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Venezuela, que ditadura?

por Elaine Tavares

Ainda durante o governo de Hugo Chávez, a revista Veja, espaço de lixo jornalístico brasileiro escreveu o seguinte texto: “A Venezuela era, até o final do século XX, uma exceção na América Latina. Durante quatro décadas, entre 1958 e 1998, o país foi um exemplo de estabilidade política e de democracia no meio de um continente mergulhado em ditaduras militares. Seu relógio político obedecia a um fuso horário diferente do de seus vizinhos”. Para o escriba anônimo da Veja, depois de 1998 teve início, então, a “ditadura chavista”. Até ali era a paz.

Mentira. A Venezuela antes de Chávez era um país dominado por meia dúzia de famílias que enriqueciam por conta do petróleo. A maioria da população vivia na mais extrema miséria. Não havia qualquer preocupação com um desenvolvimento do país, visto que o petróleo, sozinho, dava conta da existência da classe dominante. A industrialização era mínima e a produção agrícola inexistente.

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Mulher caminha por rua de Caracas, capital venezuelana

Com a ascensão de Hugo Chávez, em 1998, por eleição direta, voto popular, as coisas começaram a mudar. A taxa de desemprego passou de 14% em 1999, ano que Chávez assumiu, para cerca de 8% em 2012, segundo dados do próprio FMI (Fundo Monetário Internacional). O PIB, que em 1998 era de 61 bilhões de dólares passou para 332 bilhões em 2012 e o índice de pobreza que era de 49% da população em 1999, passou para 29%.

O país que vivia ajoelhado diante dos Estados Unidos e dos demais países ricos começou a discutir soberania. A renda do petróleo que servia para enriquecer poucos passou a ser usada para benefício da maioria empobrecida. Teve início a prática da democracia participativa, na qual as pessoas organizam a vida e decidem sobre ela nos bairros, nas comunidades, nos espaços institucionais. A democracia viva e não apenas aquela falsa democracia que garante unicamente o direito do voto a cada quatro anos.

O governo de Chávez assume também a ideia bolivariana de uma América Latina unida. O mesmo velho bordão que tanto já tinha feito tremer os ricos do início do século 19. A sombra da soberania popular de Simón Rodríguez, da unidade e integração da Pátria Grande de Bolívar, tudo isso fez soar o alarme nos países que dominam a cena capitalista.  Não bastasse essa viragem política ainda havia o investimento num desenvolvimento endógeno, indústria, agricultura, produção de bens e ciência. Vieram as missões populares de educação, de saúde, de moradia, de alimentação, de segurança. As gentes tomando seus destinos na mão, governando junto, intervindo nas políticas. “Heresia, heresia, heresia”, começaram a gritar os donos do poder central.

Então, a Venezuela passou a ser enxovalhada e seu presidente mostrado como o diabo em pessoa. “Ditador, ditador, ditador”, esse era o grito de guerra que começava a ecoar capitaneado pelo braço armado da mídia imperial: a CNN, e reproduzido pelas demais filiais ideológicas. A ditadura a qual se referiam era essa. Um governo que ouvia o povo, um governo que levava o povo a participar de todas as instâncias da vida, um governo que distribuía a riqueza do petróleo antes concentrada. Isso é ditadura para os donos do poder.

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Hugo Chávez era homem de grande estatura intelectual e política, tinha um carisma incrível, coisa que acabou matizando o discurso de ódio dos países centrais. O rei da Espanha o mandou calar a boca, e recebeu resposta à altura, os Estados Unidos armaram – junto com a elite local – um golpe, e foram derrotados. A Europa toda compartilhou a gritaria de “ditadura, ditadura”, mas o discurso não colou. O fato é que Chávez se foi e os países centrais respiraram aliviados. Agora tudo poderia voltar a ser o “oásis” descrito pela revista Veja, de paz e tranquilidade para a meia dúzia de famílias que sempre chupou para si a riqueza do país. A população empobrecida seria banida do poder.

Não foi assim. O bolivarianismo tinha fincado raízes na população. Quinze anos de alfabetização política, de participação efetiva, de movimento popular não se esfumaçaram com a morte de Chávez. A semente havia germinado. A população elegeu então Nicolás Maduro para dirigir o país.

