UDN) (que fazia oposição aos governos de Getúlio e de Jango) com os principais oposicionistas ao governo do PT que são o PSDB e o DEM e faz outro elo com o trabalhismo de Vargas e Goulart. Afirmou que o trabalhismo conhece todas as artimanhas e o golpismo dos nossos adversários. Da UDN, no passado, aos opositores atuais”, declarou Dilma. No segundo mandato, essa visão é reforçada desde o início com a escolha do lema do novo governo “Brasil, Pátria Educadora”, sendo que Dilma afirmou, em discurso de posse, que essa frase sintetiza a educação como prioridade de seu governo.

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João Goulart (à direita) com Lincoln Gordon, embaixador dos Estados Unidos, em 1961 (fonte: Arquivo do jornal Última Hora)

Dilma faz parte de uma corrente (não-oficial) trabalhista dentro do PT. Entretanto, pela proximidade dela com Lula, e pela influência deste dentro do partido, faz com que o trabalhismo tenha sido revisto. Não mais como populismo, mas sim como a alternativa viável de esquerda para o Brasil. Lira Neto afirma que o PT “encarna” a herança do projeto nacional-desenvolvimentista de Getúlio Vargas. “Lula, queiramos ou não, é junto com Getúlio a personalidade mais popular de toda história brasileira”. Segundo o autor da mais recente biografia do ex-presidente gaúcho, o governo do PT tem ideias semelhantes às de Getúlio ao defender um Estado interventor.

Afirmou Lula no dia 30 de agosto de 2007 durante uma reunião ministerial: “estou convencido de que as realizações sociais e econômicas e de projeto de país só terão comparação com o governo do presidente Getúlio Vargas”. Em outro discurso no sindicato dos trabalhadores de Processamento de Dados de São Paulo em 2010, Lula afirmou que: “muitas das coisas boas que temos (devemos) à coragem de Getúlio Vargas, à visão de Estado que tinha Getúlio Vargas. Estamos convencidos de que Getúlio prestou esse serviço ao Brasil. Lamentavelmente, uma parte da elite brasileira, inclusive uma parte da elite intelectual, (vive) inconformada porque não conseguiu ganhar o golpe de 32 que chamam de revolução. Aquilo foi uma tentativa de golpe. Não se conformam. É muito triste aqui em São Paulo a gente não encontrar uma rua com o nome de Getúlio Vargas”. E mais adiante completou: “Eu tenho divergências com Vargas na questão da estrutura sindical (…) mas eu sou capaz de ter divergências com um companheiro e não ver só defeito, ver as virtudes que a pessoa tem. Eu acho que Getúlio foi um excepcional presidente deste país”.

A convocatória para o 5º Congresso do PT teve o seguinte texto: “a história do século XX e dos primeiros anos deste século mostra como as classes dominantes e seus aparelhos reagem contra governos que vão na contramão de seus interesses particulares. A partir de 2003, de forma intermitente, tratou-se de anular os notórios êxitos do Governo, com campanhas que procuravam ou desconstruir as realizações do Governo Lula ou tachá-lo de ‘incapaz’ e ‘corrupto’. Sabe-se que denúncias sobre corrupção sempre foram utilizadas pelos conservadores no Brasil para desestabilizar governos populares, como os casos de Vargas e Goulart”.

Getúlio Vargas, João Goulart, de certo modo JK, Lula e Dilma, todos têm como adversário comum o liberalismo. Ciro Gomes e PDT também. Entretanto, o grande cuidado que o PDT deve ter, e o risco ainda não tem mensuração, é de que as forças conservadoras de direita dentro do PDT (existem centro de esquerda – cada vez menores – dentro do PMDB e PSB)  desconfigurem o partido de forma a enfraquecer o acúmulo de forças necessário para aprofundar o projeto trabalhista (que está paralisado com a crise política, cujo governo está refém do PMDB). Um exemplo desse núcleo de direita dentro do PDT é a aliança com o PMDB de Sartori no Rio Grande do Sul.

