por Paulo Kliass *, da Agência Carta Maior
O mês de janeiro começa a se despedir, mas não sem perder a oportunidade de oferecer ao conjunto de nossa sociedade uma nova leva dos péssimos números a respeito do desempenho da economia brasileira. Os responsáveis pelo governo bem que tentam ensaiar uma ginástica retórica para tentar justificar o que não conseguem. E dá-lhe blábláblá a respeito da chamada “herança maldita” que teriam recebido dos governos anteriores ou a conhecida derrapada pela direita, esquecendo o momento atual e apontando para esperados cenários futuros de “despiora”. Sim, pois os brasileiros somos mesmo incomparáveis na criação de neologismos para fugir do enfrentamento da realidade concreta em que vivemos. Enfim, no entender de alguns ‘especialistas” deveríamos nos contentar pois se ainda não melhorou, ao menos já teria deixado de piorar. Sic!
Nessa inglória tarefa, o Palácio do Planalto e a turma da equipe econômica sempre recebem um empurrãozinho – que não pode ser negligenciado em hipótese alguma! – dos seus comparsas dos grandes meios de comunicação. Afinal, todo mundo havia recebido uma apólice de seguro inquebrantável. De acordo com tal garantia, bastaria derrubar a Dilma e substituir os responsáveis da área econômica por uma equipe técnica e competente. Em resumo, pleiteavam a instalação plena da fina flor do financismo no poder, desta vez sem maiores intermediários. E pronto! A partir de então, a fadinha mágica das expectativas se encarregaria de colocar o país nos eixos.
Ocorre que o jogo da política econômica é muito mais complicado do que imaginavam os golpistas de plantão. A opção pela política do austericídio já vinha sendo implementada muito antes da votação definitiva do impeachment. Não nos esqueçamos de que Dilma havia nomeado Joaquim Levy para comandar o Ministério da Fazenda em seu segundo mandato. Ao romper com os compromissos assumidos durante a batalha eleitoral de outubro de 2014, ela caiu na triste ilusão de que poderia convencer a elite empresarial e política de sua nova disposição. Ou seja, a suposição de que poderia fazer o serviço sujo e se manter no poder a qualquer custo.
Resultado do austericídio em ação
Forçar a barra pela via da manutenção da política monetária arrochada e, simultaneamente, promover uma política de contenção fiscal acentuada só poderia dar no que deu. É o caminho para o suicídio político, social e econômico pela via da austeridade. Taxa de juros nas alturas combinada a cortes orçamentários draconianos empurrou o Brasil na ladeira abaixo da recessão e da estagnação econômicas. Essa, aliás, era a única receita oficial dos neoliberais sedentos por sangue para promover o sacrossanto “equilíbrio”. Seus porta vozes não se cansavam de afirmar, sem o menor pudor nem constrangimento, que o país necessitava reduzir a demanda por todos os meios, pois estaríamos vivendo acima de nossas capacidades. E assim procederam. A redução do ritmo da atividade econômica era uma condição desejada, um objetivo a ser alcançado. Um crime premeditado.
A consumação do golpeachment acelerou esse processo, uma vez que a dupla colocada por Temer no comando da economia contava com todo o apoio do establishment empresarial. Assim, foram mais sinceros e autênticos na condução do desastre. O ex-presidente do Bank of Boston e o diretor do Banco Itaú passaram a ditar as regras da política econômica. A obsessão com a obtenção de cortes expressivos nas despesas públicas foi levada ao extremo, ao passo que a suposta “neutralidade técnica” do BC para a política monetária significou a manutenção da SELIC nas alturas. A situação só começou a mudar um pouco a partir da virada do ano, quando até mesmo os dirigentes políticos do campo conservador começaram a sentir a pressão de suas bases por mudança na orientação recessionista. E tem início, a partir de então, um jogo desesperado de caça por boas notícias no front da economia. Tarefa inútil. O jogo já estava em andamento na direção do precipício. A ponte para o futuro transformara-se na pinguela instável da travessia destemperada.
Ginástica retórica da grande imprensa.