É claro que, não sendo Chávez, Maduro deu seu próprio ritmo ao processo democrático na Venezuela. Não tinha, nem tem, o carisma de Chávez, ou seu conhecimento sobre a política e a economia. Assumiu o governo em meio a um intenso ataque da direita – apoiada desde fora pelos países centrais. A eleição foi questionada o tempo todo e Maduro não teve um momento de paz. Começava um governo sob a sombra de Chávez e com todas as forças contrárias atuando fortemente. Iniciava aí mais um capítulo do crime de lesa humanidade que vem se perpetrando na Venezuela.

Sem força política para derrotar Maduro e o bolivarianismo, a direita venezuelana passou a investir na violência sistemática, a ponto de suas lideranças irem para a televisão incitar as pessoas ao crime, ao assassinato, à destruição. Por conta disso Leopoldo Lopez, prefeito de Chacao, foi preso. Foi ele o incentivador da “guarimbas” (barricadas de rua) que resultaram na morte de mais de 40 pessoas. Pois para os EUA e os demais inimigos da Venezuela ele virou um “mártir da democracia”.  A mídia dos países centrais passou a apresentar Lopez como prisioneiro político e desde aí essa é a versão que foi abraçado por todos. A mentira repetida que vira verdade.

Nessa semana um desses paus-mandados do império deu entrevista dizendo que a democracia está morta na Venezuela, e foi reproduzido por todos os meios de comunicação comerciais do mundo. A “ditadura” venezuelana que não quer libertar um “pobre rapaz”. Essa é a mentira que circula. A democracia para eles é a que serve aos interesses da minoria rica. O ilustre senhor da ONU não foi aos bairros, como o 23 de Janeiro, por exemplo, que concentra milhares de pessoas, muitas delas armadas, prontas para defender a revolução e os seus ganhos. A mando dos Estados Unidos, seu papel é fazer agitação e propaganda, pintando em cor-de-rosa aquele que foi o responsável por mortes e dor.

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O bolivarianismo vive na comunidade 23 de Janeiro

 A guerra econômica

Como a mentira da “ditadura”, mesmo espalhada aos quatro cantos do globo, não teve força para destruir a proposta bolivariana, a direita venezuelana e seus aliados de fora decidiram jogar outra carta: a destruição da força da população. E como? Imputando a fome e o desespero nas gentes. Com isso abalava a confiança e o governo haveria de cair. E foi assim que no final de 2014 começou a chamada “guerra econômica”, que consiste em esconder produtos básicos e provocar o sistemático desabastecimento dos mercados. Matar de fome as gentes para conseguir vencer o governo. Um plano criminoso que segue invisível porque, para a mídia comercial, é o governo bolivariano que causa todo o sofrimento. Na verdade, são os empresários locais que ainda dominam o setor de importações que estão provocando o desaparecimento dos produtos. É uma queda de braço da elite local com o governo bolivariano, na qual a população é que é atingida.

O governo tem respondido com a distribuição de produtos alimentícios e de primeira necessidade via os mercados populares, mas essa não é uma tarefa fácil. Há toda uma logística a constituir num cenário de guerra e golpe iminente. Assim, sem os produtos, a população enfrenta filas quilométricas, viaja para a fronteira com a Colômbia para comprar no país vizinho, ou amarga o sofrimento de não encontrar as coisas para comprar, mesmo tendo dinheiro para isso.

Ainda que se possa fazer todas as críticas aos erros do governo – e são muitos  – o que acontece hoje na Venezuela é um crime contra a população. E os autores desse crime são os representantes da direita, os que querem ver o país de novo nas mãos de poucos, os que querem quebrar a dignidade das gentes que fizeram acontecer a democracia participativa.

E quem é o país que financia a direita venezuelana, com dinheiro e ideologia? Os Estados Unidos. Esse país é o que manda seus acólitos pelo mundo a divulgar o “horror” que vive o povo da Venezuela, culpando o governo: “ditadura, ditadura, ditadura”. O caos da Venezuela é um caos provocado pelos inimigos da revolução bolivariana. Esses, que tem pavor de ver a maioria decidindo os caminhos.