O antídoto é a construção, no campo das esquerdas, de um projeto eleitoral sólido e trabalhista para afastar-se do proselitismo eleitoral e do cretinismo parlamentar tão comum aos partidos. Para isso a formação ideológica passa a ter caráter fundamental, e deve ser feito em conjunto com os institutos dos partidos. Devemos todos ler Alberto Pasqualini , que está cada vez mais atual nos dias de hoje.

O trabalhismo, enquanto ideologia política, está fortemente ameaçado pela onda conservadora propagada pelos meios de comunicação, que nesse primeiro momento centram forças contra Lula, Dilma e o PT. Mas caso o PDT e Ciro atinjam um protagonismo nacional, as baterias serão centradas contra eles. Pois o inimigo real das forças neoliberais é o pensamento trabalhista. Portanto, a questão a ser debatida é a manutenção, e o aprofundamento, desse projeto ao longo prazo. O Trabalhismo é a única alternativa viável de esquerda dentro do capitalismo.

O Golpe de 1964, em sua vigência, teve como objetivo varrer o pensamento e os líderes trabalhistas. Embora, em virtude do contexto internacional, o pretexto foi o combate ao comunismo. Por isso, cada vez mais estratégico e necessário a aproximação entre PDT, PT e PCdoB em diversos Estados e Municípios no Brasil em 2016.

O que presenciamos hoje é a desconstrução de uma imagem de forma tão hábil e sistêmica como é a que se tem feita contra a presidenta Dilma Rousseff. Os meios de comunicação têm construído essa imagem de incompetência e corrupção quando na verdade temos uma presidenta das mais corretas das últimas décadas.

Faz 8 trimestres que a taxa de investimento cai no país. Por “coincidência” desde as manifestações de junho de 2013.

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Como todos sabem, um das variáveis fundamentais para a expansão do investimento são as expectativas. O terrorismo midiático começou desde que o governo Dilma iniciou a baixa da taxa de juros, por meio do que restou dos bancos públicos, e o PT defendeu em seu congresso a regulamentação da mídia (no início do primeiro governo Dilma).

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Essa “campanha orquestrada” pela grande mídia fez com que as expectativas passassem a ser pessimistas, agravado nesse contexto de crise internacional. Depois veio as eleições completamente polarizadas e assim o Brasil entrou num ciclo vicioso até hoje. A estratégia de ridicularizar a presidenta para colocar nela o atestado de incompetente, em conjunto com a manipulação da mídia atrelando exclusivamente o PT a corrupção, enfraqueceu politicamente o governo trabalhista e barrou o projeto social-desenvolvimentista . A presidenta seria reeleita em primeiro turno em maio de 2013, após a canalização das manifestações de junho desse ano ela quase não se reelegeu e está com uma popularidade baixíssima.

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A única forma de convencer as pessoas, especialmente a imensa massa de trabalhadores, a derrotar um projeto que as beneficia é o ridicularizando-o. Em 2014 dois projetos nitidamente antagônicos marcaram as eleições de outubro. De um lado, o projeto social-democrata (trabalhista), encabeçado pelo PT, focado no crescimento econômico com distribuição de renda por meio de programas de transferência de renda e numa significativa melhora no salário mínimo. De outro lado, o projeto neoliberal, que usa o argumento da meritocracia (sem igualdade de oportunidades) para fortalecer uma ideologia liberal de livre mercado sem intervenção do estado. Felizmente, o projeto escolhido foi o que tem diminuído consideravelmente o maior de todos os problemas brasileiros que é a nossa IMENSA desigualdade socioeconômica. Entretanto, o país mostra sua face despolitizada nas redes sociais, que juntamente com o cartel da mídia, ajuda a alimentar a desinformação e a ignorância. Embora o projeto neoliberal saiu derrotado das urnas, ele está cada vez mais fortalecido. Um projeto que vê na força do livre-mercado a solução egoísta para problemas que requerem cada vez mais solidariedade.

