por Carlos Castilho
ATIVISMO – Os manuais de redação respondem a pergunta com um rotundo e enfático não. Mas a realidade e o quotidiano dos jornalistas mostram o contrário. Há um ativismo jornalístico na defesa da democracia, da não violência, da igualdade de gênero e na condenação à discriminação racial, religiosa e cultural.
Então porque o discurso oficial das empresas jornalísticas e dos manuais que normatizam a atividade jornalística diz justo o contrário? A explicação deste procedimento se baseia na controvertida teoria da objetividade jornalística na produção e publicação de notícias, o que garantiria à imprensa uma também controvertida isenção na abordagem de dados, fatos e eventos.
A ênfase no discurso da objetividade e isenção procura relegar para um segundo plano a questão da militância da imprensa, claríssima quando ela defende intransigentemente a liberdade de informação, por exemplo. Ao diferenciar o ativismo em defesa de uma imprensa livre do ativismo contra a desigualdade social e econômica, a imprensa faz uma opção política. Não se trata mais do questionamento do ativismo com postura, mas do tipo de ativismo que está em questão.
Portanto, a defesa da democracia, da não violência, da igualdade racial, religiosa e de gênero configura um ativismo tão politico quanto o da promoção da transparência nos negócios públicos, no combate ao agravamento da desigualdade social, na denúncia do autoritarismo e da beligerância.
Ao tratar a questão do ativismo jornalístico, a imprensa assume discretamente uma diferenciação entre um ativismo “bom”, o dela, e um ativismo “condenável”, praticado por aqueles que pensam e agem fora dos padrões ideológicos predominantes nos grandes conglomerados empresariais do ramo da comunicação.
Acontece que a diferenciação entre bom e mau não consegue mais explicar a maioria dos fenômenos sociais, da mesma forma que o conceito de objetividade está sob forte questionamento. Há um crescente consenso entre os pesquisadores no campo do jornalismo e da comunicação, de que a objetividade absoluta não existe. Uma notícia é sempre o produto da visão pessoal do repórter que, ao produzi-la, inevitavelmente incorpora elementos cognitivos localizados em sua memória de curto e longo prazo.
O mito da objetividade
Mesmo que quisesse, um repórter não pode produzir um texto capaz de funcionar como uma “fotografia” objetiva da realidade observada por ele. Inclusive os fotógrafos não conseguem fazer isto porque a imagem final reproduz o ângulo escolhido pelo profissional. Ele seleciona o tipo de imagem que vai fotografar de acordo com suas preferências e preocupações pessoais ou da empresa para a qual trabalha.
Não há objetividade absoluta na imprensa, porque o jornalista, como qualquer ser humano, tem uma percepção própria da realidade. A maneira pela qual percebemos o mundo que nos cerca pode ser muito parecida com a de outras pessoas.
Mas nunca será igual porque somos diferentes em matéria de formação intelectual, experiência histórica individual, nível de conhecimentos , estrutura familiar, atividade econômica, condição social ou poder aquisitivo. Tudo isto influencia nossa percepção da realidade e consequentemente a forma como vamos reproduzi-la em texto, áudio e imagens.
Como somos todos ativistas porque defendemos causas e se há diferentes formas de ativismo, então todos os ativismos são justificáveis e consequentemente respeitáveis. O diálogo entre iguais é a única forma de lograr uma convivência entre diferenças, que são inevitáveis e sempre existirão.
Mas quando se trata de defender privilégios e vantagens, descola-se o ativismo do seu contexto para acomodá-lo aos interesses setoriais e individuais. Aí o confronto é inevitável. É o que estamos vivendo hoje em dia. Mas a culpa não é do ativismo, mas sim da incapacidade ou decisão de não entendê-lo como um fato normal em nossa sociedade. O jornalismo, como um serviço de utilidade pública, sempre será uma forma de ativismo.
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