Uma coisa que devemos nos perguntar é: O que torna a Venezuela uma ditadura? Desde a primeira eleição de Chávez em 1998, já foram realizadas mais de 15 eleições, diretas, com participação massiva. Que ditadura é essa, que dá liberdade, educação, saúde, moradia?  

Por que os governantes estadunidenses não gritam “ditadura, ditadura, ditadura” para o governo da Turquia, por exemplo? Porque o presidente Erdogan, um ditador, é um aliado!  Eis a questão. O presidente turco manda matar todos os seus adversários, mas ele é aliado dos EUA contra a Síria. Então pode! O governo turco tira liberdade individuais, extingue instituições, mas é aliado. Então pode! A Venezuela é que é uma ditadura? Um lugar onde é o poder popular que comanda. Que ditadura é essa?

Comparando Venezuela com os Estados Unidos já dá para ver a diferença. O governo de Hugo Chávez realizou mais de dez eleições gerais, com voto universal, fez uma nova Constituição com a participação massiva do povo, inaugurou o poder popular como o mais forte na ordem constitucional, criou espaços de participação popular em todos os lugares.

E os EUA?  Como elege seus governantes? Nem sequer 10% da população participa do processo eleitoral, que é indireto. Não há voto universal para eleger o presidente. O governo atua em cima de mentiras, como foi o caso da invasão ao Iraque por conta da invenção das armas químicas. A mesma mentira que agora estão querendo imputar à Síria. As gentes não têm qualquer mecanismo de participação. Toda a política é ditada desde as Fundações dos grandes milionários que comem gente nas guerras inventadas para concentração de mais poder.  Onde está, então, a ditadura?

Ora, no sistema capitalista de produção a ditadura é aquela que é exercida pela força do capital. Ditadura do dinheiro, de poucos sobre muitos. E quando alguém decide começar um caminho de escape tem de ser detido. Como foi o caso de Fidel – o qual sofreu mais de 600 atentados – e Chávez, que foi destruído.

Agora é a Venezuela que vive o drama do ataque imperial. Um ataque cruel, sem bombas, sem tanques, sem gente estraçalhada. Mas, um ataque sistemático, não se enganem. O crime que se comete hoje na Venezuela não é contra Maduro ou contra os dirigentes bolivarianos. É contra o povo, as gentes comuns. Essas que se levantaram, soberanas, prontas para construir outro caminho no país, uma trilha da qual todos podem ter acesso e participar ativamente de sua construção.

É isso que os países centrais – e a elite venezuelana – estão querendo destruir. Essa é a “ditadura” que querem ver apagada do mapa. Querem voltar a ser o país da Veja, “um exemplo de estabilidade política e de democracia”, sob a mão dura dos ricos.

Há erros do governo na condução das políticas. Muitos. Mas, o caos que a Venezuela vive é muito mais pela ação da guerra econômica criminosa do que pelos desacertos governamentais. Sem esse ataque sistemático, os erros poderiam ir se acertando, mas sob o bombardeio econômico e midiático, fica cada vez mais difícil. E, no meio do fogo cerrado, tendo de inventar a cada dia, os erros podem se agigantar. Quem perde com isso é a maioria.

Então, quando a mídia comercial mostrar “o caos” da Venezuela, há que matizar. Há que buscar as entranhas da vítima, ver o que está por trás, ir além das aparências.

O império sabe manejar seus pauzinhos, já o fez no Chile, quando derrubou Allende, no Panamá, quando matou Torrijos, no Haiti, quando sequestrou Aristide, em Honduras, quando depôs Zelaya e no Paraguai, quando conseguiu destruir Lugo. Matou Chávez e agora quer destruir Maduro. Enquanto não conseguir, vai cortar a carne das gentes. Sem dó.

A única esperança da Venezuela é seu povo. Até onde ele vai resistir é um mistério. Cuba, como a Venezuela passou por muitos ataques dessa natureza e venceu. É um exemplo luzindo no horizonte. Que a pátria de Bolívar saiba encontrar seu caminho.