Para esse ideário neoliberal cooptar o voto da maioria dos cidadãos-contribuintes-eleitores, em sua grande maioria formada por trabalhadores, seria necessário desconstruir o outro projeto e impedir de qualquer forma que esse elegesse o presidente da república e uma maioria no congresso progressista, isso seria muito perigoso (assim como foi em 1964 com o presidente João Goulart) para a classe dominante do país. O primeiro a ser convencido é a classe que mais é influenciada pelos meios de comunicação: a Classe Média, principalmente a emergente, que foram cooptadas pelo discurso da meritocracia e não pelas condições que esses governos criaram para que essas pessoas ascendessem de classe. O neoliberalismo anda junto, enquanto discurso, com uma espécie de Darwinismo social. O egoísmo crescente da sociedade estimula o discurso de que os mais fortes sobrevivem e a solidariedade e a responsabilidade coletiva perde força frente a um individualismo exacerbado.

Conforme o engenheiro Paulo Metri, nos “últimos tempos, têm pessoas, principalmente da classe média, que odeiam com toda alma o PT. Não conseguem pensar com isenção sobre qualquer questão em que este partido esteja envolvido. Reagem emocionalmente, inclusive sem a possibilidade de existir um diálogo construtivo com elas. Não ouvem argumento algum se ele ressaltar um aspecto positivo do PT. Esta reação emocional é, em grande parte, de responsabilidade da mídia tradicional, que é parte integrante do capital. Os transbordantes de ódio nem entendem que são manipulados”. A pergunta que fica é: como convencer as pessoas, em grande maioria as menos privilegiadas materialmente, a escolherem o projeto neoliberal (que as prejudica) em detrimento do trabalhista que as beneficia?

A resposta é simples: por meio da repulsa a um projeto e não pela aceitação de outro.

 Leia texto “Comunicado urgente à classe média: não há vagas na Fiesp”

Parafraseando o célebre artigo de Carlos Lacerda contra o governo nacionalista de Getúlio Vargas e que é o lema da oposição: “A Sra. Dilma Rousseff, presidenta, não deve ser candidata à presidência. Candidata, não deve ser eleita. Eleita não deve tomar posse. Empossada, devemos recorrer a um impeachment (ou um golpe) para impedi-la de governar”.

A marca que entrará para a história dos últimos presidentes do Brasil será essa:

  • Itamar Franco o da estabilidade monetária;
  • Fernando Henrique Cardoso o criador da Lei de Responsabilidade Fiscal;
  • Lula o da inclusão social;
  • Dilma Rousseff o do combate à corrupção.

Corrupção essa que é usada desde antigamente para atacar governos trabalhistas. A passagem abaixo ajuda a ilustrar isso:

“Somos um povo honrado governado por ladrões” (TRIBUNA DA IMPRENSA, 1954)

“Baderna é a tática da oposição: guerra de rua para impeachmnt de Jango” (ÚLTIMA HORA, 1964).

“Considerado desastroso para o país um 13º salário” (O GLOBO, 1962).

“Aventureiros e malfeitores acompanhavam o chefe do governo (Getúlio Vargas)” (O GLOBO, 1962).

“A corrupção gerou a revolta” (O GLOBO, 1962).

“Um sindicato de assassinos e ladrões tomou conta do poder”  (O GLOBO, 1962).

Quase todos os jornais da época acusavam os governos trabalhistas de Getúlio Vargas e João Goulart de corrupção. Tanto que na eleição de 1961 o candidato de oposição Jânio Quadros adotou, como símbolo, uma vassoura.

Com a renúncia de Jânio Quadros, presidente que se elegera em 1961 prometendo varrer a corrupção do país (a corrupção não foi inventada pelo PT como parte da mídia insiste em repetir), João Goulart chegou à presidência. Para permitir que Jango assumisse a presidência, os conservadores modificaram o sistema político do país em tempo recorde. Após um período parlamentarista, Goulart retomou os poderes de presidente e partiu para as chamadas Reformas de Base.

