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Vida e morte de Pasolini

Pasolini -A polêmica morte do cineasta Pier Paolo Pasolini é alvo de especulação até hoje. No dia 2 de novembro de 1975, na praia de Ostia, segundo a polícia, Pasolini foi assassinado pelo jovem Pino Pelosi. Cineasta, jornalista, escritor e poeta, Pasolini filmou, entre muitos outros, Mamma Roma (1962), Saló (1975) e Teorema (1968).

Homossexual assumido, Pasolini tinha o hábito de namorar jovens atraentes da periferia romana. O depoimento de Pelosi foi recheado de contradições e vários membros da Justiça italiana já declararam a vontade de reabrir o caso. Teorias de complô político e de participação de mais pessoas no assassinato ainda despertam dúvidas na opinião pública italiana.

pasolini
O escritor e cineasta Pier Paolo Pasolini

 

Devido ao seu gosto particular por escândalos, e com a fama advinda de seus filmes, Pasolini sofreu diversos tipos de perseguições e processos pela justiça italiana. Tudo era motivo para processá-lo.

Sua vida e seus filmes perturbavam a ordem da conservadora sociedade italiana dos anos 60, trazendo sempre questões novas e escondidas sob o véu da hipocrisia. Imagino como fez falta Pasolini no combate à figura dantesca de Silvio Berlusconi.

Veja a última entrevista de Pasolini (dois dias antes de morrer):

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Pasolini by Ferrara

Recentemente, “Pasolini”, do diretor norte-americano Abel Ferrara (Vício Frenetico (1992) e Cidade do Medo (1984)) foi exibido nas salas brasileiras. Ferrara concentra sua narrativa no último dia de vida de Pasolini. O ator Willem Dafoe interpreta o intelectual italiano em sua quarta parceria com Ferrara.

Dois filmes já abordaram a morte de Pasolini e apresentaram versões distintas. Para o diretor italiano Marco Tulio Giordana, em seu filme Pasolini – um delito italiano, a morte foi consequência de um grupo político que encomendou seu assassinato. O filme aponta graves erros no processo como provas destruídas, ocultação de evidências e testemunhas não ouvidas. Já para Nerolio, de Aurelio Grimaldi, a morte não passou de crime sexual.

Leia análise sobre o filme “Evangelho segundo São Mateus”, de Pasolini.

Pasolini e seu combate à sociedade de consumo

Em tempos como o de hoje em que a identidade do homem passa necessariamente pelo o que consome, Pasolini é mais atual do que nunca. Para ele, o verdadeiro fascismo era representado pela sociedade de consumo. Ele acreditava que o consumismo, poder desencadeador de toda a agressividade industrial, torna aceitável a exploração e a pobreza.

 “Detesto o que é relativo ao ‘consumo’, eu o abomino no sentido físico do termo (…). A antipatia que sinto em meu foro íntimo é tão insuportável que não consigo fixar os olhos por mais que alguns instantes numa tela de televisão. É um fato físico, me dá náusea. Aliás, toda a cultura de consumo me é intolerável, sem apelação”

Pasolini previa na época um futuro não muito promissor para a década de 70. O poder industrial transnacional que engloba sistemas econômico-sociais diferentes numa lógica sacrílega foi uma de suas grandes preocupações.

Colaborador de importantes publicações italianas, Pasolini começou tratando dos mais diversos assuntos no periódico Vie Nuove entre 60 e 65. Entre agosto de 68 e janeiro de 70, Pasolini escreveu no popular jornal Tempo (em 69, sua tiragem chegou a alcançar 400 mil exemplares), que ele próprio definiu como “uma frente de pequenas batalhas cotidianas”. No últimos anos de sua vida, colaborou com o conhecido Coriere della Sera.

Seus ensaios jornalísticos sempre ajudaram a sedimentar a imagem de polemista e crítico que até hoje prevalece. Em seus textos, Pasolini desenvolveu uma argumentação concentrada e estimulante.

 Na catarse coletiva com a missão de conquista do homem à lua, Pasolini era voz dissonante:

 “antes de mais nada, aborrece-me o nome Apolo, ridículo e retórico resíduo humanista — pesadamente hipócrita — servindo de marca para um objeto produzido pela mais avançada civilização tecnológica; experimento uma estranha antipatia pelos três astronautas, tipos de homens médios e perfeitos, exemplos de como se deve ser, inestéticos mas funcionais, privados de paixão e fantasia, mas impiedosamente práticos e obedientes — absolutamente carentes de qualquer capacidade crítica e autocrítica, verdadeiros homens do poder”.

Para Pasolini, os astronautas eram 'homens do poder'
Para Pasolini, os astronautas eram ‘homens do poder’

Com pontos de referência fora da situação italiana e “companheiro de viagem”, como se definia, do PCI (Partido Comunista Italiano), Pasolini viveu sob o signo de uma visão imóvel: a burguesia industrial capitalista como “doença” que corrompe inexoravelmente todas as formas de civilização.

Partidário de uma leitura desesperada da realidade, Pasolini sempre se destacou com visões muito particulares em sua época, como, por exemplo, sua opinião sobre o chamado Terceiro Mundo. Para ele, o bem-estar como mito subverte o valor tradicional nos países subdesenvolvidos, assim como as novidades da técnica e da informação cancelam todo o passado local.

Filho de pai militar e mãe professor, Pasolini publicou aos 20 anos seu primeiro livro, Poesias em Casarsa. Após crescer sobre a massacrante atmosfera do fascismo, graduou-se em Letras. Alguns anos mais tarde, foi morar em Roma onde passa dois anos desempregado em um bairro proletário.

Preocupado com a figura do intelectual na sociedade, Pasolini  pregava que o verdadeiro discurso intelectual não devia nunca adaptar-se e sempre levava as forças mais avançadas ao exame, à reflexão, à polêmica, envolvendo massas de leitores.

Em Teorema (1968), Pasolini analisa a família burguesa e seus valores. No filme, a estabilidade hipócrita é quebrada com a chegada de um visitante jovem e atraente que fará com que as insatisfações sejam deslevados à medida que o jovem vai se relacionando com cada um deles. A descoberta e a revelação dos desejos sufocados revolucionam a vida familiar.

O ator inglês Terence Stamp protagonizou Teorema, filme de Pasolini de 1968
O ator inglês Terence Stamp protagonizou Teorema, filme de Pasolini de 1968

Fonte usada: Pier Paolo Pasolini, de Maria Betania Amoroso, Editora Cosac & Naify.

Texto atualizado em 2 de março de 2016.