Os garimpeiros de informações alentadoras viram-se obrigados a se contentar com a métrica do “pelo menos deixou de piorar tanto”. Como justificar que a tão prometida mudança nos rumos da economia não deu o ar da graça nem mesmo após a chegada da nova equipe, supostamente tão técnica e competente? A grande imprensa nunca teve tanto trabalho para dourar uma pílula que insiste em revelar o tamanho da desgraça em que estamos afundados. A dívida pública continua batendo todos os recordes; ah, mas diminuiu a percentagem de crescimento do endividamento. A taxa real de juros e os custos ao tomador de empréstimos estouram os limites a cada dia; ah, mas a SELIC foi reduzida. O ritmo da atividade econômica segue sendo negativo em todas as abordagens e setores; ah, mas a cada semana se aposta que “finalmente chegamos ao fundo do poço”. O déficit fiscal para 2016 bateu todos os recordes históricos; ah, mas agora vai melhorar. E por aí vão firmes, sempre na defesa do indefensável.
Um dos aspectos mais dramáticos do austericídio em ação é o desemprego. Normalmente tratado pelos economistas de planilha como “apenas” um número a mais, essa postura procura esconder o quadro social e político de famílias inteiras deixadas ao mais puro abandono. Ora, se a recessão é mesmo uma necessidade, a perda dos postos de trabalho e da renda daí derivada não é mais do que mera contingência. Nada tão sério ou preocupante assim, pois as próprias forças do livre mercado encarregar-se-ão de promover a justiça e nos encaminharão ao novo equilíbrio.
Os números divulgados há pouco pelo IBGE são alarmantes. O ano de 2016 fechou com um desemprego médio de 11,5%. Isso significa que 12,3 milhões de cidadãos estavam sem posto de trabalho e sem a remuneração associada à atividade laboral. Esse dado escancara a triste realidade de que já são mais de 30 milhões de pessoas atingidas por tal quadro de elevada gravidade. Some-se a tal situação a redução significativa nas verbas públicas destinadas à assistência social, ao auxílio desemprego, à previdência social, à saúde, à educação, em um momento em que elas são ainda mais do que necessárias. Na verdade, o que mais surpreende é o fato de a panela de explosão ainda não ter estourado até o momento atual.
Desemprego e queda salarial: novos recordes
Esses dados do desemprego representam novo recorde. Desde que a nova metodologia da pesquisa foi iniciada, há alguns anos atrás, nunca se havia chegado a tal nível. Em 2012, 2013 e 2014, por exemplo, a taxa havia permanecido abaixo dos 7%. A opção pelo caminho radical da ortodoxia fiscalista, porém, inverteu a tendência e o desemprego começou a crescer a cada mês de sua apuração. Em dezembro de 2015 chegou a 9% e agora no final do ano passado a PNAD registrou 12%.
Além do aumento dos desempregados, a mesma pesquisa realizada pelo IBGE revela uma queda na remuneração dos que ainda conseguiram manter seus postos de trabalho nessa conjuntura recessiva. O rendimento médio dos ocupados caiu 2,6% em relação ao igual período do ano passado, ao mesmo tempo em que o valor real da massa total de salários caiu 1,2% na comparação entre os mesmo períodos. Vale acrescentar que o nível de endividamento das famílias também aumentou, sendo que parcela crescente da renda se destina a pagamento de encargos financeiros de compromissos assumidos anteriormente. Como imaginar a retomada do crescimento da economia apenas com esses elementos?
Nem o mais estúpido dos otimistas poderia imaginar que essa combinação explosiva de juros altos com cortes orçamentários iria dar em outra coisa que não o agravamento da recessão e da crise social. O governo está colhendo o que foi plantado por ele mesmo e também pelos responsáveis anteriores do austericídio em suas versões 1.0 e 2.0. Apesar do imenso estrago provocado por tais equívocos, ainda é possível retomar a via do crescimento. Mas para isso é necessário uma mudança profunda na política econômica, com a redução “de fato” da taxa de juros e a recuperação da capacidade do Estado na condução das políticas públicas.
Em suma, trata-se de um projeto urgente e que exige um novo governo. Uma equipe e um programa que se apresentem perante a sociedade com a legitimidade conferida pelo voto popular e democrático.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Publicado originalmente na Agência Carta Maior.