11 de setembro 1961 – Jango no dia de sua posse para Presidente da República, em Brasília foto 7
Jango no dia de sua posse para Presidente da República, em Brasília, em 1961 (fonte: arquivo do Última Hora)

Desde a época de João Goulart e suas Reformas de Base, que a reforma política era a base de todas as reformas. Nessa época, San Tiago Dantas, que assumiu o ministério da Fazenda do governo de Goulart em 1963, pregava que existiam duas esquerdas: a positiva e a negativa. A positiva estava embasada no processo histórico, no apoio às reformas de forma lenta e gradual. Compreendia os limites de um governo progressista tendo como contraponto um congresso conservador. Por outro lado, a esquerda negativa tinha pressa. Ansiava por revolução e suas propostas eram envoltas, por vezes, de uma simplicidade e ingenuidade típica dos idealistas. Muitas vezes o projeto era “o ser contra algo”, não necessariamente “o propor algo”. Havia partidos bem definidos nesses campos, e o “ser de esquerda” tinha dois significados. Ser comunista ou ser trabalhista (apelidados de pelegos). A diferença é que o primeiro pregava a revolução, a ruptura com o sistema; o segundo pregava as reformas no sistema capitalista. Em muitos casos, se uniam de modo temporário em prol de seus objetivos distintos.

Na época do golpe, conforme pesquisa do IBOPE, Jango contava com um bom índice de aprovação do seu governo. Entretanto, era acusado, principalmente por grande parte da grande mídia, de ser um presidente fraco, indeciso e de realizar um governo caótico e prestes a ser dominado pelos comunistas.

Entretanto, como a história é contada pelos vencedores, faltou dizer que o PTB antigo (em nada se parece com o atual) era o partido que mais crescia nas eleições e em breve teria maioria no congresso. E que João Goulart tinha um projeto consistente para o Brasil. A retomada do processo de substituição de importações em bens de capital e as Reformas de Base. Uma parte do projeto de nação do governo Goulart foi implementada pelo governo Geisel e seu II PND.

Na década de 1960, a doutrina trabalhista ganhava as mesas de bares e o Brasil começava a ter seus ídolos (assim como outras potências como EUA e URSS com seus Washington, Lincoln, Roosevelt, Lênin, Trotski, Stalin). Nós tínhamos o Dr. Getúlio Vargas e seus discípulos Jango e Brizola, Miguel Arraes, entre outros. Esses eram alguns dos executores de um projeto que ameaçava os interesses estrangeiros e de grande parte dos detentores do capital nacional.

O governo Jango tinha uma sustentação política muito frágil. PTB (antigo) aliado a um PSD (não tão antigo assim). O primeiro, de base operaria, abrigava os chamados pelegos, apelido dado pelos mais radicais, e tinha forte apoio dos movimentos sindicais. O segundo, com base no latifúndio e na maquina estatal. Com as Reformas de Base, principalmente a agrária, essa aliança é rompida e o PSD corre para os braços do PSDB-DEM, digo, UDN. É interessante observar que nomes ilustres de centro-esquerda apoiaram o golpe, tais como Ulysses Guimarães e JK.

Eles tinham a certeza de que o regime que se instalaria após o golpe de 1964 seria breve e que logo em 1965 seriam marcadas novas eleições. Ledo engano. O golpe não era contra o governo “caótico” de Jango, tampouco contra a ameaça comunista, embora a maioria dos executores do golpe achasse que sim. O golpe, já tentado em 1954, 1955 e 1961, foi contra um projeto de país consubstanciado dentro do programa de um partido político, o PTB (antigo), e das Reformas de Base, ou seja, contra o Trabalhismo.

O golpe durou 20 anos, pois é um tempo mais que necessário para apagar uma doutrina; pois isso não se faz em poucos anos e sim em gerações. Por isso foi necessário duas décadas de ditadura militar para varrer do mapa o pensamento trabalhista.

Infelizmente conseguiram…

Pasmem! Uma boa parte dos militantes e políticos de esquerda de hoje nunca leram Alberto Pasqualini, ademais alguns ainda atribuem ao trabalhismo (Getúlio e Jango) o termo “populismo”, mas não com sentido de popular, e sim, com o sentido pejorativo de demagogia.

Portanto, o golpe de 1964 foi contra o trabalhismo.

Hoje, em 2015, os tempos são outros, e o “ser de esquerda” não tem mais o mesmo significado. Atualmente, ser de esquerda é ser progressista e pregar uma maior intervenção do estado na economia. Ser de direita é defender o livre-mercado e ser mais conservador politicamente. Pode-se dizer que existe ainda, aquela extrema-esquerda (revolucionária) que continua tendo como proposta “soy gobierno soy contra”. Essa não compreende, ou não aceita, os limites da realpolitik, que infelizmente, e muitas vezes, se torna o tomá-lá-dá-cá dos governos com os partidos fisiológicos, seja por meio de mensalões, seja por meio de oferecimento de cargos, como vimos recentemente no filme “Abraham Lincoln” e a abolição da escravatura nos Estados Unidos.

Contudo, a defesa de um capitalismo com justiça social e um projeto nacional de desenvolvimento tendo o Estado o seu indutor deve unir os trabalhistas existentes nos diversos partidos. Pois ser de esquerda ou direita, hoje, está muito mais relacionado com a defesa do grau de intervenção do Estado na economia do que em relação à questão das multinacionais, do capital estrangeiro ou de fazer uma revolução. Ademais, a obtenção do poder por um partido político não deve ser um fim, e sim, um meio para executar um projeto.

O projeto trabalhista brasileiro teve sua germinação durante o primeiro governo de Vargas. Em 1951, Vargas volta ao poder nos braços do povo por meio de eleições democráticas e aprofundou mudanças iniciadas em seu primeiro governo. No segundo governo Vargas, eleito pelo PTB (antigo) o novo presidente imprimiu a marca de seu governo com a criação do PETROBRAS e do BNDE e consolidou o Estado como principal direcionador do desenvolvimento socioeconômico e com contribuições indeléveis de alguns pensadores, como Alberto Pasqualini, deixou o seu maior legado ao país: o projeto trabalhista (esboçado em sua carta-testamento). Por coincidência, os dois pilares que as forças neoliberais de direita atualmente querem enfraquecer: PETROBRAS e BNDES.

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Getúlio Vargas inaugura a Petrobras em 1953

O termo Trabalhismo é a denominação dada ao movimento operário para defesa dos seus interesses econômicos e políticos, sem ligação direta com os princípios socialistas vigentes na época da URSS. Originalmente, ele teve início na Inglaterra do século XIX, paralelamente à ideologia socialista com as lutas dos sindicatos por direitos trabalhistas e sociais. Embora o surgimento da legislação trabalhista e da justiça do trabalho tenha sido, em parte, consequência do processo de luta e das reivindicações operárias desenvolvida pelo mundo, o termo “Justiça do Trabalho” surgiu na Constituição de 1934, durante do governo Vargas. Mas na prática foi efetivada com o Decreto-lei nº 1.237 de 1939. Surgindo posteriormente, em 1942, a CLT.

João Goulart, o herdeiro político de Vargas, assumiu o poder em 1961 e tentou retomar o projeto varguista. No aspecto da legislação trabalhista, Jango expandiu a legislação para o campo e institui o décimo terceiro salário entre outras medidas. Na parte econômica e social tentou instituir as mudanças estruturais de uma economia em vias de industrialização, acrescentando novo ingrediente ao trabalhismo brasileiro: as reformas de base.

O projeto Vargas, que no âmbito econômico era chamado de Nacional-Desenvolvimentismo era representado pela tríade nacionalismo-industrialização-intervencionismo. Com o acréscimo da preocupação com o social (por meio das reformas de base com viés distributivista) esse projeto foi se transmutando no projeto trabalhista brasileiro com novas variantes do momento histórico do nacional-reformismo.

O conceito de trabalhismo, surgido na Inglaterra, passou por transformações adaptando-se à realidade brasileira e adquirindo características próprias. Nessas mudanças tiveram importância fundamental os escritos de Alberto Pasqualini, que tinha como base os princípios do solidarismo cristão (democracia-cristã). Pasqualini definia o trabalhismo como expressão equivalente a de capitalismo solidarista. Por esta expressão, tem-se que a ideologia trabalhista reconhece o capitalismo como sistema econômico, defendendo consequentemente a propriedade privada.

A ideologia trabalhista defende uma intervenção do Estado na economia, de modo a corrigir os excessos do sistema capitalista e atingir uma forma mais equilibrada e humana do capitalismo, dando ênfase nas políticas públicas com objetivo de melhorar a condição de vida dos trabalhadores, o que seria atingindo baseado na “conciliação de classes”. O trabalhismo sustenta a prevalência do trabalho sobre o capital, buscando a sua convivência harmônica, bem como a superação das diferenças de classe, sem violência, por meio da melhor distribuição da riqueza e da promoção da justiça social. Salienta Pasqualini que “o trabalhismo não é, pois, necessariamente, um movimento socialista. Como vimos, o socialismo não é um fim, mas um meio, isto é, uma forma de organização econômica tendo em vista a eliminação da usura social”.

Portanto, conforme a doutrina trabalhista, o capital deve ser um conjunto de meios instrumentais ou aquisitivos, dirigidos e coordenados pelo Estado, e muitas vezes executado pela iniciativa privada, mas sempre tendo em vista o desenvolvimento da economia e o bem-estar coletivo.  As ideias de Alberto Pasqualini centravam-se numa plataforma reformista que tinha como objetivo transformar o “capitalismo individualista em capitalismo solidarista, com uma socialização parcial do lucro”. Pasqualini acreditava que a ação governamental deveria ser eminentemente pedagógica.

A condução política far-se-ia pelo esclarecimento da sociedade, via mudança de mentalidade. O sistema educacional era, para ele, o caminho mais eficaz para realizar as reformas sociais, políticas e econômicas, superando assim o subdesenvolvimento do país. Sua concepção de Estado era a de que ele era fruto da evolução da sociedade. Ao fazer uso de uma analogia entre “cérebro e corpo”, o Estado é o cérebro da sociedade, o órgão mais especializado e complexo ao qual cabe um papel de direção e organização.

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O político e sociólogo gaúcho Alberto Pasqualini

Portanto, as reformas necessárias ocorreriam por meio da mudança de mentalidade. Para isso era necessária uma reforma na consciência social, que diminuiria as práticas egoístas e as substituiria por ações solidárias, tais como cooperação, ordem, harmonia, lealdade, evitando, portanto, o confronto entre os interesses individuais (egoístas) com os interesses coletivos (morais). Pasqualini destacou principalmente a função moral do Estado: executar na prática o sistema solidário com suas especificidades.

Conclui Pasqualini que a socialização integral dos meios de produção (socialismo soviético, cubano, chinês) no estado atual da humanidade, poderia trazer ainda outros inconvenientes, pois o Estado se tornaria todo poderoso e seria difícil encontrar homens perfeitos para geri-lo. Acreditava ele que a tendência era para aumentar as funções do Estado, evoluindo da função simplesmente policial à função social e à função econômica. Essa evolução, porém, está condicionada a um maior grau de perfeição dos homens. Por outro lado, não será demais observar que, se a forma socialista da produção pode ser desaconselhada, não será para atender aos interesses capitalistas, mas para atender ao maior interesse da própria coletividade. Será desnecessário esclarecer que há setores da economia onde a socialização ou a estatização se impõe. Não há hoje países onde impere o puro regime capitalista.

O trabalhismo está à esquerda no sistema capitalista, assim como era o oposto do liberalismo na década de 1950-1960 atualmente é o oposto ao neoliberalismo econômico hegemônico nos anos 90. Não visa acabar com o capitalismo, mas adaptá-lo à realidade brasileira.

Nesse sentido a regulamentação dos meios de comunicação conforme prevê a constituição de 1988 (§ 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio), ou seja, a não existência de oligopólio no setor de informação passa a ser estratégico e fundamental para incentivar esses valores solidários e coibir as ações egoístas.

Assim como Pasqualini, outra referência muito próxima ao trabalhismo, no âmbito econômico, é Celso Furtado que está associado com o chamado nacional-desenvolvimentismo, nacional-reformismo e inspirou o social-desenvolvimentismo.  Em um dos seus últimos artigos, Furtado deixa uma síntese de sua obra numa equação para uma estratégia de desenvolvimento nacional que são os pilares do projeto trabalhista brasileiro atualmente.

O desenvolvimento socio-econômico é fruto do crescimento da renda e do emprego com a implementação de políticas sociais ativas. O termo foi usado primeiramente pelo ex-ministro Guido Mantega, que ingressa, juntamente com Dilma, no núcleo do governo Lula e começa a influenciar nessa aproximação com o trabalhismo.

Atualmente, alguns pensadores formularam um novo termo para definir, no âmbito econômico, a atualização do projeto trabalhista, ou seja, o social-desenvolvimentismo que se baseia na associação entre aspectos econômicos e sociais em uma associação biunívoca.

O social-desenvolvimentismo mantém o caráter progressista do nacional-desenvolvimentismo, mas como uma adaptação a um novo contexto marcado pela globalização. Procura fortalecer a associação entre povo e estado por meio da democratização econômica e reconhece que o papel do Estado deixou de ser fortemente interventor ou produtor para se tornar, também, regulador ou indutor, isto é, por meio de planejamento indicativo e coordenação indireta. A nova tríade, que é uma evolução do nacional-desenvolvimentismo, consiste, portanto, em inclusão social – infraestrutura econômica e social – e capacitação profissional. A ideologia se transforma com o tempo. Assim como o liberalismo evoluiu para o neoliberalismo, o trabalhismo também se adaptou ao contexto histórico.

A liberdade e a solidariedade são bem maiores para um povo. São como pernas. Uma precisa da outra para termos o equilíbrio. Apenas podemos ter desenvolvimento com liberdade. Liberdade de escolha. Da possibilidade que as pessoas têm de desenvolver suas capacidades inatas como seres humanos e indivíduos sociais. O desenvolvimento econômico e social passa, portanto, na democracia econômica e para isso as pessoas poderem ter acesso à saúde, educação, moradia, segurança, renda e cultura. Para finalizar, as palavras do trabalhista inglês Tony Benn sintetizam bem esse conceito:

“Acho que a democracia é a coisa mais revolucionária do mundo. Mais revolucionária do que ideias socialistas ou de qualquer outra pessoa [embora seja importante ressaltar que democracia é um meio (um veículo) e não um fim para uma sociedade mais justa e igualitária cujo caminho (a estrada) é o trabalhismo]. Se tiver poder, você o usa para prover as suas necessidades e as da sua comunidade. Essa é a ideia de escolha da qual “O Capital” fala constantemente: ‘Tem que ter uma escolha’. A escolha depende da liberdade de escolher. E, se estiver coberto de dívidas, não tem liberdade de escolha. Parece que o sistema se beneficia, se o trabalhador comum estiver coberto de dívidas. Pessoas endividadas perdem a esperança. E pessoas sem esperança não votam. Dizem que todas as pessoas devem votar. Mas acho que, se os pobres, na Grã-Bretanha ou nos Estados Unidos e [Brasil] votassem em pessoas que representassem seus interesses, seria uma verdadeira revolução democrática. E não querem que isso aconteça. Por isso mantêm as pessoas oprimidas e pessimistas. Penso que há duas formas de controlar as pessoas: primeiramente, assustando-as. E, em segundo, desmoralizando-as. Uma nação educada, saudável e confiante é mais difícil de governar. E acho que há um elemento no pensamento de algumas pessoas: Não queremos que as pessoas sejam educadas, saudáveis e confiantes. Porque ficariam fora de controle”.

Data vênia, embora existem “reinos da verdade” espalhados por toda parte, essa é a minha opinião.

No enterro de Jango, o começo de uma caminhada

Rolar para cima